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A responsabilidade penal da pessoa jurídica e a Lei dos Crimes Ambientais

A principal discussão do tema proposto é se a pessoa jurídica, enquanto criação humana, pode ou não delinqüir. O tema é conflituoso, principalmente porque nos sistemas penais atuais, em geral, rege o princípio "societas deliquere non potest". Este é o sistema jurídico predominante nos países onde o direito tem origem romano-germânca, baseado primordialmente na teoria da ficção de Savigny. Nestes termos, somente o ser humano pode delinqüir, pois unicamente ele é dotado de vontade e de capacidade para dirigir sua vontade no mundo exterior; só homem pode ser sujeito de direito. Portanto, só o homem, individualmente considerado, é dotado pela natureza de capacidade para ser sujeito de direitos e de personalidade. Faltaria, aos entes coletivos, capacidade de conduta e culpabilidade, não podendo estes, senão por seus sócios, realizar por si só ações ou omissões. A pessoa jurídica seria o instrumento, despido de vontade, nas mãos de seus sócios ou de alguns deles. Vê-se, por esta estrutura de pensamento, que o ideal, conforme explana Carlos Ernani Constantino, "é aplicar a reprimenda ao homem detrás (isto é: ao sócio ou preposto – pessoa física e dotada de racionalidade, e portanto, culpável), que se utiliza da empresa (ente despido de vontade real), como instrumento de sua atuação."

Contudo, para a teoria da realidade ou organicista, dentre outras que postulam a possibilidade de penalização destes entes, a pessoa jurídica é um ser real, cuja vontade não é a somatória das vontades de seus associados, possuindo uma vontade própria, atuando sobre as coisas e constituindo o poder do grupo, poder que o Estado, às vezes, vem limitar e sancionar em nome do direito, com o reconhecimento da personalidade do grupo. Por esta teoria pessoa não é somente o homem, mas todos os entes possuidores de existência real, seja pessoa física, seja jurídica. Sua vontade se exterioriza através de uma conduta ou um ato lesivo, v.g., ao meio ambiente.

Esta teoria, enraizada no positivismo sociológico de Durkheim, prepondera nos países da common law, configurando a persecução criminal das pessoas jurídicas nestes marcas indicadoras da civilização de um povo; conquistando cada vez mais adeptos em todo o mundo, tem como expoente maior destra transformação a França (apesar de ainda não ter consolidado a responsabilização), onde, na reforma de seu Código Penal de 1994, introduziu-se a responsabilização das pessoas morais (à exceção do Estado e em casos específicos). Já se tem notícia, inclusive, da primeira condenação de uma pessoa jurídica. Ressalte-se que já em 1983 Portugal lançou seu moderno Código Penal com a responsabilização penal dos entes fictícios.

No Brasil, o Código Penal, mesmo com a reforma da parte geral em 1984, não fez qualquer referência à matéria. As primeiras sanções administrativas e civis com alguma correlação para com a responsabilização penal dos entes coletivos erguem-se no Estatuto da Criança e do Adolescente ( Lei 8.069/90), no tocante à suspensão do repasse de verbas públicas para entidades assistenciais de direito privado que dessas dependiam, dentre outras sanções. A lei 8.137/90 trouxe, intrinsecamente, em seu bojo, por meio do art. 11 da lex especialis – quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade – a necessidade de criminalização dos grupamentos. Contudo, até a edição da lei dos crimes ambientais, as leis penais especiais, apesar de punir mais severamente os crimes cometidos por meio de pessoas jurídicas, inclusive quanto à desconsideração da pessoa jurídica para atingir a pessoa do sócio, não trataram expressamente da responsabilização das pessoas morais, estabelecendo, como regra geral, a responsabilidade objetiva dos dirigentes dos entes coletivos. Esta lei reconheceu, na lição de LUIZ REGIS PRADO (não obstante ser o jurista contrário à responsabilização), a "indispensabilidade de uma proteção penal uniforme, clara e ordenada, coerente com a importância do bem jurídico, as dificuldades de inseri-lo no Código Penal, e ainda o crescente reclamo social de uma maior proteção do mundo em que vivemos".

