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A propriedade intelectual na Convenção Brasil/Portugal sobre dupla tributação

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Agenda 18/12/2015 às 09:20

4. A TRIBUTAÇÃO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL NO ACORDO ENTRE BRASIL E PORTUGAL

Nos termos da Convenção celebrada entre Brasil e Portugal, os royalties provenientes de um Estado Contratante só poderão ser tributados no Estado de residência do beneficiário, quando esta residência for o outro Estado Contratante. Todavia, poderá também o Estado da fonte dos rendimentos proceder à sua tributação, contanto que o imposto no caso não exceda à 15% do montante bruto dos royalties.

A redução do imposto de renda se justifica porque muitas vezes tal custo é transferido para o importador da patente ou da tecnologia, afetando o mercado interno e reduzindo as exportações em virtude do aumento do custo de produção. No caso da indústria cinematográfica brasileira, a intenção é incentivar a sua contínua expansão.

Ao incluir os serviços técnicos e de assistência técnica no conceito de royalties, cumulativamente com a previsão do artigo 14º32, a Convenção entre Brasil e Portugal permite que os pagamentos feitos por uma pessoa jurídica residente no país a um estrangeiro ou uma empresa de engenharia do outro país sejam tributados pelo país da residência, mesmo sem haver uma instalação fixa (também chamado de estabelecimento permanente) do profissional naquele país.

Por sua vez, o artigo 12º.4 da Convenção exclui da dupla tributação os royalties percebidos por uma entidade que se encaixe no conceito de estabelecimento estável33, desde que tais rendimentos sejam provenientes de direitos efetivamente ligados ao estabelecimento. Neste caso, tais rendimentos serão tributados não como royalties, mas como lucro, nos termos do artigo 7º da Convenção.

O propósito desta disposição é evitar que se aplique o “princípio da força atrativa”34, segundo o qual toda e qualquer atividade realizada por uma empresa num país onde tenha estabelecimento fixo deve ser considerado como ligada ao mesmo. Deste modo, por força do item 4 do artigo 12º só haverá atração se o bem ou direito estiver intimamente ligado ao estabelecimento.

Relativamente à fonte de pagamento, por força do disposto no artigo 12º. 5, os royalties serão considerados provenientes de um Estado quando o devedor ali tiver sua residência ou estabelecimento em relação ao qual foi contraída a dívida dos royalties (sendo que o estabelecimento estável suporte referido pagamento).

No Direito Internacional o princípio regente é da soberania econômica dos Estados, de sorte que a regra de não discriminação só existe quando explicitada, e nos estritos termos em que o é, ou seja, o que há de não-discriminação é o que está escrito nos tratados relevantes.35

Desta maneira, a discriminação em matéria tributária encontra-se prevista e vedada pelo art. 24 da Convenção entre Brasil e Portugal, a exemplo do que acontece com a própria Convenção Modelo.

Referido artigo, prevê especificamente no item 3 que:

Salvo se for aplicável o disposto no Artigo 9º, no nº 8 do Artigo 11º ou no nº 6 do Artigo 12º, os juros, royalties e outras importâncias pagas por uma empresa de um Estado Contratante a um residente do outro Estado Contratante serão dedutíveis, para efeitos da determinação do lucro tributável de tal empresa, como se fossem pagas a um residente do Estado primeiramente mencionado.

Os comentários da OCDE relativamente ao artigo 24 do Modelo esclarecem que esta disposição proíbe que um Estado Contratante dê um tratamento menos favorável a uma empresa cujo capital seja de propriedade ou controlado, no todo ou em parte, direta ou indiretamente, por um ou mais residentes do outro Estado Contratante.

Neste ponto, cumpre-nos uma breve reflexão acerca da disposição da legislação brasileira acerca da indedutibilidade dos pagamentos de royalties ou de assistência técnica, feita pela controlada à controladora no exterior prevista nos art. 353, III, a) e b), bem como inciso IV, do Regulamento do Imposto de Renda brasileiro, decreto 3000/199936. Trata- se, conforme as lições de Alberto Xavier37, de regime excepcional, que derroga o princípio geral da dedutibilidade das despesas necessárias à atividade da empresa e à manutenção da fonte produtora e que teve em vista prevenir a evasão fiscal nas relações internacionais decorrentes da transferência de tecnologia. Na verdade, o princípio da inerência, ou da plena dedutibilidade, já se aplica se o beneficiário dos pagamentos em causa for sociedade matriz ou controladora sediada no Brasil.

Assim sendo, a previsão do regulamento brasileiro dá às filiais e subsidiárias de empresas domiciliadas no exterior tratamento fiscal discriminatório, na forma de tributação mais onerosa, pois na apuração do seu lucro tributável não poderão deduzir despesas real e efetivamente suportadas, podendo além do mais esses gastos ser considerados receitas e, como tal, tributados como lucros distribuídos.

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Por tal motivo, num primeiro momento poderíamos concluir que a norma em comento violaria o princípio da não-discriminação, de tal sorte que aludidos preceitos seriam inoponíveis às empresas portuguesas com filial no Brasil por força da previsão do artigo 24.3 da Convenção entre Brasil e Portugal.

