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O direito de imagem do atleta profissional de futebol sob a perspectiva da legislação luso-brasileira

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Agenda 30/12/2015 às 08:13

Os jogadores de futebol, assim como os demais cidadãos, têm assegurado juridicamente o direito de imagem, prerrogativa pertencente à categoria dos direitos da personalidade, detendo também o direito de dispor dela como lhes aprouver.

1. INTRODUÇÃO

A premente necessidade de se enveredar na análise do instituto do direito de imagem do atleta de futebol deve-se basicamente a dois fatos. O primeiro diz respeito à escassez de trabalhos voltados a esse tema, que possui vários pontos a serem debatidos. O segundo refere-se às mudanças legislativas que ocorreram recentemente no ordenamento jurídico luso-brasileiro, especialmente no Brasil, com a entrada em vigor da Lei n.º 12.395/2011, que alterou de forma significativa o entendimento legal acerca da aplicação do referido instituto ao atleta profissional do futebol, retirando ou diminuindo direitos garantidos a essa classe de profissionais, principalmente na esfera trabalhista, bem como deixou lacunas a serem preenchidas no que concerne à remuneração dos atletas em relação ao contrato de licença de uso de imagem.

Dessa forma, após conceituarmos o direito à imagem, demonstraremos as especificidades inerentes aos contratos de cessão de seu uso celebrados pelos jogadores de futebol no Brasil e em Portugal, abordando, posteriormente, algumas questões controvertidas e polêmicas, para, ao final, destrinchar os pontos positivos e negativos da legislação dos dois países no que se refere à regulamentação do tema.


2. DIREITO DE IMAGEM

2.1. Conceito e previsão legal

O direito à imagem, atualmente, considerado como direito autônomo, faz parte do grupo dos direitos da personalidade que são universais. Isto quer dizer que todos os seres humanos, indistintamente, gozam desse direito, estando-lhes facultado o controle do uso de sua imagem, seja através da representação fiel de seus aspectos físicos (fotos, retratos pintados, gravuras etc), seja por meio do usufruto da representação de sua aparência individual e distinguível, concreta e abstrata.

Segundo leciona o professor Walter Moraes:

Toda expressão formal e sensível da personalidade de um homem é imagem para o Direito. A ideia de imagem não se restringe, portanto, à representação do aspecto visual da pessoa pela arte da pintura, do desenho, da fotografia, da figuração caricata ou decorativa, da produção em manequins e máscaras. Compreende, além, a imagem sonora da fotografia e da radiofusão, e os gestos e expressões dinâmicas da personalidade.[1]

Por sua vez, João Henrique Cren Chiminazzo aduz que: “o Direito de Imagem é o nome doutrinariamente atribuído ao direito exclusivo do indivíduo permitir a utilização de sua imagem, esta compreendida como forma física exterior do corpo, inteiro ou parte dele”.[2]

No Brasil, o direito à imagem possui previsão legal expressa no art. 5º, incisos V, X e XXVIII, da Constituição Federal, in verbis:

Art. 5º (…)

(...)

V- é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

(…)

X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

(…)

XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:

a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;               

   No mesmo sentido, o Código Civil, classificando o direito de imagem no rol dos direitos da personalidade (onde também se encontram o direito à vida, ao nome e à privacidade), confere-lhe proteção especial contra a sua violação em seus artigos 11, 12 e, de forma mais específica, em seu artigo 20, estendendo-se tal proteção, inclusive, para as pessoas jurídicas. Vejamos o que rezam os artigos supra mencionados:

Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.

Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

A doutrina, embasada por decisões judiciais recorrentes, por outro lado, aponta outras hipóteses excepcionais de utilização não consentida expressamente da imagem de terceiros. Nesse diapasão, Carlos Alberto Bittar faz importante ressalva:

Excepciona-se da proteção à pessoa dotada de notoriedade e desde que no exercício de sua atividade, podendo ocorrer a revelação de fatos de interesse público, independentemente de sua anuência. Entende-se que, nesse caso, existe redução espontânea dos limites da privacidade (como ocorre com os políticos, atletas, artistas e outros que se mantêm em contato com o público com maior intensidade). Mas o limite da confidencialidade persiste preservado: assim sobre fatos íntimos, sobre a vida familiar, sobre a reserva no domicílio e na correspondência não é lícita a comunicação sem consulta ao interessado. Isso significa que existem graus diferentes na escala de valores comunicáveis ao público, em função exatamente da posição do titular (...)[3]

Nos mesmos moldes do que ocorre no Brasil, o direito português também consagrou um nível de proteção constitucional ao direito de imagem quando tratou do tema no Capítulo I da Constituição da República Portuguesa (Direitos, liberdade e garantias pessoais), de acordo com o texto do n.º 1 do artigo 26.º. Vejamos:

1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.

Por fim, a proteção dada constitucionalmente também é garantida pelo Código Civil, nos termos do art. 79.º, que dispõe:

Art.º 79º - Direito à imagem

1. O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela; depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no nº 2 do artigo 71º, segundo a ordem nele indicada.

2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.

3. O retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada.

2.2. Possibilidade de cessão

O direito à imagem, como visto, é direito autônomo, espécie do gênero direito da personalidade e, por consequência, deveria manter todas as características desse, tal como o caráter da indisponibilidade. Entretanto, o direito à imagem possui peculiaridades que o permitem flexibilizar algumas dessas restrições.

A indisponibilidade dos direitos da personalidade é relativa, já que alguns deles poderão ser objeto de contrato de concessão ou licença de uso, como ocorre com o direito à imagem. Nesse sentido, Gustavo Normanton Delbin e André de Melo Ribeiro lecionam que, diferentemente de outros direitos da personalidade, os quais são irrenunciáveis, vitalícios, inexpropriáveis e intransmissíveis, o direito à imagem pode ser objeto de licença, “característica que traz a imagem para o âmbito das atividades econômicas, pois permite o seu uso para fins de exploração”. [4]

Seja no direito brasileiro, seja no direito português, é por via da exploração do potencial econômico da imagem dos atletas que o direito à imagem tem conhecido maiores desafios e desenvolvimento. Principalmente nos casos em que o esporte se reveste de uma dimensão inegável de espetáculo, atraindo massivamente o público e, por essa via, o interesse econômico da associação da imagem de atletas e de equipes a marcas identificativas de produtos e serviços comercializados no mercado. A mensagem visual, dessa maneira, assume uma relevância muito significativa, facilitando a associação àqueles produtos e serviços das ideias de sucesso associadas aos “heróis” do mundo do esporte.[5]

Soma-se a isso o fato de que a imagem dos atletas permite veicular mensagens de êxito, com inegável economia de palavras, podendo, por isso, assumir em si mesma um valor econômico elevado, na proporção da notoriedade do desportista. E, pelo protagonismo que lhes tem sido dado pela mídia, alguns atletas, principalmente os jogadores de futebol, tornaram-se verdadeiras “estrelas”, atraindo, dessa forma, o interesse econômico de diversas empresas comerciais que patrocinam e financiam o “mercado” desportivo. Por essa razão é que o direito luso-brasileiro tem buscado regular a matéria de uma forma bastante especial.

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2.3. Contrato de licença de uso de imagem no futebol

No Brasil, a licença de uso de imagem constitui um instituto lícito e válido perante a legislação pátria, cujo objetivo é a proteção do direito personalíssimo de estabelecer condições para a veiculação e utilização comercial da imagem de cada indivíduo.

Esse tipo de licença possui larga aplicação comercial nas atividades desportivas, principalmente no futebol, como já referido, devido à toda a exposição a que os atletas desse esporte estão submetidos, que os torna poderosos catalizadores de negócios para as empresas dos mais variados ramos.

