1. A ação regressiva. Conceito e fundamento.
Busca-se, por meio deste pequeno trabalho, um breve apanhado de questões relativas à ação regressiva inserta no artigo 120 da Lei n.º 8.213/91.
Não raro, pessoas são obrigadas a suportar ônus resultantes de situações que foram causadas, total ou parcialmente, por terceiros. Estes ônus lhes cabem, a princípio, pela responsabilidade objetiva a que estão sujeito ou simplesmente pela situação de fato que se impõe.
Apesar de, num primeiro momento, arcarem com os ônus de tal fato, a lei lhes dá o direito de, regressivamente, receber do verdadeiro culpado aquilo que despenderam.
Esta regressividade se dá através da chamada ação regressiva.
Este direito há muito tempo se encontra no nosso arcabouço jurídico. O CC/16 já determinava:
(...)
Art. 1.524. O que ressarcir o dano causado por outrem, se este não for descendente seu, pode reaver, daquele por quem pagou, o que houver pago.
(...)
O direito de regresso estava previsto, podendo ser acionado por quem quer que tivesse despendido pecúnia por fato cuja culpa, total ou parcialmente, podia ser atribuída a outrem.
Tal preceito foi mantido, com muito acerto, no NCC/02:
(...)
Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz.
(...)
Assim, a responsabilidade daquele que pagou pode ser amenizada com a restitutio in integrum.
A responsabilidade do culpado pelo prejuízo já vinha bem delineada no CC/16, que dizia:
(...)
Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.
(...)
Tal sentido foi mantido no novo código civil (CC/02):
(...)
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
(...)
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
As normas citadas já servem para garantir o direito de regresso daquele que arcou com o ônus em face daquele que deu azo ao fato ocorrido em razão de negligência.
Esta situação não é rara, e, em especial, no que tange ao INSS. Pelo Brasil a fora, muitas empresas deixam de fornecer equipamento de segurança, criando um ambiente propenso ao acontecimento de acidentes de trabalho. E, infelizmente, eles acontecem por este fato na grande parte dos casos. O INSS é o agente que acaba suportando os ônus pelo resultado destes acidentes.
Conforme informam Lazzari e Castro:
(...) apesar da exigência legal de adoção, pelo empregador, de normas de higiene e segurança no trabalho, e da imposição de indenização por danos causados, em casos de conduta comissiva ou omissiva de empregador, o número de acidentados é absurdo. O aspecto da prevenção, em regra, é relegado a segundo plano pelas empresas, sendo a razão de tais números. (in Manual de Direito Previdenciário, Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, LTr. 3.ª ed. SP, 2002, p. 435.)
Os acidentes acontecem aos milhares, em grande parte com óbitos, e o INSS, por força da lei que ampara os contribuintes/beneficiários, acaba assumindo o ônus de pagar o benefício indicado ao caso.
Contudo, nestes casos (que são muito comuns) em que o acidente acontece pela falta de equipamentos de segurança, é a empresa, na qual ocorreu o acidente, responsável por este em face da sua omissão, vez que não cumpriu a lei, não fornecendo e/ou não obrigando os trabalhadores ao seu uso.
Como bem colocam os citados doutrinadores, a solidariedade social não pode abrigar condutas deploráveis como a do empregador que não forneça condições de trabalho indene de riscos de acidentes (Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, Ob. cit., p. 455)
Nestes muitos casos, o INSS pode e deve ir em busca da indenização para recompor os cofres públicos do dano que a empresa deu causa.
Os artigos acima citados já seriam suficientes para permitir que o INSS fosse em busca do que despendeu por culpa de uma empresa. Contudo, o legislador foi muito mais longe e específico, criando norma especial para o INSS buscar as indenizações que tem direito.
Assim, a ação regressiva ficou com a sua cerne fincada nos artigos 120 da Lei n.º 8.213/91. Ambos dizem:
(...)
Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.
(...) grifei.
O Regulamento da Previdência Social (Decreto n.º 3.048/99) também repetiu a matéria:
(...)
Art. 341. Nos casos de negligência quanto às normas de segurança e saúde do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva, a previdência social proporá ação regressiva contra os responsáveis.
(...)
Destarte, o legislador, ao mesmo tempo que não deixou o segurado desprotegido e dependente da atuação do empregador (tal qual era antigamente), deu ao INSS a possibilidade de reaver o montante que o Poder Público despender em virtude de acidente de trabalho causado, total ou em parte, por ação negligente do empregador.
2. A competência para o julgamento da ação regressiva prevista no artigo 120 da Lei n.º 8.213/91.
Antes de tudo, é necessário ter em mente que a ação regressiva que ora tratamos é uma ação de indenização, onde o INSS busca receber o que pagou e pagará em virtude de fato causado por terceiro.
Como ensinam Lazzari e Castro:
O caráter da ação é indenizatório, visando estabelecer a situação existente antes do dano - restitutio in integrum - ou impor condenação equivalente, diferentemente da concessão do benefício previdenciário, em que se visa à compensação mediante a prestação previdenciária. (in Manual de Direito Previdenciário, Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, LTr. 3.ª ed. SP, 2002, p. 435.)
