Em 8 de abril de 2015 foi discutido e deliberado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nos autos do Agravo Regimental na Progressão de Regime na Execução Penal 12, do Distrito Federal (AgRg na EP 12) a possibilidade ou não de progressão de regime em caso de inadimplemento deliberado da pena de multa prisional.
O relator para o acórdão foi o Ministro Roberto Barroso e o julgamento foi por maioria, vencido apenas o Ministro Marco Aurélio.
O fato: o apenado foi sentenciado por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro à pena de 6 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, bem como multa fixada em 330 dias-multa, sendo-lhe denegada a progressão de regime em função de, apesar de notificado, não haver recolhido a multa prisional.
Argumentos lançados pelo agravante: a) o pagamento prévio da pena de multa não é requisito legal para a progressão de regime, sendo vedada a conversão da multa em prisão (Código Penal, art. 51); b) jurisprudência do STJ e STF não admitem sequer habeas corpus para questionar pena de multa; c) todos os requisitos do art. 112 da Lei das Execuções Penais (LEP) foram preenchidos.
O relator do acórdão, ao decidir, deixou consignado que: a) a pena de multa não perdeu seu caráter de sanção penal, a teor do que dispõe a Constituição Federal de 1988 (CF/88), art. 5º, XLVI, e CP, art. 32, apenas deixando de ser, com a Lei 9.268/1996, convertida em prisão, passando a ser exigida como "dívida de valor" (CP, art. 51); b) na criminalidade econômica a pena de multa exerce papel de prevenção específica, geral e de retribuição, devendo desestimular o infrator; c) em função disso, precisa ser aplicada com seriedade, proporcionalidade e ser efetivamente paga.
Segundo ainda o relator, o art. 112 da LEP não encerraria todas os pressupostos existentes para progressão de regime, tanto que, na EP 22 (execução penal do ex-deputado federal do PT, João Paulo Cunha), o STF reconheceu a constitucionalidade do art. 33, § 4º, do CP, que impõe ao apenado a reparação do dano causado à administração pública como condição para a progressão de regime.
Conforme o voto do Ministro Barroso, o mesmo raciocínio foi empregado quando da edição da Súmula Vinculante (SV) 26 ("Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 8.072/90, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico".), em que pese a Lei 10.792/2003 haver alterado o art. 112 da LEP para extirpar de sua redação a exigência de exame criminológico como requisito para progressão de regime,
Referindo-se a todo tempo ao uso das conclusões do acórdão como parâmetro para julgamentos posteriores de progressões de regime de execução de penas por crimes de colarinho branco, o relator deixa claro que, nesses tipos de delito, o pagamento da pena de multa faz-se essencial, e que "...o não recolhimento da multa por condenado que tenha condições econômicas de pagá-la, sem sacrifício dos recursos indispensáveis ao sustento próprio e de sua família, constitui deliberado descumprimento de decisão judicial e deve impedir a progressão de regime."
A hipótese de afastamento da exigência, por fim, segundo o relator, deverá ser verificada após comprovada nos autos situação de absoluta incapacidade econômica do apenado, impossibilidade essa que chegue inclusive ao ponto de não poder o apenado efetuar o pagamento de modo parcelado, tal como previsto no CP, art. 50.
Parece-nos acertado o rumo tomado pelo STF no caso sob análise, principalmente no que diz respeito aos crimes contra a administração pública, em que costumeiramente há desvios de dinheiro, ou para grandes traficantes de drogas ilícitas, por exemplo, pois, como sabemos, a pena pecuniária, a "dor" no bolso provocada pela intervenção estatal, traz mais efeitos retributivos do que a pena física, de restrição meramente da liberdade individual.
Outrossim, de acordo até com o que restou consignado nos votos dos ministros que se seguiram ao relator, há razões legais de sobra para se chegar à conclusão de que o pagamento da pena de multa, quando existirem condições para fazê-lo por parte do apenado, condicionaria a progressão do regime de pena privativa de liberdade.
O CP, art. 36, § 2º, por exemplo, determina a transferência do apenado do regime aberto, se, podendo, não pagar a multa cumulativamente aplicada, o mesmo dispondo a LEP, art. 118, § 1º, sem que isso (exigência de pagamento da multa como condicionante à progressão de regime prisional), signifique violação ao princípio da legalidade (CF/88, art. 5º, II).
Não bastasse isso, a LEP, art. 114, II, exige a demonstração, pelo apenado, de autodisciplina e senso de responsabilidade. Na medida em que deixa propositadamente de pagar a multa penal, é transmitida imagem justamente de falta de autodisciplina e irresponsabilidade, por desrespeito a uma decisão judicial, não fazendo por merecer a progressão para regime prisional mais brando.
Evidentemente que o não pagamento da multa penal por quem não tenha condições de fazê-lo – e a miséria daqueles que ocupam as vagas do Sistema Penal brasileiro nos leva a crer que será a maioria esmagadora dos casos – não poderá servir de empecilho à progressão de regime, servindo a execução fiscal.
Nossa maior preocupação logo que noticiado o julgamento do AgRg na EP 12, do STF, foi justamente o represamento que poderia causar nas progressões de um sem-número de pessoas sem condições financeiras sequer para sobreviver e que encontram-se presas.
Contudo, pela leitura que fizemos do inteiro teor do voto do relator, entendemos que a preocupação, plenamente justificada, foi de tentar moralizar e aplicar a legislação em vigor para os casos em que deliberadamente o apenado, mesmo apresentando condições de efetivar o pagamento da multa, deixa de fazê-lo, empurrando a exigência da multa penal para o moroso caminho da execução fiscal, levando a descrédito juízes e tribunais (o sistema penal a reboque).
Sabendo-se que a multa, e aqui caminhamos à conclusão, inobstante ser também dívida de valor, continua mantendo, por dicção constitucional, seu caráter de pena, entendemos, pois, correta a exegese aplicada pelo STF nos autos do AgRg na EP 12, devendo o pagamento da multa servir como elemento de análise pelo juiz da execução penal como critério para merecimento do apenado à progressão de regime.