Sumário: 1. Conceito. 2. Classificação dos Crimes de Perigo. 2.1. Concreto X Abstrato. 2.2. Individual X Coletivo. 3. Indicação do Sujeito Ativo e Passivo Consumação e Tentativa dos Crimes de. 3.1. Epidemia. 3.2. Envenenamento de água ou substância alimentícia ou medicinal. 3.3. Corrupção ou Poluição de Água. 3.4. Falsificação corrupção adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios. 3.5. Falsificação corrupção adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais. 3.6. Exercício Ilegal da medicina arte dentária ou farmacêutica. 3.7. Charlatanismo. 4. Análise de Acórdão. 5. Bibliografia.
1. Conceito
Os crimes de perigo, na visão de Rogério Greco “não exigem a produção efetiva de dano, mas sim, a pratica de um comportamento típico que produza um perigo de lesão ao bem juridicamente protegido, vale dizer, uma probabilidade de dano. O perigo seria, assim, entendido como probabilidade de lesão a um bem jurídico-penal”.
Ele explica que o legislador, ao criar uma figura típica de perigo, quer, na verdade, proibir ou impor comportamentos que tenham probabilidade de causar danos aos bens jurídico-penais. O crime de perigo seria “um degrau antecedente ao crime de dano. Consequentemente, pune-se o comportamento perigoso a fim de que se possa, no futuro, evitar o dano”.
O autor Mirentxu Corcoy Bidasolo segue a mesma linha de raciocínio ao explicar que o crime de perigo refere-se à necessidade de qualificação de “uma conduta como perigosa que deverá ser colocada como um problema de probabilidade de lesão no caso concreto, atendendo aos bens jurídico-penais potencialmente postos em perigo e ao âmbito de atividade donde se desenvolve essa situação, independentemente se o autor pode evitar a lesão, seja através de meios normais ou extraordinários”.
Então podemos entender que perigo é a possibilidade de dano ou a probabilidade de lesão. Crime de Perigo é aquela espécie de injusto penal que se satisfaz/se consuma com a mera ameaça de lesão (ou perigo de lesão) ao bem jurídico tutelado.
2. Classificação dos crimes de perigo
2.1. Concreto X Abstrato
Crimes de Perigo Presumido ou Abstrato é o perigo já considerado pela lei (de maneira presumida) pela simples prática da conduta típica. O tipo penal se limita a descrever a conduta, sem qualquer referência a resultado naturalístico. Justamente por isso foram nomeados pela doutrina (em geral) como “crimes de mera conduta”.
Trata-se de presunção legal absoluta (“juris et de jure”) de perigo, e independe de prova. O perigo, aqui, é visualizado pelo legislador ex ante, ou seja, o legislador comina uma pena à conduta pelo mero fato de considerá-la perigosa, independente da existência de perigo real no caso concreto.
Ignácio Verdugo, Arroyo Zapatero, García Rivas, Ferre Olivé e Serrano Piedecasas, distinguem o crime de perigo abstrato do crime de perigo concreto quando dizem que os primeiros “constituem um grau prévio a respeito dos delitos de perigo concreto. O legislador castiga aqui a perigosidade da conduta em si mesma. Por exemplo, é um delito de perigo abstrato conduzir um veiculo a motor sob a influencia de bebidas alcoólicas, drogas tóxicas ou estupefaciantes (art. 379, CP).
A consumação de um delito de perigo concreto requer a comprovação, por parte do juiz, da proximidade do perigo ao bem jurídico e da capacidade lesiva do risco. Por esta razão, estes delitos são sempre de resultado. Os delitos de perigo abstrato são, ao contrario, delitos de mera atividade; se consumam com a realização da conduta supostamente perigosa, por isso, o juiz não tem que valorar se o estado de embriaguez do condutor trouxe ou não concreto perigo a vida de tal ou qual transeunte para entender consumado o tipo”
Para Pierpaolo Cruz Bottini o perigo abstrato “é a técnica utilizada pelo legislador para atribuir a qualidade de crime a determinas condutas, independentemente da produção de um resultado externo. Trata-se de prescrição normativa cuja completude se restringe a ação, ao comportamento descrito no tipo, sem nenhuma referência aos efeitos exteriores ao ato, ao contrário do que ocorre com os delitos de lesão ou de perigo concreto ... eles prescidem da referência a fenômenos externos a atividade descrita como ilícita. Sob o aspecto formal, a mera prática da conduta indicada na normal exaure os aspectos objetivos do tipo penal”.