Assim, em razão da posição traçada pela Constituição Federal, a presente causa deve ser julgada pela Justiça Federal, pois o INSS, como autarquia federal que é, lhe firma a competência.
Nestes termos o artigo 109, inciso I, da Constituição Federal:
(...)
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
(...) (grifei).
Neste sentido anda o e. Supremo Tribunal Federal:
(...)
II. Competência: Justiça comum: ação de indenização fundada em acidente de trabalho, ainda quando movida contra o empregador.
1. É da jurisprudência do STF que, em geral, compete à Justiça do Trabalho conhecer de ação indenizatória por danos decorrentes da relação de emprego, não importando deva a controvérsia ser dirimida à luz do direito comum e não do Direito do Trabalho.
2. Da regra geral são de excluir-se, porém, por força do art. 109, I, da Constituição, as ações fundadas em acidente de trabalho, sejam as movidas contra a autarquia seguradora, sejam as propostas contra o empregador. (in RE n.º 349.160-BA. Rel. Min. Sepúlveda Pertence - Informativo n.º 300) Grifei.
Assim também entende o e. Tribunal Regional Federal da 4.ª Região:
ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO ACIDENTÁRIA. DIFERENÇA DE AÇÃO REGRESSIVA DE REPARAÇÃO DE PERDAS E DANOS NO TOCANTE À COMPETÊNCIA.
- O disposto no art. 109, inc. I, da CF/88, aplica-se tão-somente às chamadas ações acidentárias que a Lei nº 8.213/91, em seu art. 129-II, remete ao procedimento sumário, não às ações regressivas movidas pela autarquia previdenciária para haver reparação de perdas e danos sofridos com o pagamento de indenizações ou pensões aos obreiros sinistrados. (TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 2002.04.01.049762-3 - UF: SC - Órgão Julgador: QUARTA TURMA - Data da Decisão: 02/04/2003 - Fonte DJU DATA:09/04/2003 PÁGINA: 586 DJU DATA:09/04/2003 - Relator JUIZ ALCIDES VETTORAZZI) grifei.
Da Justiça Federal, destarte, é a competência para julgamento da ação regressiva prevista no artigo 120 da Lei n.º 8.213/91.
3. Da responsabilidade das empresas.
O direito de regresso surge da negligência do empregador, que, ao não cumprir os ditames da lei em sede de prevenção de acidentes, acaba criando um ambiente propício ao acontecimento destes acidentes.
A própria Lei n.º 8.213/91 determina que:
(...)
Art. 19. (...)
§ 1º A empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador.
(...)
O mesmo artigo, em face da gravidade do ocorrido, transforma a atitude negligente em fato típico penal:
(...)
§ 2º Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho.
(...)
O não cumprimento destas regras aumenta inconseqüentemente o número de acidentes de trabalho. A preocupação é tão profunda, que a própria Assembléia Nacional Constituinte, ao criar a nossa Constituição Federal da República de 1988, erigiu a nível de garantia fundamental a proteção do trabalhador em face do empregador quanto a acidentes de trabalho. Diz a CF/88:
(...)
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
(...) grifei
Nem se tente argumentar que o simples pagamento do SAT (Seguro Acidente de Trabalho) exime a empresa de se preocupar com a segurança do trabalhador.
Se assim fosse aceito pelo direito, estar-se-ia, ao criar o SAT, estipulando um alvará do Poder Público para que as empresas fossem displicentes e despreocupadas com a segurança no trabalho. Neste absurdo caso, estaria estipulada a seguinte regra para as empresas: ou pague o SAT ou coloque os equipamentos de segurança que a lei determina. Por óbvio que o legislador jamais tomaria esta atitude.
O Direito exige que: (1) as empresas recolham o SAT e (2) providenciem os equipamentos de segurança para os trabalhadores. O descumprimento de qualquer um acarreta os ônus que lhe são peculiares.
4. A dupla função da ação regressiva proposta pelo INSS.
Quando se tratam de casos que vitimam de alguma forma as pessoas da sociedade, a legislação busca, primeiramente, meios de inculcar a prevenção. Seja através de propaganda, de imposição de deveres, de auxílios financeiros, etc., o Poder Público, de alguma forma, busca impedir que os infortúnios aconteçam. Muitos são, destarte, os instrumentos que o Poder Público lança para cumprir com as suas obrigações.
A ação regressiva inserta no artigo 120 da Lei n.º 8.213/91 é um destes instrumentos, que tem, aliás, uma função mista: (1) A primeira, de devolver aos cofres públicos a verba que o Poder Público não deveria ter gasto se as empresas que criam ambiente para o acontecimento de acidentes cumprissem o dever que a lei lhes impõe. (2) E a segunda, e certamente a mais importante, é a função preventiva.