Deste modo, se de um lado a responsabilidade é pessoal, por outro fixa-se a responsabilidade social para a da pessoa jurídica. Esta questão da possibilidade ou não de conduta por parte das pessoas jurídicas continua pendente na doutrina, tendo adeptos contrários e a favor, mas não é mais um obstáculo intransponível como nas décadas anteriores, pois, com uma certa ousadia, pode-se romper com os (pré)conceitos da ordem dogmática e optar-se por soluções que a nova perspectiva econômico-social reclama. Também já não se encontram dificuldades para punir a pessoa jurídica, pois além da multa, o direito penal moderno possui várias penas, que não só a prisão, possíveis de ser utilizadas.

A fundamentação contrária à responsabilidade penal da pessoa jurídica tem como argumentos principais:

O princípio da isonomia seria violado porque, a partir da identificação da pessoa jurídica como autora responsável, os partícipes poderiam ser beneficiados com o relaxamento dos trabalhos de investigação.

-O princípio da humanização das sanções seria violado, pois a Constituição Federal, ao tratar da aplicação da pena, refere-se sempre às pessoas.

- O princípio da personalização da pena seria violado porque referir-se-ia à pessoa, à conduta humana de cada pessoa.

- A responsabilidade pessoal dos dirigentes não se confunde com a responsabilidade da pessoa jurídica.

- A Constituição não dotou a pessoa jurídica de responsabilidade penal. Ao contrário, condicionou a sua responsabilidade à aplicação de sanções compatíveis com a sua natureza.

- Ao se aceitar a imputabilidade penal da pessoa jurídica, não poderia esta promover a ação de regresso contra o preposto causador do dano, sento este co-responsável pelo crime gerador do dever de indenizar. Não haveria legitimidade, pois um réu não pode promover contra o co-réu a ação de reparação de danos oriunda de crime por ambos cometido.

- Se a empresa tivesse vontade, esta retrataria-se no seu ato constitutivo (estatuto ou contrato social). Ao registrá-lo, a empresa não poderia ter fins ilícitos, posto que é legalmente proibido o registro de pessoas jurídicas assim constituídas.

A pessoa jurídica não poderia "sentir" o caráter aflitivo da pena, nem arrepender-se do mal por ela cometido.

O tempo do crime (o legislador definiu o momento do crime com base em uma ação humana) e o lugar do crime (não é possível estabelecer o local da atividade em relação às pessoas jurídicas que tem diretoria e administração em várias partes do território) estabeleceriam árdua dificuldade em definir onde e quando foram praticados os crimes.

Os que argumentam em favor da responsabilidade penal da pessoa jurídica alegam que as infrações contra ambiente atentam contra interesses coletivos e difusos, e não só contra bens individuais como a vida das pessoas. Assim sendo, deve-se fender com princípios e regras do direito penal tradicional. Para esta corrente, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas não pode ser entendida à luz da responsabilidade penal baseada na culpa, individual e subjetiva, mas, sim, deve ser entendida à luz de uma responsabilidade social. A pessoa jurídica agiria e reagiria através de seus órgãos cujas ações e omissões são consideradas como da própria pessoa jurídica. Conforme esta orientação, este rompimento deve ser realizado através de leis penais extravagantes, pois é impossível admiti-las dentro de um código penal vinculado ao princípio da responsabilidade penal individual, como também ocorre em quase todas as constituições do mundo, inclusive na brasileira.