Rogério Greco assevera que na modalidade de perigo abstrato “a lei penal presume a colocação em perigo do bem juridicamente protegido pelo tipo. Isso significa que, uma vez determinado pela lei penal que o comportamento previsto no tipo penal é perigoso, independentemente do risco que venha a sofrer o bem juridicamente protegido por ele, tem-se como configurada a infração penal [...] assim, os crimes de perigo abstrato não resistem a uma depuração principiológica”.
Crimes de Perigo Concreto é o perigo que necessita de efetiva comprovação no caso concreto mediante atividade probatória regular. Não há qualquer presunção legal e a configuração do crime depende da prova concreta do risco de lesão ao bem jurídico protegido. A análise do perigo é feita ex post, ou seja, cabe a verificação se a conduta gerou ou não um perigo de dano no caso concreto.Fica evidente que geralmente, os tipos penais que contêm as expressões “gerando perigo de dano”, “expondo a perigo” são tipos penais de perigo concreto.
Nos crimes de perigo concreto, para o referido autor, diferentemente do que ocorre nos crimes de perigo abstrato “além da necessária comprovação da conduta por parte do agente, devera ser afirmado que, no caso concreto, aquele comportamento – positivo ou negativo – trouxe efetivamente perigo de dano a um bem juridicamente protegido”.
2.2. Individual X Coletivo
Crime de Perigo Individual ocorre quando a exposição a perigo de lesão se dirige ao bem ou ao interesse de uma só pessoa ou a número determinado de pessoas (risco de dano à bem jurídico individual ou plural limitado), ou seja, alcança pessoa certa ou grupo limitado. Ele esta previsto no Capítulo III do Título I do CP: Da Periclitação da Vida e da Saúde (arts. 130. a 136).
Rogério Greco considera individual o perigo quando “a conduta do agente atinge uma pessoa ou, pelo menos, um grupo determinado de pessoas. Coletivo é o perigo provocado pelo agente que atinge a coletividade, ou seja, um número indeterminado de pessoas”.
Como podemos analisar, crime de Perigo Comum ou Coletivo se da com a exposição a perigo de lesão se dirige ao bem ou ao interesse de toda a coletividade ou a número indeterminado de pessoas (risco de dano a bem jurídico coletivo ou plural ilimitado), alcançando o todo ou grupo ilimitado. Previsto no Capítulo I do Título VIII do CP: Dos Crimes de Perigo Comum (arts. 250. a 259)
James Tubenchlack explica que “na legislação penal básica (CP), os delitos de perigo individual, que atingem uma só pessoa ou um numero reduzido ou determinado de pessoas, encontram-se v.g., nos arts. 130. (perigo de contagio venéreo), 132 (perigo para a vida ou a saúde), 133 (abandono de incapaz), 134 (exposição ou abandono de recém nascido), 136 (maus-tratos) e 137 (rixa). Quanto aos crimes de perigo coletivo ou comum, avistam-se nos arts. 250. e seguintes (incêndio, explosão, uso de gás toxico ou asfixiante, inundação etc)”.
3. Indicação do sujeito ativo e passivo; elemento subjetivo do tipo; consumação e tentativa dos crimes de:
3.1. Epidemia
“Art. 267. – Causar epidemia, mediante a propagação de germes patogênicos:
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos.
§ 1º - Se do fato resulta morte, a pena é aplicada em dobro.
§ 2º - No caso de culpa, a pena é de detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, ou, se resulta morte, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.”
Sujeito Ativo: É crime comum. Qualquer pessoa poderá praticá-lo.
Sujeito Passivo: A coletividade.
Elemento Subjetivo do Tipo: É o dolo do agente em querer causar a epidemia. No entanto, o erro de tipo quanto à potencialidade infecciosa de determinados micro-organismos excluirá o dolo e, consequentemente, o crime.
