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Das razões de vedação da sexagem e eugenia na reprodução assistida

Este artigo possui como escopo o estudo de duas destas técnicas sitiadas em polêmicas e divergências e que, ainda que não sejam inéditas, foram revitalizadas em decorrência dos avanços tecnológicos, quais sejam, a Eugenia e a Sexagem.

1. INTRODUÇÃO

Os avanços extraordinários nas searas científicas e medicinais alcançados pela população nas últimas décadas deram mostra de que os limites do engenho humano ainda se encontram inexplorados. Drogas foram desenvolvidas, doenças curadas, procedimentos cirúrgicos de alta complexidade desenvolvidos com o intuito de que a humanidade possa progredir em sua caminhada de desenvolvimento e expansão.

De fato, a cada dia que passa, as pessoas se deparam com técnicas que, embora demonstrem o brilhantismo da capacidade dos humanos, vão de encontro com princípios humanitários e religiosos, tamanho o impacto gerado não somente na sociedade, mas naquilo na qual sempre se acreditou se tratar da “ordem natural” e, portanto, imutável da vida.

Este artigo possui como escopo o estudo de duas destas técnicas sitiadas em polêmicas e divergências e que, ainda que não sejam inéditas, foram revitalizadas em decorrência dos avanços tecnológicos, quais sejam, a eugenia e a sexagem em procedimentos de reprodução assistida; suas regulamentações (ou falta de) pelo ordenamento pátrio; o posicionamento bioético, acerca do tema e, sobretudo, os princípios que norteiam o impedimento destas.

Em breve explanação a ser desenvolvida no decorrer desta pesquisa, se entende por eugenia, palavra cujo significado seria “gerar bem”, tratando-se do conjunto de medidas auxiliadoras para o nascimento de filhos saudáveis; bem como do impedimento de nascimento de fetos portadores de injúria que dificultariam suas vivências de forma plena. Da eugenia, decorre o termo moderno eugenética, consistente na manipulação genética de embriões com o objetivo de se evitar doenças pré-dispostas ou ainda buscar a criação de humanos melhorados.

A sexagem, por sua vez, consistiria na escolha do sexo do nascituro, seja por motivos necessários a fim de se evitar doenças genéticas ligadas a esta característica ou simplesmente para a satisfação dos genitores.

Nessa esteira, a discussão gira em torno da vedação dessas técnicas e os motivos que norteiam a vedação, princípios biéticos, jurídicos, questões religiosas, antropológicas e especialmente sociais.

2. TEORIA GERAL DA EUGENIA E SEXAGEM

2.1. EUGENIA

A palavra “eugenia” deriva dos vocábulos gregos eu (bom) e genos (raça). Significa, portanto, “boa raça” ou ainda, “bem nascido”. O conceito de eugenia remonta a Francis Galton, estudioso inglês, que o define como “o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente”. Assim trata-se do ramo da ciência a partir do qual se visa ao melhoramento da espécie humana, de modo a ter indivíduos “perfeitos”.

Conforme a ciência foi se aperfeiçoando, a eugenia, nos moldes propostos por Galton, perdia cada vez mais espaço, dando lugar a outros estudos acerca do tema entre os quais há que se destacar a “eugenética”. Trata-se da evolução da eugenia, isto é, o melhoramento do ser humano não apenas através dos agentes sob seu controle social, mas se aplicando modernas técnicas científicas, tais como a biologia molecular e a engenharia genética.

Todavia, a utilização do termo “eugenia” ainda persiste. Nesse diapasão, convém dividi-la em duas modalidades: positiva e negativa. Eugenia negativa é a técnica cujo fim é a prevenção e cura de doenças e má formações de origem genética, ao passo que a eugenia positiva tem por escopo a melhora das capacidades humanas.