Todavia, é importante observar que em numerosas Convenções o preceito em causa foi objeto de esclarecimentos, ou derrogações por via de protocolo complementar, como é o caso da Convenção entre Brasil e Portugal, a qual traz diversas disposições no artigo 8º do Protocolo adicional 38. Referido protocolo prevê expressamente que:

Fica entendido que as disposições das legislações dos Estados Contratantes que não permitem que as "royalties", tal como são definidas no nº 3 do Artigo 12º, pagas por um estabelecimento estável situado num Estado Contratante a um residente do outro Estado Contratante que exerça atividades empresariais no primeiro Estado Contratante por intermédio desse estabelecimento estável, sejam dedutíveis no momento de se determinar o rendimento tributável do estabelecimento estável acima mencionado, não são conflituantes com as disposições do Artigo 24º da presente Convenção.

Logo, a previsão do Regulamento brasileiro acerca da indedutibilidade dos pagamentos de royalties ou de assistência técnica, feita pela controlada à controladora no exterior está de acordo com a Convenção entre Brasil e Portugal, sem violar o princípio da não-discriminação.

Ademais, importante notar que a discriminação entre sociedade residente no mesmo país, só pelo fato de nela haver capital estrangeiro não se configura tão claramente, já que todas, independentemente da origem de seus recursos próprios, sofrem a mesma, tributação quanto à alíquota, fato gerador e hipótese de base de cálculo. Ocorre que, no caso em tela, são acrescidos à base de cálculo efetiva do imposto valores que, pela dificuldade de se verificar sua real natureza, são presumidamente rendimento tributável.

Quanto aos royalties, a presunção existe para os rendimentos atribuídos a sócios residentes no país e a equiparação, se feita, iria levar a que o pagamento a sócio residente no exterior passasse a ser indedutível mesmo se minoritário ou não controlador. Quanto à assistência técnica, as regras da distribuição disfarçada de lucro poderiam igualmente levar à indedutibilidade os pagamentos efetivos aos controladores e aqueles feitos aos sócios em geral.

Por fim, os Comentários da OCDE esclarecem, ainda que a discriminação, no caso, diz respeito à tributação da empresa e não das pessoas que têm a propriedade de seu capital. O objetivo seria assegurar tratamento igual para contribuintes residentes no mesmo Estado, e não submeter o capital estrangeiro pertencente aos sócios ou acionistas a tratamento idêntico ao aplicado ao capital nacional.

Logo, pode-se argumentar que o pagamento imposto suplementar não violaria o princípio da não-discriminação, uma vez que, segundo Alberto Xavier, tal tributo grava o sócio estrangeiro e não a sociedade39.


5. CONCLUSÃO

No presente trabalho, procurou-se analisar a questão da tributação da propriedade intelectual no âmbito da Convenção entre Brasil e Portugal destinada a evitar a dupla tributação e a prevenir a evasão fiscal em matéria de Impostos sobre o Rendimento, celebrada em Brasília, em 16 de maio de 2000.

Examinamos os mais relevantes aspectos do instituto da dupla tributação internacional, a qual consiste na incidência de impostos equiparáveis em dois ou mais Estados, relativamente a um mesmo contribuinte, fato gerador e períodos de tempo idênticos.

Num segundo momento, tecemos considerações gerais acerca do regime legal da propriedade intelectual envolvendo ambos os países, com atenção especial para o conceito de royalties, os quais podem ser definidos como retribuições de qualquer natureza pagos em razão de uso ou concessão de uso de um direito de propriedade intelectual. Imprescindível ressaltar que, enquanto o direito brasileiro inclui no conceito de royalties os rendimentos derivados dos recursos minerais e florestais – o que não é previsto no direito português – em Portugal, ao contrário do direito brasileiro, são considerados royalties os pagamentos por processos secretos, experiência adquirida e aluguel de equipamento.

Com a Convenção celebrada entre Brasil e Portugal, conseguiu- se, de certa forma, clarificar, uniformizar e assegurar a situação fiscal dos sujeitos passivos de cada Estado–Membro, ainda que não tenham sido feitos grandes avanços na questão dos incentivos aos investimentos estrangeiros pela não adoção do tax sparing comum dos métodos para eliminar a dupla tributação entre eles.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Sobre o autor
Fernanda Soares Ferreira Coelho

Bacharel em 2004 pela Universidade de São Paulo, Especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito, Mestra em Ciência Jurídico-políticas pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Procuradora Federal desde 2006.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO, Fernanda Soares Ferreira. A propriedade intelectual na Convenção Brasil/Portugal sobre dupla tributação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4552, 18 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45319. Acesso em: 18 nov. 2024.

Mais informações

Trabalho de pós-graduação apresentado à disciplina Direito Fiscal do curso de Ciências Jurídicas ao Abrigo do Protocolo entre a FDUP e o IPCP da Faculdade de Direito da Universidade do Porto.

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