O projeto de lei 4376/93, instituindo a nova lei falimentar deveria ter sido votado em 16 de abril último, mas foi retirado da pauta e passada a votação para o início de junho. O motivo do adiamento procede, por dois motivos: para melhor exame das modificações introduzidas pelo Banco Central do Brasil e outra para a adaptação ao novo Código Civil. Há necessidade de algumas considerações sobre esses dois motivos.
O projeto da nova lei falimentar foi elaborado em 1992, há mais de dez anos portanto. Em todo esse tempo, ninguém se lembrou desse aspecto. É natural, contudo, já que o novo código adquiriu eficácia só em 11.1.2003. Se o projeto da nova lei falimentar tivesse sido aprovado em abril, a lei já teria surgido superada e inadequada aos nossos dias, trazendo o ranço do passado. O Instituto Brasileiro de Direito Comercial "Visconde de Cairú" apresentou os subsídios para as emendas necessárias, ao Relator do projeto, Deputado Osvaldo Biolchi; se elas forem introduzidas, a nova lei será modelo de perfeição e adequação ao moderno direito brasileiro.
Outro motivo do adiamento deve-se à intervenção do Banco Central do Brasil, trazendo sensíveis modificações ao projeto. A nova versão traz de volta o termo falência, que tinha sido substituído por "liquidação judicial"; essa mudança de nome não tem significado muito relevante. Contudo, introduz importante capítulo, o referente à "recupe-ração extrajudicial", revivendo a antiga "concordata amigável", existente em leis anteriores ao Decreto-lei 7.661 atualmente em vigor, e que fora abolida por este último.
A intervenção do BCB, com as exigências apresentadas, revelam o interesse mani-festo do Governo Federal nessa questão. Desde a posse do novo governo tem havido mani-festação das autoridades fazendárias pela adoção de nova lei falimentar, com mudanças ra- dicais no sistema falimentar brasileiro, um dos mais atrasados do mundo. Além disso, sem esse interesse oficial, estaria o projeto andando de forma muito lenta, já que está na Câma-ra dos Deputados há mais de dez anos.
Ao lado das exigências porém, manifestou o Governo Federal, por seu Ministro da Fazenda desejo de colaboração para a maior eficácia da nova lei: estaria ele disposto a abrir mão de privilégio seu no tocante aos créditos tributários; cessariam os privilégios, ombre-ando-os com os créditos quirografários.
Esse posicionamento é importantíssimo e louvável. Carece de glosa que a carga tribu-tária em cima das empresas é das mais pesadas. As dívidas para com o fisco são normal-mente bem altas no passivo das empresas. Torna-se pouco atrativa a "recuperação judicial"(instituto que substitui a antiga concordata) enquanto se mantiver esse privilégio. A empresa devedora encontra-se em difícil situação financeira, ou como diz a nova lei, em "estado de crise econômico-financeira" e pretende desafogar-se; porém, se tiver essa pretensão, terá que pagar os débitos públicos. Aliás, a comissão parlamentar revisora do projeto formou a opinião de que essa exigência legal inviabilizaria os novos institutos falimentares.
Há outro aspecto a ser considerado: a formação da empresa exige esforços variados e risco de todos os que nela integram. Os dirigentes entram com seu dinheiro, com a iniciati-va e com o risco, isto é, a álea do negócio; os empregados entram com seu trabalho e sua competência e também com o risco de ver um dia sua empregadora ir à bancarrota; os fornecedores entram com a matéria-prima; os bancos entram com o dinheiro. O fisco com nada. Na falência da empresa, todos saem perdendo, mas o fisco fica com a parte do leão.
Estaria nosso ministro da fazenda disposto a enviar ao Congresso Nacional emenda do Código Tributário Nacional para a eliminação desse privilégio. Conservando esse privi-légio, o que tem recebido o fisco no final dos procedimentos falimentares? Até agora nada.
Será então melhor ao Poder Público receber alguma coisa junto com os demais credores do que receber nada sozinho. Eis aqui o ponto nevrálgico da questão e esperamos que tudo dê certo e haja sensatez e compreensão para que o Brasil tinha sugestivo avanço em suas instituições jurídicas.
O projeto já foi bastante comentado mas o que resta fazer exige alguns comentários, mormente as contribuições do novo Código Civil. Um dos requisitos será a inclusão da desconsideração da personalidade jurídica(disregard theory) na nova lei. Verdade é que a desconsideração da personalidade jurídica já está definitivamente implantada em nossa legislação graças ao art.50 do novo código, como já houvera sido prevista no Código de Defesa do Consumidor e na Lei do Abuso do Poder Econômico. Já fora adotada pela juris-prudência em vários pronunciamentos de nossos tribunais. Todavia, como não é costume definitivamente arraigado, apresentará maior segurança na sua aplicação e restringirá os meios de defesa para os autores de crimes falimentares, se constar também da lei falimen-tar.
Outra inclusão exigida é a linguagem adotada pelo novo Código Civil, que tornou su-peradas algumas disposições da nova lei. Por exemplo, a própria ementa da lei diz que a fa-lência aplica-se a pessoas físicas que exerçam atividade econômica. De forma alguma a fa- lência pode aplicar-se a pessoas físicas, mas só às empresas. O projeto considera como pes-soa física o empresário individual, que se registra na Junta Comercial para exercer ativida-des empresariais em seu nome. Para o novo código este é uma empresa, um tipo de empre-sa. Há atualmente três tipos de empresa, claramente regulamentadas pelo novo código: o empresário, a sociedade empresária e a sociedade simples, todos eles devidamente descri-tos e regulamentados em nosso código.
Imperioso se torna também reproduzir o artigo da antiga lei referente à prescrição dos crimes falimentares. O prazo prescricional deve iniciar-se a partir da sentença que declara extinto o processo falimentar; assim é no Decreto-lei 7.661/45 e nas demais leis anteriores.
Estava no projeto que o prazo prescricional começa a partir da sentença declaratória da fa- lência. Seria garantir a impunidade aos criminosos, porquanto iriam eles protelando o pro-cesso até passar o período prescricional, como acontece atualmente. Não se sabe de alguém ter sido condenado por crimes falimentares até agora.