Por fim, a ideologia da eugenética, deu-se o nome de “eugenismo”. No Brasil, a primeira grande movimentação favorável à eugenia data de 1918, quando da criação da Sociedade Eugênica de São Paulo, liderada pelo médico Renato Ferraz Kehl, que acreditava que na aplicação dessas técnicas residia a solução para diversos males da sociedade brasileira.

No contexto global, os grandes defensores de tais ideais foram, indiscutivelmente, os nazistas, que viam na eugenia uma forma de auto afirmação para o mundo, no conturbado período entre as duas grandes guerras. Era verdadeira política de estado no Terceiro Reich. Destaca-se, por exemplo a proibição do casamento ou contato sexual de alemães com judeus, pessoas com alguma doença hereditária ou contagiosa e ainda a esterilização compulsória dessas pessoas ou quem a lei nazista assim determinasse, tais como homossexuais.

2.2. SEXAGEM

Consiste na utilização das técnicas de reprodução assistida visando previamente a escolha do sexo do nascituro em detrimento do outro.

Mas muitos podem questionar os motivos da seleção do sexo de uma criança, os religiosos podem, inclusive, discutir sobre a interferência na vontade divina. Ocorre que os motivos para selecionar o sexo do filho podem ser de cunho terapêutico ou não.

Na hipótese de sexagem terapêutica, por exemplo verifica-se casos em que casais portadores de graves doenças hereditárias ligadas ao cromossomo X, que afetam predominantemente o sexo masculino, recorrem a procriação assistida visando assegurar que tais males não sejam transmitidos à prole, a exemplo dessas doenças destaca-se a hemofilia A, distrofia muscular de Duchenne, adrenoleucodistrofia, entre outras.

Nessa seara, seria válido questionar a interferência médica para evitar moléstia no nascituro, uma vez que a Lei de Biossegurança (Lei n° 11.105/2005) autoriza o descarte de embriões, nos termos do Art. 5° do mesmo diploma. Entretanto, a seleção de sexo pode ser feita por razões bem menos altruístas, como por motivos culturais, sociais e equilíbrio entre os sexos numa determinada família. Nessa hipótese há uma certa resistência ética, religiosa é até mesmo jurídica.

Trata-se de um tema extremamente controverso, sob qualquer um dos aspectos que ensejam sua aplicação, encontrando oposição tanto de setores mais conservadores, quanto de setores mais liberais da sociedade.

3. DAS RAZÕES DA VEDAÇÃO À EUGENIA E À SEXAGEM NA REPRODUÇÃO ASSISTIDA.

3.1. VEDAÇÃO À EUGENIA

A eugenia busca, por meio da genética, aperfeiçoar a raça humana crente que a substituição dos genes “maus” pelos genes “bons” será capaz de conceber uma humanidade nova e melhorada. A reprodução eugênica de seres humanos é a promoção deliberada de determinados traços do reservatório gênico humano, por intervenção de reprodução seletiva, obtendo como resultado traços bem mais sucedidos do que as demais pessoas.

Ela é vista sob dois ângulos distintos, a eugenia negativa, cuja preocupação prevalente é prevenir e curar doenças e más formações de origem genética; e a eugenia positiva, cujo objetivo precípuo é a melhoria das capacidades humanas.

A eugenia negativa consiste em evitar transmissão de genes defeituosos, adotando para isso medidas preventivas como a limitação do casamento e / ou procriação destes, impedindo uniões de indivíduos com alto risco genético ou ainda através da eliminação física de seus portadores, como o aborto eugênico. Medidas anticoncepcionais e de esterilização também estão incluídas na conta da má procriação em geral.

A Corte Europeia de Direitos Humanos decidiu, no caso Costa and Pavan v. Italy (parágrafo 57 da sentença), que o desejo de ter um filho saudável, e de usar a reprodução medicamente assistida e o diagnóstico de pré-implantação, estaria dentro da esfera de proteção do direito ao respeito pela vida privada e familiar (art. 8 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem); Este tipo de eugenia não é muito discutido, dado o caráter de saúde implícito.