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Em termos constitucionais, a controvérsia principal é conhecer se a Carta Política de 1988 proclamou a responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Esta polêmica continua presente na doutrina e na jurisprudência (vide abaixo), não tendo ainda uma definição majoritária.:

- Crimes contra o meio ambiente – Inconstitucionalidade da Lei 9.605/98 – Inocorrência – "(...) deve ser afastada a argüição de inconstitucionalidade da Lei 9.605/98, quanto à determinação de responsabilizar-se criminalmente a pessoa jurídica, pois o disposto no § 3º do art. 225 da Constituição Federal demonstra cabalmente que o Brasil filiou-se às correntes mais modernas de prevenção e de perseguição de pessoas físicas e jurídicas (...)". (TACRIM-SP – 3ª Câm. – HC 351992/2 – Rel. Ciro Campos – j. 15.02.2000). Decisão não unânime.

- Responsabilidade penal da pessoa jurídica – Inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 9.605/98 – Ocorrência – "Mostra-se inconstitucional o art. 3º da Lei 9.605/98, no que toca à responsabilidade penal da pessoa jurídica. (...)" (TACRIM-SP – 3ª Câm. – MS 349.440/8 – Rel. Fábio Gouvêa – RJTACrim 48/3682; contudo, o presidente e o 3º juiz sustentavam a constitucionalidade, mas 3ª Cam. Do Tribunal de Alçada concederam a segurança à ré- Petróleo Brasileiro SA – por ausência de justa causa).

Os artigos 173, § 5º e 225, § 3º, prescrevem:

Art. 173, § 5º - A Lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

Art. 225, § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente a obrigação de reparar os danos causados.

Dos artigos supramencionados, infere-se a dúvida consistente em saber se as sanções para pessoas físicas e jurídicas seriam diversas. (mais uma razão alegada pela corrente contrária à criminalização da pessoa jurídica). Contudo, se assim pretendesse o constituinte, ter-se-ia utilizado da expressão respectivamente. Como assim não procedeu, possibilitou a interpretações ambíguas que, com a Lei n.º 9.605/98, perdem a importância, pois o legislador ordinário preferiu a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais.

No entanto, é de bom senso agora salientar que, durante o processo constituinte, suprimiu-se do art. 173 a expressão "criminal" inicialmente contida, o que indicaria a intenção do legislador constituinte em excluir a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Além disto, como ressalta a corrente pela não responsabilização, a constituição deve ser interpretada sistematicamente. Sendo assim, restaria impossibilitada a responsabilidade penal da pessoa jurídica se analisados na mesma interpretação o art. 5º, incisos XLV e XLVI, que estabelecem a individualização da pena e que a mesma não passará da pessoa do condenado. Sendo a individualização feita com base na culpabilidade, de cuja análise se requer o elemento conduta, seria incongruente a admissão da pessoa jurídica como agente de delitos. Contudo, se a própria constituição admite, embora de maneira ambígua, a sanção penal à pessoa jurídica, é inviável interpretar a lei como inconstitucional, porque ofenderia outra norma constitucional que não é específica sobre o assunto. Não obstante, o direito deve acompanhar as mutações sociais, regulando-as na medida do possível. Neste prisma, o legislador, que por tantas vezes expediu normas penais horrendas e absurdamente abusivas ou sem qualquer técnica, provocando turbilhões que nem a doutrina nem a jurisprudência aceitam (cite-se, como exemplo, a lei dos crimes hediondos e a própria lei dos crimes ambientais, em alguns de seus artigos e pela falta de normas processuais), e apesar de seu ímpeto inicial constituinte de não responsabilizar os entes coletivos (argumento, por sua vez falho, na medida em que se assim o quisesse, teria inserido o vocábulo respectivamente ao §3º, do art. 225 da CF, como anteriormente explicado), andou na mesma mão da história ao inovar corajosamente o ordenamento jurídico-penal brasileiro, desvendando o véu que mantinham os entes fictícios livres das ações penais, ferindo-os mortalmente.

