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As Nações Unidas no contexto pós II Guerra do Golfo:

ensejo à reformas

Agenda 16/11/2003 às 00:00

A Organização das Nações Unidas é, em uma taxonomia clássica [1], uma organização do tipo intergovernamental, isto é, não é um super-estado, a sua relação com seus membros(coletividades estatais) não são do tipo hierárquico, baseado em subordinações, e sim de coordenação, não se caracterizando como um governo mundial, um estado federal mundial como vez por outra é entendida. Caracteriza-se mais como um amplo fórum onde os problemas globais, inerentes a toda a sociedade internacional, devem ser discutidos e as soluções encontradas a fim de garantir o equilíbrio entre as soberanias.

Juridicamente, a ONU pode ser definida, tomando a lição de RUDOLF BINDSCHEDLER [2], como uma "associação de estados instituídas por um tratado, que prossegue objetivos comuns aos Estados membros e que possui órgãos próprios para a satisfação das funções especificas da organização."É, pois, uma pessoa de direito internacional público, dotada, portanto, de direitos e deveres na ordem internacional, possuindo capacidade jurídica de se relacionar com os demais entes.

Na conceituação da ONU difícil é não se referir aos seus fins. Pode-se dizer que as especulações ontológicas acerca desta Organização Internacional devem levar em conta uma necessária reflexão teleológica, além da principiologia que lhe é inerente. A relação de tais objetivos e princípios estão, respectivamente, no art. 1° e 2° da Carta das Nações Unidas. [3]Do rol normativo, a manutenção da paz e da segurança internacionais se afigura como o princípio elementar da ONU, e de particular interesse para este trabalho.As discussões em torno dos seus objetivos mostra-se oportuna neste momento, dito por muitos, como um contexto delicado na história das Nações Unidas.

As Nações Unidas, reerguendo o ideal firmado anos antes com pretérita Liga das Nações, inaugura, no dizer de HEIKE KRIEGER [4], um novo modelo de Direito Internacional Público, rompendo com o "modelo de Westfália", que regia a sociedade internacional, e sendo caracterizada pela relações estatais livres, onde as regras seriam definidas por estes atores segundo sua soberania. No novo modelo, diz KRIEGER, "com ésto corresponde que los estados reconocieron que existen ciertas reglas básicas que se deve respectar em cualquier caso." e para isso " bajo el modelo de Derecho Internacional Público en el Modelo de las Naciones Unidas los estados completan estas regras jurídicas, que contienen valores comunes en el orden internacional, com efectos especiales normativos y se organizan em instituciones globales."

Deve-se levar em consideração que ONU surgiu ao fim da II guerra mundial, a partir de acordos firmados entre lideres das grandes potencias vencedoras que desembocou com a Carta de São Francisco (1945). Para isso firmou-se como o ideal maior da organização a manutenção da paz mundial e a busca pela resolução pacífica dos conflitos. Sendo que a carta dotou a organização de um instrumental específico, firmado no capítulo VI " Solução Pacífica de Controvérsias" e no capitulo VII "Ação em caso de ameaça à paz, ruptura da paz e ato de agressão", incumbindo ao Conselho de Segurança o pronunciamento acerca de ações militares, ou seja "Como instancia interna do Organismo, responsável pela resolução das desavenças, criava-se o Conselho de Segurança e como instrumentos garantidores da aplicação das decisões desse órgão previa-se a imposição de sanções econômicas, político-diplomáticas e, em casos extremos e ameaçadores da paz coletiva, de ações militares. Convém ressaltar, que a força aqui referida é a força legítima, defensora da supremacia do Direito Internacional – é a espada a que se referia Ihering." [5]

Hodiernamente, após um período de relativa estabilidade, o cenário internacional está presenciando o debate em torno de questões como ações de grupo terrorista, armas de destruição em massa, imperialismo e conflitos armados. Em março de 2003, sob a alegação de que o governo Iraquiano possuía armas de destruição em massa, e que teria ligações com o grupo terrorista Al Quaida, os EUA, não contando com uma eventual aprovação no CS, decidem, unilateralmente, promover uma guerra contra o Regime de Saddam Hussein.