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A grande polêmica reside na eugenia positiva e seu ânimo em alterar a natureza humana.Trata-se de uma ação positiva de seleção, ou seja, uma conduta explícita de seleção de gametas voltada para obtenção de características desejadas como seres de inteligência elevada, com constituição corpórea distinta ou com alguma característica escolhida pelos pais num laboratório. Visa à melhoria das competências humanas diretamente em seu patrimônio genético.

Sabe-se que toda forma de eugenia é perigosa, porque tem a potencialidade de mudar nossas vidas criando uma nova linhagem de humanos melhores adaptados às condições de vida futura em consonância com a globalização, política e economia, transformando-o em uma série de dados genéticos, ou seja, a transformação do homem em coisa, e é um pequeno passo a ser dado, a partir daí, para tornar o homem meio de determinado fim.

Nesse sentido, Habermas acredita que a eugenia liberal, principalmente a eugenia positiva, causa graves danos a nossa autocompreensão normativa moderna, isto é, a nossa moral convencional, principalmente por conta de a responsabilidade, a imputabilidade e a simetria, nas relações entre os membros da comunidade, serem afetadas.

O problema dessa nova relação reside justamente no fato de que, quando um indivíduo toma, no lugar de outro, uma decisão irreversível, existe uma interferência profunda na constituição orgânica daquele que sofre as consequências dessa decisão, de tal modo que a simetria da responsabilidade, que marca a relação entre pessoas livres e iguais, torna-se limitada. (HABERMAS, 2004, p. 20).

A eugenia cria uma mudança no auto-entendimento como membros da espécie, alterando a imagem e identidade individual, por isso ela deve ser considerada como uma violação injustificável da autonomia pessoal, pois muda a imagem dos seres humanos como livres e iguais.

Ela tende a privilegiar a capacidade de operação, eficiência, perfeição e beleza física em detrimentos de outros tipos de existência considerada indigna, podemos citar, como exemplo, o filme Gattaca, de 1997, onde somente os filhos “perfeitos” têm valor e importância, pois foram “criados” para tanto.

A autonomia privada tende a acompanhar os avanços tecnológicos e científicos, o que obriga que balizas legais sejam criadas a fim de tutelar o que se entende como direitos irrenunciáveis, indisponíveis (tais como os direitos da personalidade) e o que se tem como moralmente aceito.

Não existe no Brasil uma legislação especial que regule a utilização das novas tecnologias reprodutivas, assim, os centros de procriação humana assistida proliferam e trabalham de acordo suas próprias convicções éticas. Há apenas uma sugestão de conduta que deve ser seguida por todos aqueles que pertencem à classe médica, sendo que quem fizer estará faltando com a ética profissional, mas não infringindo a lei.

Na ausência de legislação acerca da reprodução assistida, há inúmeros princípios constitucionais que tutelam expressamente a pessoa, e, por conseguinte, podem ser utilizados para a solução de conflitos, devendo ser respeitados e orientar a interpretação do intérprete, bem como os princípios orientadores da discussão bioética.

A UNESCO, pelo seu Comitê Internacional de Bioética, emitiu a Declaração Universal do Genoma Humano e Direitos Humanos, com o objetivo de satisfazer as lacunas decorrentes desta nova realidade, protegendo assim os direitos fundamentais de prováveis violações pela prática de algumas das técnicas de engenharia genética.

A liberdade de procriar é um direito subjetivo e personalíssimo, não podendo ser exercido de forma absoluta, por isso, encontra limites na ordem jurídica, como por exemplo, o princípio da dignidade da humana e o princípio da paternidade, que são limitadores lícitos ao exercício do planejamento familiar, consoante o texto constitucional, permitindo a imposição de restrições e de medidas protetoras.

O princípio da dignidade da pessoa humana, assegurado pela constituição federal, é o alicerce e o fundamento da Bioética e constitui o ponto de partida para a elaboração das leis que se referem ao Biodireito. Os inalienáveis direitos de ser e de estar em igualdade de condições humanas, éticas e jurídicas implicam a ressalva da diferença; dignidade e igualdade pressupõem diversidade que não se instala artificialmente, e sim elege respeito, possibilidades e limite.