Consumação: O delito é material, pois o tipo penal ao descrever a conduta, exige a produção do resultado, sendo assim, o crime se consumará quando ocorrer o surgimento de inúmeros casos de pessoas acometidas com a doença causada pelos germes patogênicos.
Tentativa: é admissível.
3.2. Envenenamento de água ou substancia alimentícia ou medicinal
“Art 270 – Envenenar água potável, de uso comum ou particular, ou substância alimentícia ou medicinal destinada a consumo”
Pena - reclusão, de dez a quinze anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)
§ 1º - Está sujeito à mesma pena quem entrega a consumo ou tem em depósito, para o fim de ser distribuída, a água ou a substância envenenada.
Modalidade culposa
§ 2º - Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos”.
Sujeito Ativo: É crime comum, e por isso qualquer pessoa poderá praticá-lo. Bem como o próprio dono da água potável ou da substancia alimentícia ou medicina destinada a consumo.
Sujeito Passivo: É a coletividade
Elemento Subjetivo do Tipo: É o dolo. Na hipótese típica de "depósito de substância envenenada" exige-se além do dolo, um elemento especial subjetivo, que é ter a finalidade de querer distribuir ao publico a substância envenenada.
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Consumação: É crime de perigo abstrato e por isso a consumação se da no exato momento em que o objeto material é envenenado, independentemente da superveniência de qualquer resultado. Então é dispensável a superveniência de uma real situação perigosa à coletividade, a qual é presumida pelo legislador. Nas modalidades previstas no § lº do art. 270. do CP o crime consuma-se no momento do oferecimento ao público da substância envenenada ou com a guarda do objeto material, independentemente do efetivo consumo ou distribuição do objeto material. Na modalidade "depósito de substância envenenada" o crime é permanente. O que significa dizer que o momento consumativo vai se prolongar no tempo enquanto perdurar a situação antijurídica. A partir do momento em que o sujeito guarda a substância ou água envenenada com a finalidade de distribuí-la ao público, o crime estará consumado.
3.3. Corrupção ou Poluição de água
“Art. 271. – Corromper ou poluir água potável, de uso comum ou particular, tornando-a imprópria para consumo ou nociva à saúde”:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.
Modalidade culposa
Parágrafo único - Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano”.
Sujeito Ativo: Qualquer pessoa.
Sujeito Passivo: A coletividade.
Elemento Subjetivo do Tipo: É o dolo. No entanto pode haver erro de tipo quanto à potabilidade da água, o que acarreta na exclusão do dolo e, por consequência, o fato deixa de ser típico.
Consumação: O crime é de perigo abstrato, ou seja, o legislador presume a ocorrência do perigo, mas não fica necessário demonstrar, no caso concreto, a sua produção e por isso a consumação ocorrerá com a corrupção ou poluição de água potável, sem exigir o dano efetivo às pessoas.
Tentativa: É admissível.
3.4. Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de substância ou produtos alimentícios.
“Art. 272. – Corromper, adulterar, falsificar ou alterar substância ou produto alimentício destinado a consumo, tornando-o nociva à saúde ou reduzindo-lhe o valor nutritivo:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
§ 1º-A - Incorre nas penas deste artigo quem fabrica, vende, expõe à venda, importa, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo a substância alimentícia ou o produto falsificado, corrompido ou adulterado. (Incluído pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
§ 1º - Está sujeito às mesmas penas quem pratica as ações previstas neste artigo em relação a bebidas, com ou sem teor alcoólico.
Modalidade culposa
§ 2º - Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa”.
Sujeito Ativo: Crime comum. Pode ser praticado por qualquer pessoa.
Sujeito Passivo: A coletividade
Elemento Subjetivo do Tipo: É o dolo. Na modalidade "ter em depósito" exige-se, além dele, um especial fim de agir, consistente na finalidade de vender a substância alterada (§ 1º).
