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A propriedade intelectual na Convenção Brasil/Portugal sobre dupla tributação

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Com a convenção celebrada entre Brasil e Portugal, conseguiu-se clarificar, uniformizar e assegurar a situação fiscal dos sujeitos passivos de cada Estado-membro.

1. INTRODUÇÃO

Desde o final do século XX, assistimos uma crescente abertura e internacionalização da economia mundial, consequência da liberalização dos mercados, do incremento da competitividade nacional, da integração dos mercados financeiros e da livre circulação de pessoas, bens, mercadorias e serviços cada vez mais acentuada.

Neste contexto, um forte sistema de direitos de propriedade intelectual é necessário para fornecer às indústrias os incentivos adequados e proteção de que necessitam para inovar, gerando emprego e crescimento econômico. A dupla tributação internacional, então, é encarada como obstáculo às relações econômicas internacionais, bem como um facilitador da evasão fiscal, por interferir nos movimentos de capitais e de pessoas, na transferências de tecnologia e nos intercâmbios de bens e de serviços.

Mencione-se, ainda, que o problema pode até mesmo se estender ao âmbito das relações culturais entre os Estados, ao dificultar a difusão, entre eles, da propriedade intelectual, e ao criar empecilhos à realização de espetáculos e apresentações por parte de artistas e atletas estrangeiros, bem assim à presença de cientistas e estudantes estrangeiros1.

Ao mesmo tempo em que se reduziram as barreiras à livre circulação de pessoas, serviços, capitais e mercadorias; também se multiplicaram as situações de dupla tributação internacional, originando determinadas situações de conflito insuscetíveis de serem solucionadas pelas legislações nacionais, uma vez que os Estados quase nunca estão dispostos a abrir mão de suas competências fiscais. Assim, a limitação e tais pretensões tributárias dos Estados, bem como o combate à evasão fiscal, passou a ser feito mediante a celebração de tratados internacionais especialmente destinados a estas finalidades.

A participação do Brasil e de Portugal neste cenário motivou a realização do presente trabalho, o qual se debruça sobre a questão da tributação internacional da propriedade intelectual, tendo como foco principal a Convenção entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, celebrada em 2000 em Brasília/DF.


2. A TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL

2.1 Considerações Gerais

Combatida já desde o final do século XIX na Europa, o fenômeno da dupla tributação internacional, tem sido objeto de constantes debates entre as nações, uma vez que dificulta as transferências de tecnologias, os fluxos de capitais e, por consequência, a própria expansão das economias.

Herbert Dorn, em 1927, definiu que

A dupla – múltipla – tributação se verifica, quando vários titulares de soberania tributária independentes – no caso vários Estados independentes – submetem o mesmo contribuinte, pelo mesmo objeto, contemporaneamente, a um imposto da mesma espécie2.

Apesar da definição de Dorn ser fonte de inspiração para a maioria da doutrina, são nas observações gerais ao modelo de convenção sobre dupla tributação em matéria de impostos sobre a renda e o patrimônio, elaborado pelo Comitê Fiscal da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que encontramos os principais elementos da dupla tributação internacional:

O fenômeno da dupla tributação jurídica internacional pode definir-se de forma geral como o resultado da percepção de impostos similares em dois – ou mais – Estados, sobre um mesmo contribuinte, pela mesma matéria imponível e por idêntico período de tempo3.

Convém ressaltar que a dupla tributação internacional difere da dupla tributação interna. Naquela, existe uma colisão entre sistemas tributários soberanos; enquanto nesta a colisão ocorre dentro de um mesmo Estado. Ambos os fenômenos são, na sua essência, análogos, diferindo, todavia os métodos utilizados para resolvê-los.

As convenções internacionais são os principais instrumentos utilizados para solucionar os efeitos da dupla tributação internacional; enquanto que o problema da dupla tributação interna é solucionado ou por dispositivos constitucionais, como é o caso do Brasil, ou pela legislação ordinária, que é a medida mais comum, ou então por decisões do Poder Judiciário, como acontece na Suíça. O presente trabalho se propõe a fazer uma breve análise sobre a Convenção entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, celebrada em 2000 em Brasília/DF.

Superada esta distinção, convém analisarmos os elementos caracterizadores da dupla tributação internacional. A principal questão que se coloca é definir qual o Estado competente para tributar, bem como quais as normas da convenção aplicáveis ao caso concreto em que medida podem as convenções adotar limites para evitar situações de dupla tributação ou, inclusive, de não tributação.4 Em primeiro lugar, verificamos a presença de uma pluralidade de soberanas tributárias, ou seja, o concurso de dois ou mais Estados soberanos interessados em tributar determinada realidade (podendo- se, inclusive, falar de “múltipla tributação”).