A vedação constitucional à discriminação em razão da idade, sexo, cor, raça ou religião, ligada ao princípio da igualdade configuram parcela substancial da proteção jurídica da dignidade humana, baseada no respeito aos atributos pessoais, à liberdade, à integridade e à autonomia corporal. Sustenta aquela vedação a tutela do direito à vida, estabelecendo garantia universal e igualitária para sua promoção, proteção e recuperação, e impedem qualquer forma de eugenia.

As formulações jurídicas contemporâneas ainda não compõem um novo modelo jurídico, mas sugerem uma rígida revisão principiológica do Direito vigente; elas que têm a finalidade de regular relações decorrentes da aplicação da biotecnologia.

A revisitação crítica das categorias e conceitos jurídicos com vistas à readequação dos instrumentos jurídicos e sua possível superação se inserem nesse movimento teórico, sendo que o sentido e alcance dessas novas fórmulas jurídicas dependem de opções éticas e políticas que a sociedade ocidental toma diante dos avanços da ciência, em sua relação com o mercado.

O direito deve regular condutas e atentar-se às modificações do comportamento humano para atuar de forma que a comunidade respeite a parte ética definindo os bens jurídicos hierarquicamente, tais como: a vida, a liberdade, a igualdade e a dignidade humana. O papel do direito é preencher essa lacuna delimitando as pesquisas de modo a não prejudicar o avanço científico, mas impedindo ações lesivas ao homem e ao patrimônio natural.

3.2. VEDAÇÃO À SEXAGEM

A sexagem ou seleção de sexo é a separação de espermatozoides masculinos ou femininos dos embriões por meio da biópsia celular, descartando-se os indesejados. A técnica só se justifica nos casos que visam a prevenção de doenças genéticas associadas ao sexo, como a hemofilia, passada de mãe para filho.

A sexagem teve sua criação e evolução devido às ciências biotecnológicas por meio da Reprodução Humana Assistida (RHA), podendo ser conceituada como uma técnica ou intervenção planejada para aumentar a probabilidade de concepção, gestação e nascimento de uma criança de um sexo em detrimento de outro.

Nas palavras do professor de Bioética e Teologia da PUC-SP, João Batistiolle:

“A seleção do sexo do bebê é uma das questões mais controvertidas a que nos expõe o desenvolvimento da biogenética. Divide opiniões e é enganoso pensar que as posições liberais estão do lado dos cientistas, ou ver as posições conservadoras como deriváveis da consciência religiosa. Mesmo os liberais apontam problemas quanto à técnica utilizada na sexagem, devido aos riscos de complicações, desequilíbrio na população de homens e mulheres, discriminação contra a mulher.”

À luz dos aspectos éticos e, além disso, visando manter a técnica da reprodução assistida como uma representação de uma decisão afetiva, quando há problemas para gerar um filho, seja de ordem natural (esterilidade), ou física (casais homoafetivos ou família monoparental), a fim de que se diminuam ou se extingam as hipóteses de banalização de tal técnica.

Juridicamente falando, não há qualquer regulamentação legal e jurisprudencial sobre essa temática, o que remete hermeneuticamente aos costumes, princípios gerais do direito e nesse caso, em especial às resoluções do Conselho Federal de Medicina, que em 2010 editou uma resolução acerca do tema, qual seja a Resolução n° 1.957/2010 que proíbe expressamente a sexagem para fins não terapêuticos, autorizando apenas a técnica para fins médicos.

