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A Lei nº 10.684/03 (REFIS) e seus efeitos frente aos processos-crime em andamento

A Lei 10.684/03, que alterou a legislação tributária, dispondo sobre o parcelamento de débitos junto à Secretaria da Receita Federal, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao Instituto Nacional do Seguro Social, tratou, em seu artigo 9º e parágrafos, da suspensão da pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º, da Lei 8.137/90 e nos arts. 168– A e 337 – A, ambos do Código Penal.

Com relação à Lei 9.964/00, que até então tratava do Refis, a nova legislação trouxe algumas inovações, uma vez que a antiga lei estendia seus efeitos, de forma expressa pelo artigo 15º, "caput" e seu § 2º, I, aos tributos estaduais e municipais, bem como exigia que a inclusão no Refis ocorresse antes do recebimento da denúncia, situações não previstas na Lei 10.684/03, conforme se observa:

Art. 9. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

§ 1º. A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§ 2º. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.

As alterações trazidas dizem respeito ao momento da inclusão no Refis, a qual não se exige mais que ocorra antes do recebimento da denúncia, e à exclusão da previsão que estendia o benefício aos tributos estaduais e municipais.

Com relação à inclusão no Refis, a Lei 10.684/03, ao não exigir que ela ocorra antes do recebimento da denúncia, possibilitou que a adesão ao parcelamento possa acontecer mesmo nos casos em que a denúncia já tenha sido recebida e o processo iniciado, independente da fase que se encontre, nos parecendo, portanto, bastante claro que a atual legislação, com relação às Leis 9.964/00 e 9.249/95, foi excepcionalmente inovadora e benéfica.

Inegavelmente que a situação estabelecida pelo artigo 9º, da Lei 10.684/03, típica hipótese de novatio legis in mellius, retroage para beneficiar o réu, por força do disposto no artigo 5º, XL, da CRFB/88, e artigo 2º, parágrafo único do Código Penal.

Até porque, cuidando a lei de matéria atinente à extinção da punibilidade, constitui-se em norma de cunho material, aplicando-se, sem dúvida alguma, o citado artigo segundo.

Ensina Mirabete, que são "normas penais as que versam sobre o crime, a pena, a medida de segurança, os efeitos da condenação e, de um modo geral, ao jus puniendi (por exemplo, extinção da punibilidade)" [1].

Este raciocínio já foi aplicado ao Refis anterior, que retroagiu para beneficiar mesmo àqueles que estavam sendo processados criminalmente, mas que já haviam parcelado o débito antes do recebimento da denúncia, porém em época que ainda não existia lei regulando a matéria:

OMISSÃO DO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. DENÚNCIA RECEBIDA. DESPACHO DETERMINANDO A SUSPENSÃO DA AÇÃO PENAL FACE CONFIRMAÇÃO DO INGRESSO NO REFIS ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO DO MPF.

1. A Lei nº 9.964/00 não viola os princípios constitucionais da isonomia e moralidade, sendo aplicável retroativamente, pois na sua totalidade, é mais benéfica ao acusado.

2. Ofício do INSS, subscrito pela gerência de grandes devedores, comprovando o ingresso no REFIS, supre a inexistência nos autos do termo de opção e dos discriminativos dos débitos incluídos no programa.

3. Uma vez comprovada a inclusão no REFIS antes do recebimento da denúncia aplica-se a suspensão da pretensão punitiva do Estado, nos exatos termos do art. 15 da Lei nº 9.964/00, ainda quando a denúncia já estivesse recebida.

4. Aplicação do artigo 61 do CPP por extensão. Recurso improvido [2].

Conclui-se, portanto, que por ser a Lei 10.684/03 mais benéfica, já que não exige que o parcelamento ocorra antes do recebimento da denúncia, deve retroagir e alcançar àqueles que aderiram ao Refis após o recebimento da denúncia e, mesmo assim, estão sendo processados criminalmente, devendo o processo restar suspenso nos termos da atual legislação.

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De outra parte, ainda que a Lei 10.684/03 não tenha expressamente encampado os tributos municipais e estaduais, não há como duvidar que o benefício ora enfocado se aplica aos mesmos, pelo princípio da isonomia.

É de se observar que o artigo 9º, do diploma legal por último citado, é aberto, ditando a suspensão da pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, sem qualquer referência a origem ou espécie de tributo.