Ademais, de acordo com a lição inovadora de PETER HÄBERLE, "todo aquele que vive num contexto regulado por uma norma e que vive com este contexto é, indireta ou, até mesmo diretamente, um intérprete dessa norma". Sob esta ótica, a hermenêutica constitucional apropriada é aquela realizada também pelos que vivem a norma, quais sejam, toda uma sociedade pluralista, por meio de seus grupamentos e representações, considerando, desta feita, o processo como procedimento em contraditório, (e não como relação jurídica), em que o provimento é construído pela interação de todos os participantes do processo. Nesta orientação, não cremos que esta sociedade pluralista interpretará a regra constitucional de modo a desconsiderar a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, em função da crescente preocupação popular com o ambiente nas últimas décadas, com grande apelo na mídia e mesmo no ambiente acadêmico. Vê-se que, em verdade, o que se tem é uma nova ordem constitucional que permite, em casos específicos, aumentar o âmbito de atuação do direito penal, atingindo a pessoa jurídica, em sua responsabilidade penal, juntamente com a de seus dirigentes.

Por seu turno, a lei 9.605/90 não apresentou norma processual sobre a matéria (nem assim o poderia, pois algum defeito teria que apresentar, vistas à péssima produção legislativo-penal nacional). Mas, para ADA PELLEGRINI GRINOVER, que, não obstante afirma ser o processo uma relação jurídica, "a falta de tratamento específico não acarreta prejuízos à aplicação do dispositivo, que será integrado, simplesmente, pelas regras existentes no ordenamento(...). Sem falar nas garantias processuais". A dosimetria da pena, em relação às pessoas jurídicas, estaria cingida às conseqüências e à extensão dos danos ao meio ambiente. Quanto à omissão do rito processual, entendemos que o apropriado seria o mais amplo, ou seja, o ordinário. Contudo, seria de bom senso estabelecer mecanismos específicos para a pessoa jurídica. Além de outros esclarecimentos, deve-se ter muita cautela na aplicação dos dispositivos penais contidos na lei ambiental, tendo em vista a preservação dos princípios da legalidade e da proporcionalidade da pena

De qualquer forma, parece-nos mais aceitável o argumento pela responsabilização, em que pese a necessidade de proteção ambiental que hodiernamente se tornou tema de imprescindível importância, tendo em vista a existência de crimes que, por suas características, são praticados quase que exclusivamente por pessoas jurídicas e, sobretudo, no exclusivo interesse delas, dos quais o Direito não pode se escusar de regular severamente, tutelando de forma indireta, mas não menos precisa, a vida de toda uma coletividade. Com prudência, enfatiza José Afonso da Silva que a "proteção ambiental abrangendo a preservação da natureza em todos os seus elementos essenciais à vida humana e à manutenção do equilíbrio ecológico, visa tutelar a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida, como uma forma de direito fundamental da pessoa humana". A evolução da ciência penal brasileira, deste modo, deve se adaptar aos novos conceitos, afastando-se aqueles criados no século passado ou no início deste século, como fez DAMÁSIO E. DE JESUS, que nas últimas edições de seu Direito Penal, mudou de posição, admitindo a responsabilidade criminal da pessoa jurídica e incitando outros doutrinadores a assim proceder, procurando uma nova sistemática para efetivar a responsabilização.

Quanto às incongruências técnicas legislativas a respeito da aplicação da pena segundo os parâmetros penais clássicos, os quais sustentam que somente o homem pode ser sujeito ativo de crime, findam-se estas se adotarmos outros parâmetros, quais sejam, os de responsabilização social. Neste rumo, o princípio constitucional da isonomia seria atingido se não responsabilizássemos penalmente as pessoas jurídicas, pois seria injusto somente punir as pessoas físicas que tomaram decisões em prol da pessoa jurídica, pois determina o princípio (conforme Maria de Fátima Freire de Sá e correntes dogmáticas de interpretação/hermenêutica, que indicam a noção/cunho mandamental dos princípios) a existência igual dos entes coletivos e das pessoas físicas. E, conforme magistério revelador de EugEnio Raúl Zaffarroni (apesar de ser o jurista contrário à responsabilização das pessoas jurídicas), o discurso jurídico-penal está deslegitimado, pois "se desarma ao mais leve toque com a realidade". Seria então a responsabilização social-penal das pessoas jurídicas mais um caminho para a necessária reconstrução do sistema penal e do próprio direito penal, na medida em que, para se efetivar a responsabilização, nos afastaríamos da visão estereotipada do criminoso como legitimador de um discurso jurídico-penal falho. Apresenta-se este novo modelo de responsabilização como instrumento de grande eficiência na solução de conflitos ambientais, em relação ao modelo tradicional de responsabilização (não se trata, como quer LUIZ REGIS PRADO, de desvirtuar-se da moderna tendência pelo direito penal mínimo, mas apenas um elemento mais próximo à realidade, dentre os vários necessários, para a reconstrução retro). A responsabilização criminal dos entes coletivos revela-se, assim, como conditio sine qua non para maior eficácia do direito penal, vez que não tem este atingido todos os agentes da prática delituosa, principalmente aqueles que, por sua estrutura e poder, cometem crimes mais facilmente. É imperativo de uma nova realidade o reconhecimento da força econômica e social dos entes coletivos.