Ademais, exige- se a identidade do sujeito passivo da obrigação tributária, distinguindo dessa forma a dupla tributação jurídica, da dupla tributação econômica. A primeira é a geralmente considerada como atentatória aos princípios da justiça e da eqüidade e mais problemática do ponto de vista econômico, exigindo, assim, consideráveis esforços para solucioná-la5, o que já está sendo feito em alguns países.

Outros elementos da dupla tributação internacional são, ainda, a identidade do elemento material do fato gerador e do imposto, bem como do período a ser tributado. Com efeito, afigura-se tarefa difícil estabelecer a noção precisa de identidade do imposto, quando se está diante de ordenamentos jurídicos distintos, motivo pelo qual adota- se, em regra, a idéia de que não basta coincidir o elemento material do imposto, devendo também ser coincidentes o sujeito passivo e o elemento quantitativo, expresso na base de cálculo do tributo.

A maioria das convenções sobre dupla tributação abrange os impostos sobre as pessoas físicas e coletivas, e os impostos sobre capital e patrimônio.6 No caso da Convenção entre Brasil e Portugal, são abrangidos o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e a derrama, no caso português. Já no caso brasileiro, a convenção abrange o Imposto Federal sobre a Renda. Ademais, existe a previsão de aplicação a eventuais impostos de natureza idêntica ou similar que entrem em vigor em data posterior à da assinatura da Convenção.

Como forma de proceder à delimitação da sua competência internacional relativamente aos impostos diretos, os Estados podem se utilizar de alguns critérios. Ao optar pelo princípio da universalidade, eles podem adotar o critério da residência ou o da nacionalidade e, optando pelo princípio da territorialidade, adotam o critério da fonte.

O critério da residência é o critério básico adotado no Modelo de Convenção da OCDE e consiste em submeter à tributação as pessoas que residem no território do Estado, pela totalidade das suas rendas e de seus bens, independentemente da nacionalidade dessas pessoas, da origem de suas rendas e da localização dos seus bens. Os critérios que permitem apontar uma pessoa como residente de um Estado parte estão previstos no artigo 4º do Modelo da OCDE, sendo que tais critérios foram integralmente adotados também no artigo 4º da Convenção entre Brasil e Portugal.

Neste caso, conforme previsão do artigo 4º.2 da Convenção entre Brasil e Portugal, uma pessoa física será considerada residente de um Estado ou porque nele mantém a sua residência habitual; ou porque nele se encontra o centro de suas atividades econômicas. Ademais, também será considerado residente porque o visita periodicamente, dispondo, para isso, de uma habitação permanente no seu território. De forma similar, uma pessoa jurídica pode ser considerada residente de um Estado pelo fato de haver nele sido constituída, e de outro, por encontrar-se no território desse o centro de direção e controle.

Por sua vez, o critério da nacionalidade implica em tributar apenas as pessoas que detêm a nacionalidade do Estado, desconsiderando o local da sua residência, a fonte das suas rendas e a situação dos seus bens. Tal critério é previsto em caráter subsidiário na Convenção entre Brasil e Portugal, no artigo 4º. 2, item “ C”, o qual prevê que caso a pessoa permaneça habitualmente em ambos os Estados ou em nenhum deles, será considerada residente no Estado de sua nacionalidade.7

Finalmente, segundo o critério da fonte o Estado pode tributar todas as rendas cuja fonte se encontra no seu território, assim como todos os bens nele situados, independentemente da residência ou a nacionalidade das pessoas que auferem tais rendas ou dispõem de tais bens, conforme disposto no artigo 29 º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, a qual dispõe que: “A não ser que uma intenção diferente se evidencie do tratado, ou seja estabelecida de outra forma, um tratado obriga cada uma da partes em relação a todo o seu território.”

Importante ressaltar que no caso da Convenção celebrada entre Brasil e Portugal, o território abrange, no caso do Brasil, o mar territorial, bem como seu leito e subsolo, e também qualquer outra área além do mar territorial em que o Brasil exerça direitos relativos à exploração dos recursos naturais, nos termos das normas internacionais. Já o território português abrange, segundo a convenção,

(...) os arquipélagos dos Açores e da Madeira, o respectivo mar territorial e bem assim qualquer outra zona onde, em conformidade com a legislação portuguesa e com o direito internacional, a República Portuguesa tem direitos soberanos ou jurisdição relativamente à prospecção e à exploração, à conservação e à gestão dos recursos naturais, vivos ou não, das águas sobrejacentes ao leito do mar e do leito do mar e seu subsolo.

