"Ao morrer evite o inferno,
em vida evite os tribunais."
Provérbio chinês
Não é recente, mas de há muito, que a sociedade brasileira sente e reclama quantos aos efeitos do moroso e atravancado trâmite dos processos judiciais. Diz-se que há excesso de recursos processuais, que há pouco juizes, que o sistema processual permite manobras que eternizam a solução dos conflitos levados às nossas Cortes Judiciais.
Esta com certeza é uma das questões que a todos nós aflige e que merece detida atenção.
Destaque-se, oportunamente, que tal preocupante situação não é uma mazela das instituições judiciárias nacionais.
Foi de extrema felicidade a menção feita pela Culta Dra. Ângela Mendonça [6], pela qual lembrou-nos que em Relatório de abertura do Simpósio Jurídico W.G. Hart sobre a Justiça Civil e suas Alternativas, realizado em Londres, de 7 a 9 de julho de 1992, no Institute of Legal Advanced Studies, " o Douto Jurista Italiano, Mauro Cappelletti, historiou o que se refere à reação mundial, contra o formalismo excessivo e a demora na solução dos conflitos pelo judiciário. Expôs sobre o que chamou de "Medidas Alternativas do Movimento Universal de Ampliação do Acesso à Justiça", que combate o desvirtuamento do processo tradicional que, notoriamente conhecido como instrumento de realização dos direitos subjetivos, passou à óbice, entrave ou obstáculo à justa e célere composição das lides."
Por aqui, é certo que a criação dos Juizados Especiais Cíveis, Criminais e Federais têm contribuído substancialmente para a diminuição das longas demandas em juízo e, ainda, pela celeridade nos julgamentos.
Contudo, nem todas as questões podem ser levadas aos Juizados Especiais, dado que a Lei 9099/95 trouxe, por óbvio, limitações quanto à matéria, valores das causas e complexidade das mesmas.
Na busca pela modernização e criação de meios alternativos de solução de conflitos, veio-nos a Lei 9.307/96, recentemente considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em julgamento do Agravo Regimental na sentença estrangeira nº 5.206, o qual o Excelso Pretório houve por bem provê-lo para homologar a sentença arbitral proferida no exterior (Espanha).
Sem perder de vista que além dos meios alternativos de solução de conflitos, a desobstrução do acesso à justiça também ocorre pela promoção da assistência judiciária gratuita e, de igual modo, pela defesa dos interesses coletivos ou difusos, neste nosso breve estudo procuraremos direcionar as luzes sobre o instituto da arbitragem, legítimo mecanismo prático, eficaz e objetivo de solução de conflitos.
Como bem lançado pelo brilhante Dr. Sérgio Ruy Barroso de Mello [1], e fazendo dele nossas palavras, nos ocuparemos "das chamadas formas alternativas de resolução de conflitos, conhecidas internacionalmente com Alternative Disputes Resolutions (ADR), cujas palavras-chave são a simplicidade e a informalidade. Verificada a impossibilidade de resolução do conflito pelas partes, via negociação direta e não desejando recorrer ao judiciário, surgem então as formas alternativas de solução de conflitos representadas pela mediação, conciliação e arbitragem, cuja diferença essencial se dá pela maior ou menor intensidade na atuação do terceiro."
Vê-se, pois, que se trata de um instituto permeado em sua essência pela consensualidade, de modo a tornar-se imperioso que estejam as partes no pleno exercício da liberdade de contratar.
Neste contexto, as formas amigáveis de solução de conflitos de interesse são a mediação, a conciliação e a arbitragem.
Vale aqui, ainda que em brevíssimas linhas, lembrarmos do que há de distinto entre a mediação, a conciliação e a arbitragem.
Na MEDIAÇÃO o terceiro (mediador ou mediadores) são limitados à aproximação das partes, para que façam a negociação direta, sem que haja interferência daquele, o mediador. Aliás, há sim a possibilidade de interferência, qual seja, aquela tendente à suspensão da mediação em razão da constatação da inviabilidade ocorrente do desentendimento das partes.
Na CONCILIAÇÃO, o Conciliador ou os Conciliadores são detentores de atribuições um tanto maiores, cabendo-lhes aproximar as partes com maior esforço e interferência, sempre no intuito de esclarecê-las e convencê-las da necessidade e conveniência da composição.
Já quanto à ARBITRAGEM, a presença e atuação do terceiro, ou terceiros, árbitro ou árbitros, se dará de forma mais incisiva, sem que com isto possa-se entender que atuem e decidam forçadamente.