No ensinamento de Arthur Migliari Júnior, "a responsabilização penal, juntamente com a desconsideração da personalidade jurídica criaram dois mecanismos de inconteste segurança pública, evitando-se a pseuda justiça, com apenação dos mais fracos em detrimento dos mais fortes."

Ressalte-se que, ao fixar a responsabilidade penal da pessoa jurídica por crime praticado contra o meio ambiente, o legislador pátrio seguiu às Recomendações do 15º Congresso da Associação Internacional de Direito Penal, realizado de 4 a 10 de setembro de 1994, no Rio de Janeiro. Veja-se que o legislador brasileiro optou pelo sistema de Responsabilidade Penal Cumulativa, isto é, a responsabilidade do empresa não exclui a de seus diretores e administradores, mesmo se previsto em lei ou em estatuto. Dessa maneira, a lei não desconecta os fatos praticados pela pessoa jurídica e as vantagens deles decorrentes para as pessoas físicas dos administradores e diretores.

Logicamente, apesar de considerações contrárias prudentes, acreditamos que o Estado não poderia sofrer as mesmas sanções das pessoas jurídicas de direito privado. Isto porque, se assim o fosse, geraria-se um cenário de caos intransponível com a imposição da pena ao Estado (na acepção de administrador da coisa pública) pelo próprio Estado (na acepção judiciante e acusatória). Neste caso, a decisão do magistrado imporia ao Estado-gestor a prevalência de sua decisão, fazendo-a cumprir por outro órgão do próprio Estado-Gestor. Se argumentar-se que a responsabilização penal do Estado não geraria tal caos, ainda sim seria esta desnecessária na medida em que se o resultado da punição retornaria ao próprio Estado. A inaplicabilidade da sanção penal ao Estado, contudo, não é válida quanto às sociedades de economia mista, pois a gestão daquele nestas é indireta.

Não obstante, cessa a impossibilidade da verificação da conduta, colocada pelos que defendem a concepção tradicional da teoria da autoria e participação como empecilho á responsabilização das pessoas morais, pois que a mesma pode ser apurada, bastando, para tanto, que se verifique a formação de vontade expressa por seus órgãos de execução e por sua atuação no meio social. Para fixar a responsabilidade da pessoa jurídica, segundo Sérgio Salomão Shecaira, "são necessários quatros requisitos: que a infração individual tenha sido praticada no interesse da pessoa coletiva; que a infração individual não se situe fora da esfera de atividade da empresa; que a infração cometida o seja por pessoa estreitamente ligada á pessoa coletiva; que a prática da infração tenha o auxílio do poderio da pessoa coletiva". Concordamos com Arthur Migliari Júnior que os entes coletivos deveram responder em concurso de pessoas com as pessoas físicas.