Consumação: É crime de perigo abstrato, o legislador presume a ocorrência do perigo, não sendo necessário que se demonstre no caso concreto, a sua produção. Então, ele se consuma com a prática de uma ou mais condutas típicas descritas no caput (crime tipo misto alternativo). Os crimes descritos no § 1º consumam-se com a efetiva venda, exposição à venda, guarda em depósito ou entrega a consumo da substância alterada.
Tentativa: é admissível.
3.5. Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais
“Art. 273. Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais.
Pena: reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.
§ 1°. Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.
§ 1°-A. Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico.
§ 1°-B. Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1° em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:
I – sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;
II – em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior;
III – sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização;
IV – com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade;
V – de procedência ignorada;
VI – adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente.
Modalidade culposa
§ 2°. Se o crime é culposo.
Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa”.
Sujeito Ativo: Qualquer pessoa, pois se trata de crime comum.
Sujeito Passivo: Coletividade
Elemento Subjetivo do Tipo: Dolo, representado pela livre vontade e consciência de praticar tal conduta criminosa.
Consumação: Nas modalidades dos parágrafos 1º e 1º-B, e nas modalidades de expor à venda e ter em depósito os delitos são permanentes, pois trata-se de delito de perigo abstrato, e por isso não há necessidade de sua comprovação”.
Tentativa: É admitida
3.6. Exercício Ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica
“Art. 282. – Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.
Parágrafo único - Se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se também multa”.
Sujeito Ativo: É crime comum se for na forma típica do exercício "sem autorização legal", podendo ser praticado por qualquer pessoa. Mas na modalidade do exercício "excedendo-lhe os limites", seria Crime Próprio, já que somente o médico, o dentista e o farmacêutico poderiam praticar.
Sujeito Passivo: A coletividade e a pessoa em relação à qual tiver sido exercida ilegalmente a profissão de médico, dentista ou farmacêutico.
Elemento Subjetivo do Tipo: É o dolo
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Consumação: É crime de perigo abstrato, por isso o perigo não precisa ser comprovado. Ele se consuma com a caracterização da habitualidade da prática de atos privativos de médico, dentista ou farmacêutico, ou seja, a conduta tem que ser reiterada.
Tentativa: É inadmissível, porque o crime tem que ser habitual, então não pode ser passível de fracionamento. Então, ou o agente pratica, reiteradamente, atos próprios das profissões descritas no tipo legal, e assim o crime está consumado, ou não os pratica.
3.7. Charlatanismo
“Art. 283. – Inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa”.
Sujeito Ativo: Qualquer pessoa, pois é crime comum
Sujeito Passivo: Coletividade
Elemento Subjetivo do Tipo: É o dolo, que se verifica na vontade de inculcar ou anunciar cura por meio secreto ou infalível, mesmo sabendo da ineficiência dos meios apregoados. Deve possuir o dolo de se comportar com insinceridade e falsidade.
Consumação: Como é crime de perigo abstrato, não requer comprovação. Basta a inculcação ou anúncio da cura, independentemente de qualquer resultado.
Tentativa: É admissível
3.8. Curandeirismo
“Art. 284. – Exercer o curandeirismo:
I - prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer substância;
II - usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;
III - fazendo diagnósticos:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.
Parágrafo único - Se o crime é praticado mediante remuneração, o agente fica também sujeito à multa”.
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Sujeito Ativo: Qualquer pessoa que não possua conhecimentos médicos. O médico e o farmacêutico, em tese, não podem ser sujeitos ativos, uma vez que possuem conhecimentos técnicos
Sujeito Passivo: A coletividade. O sujeito passivo secundário é quem se submete ao curandeiro.
Elemento Subjetivo do Tipo: É o dolo de perigo. A boa-fé em alguns casos pode justificar a exclusão do dolo.
Consumação: Ocorre com a reiteração de atos mencionados nos incisos. É necessário o efetivo exercício do curandeirismo, habitualmente. No entanto, como se trata de crime de perigo abstrato, a lei não exige, para a caracterização do delito, nenhum resultado, então não importa se houve ou não vítimas ou se o curandeiro conseguiu curá-las.
Tentativa: É inadmissível, porque ou o agente, habitualmente, dedica-se ao curandeirismo, e o crime está consumado, ou não, e neste caso não há delito.