Devido a essa realidade, tornou-se comum a realização de contratos entre atletas e empresas nos quais aqueles, muitas vezes por vultosas quantias, cedem a estas o uso comercial de suas imagens. A priori, desde que se respeitem os princípios constitucionais e legais, tais cessões são válidas e aptas a produzirem efeitos, já que o ordenamento jurídico brasileiro admite que o direito à imagem seja cedido voluntariamente pelo seu titular a terceiros.

A Lei n.º 9.615/98, de 24 de março de 1998, que institui normas gerais sobre desporto e que é conhecida como “Lei Pelé”,[6] foi criada com o intuito de dar mais transparência e profissionalismo ao desporto brasileiro. Já em 2011, à Lei Pelé foi acrescentado pela Lei n.º 12.395/2011, de 16 de março de 2011, o art. 87-A, que versa o seguinte: “O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo”.[7]

Em Portugal, o direito à imagem dos atletas profissionais tem regulamentação especial estabelecida pelo artigo 10.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98, de 26 de junho de 1998 (Regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva), o qual garante a estes sujeitos o direito a utilizar a sua imagem pública ligada à prática desportiva e a opor-se a que outrem a use ilicitamente.

O n.º 2 do mesmo artigo faz a distinção entre a imagem de cada indivíduo da imagem da equipa, estabelecendo que a imagem do coletivo dos praticantes poderá ser objeto de regulamentação em sede de contratação coletiva.

Para ilustrar o dispositivo supra, tomamos como exemplo o contrato coletivo entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, o qual contém no seu artigo 38.º uma cláusula segundo a qual “fica ressalvado o direito de uso da imagem do coletivo dos jogadores de uma mesma equipa por parte do respectivo clube ou sociedade desportiva” (n.º 3) e “a exploração da imagem dos jogadores de futebol enquanto coletivo profissional será da competência da SJPF”.[8]

Dessa forma, a legislação portuguesa procurou igualmente proteger o direito exclusivo do atleta de aproveitamento econômico de sua imagem, uma vez que o regime anterior, que constava no Decreto-Lei n.º 305/95, de 18 de novembro de 1995, estabelecia a possibilidade de uso da imagem do coletivo dos praticantes segundo o que ficasse previsto em regulamentação “por parte da entidade empregadora desportiva” (art. 22.º, n.º 2).

2.4. Polêmicas relativas à cessão de imagem no futebol brasileiro

No futebol brasileiro, a cessão do direito de imagem tem sido alvo de muita celeuma quando o contrato é celebrado entre o atleta e seu clube empregador. Para que se possa adentrar nessa discussão, necessária uma rápida explanação acerca do extinto instituto do “passe”.

Assim dispunha o artigo 11 da revogada Lei n.º 6.354/76:

Art. 11 o passe é a importância devida por um empregador a outro, pela cessão do atleta durante a vigência do contrato ou depois de seu término, observadas as normas desportivas pertinentes.

Como visto, esse instituto, na prática, vinculava o atleta à sua agremiação, ainda que não mais existisse relação contratual trabalhista entre ambos, tornando o jogador “refém” de seu clube, na medida em que só poderia exercer a sua atividade profissional caso o último permitisse.

Daí podemos concluir que o denominado “passe” era um meio que detinha o clube de segurar o atleta até que a indenização pelo atestado liberatório fosse paga àquele, mesmo que já não subsistisse mais vínculo empregatício entre as partes. Dessa forma, para que o jogador de futebol pudesse voltar a exercer sua atividade desportiva, disputando partidas e campeonatos, ver-se-ia obrigado a aceitar salários menores, por não haver interessados em adquirir o direito à utilização da sua atividade desportiva mediante o pagamento de um valor indenizatório muitas vezes exacerbado.

Tal situação persistiu, conforme já mencionado, até a entrada em vigor da Lei n.º 9.615/98, a Lei Pelé, que extinguiu o referido instituto, passando o atleta, ao fim de seu contrato, a encontrar-se livre para negociar com a agremiação que quisesse, e, ainda que o contrato estivesse em vigor, o atleta poderia migrar para outro clube caso fosse paga uma cláusula indenizatória calculada sobre o valor de sua remuneração.