O árbitro ou os árbitros verdadeiramente julgam, com a autoridade que, livremente, lhe foi conferida pelas partes mediante a delegação dos necessários poderes. E assim julgam, fazendo-o com os deveres de imparcialidade e independência próprias dos julgadores de um modo geral.
Podemos afirmar, então, que na Arbitragem o árbitro, detém e exerce o poder jurisdicional. Assim como o juiz, o árbitro exerce o poder de jurisdição, isto é, ele decide o litígio posto à sua apreciação. E como o faz? Por meio de uma sentença arbitral.
No direito brasileiro, por força do quanto disposto na Lei 9.307/96, a sentença arbitral está equiparada a uma sentença judicial, a um título executivo judicial, ou seja, não é necessária sua homologação para a execução pelo Poder Judiciário. E mais, a sentença arbitral é irrecorrível.
Postas estas iniciais considerações, cremos que já se faz tempo e hora de voltar o foco dos estudos à aplicabilidade da arbitragem aos contratos de seguro e resseguro, questão esta da maior importância, especialmente pelas largas vantagens da utilização destes meios alternativos de solução de conflitos.
Quanto ao contrato de seguro, entendemos perfeitamente aplicável as normas traçadas pela Lei 9.307/96.
Como já asseverado anteriormente, o instituto da arbitragem é consensual, podendo ser inserido nos contratos por um acordo de vontades das partes que estipularão que o litígio ou futuro litígio será resolvido pela via arbitral.
Fazendo coro ao que brilhantemente ministrou o Professor Dr. Cláudio Vianna [2], "...tanto a ARBITRAGEM quanto os contratos de SEGURO e RESSEGURO estão fundados na boa-fé, os participantes convencidos de que agem inteiramente dentro do sistema legal vigente e que da mesma forma age a outra parte."
Deste modo, cumpre-nos destacar que a convenção arbitral ocorrerá dos seguintes modos e condições: tem-se a cláusula compromissória, ou cláusula arbitral, que é a cláusula inserida no contrato ou em anexo deste, que estipule que todos os eventuais conflitos e futuros litígios serão resolvidos por via arbitral.
Já o compromisso arbitral, subespécie de arbitragem, constitui-se pela convenção no sentido de que o litígio será resolvido pela via arbitral.
Então, onde está a diferenciação entre cláusula arbitral ou compromissória e compromisso arbitral?
A resposta veio-nos dos ensinamentos do Dr. João Bosco Lee [3]: ".. . é o momento do litígio. A cláusula arbitral é estipulada antes do nascimento do litígio; e o compromisso arbitral, depois do nascimento do litígio."
Nos termos da Lei de Arbitragem, o litígio poderá ser arbitrável no Brasil quando se relacionar a uma matéria de direito patrimonial disponível.
Destarte, em sendo o seguro matéria de direito patrimonial disponível, possível será o arbitramento dos litígios no juízo arbitral.
Há, contudo, que se indagar quanto à legalidade da inserção da cláusula arbitral nos contratos de seguro, ou seja, antes de verificado o nascimento do litígio.
Como cediço, o contrato de seguro é daqueles conceituados como de adesão, ou seja, dada sua natureza massificada não é dado ao proponente alterar-lhe a forma e o conteúdo de suas cláusulas.
Neste ponto reside a polêmica quanto ao cabimento da arbitragem ao contrato de seguro, pois há na Lei de Arbitragem, disposição específica quanto aos contratos de seguro, na qual (art. 4º, § 2º) " nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula."
De fato, tendo-se como inolvidável que o contrato de seguro é um contrato de adesão e que o artigo 4º, § 2º, estatui a possibilidade da utilização da cláusula arbitral em um contrato de seguro quando cumpridos os pressupostos ali asseverados, podemos concluir que é legal a utilização da cláusula compromissória no contrato de seguro. Ocorre, todavia, que infelizmente a conclusão não pode ser tão simples.
É que, se este contrato de seguro não for insumo em relação à outra operação mercantil, v.g. um contrato de seguro de crédito à exportação, haverá óbice a ser superado quanto ao que está disposto no artigo 51, inciso VII do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Adotemos como pacífica e extreme de dúvidas a conceituação de seguro como sendo serviço e, portanto, adstrito aos regramentos da Lei Consumerista.