Com a redução das barreiras à livre circulação de pessoas, serviços, capitais e mercadorias, multiplicaram se as situações de dupla tributação internacional. Verificando- se concurso de pretensões em relação a determinado fato tributário, surgem as situações de conflito e nem sempre as legislações nacionais estão preparadas para resolver o problema, tampouco estão os Estados dispostos a abrir mão do direito de tributar situações que de alguma forma lhe digam respeito. Por este motivo, adotaram- se nas convenções de dupla tributação métodos que se destinam limitar as duplas pretensões fiscais, bem como combater as situações de evasão fiscal, os quais serão analisados a seguir.

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2.2 Métodos para Evitar a Dupla Tributação

Como regra geral, para mitigar ou eliminar a dupla tributação internacional, os Estados geralmente adotam, unilateralmente, ou o método da isenção, ou o método da imputação, podendo ainda estabelecer outros métodos, como o da redução da alíquota e o da dedução de impostos pagos no exterior, da base de cálculo.

O método da isenção, previsto no artigo 23º A do Modelo OCDE, consiste em eximir da tributação as rendas provenientes de fontes estrangeiras, total ou parcialmente. Em geral, o poder de tributar é transferido ao Estado da fonte, permitindo- se uma verdadeira repartição de competência entre o Estado que deve tributar certas categorias de rendimento e o Estado isento. Trata-se do método tradicionalmente utilizado pelos Estados que adotam o sistema jurídico continental europeu.8

Tal método apresenta duas modalidades: isenção integral e isenção com progressividade. Na isenção integral, as rendas de origem externa não são consideradas para fins de tributação pelo Estado da residência. Beneficia, sobretudo, aqueles com rendimentos externos, situação esta que pode, inclusive, ser considerada injusta em relação àqueles que auferem rendimentos internos.

Por outro lado, na isenção com progressividade — cuja aplicação está prevista no artigo 23º - A do Modelo de Convenção da OCDE — embora as rendas provenientes do exterior não sejam tributadas, são levadas em consideração para determinar a alíquota do imposto, a qual incidirá apenas sobre as rendas obtidas internamente.

O método da imputação (tax credit) tem origem anglo-saxônica e é mais comum nos Estados cujo imposto de renda é do tipo unitário9. Por este método, o Estado da residência tributa a renda global do contribuinte, permitindo, entretanto, um crédito pelo imposto pago no Estado da fonte. Assim, enquanto o método da isenção incide essencialmente sobre o rendimento, o tax credit visa ao imposto pago sobre o rendimento.

Caso o crédito concedido pelo Estado da residência não esteja sujeito a nenhuma limitação, ou seja, se o Estado da residência permitir a dedução integral do imposto efetivamente pago no Estado da fonte, estaremos diante da chamada imputação integral.10 Por outro lado, existindo limitação ao crédito do imposto, tratar- se- á da variante denominada imputação ordinária, prevista no artigo 23º.-B do Modelo de Convenção da OCDE.

O método da imputação ordinária também está previsto no artigo 23º.1 da Convenção entre Brasil e Portugal. Referida Convenção, ainda prevê que Portugal permitirá à sociedade ali residente a dedução de 95% dos dividendos recebidos de uma sociedade residente no Brasil e sujeita ao imposto federal, não abrangida por nenhuma isenção, sempre que a primeira detenha uma participação de no mínimo 25% ininterruptamente nos dois anos precedentes, ou desde a data da constituição da sociedade brasileira, se tiver ocorrido posteriormente.

No caso do Brasil, este Estado levará em conta, no cálculo da dedução, o imposto exigível da sociedade residente em Portugal relativo aos rendimentos dos quais se originaram os dividendos pagos à sociedade residente no Brasil, observadas as disposições da legislação brasileira. Por fim, a Convenção permite que o Estado leve em conta os rendimentos isentos de um residente no cálculo do imposto sobre os demais rendimentos (art 23º.4).

Interessante notar que tal método não constitui um método de eliminação da dupla tributação propriamente dito, mas uma forma de atenuação de seus efeitos, uma vez que apenas permite considerar como uma forma de despesa o imposto que foi pago no exterior11.