Ora, mas qual a relação entre a extinção desse instituto e os contratos de cessão de uso de imagem firmados entre os atletas e as agremiações?

A explicação é simples. Como bem sintetiza Jorge Miguel Acosta Soares:

A crise econômica internacional que se abateu sobre todo o mundo após 2008 reduziu a capacidade financeira dos clubes europeus, assim como sua voracidade sobre nossos atletas, mas não a extinguiu. O futebol da Europa continua contratando, e pagando bem. No Brasil, fonte inesgotável de formação de atletas, o aumento da procura e da pressão dos clubes europeus provocou uma elevação real nos salários dos jogadores. Os clubes, para manter seus talentos, precisavam pagar bons salários. Quase ao mesmo tempo, os clubes assistiram à extinção do “passe” pela Lei nº 9.615/98, a “Lei Pelé”, que retirava das entidades uma poderosa fonte de renda. (…) Tentando reduzir os gastos, os clubes começaram a se utilizar do “contrato de imagem” instrumento que em nada guardava semelhança com a licença feita no exterior. Os jogadores no momento da contratação passaram a assinar em paralelo outro documento, o “contrato de imagem”, quase como acessório do contrato de trabalho. Sua finalidade essencial, desde que começou a ser utilizado em larga escala, foi dividir a remuneração do jogador em duas partes que, supostamente, teriam naturezas distintas. Assim, passaram a conviver, lado a lado, o contrato de trabalho, com sua natureza salarial, e o “contrato de imagem” cuja natureza aparentemente seria cível: o primeiro entre o clube e o atleta, em que este recebia uma pequena parte da remuneração, sobre a qual recaíam todos os encargos trabalhistas e fiscais; o segundo, assinado, em geral, entre a agremiação e uma pessoa jurídica especialmente aberta para esse fim, cujos pagamentos são isentos de tributos e reflexos trabalhistas, lançados apenas como despesas.[9]

Ademais, o mesmo autor especifica o que ocorria na prática em relação a esses contratos:

O desequilíbrio entre a obrigação do clube e a do atleta evidenciava o caráter fraudulento da contratação (…) Além da ausência de qualquer obrigação para o atleta, entre os pagamentos de seu contrato de trabalho e o “contrato de imagem”, havia um terceiro elemento que evidenciava o caráter fraudulento dessa contratação, a não utilização da sua imagem por parte do clube que recebia a licença para seu uso. Todas as vezes que as agremiações desportivas foram demandadas em juízo sobre o “contrato de imagem”, não conseguiam provar a sua utilização em campanha publicitária ou assemelhado. Os clubes contratavam, pagavam, mas não utilizavam a imagem do jogador.[10]

Essa artimanha, infelizmente, tem sido generalizada entre a maioria dos clubes de futebol de Brasil, tornando-se ponto comum entre praticamente todos os jogadores de futebol brasileiros a simulação em relação ao verdadeiro objeto do “contrato de imagem”.

Ocorre que, enquanto em vigor os contratos de trabalho e o de imagem, o atleta (empregado) não se insurge contra o fato de ter pactuado o dito contrato de natureza civil, com feições de natureza trabalhista. Somente quando da rescisão do contrato laboral é que o atleta pleiteia junto à Justiça do Trabalho, e não à Justiça Comum, por meio da ação própria, a integração da verba percebida, “mascaradamente”, a título de direito de imagem, ao cálculo do montante das verbas rescisórias.