O artigo citado tem por objetivo mostrar àqueles que não cumprem as regras afetas ao direito acidentário que irão arcar, no caso da ocorrência do infortúnio, com as despesas dele advindas.
A respeito, Sérgio Luís R. Marques ensina:
A ação de regresso que o INSS começará a propor visa, não só, reaver do responsável pelo infortúnio do trabalho o que efetivamente se dispendeu, mas objetiva, precipuamente, forçar as empresas a tomar as medidas profiláticas de higiene e segurança do trabalho. A fim de que a médio e curto espaço de tempo o número de acidentes de trabalho diminua. Aliás, tal meta é de interesse não só do acidentado, como de toda a sociedade, que vê estirpado de seu âmago indivíduo, muitas vezes, no limiar de sua capacidade produtiva, com prejuízos para todos. (in ação regressiva e o INSS. RPS 187/478)
Concluindo, a presente ação vem defender a sociedade por dois lados. A um, recebendo de volta o que pagou por culpa de terceiro. A dois, inculcando a prevenção nas empresas, para assegurar o bom e salutar ambiente de trabalho.
5. Da prescrição da ação regressiva do artigo 120 da Lei n.º 8.213/91.
A prescrição da ação regressiva, em qualquer caso, não tinha prazo específico no CC/16, sendo aplicável o prazo do artigo 177:
(...)
As ações pessoais prescrevem, ordinariamente, em 20 (vinte) anos, as reais em 10 (dez), entre presentes, e entre ausentes, em 15 (quinze), contados da data em que poderiam ter sido propostas. (Redação dada pela Lei nº 2.437, de 7.3.1955)
(...) grifei
Assim entende a maior parte da jurisprudência:
DIREITO CIVIL. CONTRATO DE SEGURO. PRESCRIÇÃO ÂNUA. ARTIGO 178, § 6º, II, DO CÓDIGO CIVIL. TERMO INICIAL. DATA DA CIÊNCIA DA RECUSA. RECURSO ESPECIAL. REEXAME DE PROVA. SÚM. 07/STJ.
I - A ação do segurado contra a seguradora, quando originária diretamente do contrato de seguro, prescreve em um ano, nos termos do artigo 178, § 6º, II, do Código Civil (Súmula 101/STJ), iniciando-se a contagem do prazo prescricional da data em que o segurado teve inequívoca ciência da recusa, não cabendo qualquer distinção quanto ao tipo de ação sujeita à prescrição, importando, apenas, na melhor exegese da norma, que a demanda tenha por fundamento o contrato de seguro. II - Nesse sentido, há que ser afastada a tese da prescrição vintenária, aplicável, por exemplo, quando a ação se fundar na sub-rogação de direitos, como acontece no caso de ação regressiva da seguradora proposta contra o responsável pelos danos causados no veículo do segurado.
(...) (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - RESP - 462876 - Processo: 200201027966 - UF: SP - TERCEIRA TURMA - Data da decisão: 26/11/2002 - Fonte DJ DATA:19/12/2002 - PÁGINA:363 - Relator(a) CASTRO FILHO)
No caso da ação em exame - a do artigo 120 da Lei 8.213/91 - o prazo prescricional era o mesmo, pois a ação é típica ação de indenização. O fato de ser proposta por ente público não desnatura a sua essência.
Com o novo Código Civil (CC/02), houve estipulação de prazo prescricional para a ação de indenização; ao contrário do código anterior.
O artigo 206, parágrafo 3.º, inciso V, do CC/02, determina:
Prescreve:
(...)
§ 3.º Em três anos:
(...)
V - a pretensão de reparação civil;
Destarte, entendemos que o novo Código Civil reduziu o prazo de 20 para 3 anos, o que demanda uma atuação mais acelerada dos órgãos envolvidos no procedimento que leva à ação regressiva proposta pelo INSS.
É claro que não devemos esquecer das regras de transição incertas no CC/02. O artigo 2.028 determina:
Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.
Assim, se no dia 11/01/2003 já tiver decorrido mais de dez anos do fato, continua a ser aplicado o artigo 177 do CC/16; se não, aplica-se o 206, § 3.º, V, do CC/02.
6. Conclusão.
Em suma, a ação regressiva é um instrumento que pode trazer de volta aos cofres públicos as verbas que foram despendidas por culpa das empresas, que não cumpriram as normas afetas ao bom e seguro ambiente de trabalho, bem como inculcar nas empresas os riscos do descuido consciente acerca da segurança no trabalho.
Em épocas em que o chamado "rombo na previdência" está tão em voga, a utilização da ação regressiva se faz mais do que necessária. Tal instrumento, que foi tão pouco usado desde a sua criação, precisa sair da letra seca da lei e cumprir o seu papel.
Mais do que amenizar e estancar o sangria de recursos da previdência causada por empresa desleixadas com a segurança no trabalho, a ação regressiva é, sem dúvida, um instrumento que pode salvar algo muito mais importante: a vida humana.