Outra variante é a denominada imputação indireta (indirect tax credit), de aplicação ainda não muito freqüente, com a qual se pretende eliminar a dupla tributação econômica, diferentemente da imputação direta, que se destina à eliminação da dupla tributação propriamente dita, ou da dupla tributação jurídica.12 Neste caso, o Estado da residência pode também deduzir do seu imposto de renda o imposto pago no Estado da fonte por outro sujeito passivo.

Interessante ressaltar que por meio do artigo 7 do Protocolo adicional à Convenção entre Brasil e Portugal, ficou convencionado que caso o método destinado a eliminar a dupla tributação econômica dos dividendos de fonte estrangeira atualmente previsto na lei portuguesa vier a ser substituído pelo método do crédito indireto, o novo método aplicar-se-á automaticamente aos dividendos pagos por sociedades residentes do Brasil a sociedades residentes de Portugal.

Existem ainda duas outras modalidades de imputação, adotadas especialmente nas convenções tributárias entre Estados desenvolvidos e Estados em desenvolvimento. A fim de atrair investimentos externos, os últimos muitas vezes concedem consideráveis incentivos fiscais, que eram anulados pelos Estados de residência ao permitirem crédito somente pelo imposto real e efetivamente pago no exterior. Para evitar tal inconveniente, passou-se a fazer uso de uma presunção e de uma ficção.

O credito presumido (matching credit) consiste na atribuição de um crédito mais elevado do que o que resultava da aplicação da taxa convencional ou do direito comum em vigor no país fonte. Já o crédito fictício (tax sparing) consiste na atribuição de um crédito correspondente ao imposto devido no país de origem, se não fossem levadas em conta as medidas incentivadoras para o investimento estrangeiro.

O Brasil adota uma política favorável à adoção da cláusula de tax sparing nas CCDTs que vierem a ser celebradas com países membros do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), conforme pode ser observado pela disposição da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 244/200213. Todavia, não há dispositivo semelhante na Convenção celebrada entre Brasil e Portugal.

Pelo exposto, consideramos que o método da isenção integral seria o mais adequado para se evitar a dupla tributação, favorecendo o contribuinte. Isso porque, no caso da isenção, a tributação se exerce em apenas um dos Estados, resultando num crédito concedido pelo Estado da residência correspondente ao imposto pago no Estado da Fonte. Todavia, conforme demonstrado por Glória Teixeira14, a neutralidade na importação e exportação de capitais poderão ser alcançadas através da progressiva harmonização das taxas de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas que tem sido observada nos últimos anos.

2.3 Interpretação e Aplicação da Convenção sobre Dupla Tributação (CCDT)

Nos termos do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (art. 38, al. a), a CCDT é fonte escrita do Direito Internacional, capaz, portanto, de produzir direito objetivo. Importante avaliar seu aspecto interpretativo na perspectiva internacional e também sua adequação com o ordenamento jurídico interno.

A interpretação da CCDT deve ser feita à luz do Direito Internacional Público, considerando- se especialmente a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados- CVDT – a qual foi recentemente ratificada pelo Brasil (Decreto Legislativo nº 496, de 17 de julho de 2009 e Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009).

No exercício de uma interpretação sistemática, pode-se afirmar que as CCDTs celebradas entre países em desenvolvimento, como o Brasil e países desenvolvidos devem estar de acordo com a Carta das Nações Unidas, uma vez que a tributação é a mais sustentável e benéfica fonte de financiamento para o desenvolvimento.15 Diz- se, até mesmo, que a tributação é o único instrumento de que dispõe o operador público para perseguir políticas sociais redistributivas e servir para a promoção estável do crescimento cultural e econômico16.

A Carta das Nações Unidas tem o propósito de promover a cooperação internacional para a solução de problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário (art 3º). Por sua vez, o art. 4º da Declaração determina que os Estados devam, individual e coletivamente, tomar medidas para formular as políticas internacionais de desenvolvimento, com vistas a facilitar a plena realização do direito ao desenvolvimento. Este é o arcabouço jurídico não pode ser deixado de lado para uma análise crítica das CCDTs celebradas pelo Brasil.

Após a Segunda Guerra Mundial, o aumento da interdependência econômica e da cooperação entre os Estados-membros da OCDE demonstrou, de forma indubitável, a importância de medidas para prevenir a dupla tributação internacional. Isto ficou comprovado pelo aumento da rede de tratados internacionais em matéria tributária envolvendo os países-membros da OCDE.