Após essa ofensiva, os comentadores internacionais discutem o papel da ONU na manutenção da segurança internacional. Para alguns a postura americana demonstra a impotência deste organismo internacional, para EMIR SADER "o conseqüente ataque desprovido da autorização do mesmo Conselho revelaram o desprestígio da ONU" [6]. Estaria as Nações Unidas condenadas a uma função secundária, cujas ações se reduziriam a meras iniciativas de apoio humanitário, sem peso nas decisões políticas globais. O embaixador brasileiro RUBENS RICÚPERO, em recente entrevista pontificou que : "Se os governos não derem meios às Nações Unidas, num caso como esse do Iraque, por exemplo, é óbvio que não se trata de perder credibilidade (viés moral), apenas de não ter os recursos necessários para atuar (efetividade)" [7]. Sendo assim, ao contrário de um fracasso do modelo representado pela ONU, a questão que se coloca é quanto a necessidade de uma reforma no quadro desta organização.

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Tem-se, no âmbito das discussões reformistas, aludido a necessidade de se democratizar o Conselho de Segurança, o que se faria mediante o aumento do número de membros permanente deste conselho, que atualmente conta com 5 (EUA, Inglaterra, França, China e Rússia) sendo 9 temporários, eleitos periodicamente pela Assembléia Geral. Todavia, o grande embate se dá em torno do direito de veto que possui os membros permanentes do conselho, instrumento este que tem paralisado as deliberações e as ações da Organização. Pugna-se que somente com a abolição do direito de veto, o CS teria um maior alcance em torno dos problemas globais, o que implicaria necessariamente uma maior atuação do organismo, que não se furtaria a deliberar e decidir sobre qualquer assunto.

Outro problema não menos importante é o relativo a questão financeira, neste sentido a prof. PAULA ESCARAMEIA informa que " Foi dada uma relevância enorme à ONU depois da Guerra Fria, sem lhe terem sido dados os meios. O orçamento total da ONU no mundo inteiro é menor do que o da polícia de Nova Iorque". [8]

O fortalecimento da ONU tem que partir de um apoio dos próprios estados, sobretudo aqueles que se vislumbram como possíveis contestadores da política imperial norte-americana, neste sentido acreditamos ser a Europa, ou mais precisamente a União Européia, conjugada com países estratégicos como Rússia, China e paises Latinos, como o Brasil, além dos africanos, que contam com presença significativa na AL, que deveriam desempenha este papel. Estamos com o historiador francês EMANNUEL TODD [9], que identifica um processo decadencial no império estadunidense, o que seria um momento oportuno para o fortalecimento do multilateralismo, sob a égide das Nações Unidas.

Neste sentido, a opinião pública intencional, que se manifestou expressivamente em favor do pacifismo contra a política bélica americana, tem um papel primordial. Deve ela incorporar os valores consignados no direito internacional, e exigir, dos estados, sujeitos de maior vulto do direito internacional, um maior comprometimento com a Organização das Nacos Unidas.


Notas

01. PEREIRA, André G. & QUADROS, Fausto de. Manual de Direito Internacional Público. 3 ed. Coimbra:Livraria Almedina, 1993, p.421

02. apud PEREIRA, André G. & QUADROS, Fausto de. op. cit, p.413.

03. Cf. Carta das Nações Unidas. Disponível na Internet: http://www.onuportugal.pt/cnu.html[30.07.2003]

04. El princípio de efectividade em el Derecho Internacional Publico y el nuevo ordem mundial. In: COLOMER VIADEL, Antonio(cord.) El nuevo orden jurídico internacional y la solución de conflictos. CEPC: Madrid, 2000, p.71

05. CASTRO, Thales. Direito internacional público e a segurança internacional: metáforas imagéticas pós-intervencionismo no Iraque. Disponível na Internet em: http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=4187[06.06.2003].

06. Cf. ONU: democracia ou morte. Disponível na Internet em: www.jubileubrasil.org.br/artigos/sader.htm

07. cf Em defesa da ONU. Disponível na Internet em: www.onuportugal.pt [27.03.2003]

08. cf Entrevista de Paula Escarameia. Disponível na Internet em: www.odireito.com.mo/odireito/[02.12.2002]

09. cf Entrevista com Emannuel Todd. Disponível na Internet em: www.folhasp.com.br[13.07.2003]

Sobre o autor
Eduardo Francisco de Souza

acadêmico da Faculdade de Direito do Recife (UFPE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Eduardo Francisco. As Nações Unidas no contexto pós II Guerra do Golfo:: ensejo à reformas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 133, 16 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4492. Acesso em: 25 nov. 2024.

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