Os tribunais trabalhistas brasileiros, ao enfrentarem essas demandas, surgidas principalmente após o advento da Lei Pelé, solidificaram o entendimento de que, em se constatando tal fraude no caso concreto, o contrato teria o caráter trabalhista, e não cível, detendo as verbas advindas daquele contrato, natureza salarial. Nesse sentido:

EMENTA: DA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Enquadra-se a presente demanda no fixado pelo art. 114 da CF/88, restando pacífica a competência desta Justiça Especializada para o deslinde da questão. Recurso desprovido. JOGADOR DE FUTEBOL. DIREITO DE IMAGEM. INTEGRAÇÃO AO SALÁRIO. O direito tutelado pelo art. 5º, X, da CF/88 diz respeito unicamente à imagem do indivíduo. O montante objeto de contrato que a vincula à prestação de serviços do trabalhador ao empregador, pago em quantias mensais fixas independentemente do efetivo uso da imagem, possui nítido caráter salarial, devendo integrar o cálculo das demais parcelas. Recurso do reclamado a que se nega provimento. (TRT da 4ª Região, 5272520105040014/RS 0000527-25.2010.5.04.0014, Relator: ANA ROSA PEREIRA ZAGO SAGRILO, Data do Julgamento: 02/06/2011, 14ª Vara do Trabalho de Porto Alegre - RS).

SALÁRIO “POR FORA” - JOGADOR DE FUTEBOL - DIREITO DE IMAGEM - NATUREZA SALARIAL - REFLEXOS – Mostra-se violadora dos direitos conferidos pela legislação trabalhista, nos termos do art. 9º da CLT, a conduta empresária de ajustar com o obreiro elevadas parcelas a título de “direito de imagem”, por meio de empresa por este constituída exclusivamente para esse fim. Impõe-se, no caso, o reflexo dos valores nas demais verbas trabalhistas, em face da natureza salarial destas parcelas. (TRT da 3.ª Região; Processo: RO - 4564/06; (Data de Publicação: 06/05/2006; Órgão Julgador: Quinta Turma; Relator: Convocado Danilo Siqueira de C.Faria; Revisor: Jose Murilo de Morais; Divulgação: DJMG . Página 23).

ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. DIREITO DE IMAGEM. INTEGRAÇÃO AO SALÁRIO. O pagamento de valores ao atleta profissional de futebol a título de exploração de imagem, através de firma individual instituída para este fim, constitui nítida manobra do clube empregador para reduzir encargos sociais e fraudar direitos trabalhistas (artigo 9º, da CLT). Tratando-se de parcelas pagas pela prestação de serviços, merecem integrar o salário do jogador, para todos os efeitos legais. 2. Rescisão antecipada pelo empregador do contrato a termo, sem justo motivo.

Equivalência à dispensa imotivada atraindo o direito concomitante da multa do FGTS e da indenização do art. 479 da CLT. Considera-se devida a indenização do art. 479 da CLT cumulativamente com a multa do FGTS, nos termos do Regulamento Normativo (art. 14 do Decreto 99.684-90), na hipótese da rescisão antecipada, sem justa causa, pelo empregador, do contrato a termo, e, também, porque tais verbas não são compensáveis, eis que atendem a objetivos diversos. (TRT-PR-19049-2002-014-09-00-0-ACO-07040- 2005. Relator: LUIZ EDUARDO GUNTHER, Publicado no DJPR em 29-03-2005).

2.5. O direito de imagem no Brasil após o advento da Lei n.º 12.395/2011

Em março de 2011, foi editada a Lei n° 12.395/2011, que alterou várias disposições da Lei Pelé e incluiu, pela primeira vez na legislação desportiva brasileira, artigo que versa sobre a cessão do direito de imagem do atleta. Eis o que dispõe o seu art. 87-A:

Art. 87-A. O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo.

Ao analisar essa inovação legislativa, muitos críticos, a exemplo de Jorge Miguel Acosta Soares,[11] mostram-se contrários às suas disposições, por entender que o direito de imagem foi esvaziado de qualquer conteúdo. Alega o autor que, nesse momento, por força de lei, não se poderia mais denunciar os “contratos de imagem” como fraude ao contrato de atleta, cabendo ao profissional do esporte que tiver esse contrato inadimplido buscar o seu pagamento perante a Justiça Cível.