A doutrina preconiza ser a pena de multa é mais indicada para a punição das pessoas jurídicas. Para as pessoas físicas e jurídicas, na aplicação da pena de multa, o juiz deve atentar para a situação econômica do infrator (art. 6º, III). O artigo 18 da norma em estudo prescreve que a multa será calculada segundo os critérios do Código Penal. Se ainda assim é ineficaz, mesmo que aplicada no valor máximo, poderá ser aumentada em até três vezes, tendo em vista o valor da vantagem econômica auferida. Seguindo o determinado pelo CP e pela Lei 9.605/98, a pena máxima de multa, adotado o critério do dia-multa, pode atingir o valor máximo de R$ 3.888.000,00 (5 x salário mínimo X 360 dias X 3; artigos 49 e 60 do CP; X 3; artigo 18 da Lei 9.605/98), que não poderá ser ultrapassado, ainda quando concorrerem as circunstâncias agravantes do art. 15. Foi intento o legislador ao determinar este limite pecuniário máximo, fazendo-se a pena apropriada no sentido de reprovar e prevenir, vez que estes valores são significativos até mesmo para as empresas de grande porte.

A lei prevê também para as pessoas jurídicas outras espécies de sanções, como a interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade, a proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações, e as penas restritivas de direitos, previstas a suspensão parcial ou total de suas atividades. A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, em desacordo com a concedida ou com violação de disposição legal ou regulamentar; a proibição de contratar como Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos; e a suspensão será aplicada quando a pessoa jurídica não estiver obedecendo as disposições legais ou regulamentares relativas ao meio ambiente.

O artigo 23 prevê como pena restritiva de direito a prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica, a qual será executada pelo custeio de programas e de projetos ambientais (inciso I); execução de obras de recuperação de áreas degradadas (inciso II); manutenção de espaços públicos (inciso III) e, contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas (inciso IV). Seria oportuno, contudo que o legislador tivesse indicado os projetos e programas a serem beneficiados; não deveria ficar a critério do julgador ou do infrator. Deve-se aferir, por fim, a proporcionalidade entre o crime e o dano causado ao meio ambiente para cominação desta pena.

Poderá ser desconsiderada a personalidade da pessoa jurídica sempre que esta constituir obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados ao meio ambiente (art. 4º), voltando-se o juiz, nesta situação, diretamente contra os administradores das pessoas jurídicas que apenas lhe servem de proteção para que cometam crimes em seu nome.

No entanto, a mais severa das penas para a pessoa jurídica está determinada pelo artigo 24, qual seja, a liquidação forçada. Aplica-se essa pena quando a pessoa jurídica é constituída ou utilizada, com o fim, preponderantemente, de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido na lei ambiental. Seu patrimônio será considerado instrumento de crime, e como tal, perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional. A liquidação forçada perfaz sanção análoga à pena de morte para a pessoa física, se esta tivesse sido aceita pela Constituição Federal (à exceção dos casos de situação de guerra), pelo Código Penal ou por outras leis penais. Trata-se de verdadeira desapropriação judicial da empresa.

Apesar das dúvidas que os casos concretos possam trazer, não há como se furtar à aplicação destas sanções. Contudo, estas sanções não tem por escopo apenas desestabilizar a situação econômica da empresa, como também somente punir a pessoa jurídica que tenha cometido crime ambiental, mas, essencialmente, prevenir atentados contra o meio ambiente. Assim, a sanção penal deve ser aplicada sempre que a reparação civil ou a infração administrativa se tornar ineficaz. Contudo, cremos que a tendência jurisprudencial, principalmente nos tribunais mais conservadores, é a negação da responsabilidade com fundamento nas várias imperfeições legais, primordialmente as processuais. A inconstitucionalidade do art. 3º, entretanto, não deve ser obstáculo para a responsabilização das pessoas jurídicas.


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Sobre os autores
André Silveira

Acadêmico de Direito na PUC/MG.

Giovani de Souza Silva

Acadêmico de Direito na PUC/MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVEIRA, André; OLIVEIRA, Eduardo Rodrigues Albuquerque et al. A responsabilidade penal da pessoa jurídica e a Lei dos Crimes Ambientais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 141, 24 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4504. Acesso em: 22 dez. 2024.

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