A evolução da biotecnologia, em especial das técnicas de RHA, traz inúmeros desafios à reflexão bioética. No Brasil, por meio da Resolução CFM n.º 1.358/92, instituíram-se as primeiras Normas Éticas para a Utilização das Técnicas de Reprodução Assistida; em 2010, essas diretrizes foram atualizadas pela Resolução CFM nº 1.957/2010 e em 2013 houve revogação das últimas diretrizes pela Resolução CFM nº 2.103/2013, na qual proíbe a aplicação de técnicas de RHA, cuja intenção seja selecionar o sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto quando se tratar de evitar doenças ligadas ao sexo do filho que venha a nascer.

A lacuna na legislação é perigosa, pois nos faz recorrer a princípios morais, acarretando a interferência de dogmas religiosos num Estado laico, por essa razão considera-se os aspectos religiosos nessa pesquisa.

O cristianismo e até mesmo o judaísmo deixam claro sua consideração de que o embrião, desde a sua concepção, já é um ser humano. Assim, logicamente, possui uma visão de que a RHA é a uma fecundação artificial e, por sua vez, altera a ordem natural da vida, portanto, é imoral.

Mesmo havendo a comprovação de que a RHA representa um avanço científico e, na medida em que suas técnicas são exploradas, são descobertas novas curas para doenças que no passado levavam à morte.

O cristianismo mantem-se firme no discurso de que a intromissão humana à reprodução é inadmissível, mais ainda quanto á sexagem. Moralmente, portanto, a sexagem não terapêutica é encarada como uma interferência descabida nos planos divinos.

No que tange aos aspectos antropológicos, entende-se majoritariamente que não há um empecilho ético quanto à sexagem, pois não existe uma consciência coletiva de que é melhor ou pior ter filho de determinado sexo, como é o caso dos países orientais.

A antropóloga Débora Diniz, professora na Universidade de Brasília, e conselheira do a International Association of Bioethics e da Feminist Approaches to Bioethics Network., considera:

“ (...) em tratamento de reprodução assistida e, segundo os relatos de casos em que esta escolha foi realizada, os critérios de seleção pautaram-se em preferências individuais ou familiares e não em valores culturais de desigualdade de gênero. A situação clássica é a de um casal que deseja balancear o número de filhas e filhos. Não é como em algumas sociedades onde há uma explícita preferência cultural por meninos em detrimento das meninas. Considerando o atual horizonte cultural e social brasileiro, não vejo qualquer problema na possibilidade da escolha do sexo do futuro bebê, em especial em situações onde se precisa escolher alguns embriões em detrimento de outros”

Uma das maiores preocupações quando falamos de sexagem é o desiquilíbrio demográfico, visto que seria muita pretensão e até uma utopia acreditar que os casais que realizam um procedimento tão caro e inacessível como a Reprodução Assistida seriam capazes de atrapalhar o equilíbrio entre homens e mulheres num país da extensão do Brasil.

Necessário considerar no que se refere à sexagem, o princípio que norteia o direito privado como um todo, é o da autonomia, afinal por mais racional que possa parecer, a Reprodução Assistida é um produto caro, no qual o “comprador” possui ou não a faculdade de escolher o sexo de seu bebê. Parte da comunidade médica acredita que é perfeitamente possível realizar essa escolha, uma vez que o paciente tem esse direito, quando feita por razões médicas. Logo, porque não atribuir essa prerrogativa também aos casais que querem equilibrar o número de filhos de um determinado sexo em sua família.

A manipulação na RHA pode favorecer uma reprodução despersonalizada, desumanizada e substituir o aspecto afetivo que motiva um casal a buscar um centro médico para realizar um procedimento tão sensível, por um tecnicismo que obscurece o seu significado, afinal fala-se de uma vida a ser gerada e outras que serão contempladas com a formação de uma nova família.

4. DO DIREITO COMPARADO

Conforme anteriormente demonstrado, não há proibição no ordenamento pátrio às práticas de eugenia e sexagem na reprodução assistida, constando tal impedimento somente através de Resolução do Conselho Federal de Medicina, tendo em vista que, embora sejam práticas antigas, as técnicas para aplicação das mesmas em procedimentos de reprodução assistida são frutos de avanços tecnológicos recentes.