Por outro lado, há uma outra corrente que afirma que o uso do instituto do direito de imagem, numa relação inconfundível e autônoma frente ao contrato de trabalho desportivo, afigura-se como uma alternativa factível, principalmente aos esportes que não o futebol, os quais possuem escassos patrocínios e incentivos governamentais, o que exige das agremiações a diminuição dos impactos em suas folhas de pagamento, por meio de outras opções, a exemplo da realização de contrato de imagem com os seus atletas.

O fato é que se deve ter muita cautela para não transformar o contrato de licença do uso de imagem entre atleta e agremiação em instrumento que vise tão somente à redução da base de incidência de tributos e contribuições sociais na relação de emprego, ou seja, que se consubstancie em um negócio fraudulento e dissimulado para mascarar a remuneração de atletas, de fato, profissionais, burlando a legislação trabalhista e nulificando de pleno direito tal avença, com fulcro no artigo 9º da CLT, e tendo-se sempre em mente que, nas palavras de Hugo de Brito Machado, “os contratos não valem pelo nome que ostentam, mas pelo que eles expressam em seu conteúdo”.[12]

Acreditamos que possui maior coerência o segundo entendimento. Primeiro, importante frisar que, ao definir a natureza do contrato de imagem realizado no mundo desportivo, indubitavelmente, a citada norma contribui para o aprimoramento daquele instituto, cujo correto uso pode sim ser uma alternativa viável para os clubes, não com o fim de diminuir as despesas, mas, principalmente, para maximizar as suas receitas, tendo em vista todo o desenvolvimento tecnológico atual, o que torna a imagem dos atletas importante ferramenta de captação de recursos.

Outrossim, ao analisar o referido dispositivo legal, percebe-se que ele não trouxe significativa novidade, já que, como frisado anteriormente, a cessão do uso da imagem do atleta já era permitida pela legislação pátria, tendo clara natureza civil, inclusive quando pactuada entre o atleta e o seu clube empregador, já que o citado instituto deriva do direito da personalidade, o qual possui caráter indubitavelmente civil.

Nesse sentido, eis alguns julgados dos tribunais brasileiros:

EMENTA: JOGADOR DE FUTEBOL. NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO DE IMAGEM. O contrato de trabalho do jogador de futebol profissional não se confunde com o contrato civil firmado entre a empresa da qual é o titular e o clube desportivo, razão pela qual o valor pago a título de “direito de imagem” não integra a sua remuneração enquanto atleta. Direitos que decorrem de pactuações distintas, oriundos tanto do contrato de trabalho, com observância da regra geral da CLT e da Lei Pelé (Lei nº 9.615/98), como do ajustado a título de direito de imagem, previsto na Constituição Federal.(TRT 4ª R; RO 00577- 2005-029-04-00-4; Sétima Turma; Relª Juíza Maria Inês Cunha Dornelles; julg. 13/09/2006; DOERS 21/09/2006);

EMENTA: DIREITO DE IMAGEM. NATUREZA JURÍDICA. Direito que não decorre da prestação do trabalho em favor do clube, não se tratando, pois, de contraprestação para efeitos do disposto no parágrafo 1º do artigo 457 da CLT. Descabida a integração da quantia paga a título de "cessão de imagem" à remuneração do recorrente. (TRT 4ª R; RO, 2ª Turma, Processo 01497.2007.202.04.00.5, Rel. Min. João Pedro Silvestrin, julg. 03/06/2009).

Necessário elencar que o ponto crucial que levou os tribunais ao entendimento de que as verbas do direito de imagem, em certas situações, teriam natureza salarial, foi a constatação, no caso prático, de que o contrato de cessão de uso de imagem estava sendo utilizado para burlar obrigações trabalhistas e fiscais.

Ao contrário do que afirma Soares, cremos que o referido artigo 87-A não tem o condão de mudar tal entendimento jurisprudencial. É o que se constata ao realizar uma análise no texto dessa norma. Vejamos.