Dispõe o artigo 51 do CDC:
"São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I – omissis;
VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem;
Travar-se-á, então, discussão quanto à revogação ou não do inciso VII, do artigo 51, pela Lei de Arbitragem, artigo 4º, § 2º.
Em fomento à esta polêmica temos que o artigo 44 da Lei de Arbitragem dispõe que ficam revogadas as disposições do Código Civil em relação à arbitragem, as disposições do Código de Processo Civil, também em relação à arbitragem, e todas as demais disposições em contrário.
Ora, então ao aplicarmos o princípio da lex posteriori, a revogação do inciso VII, do artigo 51, seria inquestionável?
Parece-nos que não, pois as normas contidas no CDC são normas de ordem pública e, portanto, sua revogação há que ser expressa e não tácita como sói acontecer no texto da Lei 9.307/96.
Há, todavia, que se cogitar e amparar a argumentação em sentido contrário, eis que a vedação diz respeito à utilização compulsória da arbitragem, ao passo que como já exposto anteriormente, a arbitragem é facultativa e consensual.
Logo, o cuidado que o segurador deverá ter será o de inserir a cláusula compromissória em termos claros, objetivos e em destaque, como sendo uma opção para o consumidor/segurado. Havendo esta opção pelo segurado é que se celebrará o compromisso arbitral.
A inserção da cláusula compromissória deverá até mesmo ser identificada, ou denominada, como Cláusula Indicativa de Arbitragem, tudo de modo a possibilitar que o aderente, ou segurado, tome a iniciativa de instituir a arbitragem ou, ainda, concorde, expressamente, com a sua instituição, sem que se possa alegar qualquer mácula aos ditames consumeristas.
Polêmica à parte e deixando que os doutos se pronunciem e tragam luz ao tema, é de se salientar, ainda que à exaustão, a importância da valorização do instituto da arbitragem, e neste sentido vale trazer à baila magnífica manifestação feita pelo eminente jurista chileno Dr. Osvaldo Contreras Strauch [4]:
"Como ya hemos dicho, en lo concierniente a conflictos mercantiles en general (y el seguro integra el sistema del derecho comercial), la tendencia mundial es a su des-judicialización. Varias razones se juntan para alimentar ésta tendencia, cada vez en mas rápido dessarollo en el mundo. Pero las principales son dos: la especialidad y la rapidez. En cuanto a la primera cabe enfatizar que el seguro vontituye una especialidad del derecho que exige dedicación propia, conocimiento del funcionamiento interno del sistema y de los usos y costumbres, incluso el lenguage próprio, que emplean quienes hacen de esta actividad económica su profesión habitual. Por otro lado, el funcionamiento del sistema económico en el que están insertos los conflictos que surgen, exige su rápida resolución, so pena de causar mas daños que los que se pretenden evitar al plantearse la contienda.
Ambos elementos interactúan: la rápida resolución de las causas exige tanto dedicatión del juzgador como conocimiento del tema. No resulta feliz ni apropriado que para resolver, deba el juzgador partir por aprender el tema sometido a su decisión. Por las causas anotadas, resulta evidente que Chile, al haber propiciado el arbitraje en el seguro hace ya mucho tiempo, desde 1927, en circunstancias que en otros países, mucho mas avanzados en otros aspectos, recién ahora se está partiendo por favorecerlo, nuesto país há sido pionero en el tema.
Sin embargo, no todo son cualidades o ventajas en éste sistema."
Se quanto à aplicação da arbitragem nos contratos de seguro verifica-se a polêmica antes comentada, no tocante aos contratos de resseguro não há óbice de tal natureza.
Os contratos de resseguro, de cuja natureza jurídica extrái-se conceituações como " o seguro do segurador" ou " o seguro do seguro", à nós sendo preferível a primeira, comportam aplicação da legislação e regulamentação relativas ao contrato de seguro, salvo expressa menção do legislador, como ocorre na legislação francesa e, entre nós, seguindo-se o que dispõe a Resolução do Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP nº 01, de 14.01.2000.
Não percamos nunca de vista que tal como ocorre com o contrato de seguro, o contrato de resseguro deve ser sempre permeado da mais estrita boa-fé entre as partes contratantes, a cedente e o ressegurador.
Dado o caráter internacional e comercial do resseguro, a cláusula de arbitragem é de constante verificação nos contratos de resseguro.
Como de conhecimento comum, na grande parte das vezes, cedente e resseguradores não têm o mesmo domicílio nacional e eventuais contendas judiciais envolveriam antes mesmo da fase meritória, a resolução de intrincadas questões de direito internacional privado, quer quanto ao direito material, quer quanto à regra processual a ser aplicada pelo julgador.