Diante do cenário acima apresentado, bem como da necessidade de harmonização dessas Convenções através de uma interpretação uniforme, o então Comitê Fiscal da OCDE (após 1971, Comitê de Assuntos Fiscais) começou a desenvolver um modelo de Convenção (draft convention) para resolver, efetivamente, o problema da dupla tributação existente entre os Estados-membros da Organização, o que resultou no conhecido relatório “Draft Double Taxation Convention on Income and Capital” (1963). Tal modelo, não apenas facilitou as negociações bilaterais entre os Estados-membros, como também proporcionou certa harmonização entre as diversas Convenções bilaterais.

Conforme reconhecido pela própria OCDE, o impacto da Convenção Modelo de 1963 estendeu-se para além da Organização, sendo utilizada como documento básico de referência em negociações entre Estados signatários e não-signatários; entre Estados não-signatários entre si; e, no trabalho de outras organizações internacionais de nível regional ou mundial. O exemplo mais evidente da sua influência é o fato de ser utilizada como base para a versão original e posteriores revisões da Convenção Modelo das Nações Unidas sobre Dupla Tributação entre Países Desenvolvidos e em Desenvolvimento.

Fatores tais como o aumento das relações fiscais internacionais, a sofisticação dos negócios e a experiência obtida pelos Estados-membros da OCDE na negociação e aplicação das Convenções, levaram à revisão da Convenção Modelo de 1963. Em 1977, foi publicado um novo modelo de Convenção e Comentários e, em ambos os textos, passou a constar a posição dos Estados não-membros a respeito do tema.

O Comitê de Assuntos Fiscais, ao reconhecer que a revisão da Convenção Modelo e dos Comentários se tornou um processo contínuo, adotou, em 1991, o conceito de “Convenção Modelo ambulatória” (“ambulatory Model Convention”), através de atualizações e emendas periódicas, sem a necessidade de se aguardar por uma revisão completa. Também ficou decidida a abertura para que Estados não-membros, outras partes interessadas e demais organizações internacionais pudessem contribuir no processo de revisão, de forma que a Convenção Modelo esteja em conformidade com a evolução das regras e princípios de tributação internacional.

A edição oficial do órgão internacional oferece comentários ao texto, que podem iluminar com precisão a vontade presumida das partes, no que o texto efetivamente acordado não divergir do modelo. Da mesma forma, são particularmente relevantes, para a interpretação do teor dos acordos, os Protocolos celebrados na assinatura dos atos cujas versões, muitas vezes manuscritas, reproduzem a vontade efetiva das partes naquele momento.

Interessante mencionar que na América Latina existe um tratado internacional multilateral para evitar a dupla tributação, conhecido como Pacto Andino, celebrado entre os Estados membros (Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela), o qual tem profundas diferenças em relação ao Modelo OCDE, por adotar o princípio de tributação exclusiva no Estado da fonte17. O Brasil, assim como Argentina e Venezuela, afasta-se desse modelo pelo fato de firmar acordos com países industrializados. Neste sentido, terminam por adotar o Modelo OCDE.

Cumpre ressaltar nosso entendimento no sentido de que, apesar das CCDTs brasileiras celebradas com países desenvolvidos seguirem o texto da Convenção Modelo da OCDE em quase toda a sua integralidade, a negociação, interpretação e aplicação desse mesmo texto não deve ser necessariamente idêntico ao que recomenda o texto e os Comentários da Organização. Evidentemente, os diversos estudos técnicos realizados pela OCDE podem e devem ser aproveitados pelos países em desenvolvimento. Contudo, o ponto crítico que questionamos, seguindo o raciocínio de Márcio Ladeira Ávila18 é, principalmente, o fato da atual delimitação de competência tributária no âmbito das CCDTs terminar por garantir uma maior arrecadação tributária para os Estados desenvolvidos19.

Por fim, no caso de um termo não ser expressamente definido pelo instrumento e não sendo suficientes os padrões anteriores aplicar-se-á a definição que resulta do Direito Interno, salvo se o contexto impor uma interpretação diferente.

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Sobre o autor
Fernanda Soares Ferreira Coelho

Bacharel em 2004 pela Universidade de São Paulo, Especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito, Mestra em Ciência Jurídico-políticas pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Procuradora Federal desde 2006.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO, Fernanda Soares Ferreira. A propriedade intelectual na Convenção Brasil/Portugal sobre dupla tributação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4552, 18 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45319. Acesso em: 25 dez. 2024.

Mais informações

Trabalho de pós-graduação apresentado à disciplina Direito Fiscal do curso de Ciências Jurídicas ao Abrigo do Protocolo entre a FDUP e o IPCP da Faculdade de Direito da Universidade do Porto.

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