Na sua parte inicial, dispõe o referido artigo que “o direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil...”. Tal passagem apenas reforça o entendimento de que o contrato de uso da imagem do atleta possui natureza cível. Já a parte final do referido texto prossegue “...e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo.”, o que deixa explícito que o contrato de imagem terá, sim, feição cível, porém, desde que estipule direitos, deveres e condições que não se assemelhem ao conteúdo dos contratos laborais. Assim, caso ocorra confusão entre tais contratos, não há impedimento para que o atleta procure a Justiça do Trabalho para analisar e decidir o seu pleito.

Apenas a título argumentativo, se considerarmos que o intuito daquele dispositivo foi levar as demandas do contrato de imagem ao Juízo Cível, imperioso ressaltar que existem várias disposições no ordenamento pátrio que estão aptas a coibir essa situação. Senão vejamos.

Dispõe a súmula 331 do TST que: “A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974)”.

Tal previsão se amolda perfeitamente ao que ocorre nas fraudes envolvendo os clubes de futebol e os contratos de cessão de uso da imagem de seus atletas, posto que, como visto, estes, em diversas ocasiões, assinam o contrato com aqueles por meio de uma empresa de fachada registrada em nome dos próprios jogadores (ou pessoas próximas de confiança, a exemplo de parentes), motivo que, conforme dispõe a referida súmula do TST, acarreta a formação de vínculo trabalhista diretamente com o tomador dos serviços, no caso, o clube, o que, indubitavelmente, atrai a competência da Justiça Laboral para as demandas que nasçam dessa relação.

Ademais, prevê a CLT, através de seu art. 9º, que: “Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”.

Também, sabe-se que um dos princípios que regem as relações trabalhistas é o princípio da primazia da realidade, pelo qual se estabelece que a verdade real prevalecerá sobre a vontade formal, predominando, portanto, a realidade sobre a forma.

Por fim, vale a pena ressaltar que, “fechar os olhos” para as possíveis práticas das fraudes antes exposta, não só permite que a parte mais frágil da relação trabalhista, a saber, o empregado/atleta, seja prejudicada, o que vai de encontro ao consagrado princípio da proteção, mas também colabora para que ocorra flagrante sonegação a tributos, a exemplo do Imposto de Renda de Pessoa Física e contribuições previdenciárias.

Feitos esses esclarecimentos, urge a necessidade de se buscar mecanismos para verificar se o contrato de imagem firmado entre clube e atleta, de fato, foi avençado no intuito de aproveitar a imagem do jogador, ou se trata de uma tentativa de burlar leis trabalhistas e fiscais.

Fernando Rogério Peluso traz boas opções aos que se depararem com essa encruzilhada. O autor aduz que, como forma de verificar a validade ou ao menos a presunção de validade, na celebração de um contrato de licença de uso de imagem entre um atleta profissional e a entidade desportiva empregadora, é necessário o preenchimento simultâneo do seguinte trinômio: (I) efetiva utilização da imagem; (II) notoriedade da imagem; e (III) proporcionalidade no valor auferido pela licença de imagem.[13]

Por seu turno, o magistrado trabalhista Mauro Schiave afirma que é possível o contrato de imagem conviver com o contrato de trabalho do atleta profissional do futebol, como um contrato acessório de natureza civil, desde que tal contrato tenha destinação específica e real, como por exemplo: vendas de camisas do time, figurinhas, comercial de televisão, etc., em valores razoáveis e que não sirva para mascarar o pagamento de salários.[14]

Outrossim, o seguinte julgado pátrio elenca a desproporção entre os valores relativos ao contrato de trabalho e aos concernentes ao direito de imagem como um indício de que este último contrato foi realizado com finalidade desconexa.

ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL (JOGADOR). DIREITO DE IMAGEM (DIREITO DE ARENA). NATUREZA SALARIAL DA VERBA. CABÍVEL. INTEGRAÇÃO NA REMUNERAÇÃO PARA FINS TRABALHISTA, PREVIDENCIÁRIO E FISCAL. Parcela paga a atleta profissional de futebol (jogador), a título de direito de imagem ou arena, possui natureza jurídica salarial, cabendo integração remuneratória para fins trabalhista, previdenciário e fiscal, mormente quando o valor pago é 157% superior ao salário para jogar futebol, entrar em campo. O direito de imagem, embora personalíssimo e de arrimo constitucional, civil e trabalhista, decorre do contrato de emprego firmado com o clube, cujo ganho é acessório, não podendo suplantar o salário pela atividade principal contratada (jogar bola). A dissimulação salarial fica evidente, não só pela desproporção da paga pelo direito de imagem, mas em razão da forma do pagamento: através de empresa simulada de divulgação e eventos em nome do reclamante. Não passando pelo crivo do art. 9º e 444 da CLT. Sentença mantida. (TRT 15, 1710 SP 001710/2006, Relator: EDISON DOS SANTOS PELEGRINI, Data de Publicação: 20/01/2006) (grifo nosso)

2.6. A exploração do direito de imagem no futebol português

Segundo a doutrina portuguesa, o direito à imagem, como explanado antes, é um direito autônomo e de caráter pessoal. Ao ter por objeto um elemento inerente ao próprio ser humano, o direito à imagem, assim como os demais direitos da personalidade, é irrenunciável e inalienável, de acordo com o que dispõe o artigo 81.º do Código Civil, o qual apenas admite que haja uma simples “limitação” voluntária ao “exercício” desse direitos, desde que essa limitação não seja contrária aos princípios da ordem pública.

Conforme interpretação desse preceito, a exemplo do direito brasileiro, o direito lusitano admite que não estão proibidas as limitações lícitas ao exercício do direito à imagem que, não afetando esse direito, apenas incidam sobre expressões dele. Admite-se, portanto, uma disponibilidade parcial, concreta, que não exclua a titularidade desse direito no futuro. Assim, em Portugal, também é válida a concessão pelo atleta de uma licença de uso da sua imagem ao clube com o qual celebra contrato de trabalho e que fica limitada à utilização da imagem do coletivo da equipe e em contextos relacionados diretamente com a prática desportiva.

Em todo o caso, a proteção do direito exclusivo sobre a própria imagem é muito intensa, pelo que se remetem as condições do uso do coletivo para a contratação coletiva, de modo a garantir à entidade desportiva os poderes necessários à utilização da imagem dos praticantes.[15]

Nesse contexto, é comum, nos dias atuais, serem os agentes ou empresários desportivos o responsáveis por assumir uma função de representantes dos praticantes desportivos profissionais inclusivamente para efeitos da negociação e contratação de licenças de uso e exploração comercial da imagem individual desses praticantes.[16]

Sobre o autor
André Augusto Duarte Monção

Mestre em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa - UAL. Especialista em Gestão do Esporte e Direito Desportivo pelo Centro Universitário Católica de Santa Catarina - Católica SC e pela Faculdade Brasileira de Tributação - FBT/INEJE. MBA em Compliance e Gestão de Riscos (com ênfase em Governança e Inovação) pela Faculdade Pólis Civitas. Especialista em Arbitragem, Conciliação e Mediação pela Faculdade de Minas - FACUMINAS. Especialista em Direito Empresarial pela Faculdade Legale - FALEG. Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Maurício de Nassau - UNINASSAU. Graduado pela Faculdade de Direito do Recife - FDR da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Auditor do Tribunal Pleno do STJD de Skateboarding. Auditor da Comissão Disciplinar do STJD da CBVD. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo - IBDD. Membro do Grupo de Estudos em Direito Desportivo da UFMG (GEDD UFMG). Autor do livro "Mediação e Arbitragem aplicadas ao desporto e o Tribunal Arbitral do Esporte (TAS/CAS), publicado pela Editora Dialética no ano de 2022.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONÇÃO, André Augusto Duarte. O direito de imagem do atleta profissional de futebol sob a perspectiva da legislação luso-brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4564, 30 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45145. Acesso em: 19 dez. 2024.

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