É certo que em razão da especificidade técnica do contrato de resseguro cedente e resseguradores preferirão discutir as controvérsias advindas da execução, ou mesmo da inexecução, do contrato submetendo-as a um Tribunal expert em matéria de resseguro, ao invés de levá-las às Cortes Judiciais, onde nem sempre poderão contar com um conhecimento abalizado por parte dos magistrados. Obviamente que as disputas arbitrais exigiram assessoria jurídica de advogados especializados em resseguro.
Frise-se, por oportuno, que a maioria das disputas arbitrais conhecidas em matéria de resseguro versa exatamente sobre a validade do contrato. Daí a necessidade de que este seja interpretado por profissionais especialistas na matéria.
Outro ponto de destaque, não menos importante, é que a cláusula compromissória deve ser redigida com determinados cuidados de modo a que prevaleça sua autonomia em relação ao contrato de resseguro, garantido que as demandas concernentes à validade do mesmo sejam também dirimidas pela via arbitral.
A cláusula arbitral deverá ainda estar sujeita ao costume e à prática comercial do resseguro internacional, valendo lembrar que não existe um direito supranacional, nem recorrente jurisprudência sobre tal tema.
No nosso caso, é de se destacar que a "autonomia da vontade arbitral" não pode colidir com a ordem pública, nos exatos termos dispostos no parágrafo 1º do artigo 2º da Lei de Arbitragem.
Comumente, no tocante ao direito subsidiariamente aplicável, recorre-se ao direito do país sede da cedente, ao qual ficam sujeitos também as apólices de seguro.
Ainda quanto ao tema Ordem Pública, recorremos aos ensinamentos do Dr. Paulo Luiz de Toledo Piza [5], segundo os quais a ordem pública " é assunto insuprimível tanto em matéria de contrato de seguro, como em matéria contratual ressecuritária."
Percebe-se, pois, que a viabilidade jurídica da utilização do instituto da arbitragem como meio alternativo de solução de conflito, pela eficácia da decisão proferida. Mas não percamos de vista, nunca, que quanto aos contratos de seguro, não é admissível a presença de cláusulas obrigatórias de compromisso arbitral, exatamente em razão da vedação imposta pelo Código de Defesa e Proteção do Consumidor, em seu inciso VII, do artigo 5º. A solução para este impasse é, como já asseverado antes, utilizar-se o segurador de cláusula compromissória indicativa de utilização futura da arbitragem no contrato de seguro, se as partes assim o desejarem e, sempre, por iniciativa do segurado.
A recente normatização do juízo arbitral, nos termos da Lei 9.307/96, aliada ao aumento da demanda pelos contratos de resseguro, efeito do fenômeno globalização, nos induz a concluir, em desfecho destes breves comentários, que o tema proposto é, a par de instigante, de extrema necessidade para o desenvolvimento da atividade securitária e ressecuritária, na medida em que possibilita soluções céleres, justas e alcançadas com o auxílio de profissionais conhecedores das nuances próprias dos contratos de seguro e de resseguro.
Notas
01. Mendonça, Ângela. A Crise do Judiciário, o Movimento Universal de Acesso à Justiça e os Meios Alternativos de Solução de Conflito. Revista Caderno de Seguros, FUNENSEG set/out 2001, pág. 56/59.
02. Mello, Sérgio Ruy Barroso. Arbitragem: A Solução Alternativa de Conflitos e o Novo Governo. Caderno de Seguros. FUNENSEG, janeiro 2003, pág. 51/54.
03. Vianna, Cláudio. Arquivos da CONSEGURO, Conferência Brasileira de Seguros, Resseguros, Previdência Privada e Capitalização, realizada na Cidade do Rio de Janeiro, em setembro de 2000.
04. Lee, Bosco João. Estudos de Direito do Seguro, Vol. IV, Anais do II Forum de Direito do Seguro " José Solero Filho, IBDS, Porto Alegre, Novembro de 2001, Ed. EMTS.
05. Strauch, Osvaldo Contreras. El Arbitraje en el Contrato de Seguro (La experiencia de Chile). Debates Preparatórios do II Fórum de Direito do Seguro José Solero Filho, IBDS)
06. Piza, Paulo Luiz de Toledo. Contato de Resseguro. IBDS, 2002. Ed. EMTS, pág. 445.