Com relação à legislação anterior, já se manifestou Andreas Eisele [3]:

Ainda que o dispositivo instituidor do benefício (art. 15, caput e § 2º da lei nº 9.964/00) faça remissão expressa a uma espécie de moratória, consistente no parcelamento do débito tributário denominado ‘Refis’, devido ao fato de ser uma norma penal benéfica ao sujeito, deve ser aplicada por analogia a todas as hipóteses em que se verificar o substrato fático respectivo, ou seja, a concessão de uma moratória anteriormente ao início do processo penal, em face do princípio da igualdade. Dessa forma, devido à natureza do instituto (moratória), os efeitos jurídicos deste decorrentes devem incidir sobre todas as situações análogas, independentemente da denominação que se lhe atribua. Portanto, a suspensão da pretensão punitiva decorre da obtenção da moratória pelo agente, independentemente do tributo (ou contribuição social) evadido ou do nome do programa que instituiu o benefício".

Conclui-se, ademais, que a Lei 10.684/03 possui um alcance ainda maior, eis que, por ser mais benéfica e tratar de matéria pertinente à extinção da punibilidade, deve retroagir e alcançar, além daqueles que foram incluídos no Refis após o recebimento da denúncia, também aos que quitaram integralmente o débito posteriormente ao início do processo crime.

Vale lembrar que a Lei 9.249/95, em seu artigo 34, prevê a extinção da punibilidade dos crimes definidos na Lei 8137/90 e na Lei 4.729/65, quando o pagamento do tributo ou contribuição social seja efetuado antes do recebimento da denúncia.

Apesar desta previsão ter sido objeto de uma lei que tratou de matéria atinente ao imposto de renda, portanto de competência da União, é incontroverso que o benefício se aplica também aos tributos estaduais, em consonância ao princípio da isonomia, conforme pacífico entendimento da doutrina e jurisprudência pátria.

Ensina Juary C. Silva [4] que, "conquanto inserido em lei relativa ao imposto de renda e à contribuição social sobre o lucro líquido, não resta dúvida que esse dispositivo tem alcance genérico, abrangendo todos os tributos, e não apenas os nominados, em face da generalidade da redação".

Ora, se aqueles contribuintes em débito para com o fisco, mesmo estando respondendo ao respectivo processo crime, uma vez incluídos no Refis, terão prazo de até 180 meses (quinze anos) para efetuarem o respectivo pagamento e, sendo pontuais, terão ao final extinta a punibilidade, com muito mais razão que o artigo 9º, da Lei 10.684/03 haverá de beneficiar também aqueles que, independente do Refis, já quitaram seus débitos integralmente, mesmo que posterior ao recebimento da denúncia, sob pena de beneficiar quem fez o menos (apenas parcelou e terá até 180 meses para pagar) e prejudicar quem fez o mais (devia ao Estado e pagou, independente de parcelamento, integralmente o débito).

Portanto, se a Lei 10.684/03, por ser norma mais benéfica retroage e beneficia a quem aderiu ao Refis mesmo após o recebimento da denúncia, também deve beneficiar a quem pagou o tributo devido após o recebimento da denúncia, por ser fato absolutamente normal em termo de política tributária, onde a intenção maior do Estado não é penalizar o cidadão, mas sim tê-lo adimplindo seus encargos tributário e, certamente, gerando outros.


Notas

01. Processo penal. 3 ed. SP: Atlas, p. 58.

02. Recurso em Sentido Estrito nº 2001.04.01.056950-2/RS, 8ª Turma do TRF da 4ª Região, Rel. Juiz Volkmer de Castilho, j. 24.09.2001, Publ. DJU 24.10.2001, p. 436 - destacado.

03. SALOMÃO, Heloisa Estellita. (coord.). Direito penal empresarial. SP: Dialética, 2001. in "A reparação do dano no direito penal tributário" p. 29 - destacado.

04. Elementos de direito penal tributário, SP: Saraiva, 1998. p. 158.

Sobre os autores
Fabiano Oldoni

Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí . especialização em Direito Penal Empresarial e graduação em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí. professor titular das disciplinas de Direito Processual Penal e Prática Jurídica Processual Penal (EMA) pela Univali e Coordenador do Projeto de Execução Penal junto ao Sistema Penitenciário de Itajaí (convênio UNIVALI/CNJ). Advogado, autor do livro Arrendamento Mercantil Financeiro e de vários artigos publicados em revistas e periódicos.

Roberta Miranda da Silva

acadêmica de Direito na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLDONI, Fabiano; SILVA, Roberta Miranda. A Lei nº 10.684/03 (REFIS) e seus efeitos frente aos processos-crime em andamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 105, 16 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4430. Acesso em: 22 nov. 2024.

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