Da mesma forma, percebe-se a ausência de jurisprudência relativa ao tema pelos supracitados argumentos.

Todavia, diversos países já elaboraram legislação relativa ao tema, se posicionando de forma favorável ou contra, a depender de aspectos culturais, históricos e principiológicos característico de cada um.

O Canada, por exemplo, veda a sexagem e a eugenética de forma expressa em sua Lei de Reprodução Humana Assistida (“Assisted Human Reproduction Act”, art. 5, “e” e “f”).

Já os Estados Unidos da América não possuem legislação federal relativa ao tema, existindo somente orientação do National Institutes of Health (Recombinant DNA Research Guidelines), na qual somente se delimita o norte a ser seguido por clínicas atuantes da área no sentido de se evitar riscos e danos a fetos e pacientes. A fiscalização fica a cargo da Recombinant DNA Advisory Committee, comissão subordinada ao NIH.

Os países europeus, por suas vezes, se mostram mais cautelosos quanto ao tema, possuindo dentro de seus ordenamentos jurídicos, em muitos casos, leis que vedam a prática de eugenia e sexagem, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana.

A França, na Lei nº 2004.800 (Loi de Bioéthique), não só proíbe a modificação genética de embriões como considera tal prática crime, além de impossibilitar o patenteamento de novas técnicas que envolvam a questão. As vedações encontram-se de acordo com o previsto no Código Civil francês, donde há previsão de proteção da integridade e ao respeito do corpo humano (art. 16).

A Alemanha, a despeito do período nazista, onde o eugenismo presente à época permitiu a promulgação de leis que permitissem a esterilização química de judeus, homossexuais e qualquer outro que não se enquadrasse no conceito de “ariano”, atualmente, através da Embryo Protection Law pune aqueles que utilizam embriões geneticamente modificados para fertilizações, todavia, permitindo tal prática em alguns casos, como no caso das modificações serem resultantes de efeitos colaterais de procedimentos (art. 5, parágrafo 1).

O Reino Unido, respeitada as particularidades inerentes ao sistema do “Common Law”, veda a eugenia e a sexagem em pelo menos duas oportunidades: na utilização de medicamentos e produtos que possam alterar características genéticas, quando deverá haver autorização da comissão responsável por pesquisa genética do país - o Gene Therapy Advisory

Committee (art. 19, parágrafo 3 do Medicine for Human Use Regulations de 2004), bem quando veda a alteração da estrutura genética de qualquer célula parte do embrião (Seção 10.4, v do Code of Pratice da Human Fertilisation Embryology Authority).

Os países orientais, tais como o Japão (Lei que regula a clonagem humana e outras técnicas similares de 2001, art. 1), Israel (Lei de Proibição de Intervenção Genética de 1999, renovada até 2015, art.3, parágrafo 2) e a Índia (decisão do Indian Council of Medical Research - ICMR), também dispõe de maneira semelhante, limitando as modificações genéticas em reproduções assistidas em decorrência de preceitos éticos.

A exceção se encontra na China. Tendo como característica a prática de eugenia e sexagem ao longo de toda a sua história e nenhuma lei vedando as mesmas, a China se mostra no sentido contrário às decisões da maior parte dos outros países no sentido de permitir estas técnicas na reprodução assistida. Atualmente, a mesma investe massivamente em pesquisas para mapeamento do genoma humano e na transmissão dos genes tidos como “melhores” para as futuras gerações – escolhas estas que, se não revistas, certamente criarão uma crise ética de proporções enormes

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As inovações tecnológicas conectadas à medicina e à biotecnologia, exigem dos operadores do direito e particularmente dos legisladores uma verdadeira maratona contra as lacunas que ainda temos no Direito Brasileiro. A Bioética busca sanar questões polêmicas e contraditórias acerca desses avanços, não obstante, é incontestável a insegurança jurídica que a ausência de lei traz aos jurisdicionados, em especial aos médicos e cientistas.

A liberdade de procriar é um direito subjetivo e personalíssimo, e está intimamente ligado à satisfação pessoal de cada cidadão, uma vez que a procriação faz parte do ciclo natural da vida e a impossibilidade de gerar implica em grande desprazer pessoal e até social.

A garantia da não interferência no planejamento familiar trazido pelo Art. 226 da Constituição Federal, é assegurada para aqueles que desejam realizar a RHA, entretanto a ausência de legislação acerca do tema dificulta o exercício desse direito.

No que tange a vedação, a eugenia e a sexagem não terapêutica se mostram plausíveis no plano moral, mas a ausência de determinação legal faz com que o tema seja fruto de discussões acaloradas, e as decisões sobre aplicar ou não as técnicas cabem às clínicas médica.

O confronto entre a autonomia e o princípio da dignidade humana, não possui uma solução concreta, mas tratando- se de um tema decisivo para toda a sociedade, as garantias individuais não podem se sobressair ao interesse público de uma sociedade equânime, sem uma “raça superior”. Portanto conclui-se que a vedação à eugenia positiva é benéfica à sociedade, uma vez que se pensarmos por uma perspectiva histórica veremos que a consciência coletiva de superioridade gera problemas irreversíveis, como por exemplo o nazismo alemão e sua crença na divisão de mundo entre arianos e não arianos.

Sobre a eugenia (eugenia negativa) e a sexagem terapêutica não há maiores discussões, uma vez que são baseadas nos princípios da bioética, da beneficência e da não maleficência, afinal porque gerar uma vida não saudável, quando podemos gerar uma vida saudável.

É importante que se destaque que a Reprodução Humana Assistida, não deve ser encarada como uma prateleira de bebês, onde por meio dessa técnica poderá se criar o filho perfeito.

Quando pensarmos em manipulação genética o primeiro princípio a se pensar deve ser o da dignidade humana, uma vez que esse ocupa o mais alto grau em nosso ordenamento jurídico e deve orientar toda e qualquer discussão no campo da reprodução assistida.

Por fim, salienta-se a necessidade da regulamentação legislativa acerca do tema para que ofereça segurança jurídica a todos aqueles que desejam se submeter à técnica, bem como aos médicos e profissionais envolvidos. Ademais, a votação e atualização do único projeto de Lei mais completo e abrangente sobre o tema, qual seja, PL n° 90/99, de autoria do Senador Lúcio

Alcântara e que com relatoria Tião Viana, é imperioso para a manutenção da ordem social.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DINIZ, Maria Helena. O Estado Atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2011.

MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Curso de Bioética e Biodireito. São Paulo: Atlas, 2010.

SALDANHA, Ana Claudia. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6412> Acesso em 12 de novembro de 2014.

OLIVEIRA, José Sebastião de. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/bh/jose_sebastiao_de_oliveira.pdf> Acesso em 12 de novembro de 2014.

SENADO FEDERAL. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=1304> Acesso em 12 de novembro de 2014.

SANTOS JÚNIOR, Eustáquio Claret dos. Disponível em <https://uspdigital.usp.br/siicusp/cdOnlineTrabalhoVisualizarResumo?numeroInscricaoTrabalho=3121&numeroEdicao=17> Acesso em 12 de novembro de 2014.

Sobre os autores
Erica Patricia Pereira Mioti

Estudante de Direito do 10º semestre da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Laís Costa Andrade

Estudante de Direito do 10º semestre da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Lucas Mendes Coelho Cruz

Estudante de Direito do 10º semestre na Universidade Presbiteriana Mackenzie

Alessandra Souza Silva

Estudante de direito do 10º semestre da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Marina Fróes

Estudante de Direito do 10º semestre da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Marianina de Fátima Pelegrino

Estudante de Direito do 10º semestre da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Leonardo Santos Luz

Estudante de Direito do 10º semestre da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Informações sobre o texto

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