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A propriedade intelectual na Convenção Brasil/Portugal sobre dupla tributação

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Agenda 18/12/2015 às 09:20

3. PROPRIEDADE INTELECTUAL

3.1 Considerações Gerais

Os bens sujeitos à tutela jurídica sob a noção de “propriedade intelectual”- numa referência à sua imaterialidade e origem comum, localizada no exercício de aptidões de criatividade pelos titulares dos respectivos direitos – compreendem tanto as invenções e sinais distintivos de empresa, como as obras científicas, artísticas, literárias e outras. O direito intelectual, deste modo, é gênero, do qual são espécies o industrial e autoral 20.

A história do direito industrial tem início na Inglaterra, mais de um século antes da primeira Revolução Industrial, com a edição do State of Monopolies, em 1623, quando, pela primeira vez, a exclusividade no desenvolvimento de uma atividade econômica deixou de se basear apenas em critérios de distribuição geográfica de mercados, privilégios nobiliárquicos e outras restrições próprias ao regime feudal, para prestigiar as inovações nas técnicas, utensílios e ferramentas de produção. O inventor passou a ter condições de acesso a certas modalidades de monopólios concedidas pela Coroa, fator essencial para motivá-lo a novas pesquisas e aprimoramentos de suas descobertas. Aliás, imagina- se que o pioneirismo do direito inglês, na matéria de proteção aos inventores, pode ter contribuído decisivamente para o extraordinário processo de industrialização, que teve lugar na Inglaterra, a partir de meados do Sec XVIII 21.

A celebração da Convenção de Paris de 188322, por sua vez, consolidou uma nova perspectiva para a disciplina da matéria, uma vez que englobou num mesmo tratamento jurídico os direitos dos inventores sobre as invenções, e os dos empresários sobre os sinais distintivos de sua atividade, juntamente com as regras de repressão à concorrência desleal, passaram a integrar um mesmo ramo jurídico 23.

A Convenção de Paris foi elaborada de modo a permitir razoável grau de flexibilidade às legislações nacionais, desde que fossem respeitados alguns princípios fundamentais. Tais princípios são de observância obrigatória pelos países signatários. Cria-se um "território da União", constituído pelos países contratantes, onde se aplicam os princípios gerais de proteção aos Direitos de Propriedade Industrial.

A partir de 1967 assistimos à constituição como órgão autônomo dentro das Nações Unidas a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI, ou WIPO, em inglês), englobando as Uniões de Paris e de Berna, além de perfazendo uma articulação com a União para a Proteção das Obtenções Vegetais, e a administração de uma série de outros tratados 24.

O destaque dado pela política comercial à proteção da propriedade intelectual como núcleo do desenvolvimento econômico foi decorrente do processo de globalização da própria economia e dos avanços tecnológicos que ocorreram, sobretudo, a partir final do século XX. A pesquisa e criatividade passaram a ser vistas como fator determinante de êxito na competição mundial. Como consequência, a circulação de mercadoria propiciou a pirataria, aumentando as tensões entre os países industrializados e os emergentes, revelando a íntima relação entre o comércio internacional e os direitos de propriedade intelectual.

Neste contexto, surgiu assim o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (ADPIC - TRIPS), que apresenta uma estrutura complexa, não apenas pelo seu conteúdo substantivo e adjetivo, mas pelo enfoque dado ao tema, vinculando-o à vida econômica e comercial. É, portanto, uma mudança nos institutos da propriedade intelectual, dando lhe outra interpretação. O Acordo possui dois mecanismos básicos contra as infrações à propriedade intelectual: a elevação do nível de proteção em todos os Estados membros e a garantia da observação dos direitos de propriedade intelectual.

O Acordo trata dos direitos de autor e conexos, marcas, indicações geográficas, desenhos industriais, patentes, topografias de circuitos integrados, proteção do segredo de negócio e controle da concorrência desleal. Estabelece princípios básicos, quanto a existência, abrangência e exercício dos direitos de propriedade intelectual.

Internamente, a questão da propriedade intelectual é regulada em Portugal pelo Código de Propriedade Intelectual, aprovado pelo Decreto- Lei nº 36/2003, cuja redação atual foi dada pela Lei 52/2008. No Brasil, a questão está regulada através da Lei 9.279/9625.

A possibilidade de aquisição dos direitos de propriedade intelectual para a exploração dos direitos relativos a e patentes, uso de marcas, fornecimento de tecnologia ou outros, se dá por meios formais, contratos bilaterais, na maioria das vezes onerosos, mas que também podem ser gratuitos, estabelecendo nas suas cláusulas as condições para o seu uso .

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Nessa linha, a transferência de tecnologia pode se dar por meio da licença de direitos, entendida como os contratos que regulam licença de direitos de exploração de patentes de invenção e de modelo de utilidade, uso de marcas e desenhos industriais; a aquisição de conhecimentos tecnológicos: contratos que regulam fornecimento de tecnologia e prestação de serviços de assistência técnica, científica, administrativa e assemelhados; e os contratos de franquia. A remuneração ou pagamento dos contratos celebrados relativos à transferência de tecnologia pode se dar por meio de royalties para os contratos que celebram a licença de direitos e fornecimento de tecnologia e despesas com assistência técnica, científica, administrativa e assemelhada.

A tributação da propriedade intelectual é de extrema importância para a política econômica, uma vez que leis que estimulem a inovação e a investigação contribuem de forma decisiva para o desenvolvimento econômico e social de um país26. A atribuição de um direito de propriedade industrial atribui ao titular um monopólio legal que, por um lado, incentiva a produção, pesquisa e desenvolvimento de novas técnicas através da garantia do retorno do investimento; porém, por outro, pode desestimular a inovação pretendida, dependendo dos termos em que é concedido.

Tamanha relevância acaba por refletir no próprio conceito de royalties cuja definição tem se alargado no contexto internacional para abranger os pagamentos que derivam de uma grande diversidade de bens e direitos, sendo cada vez mais forte a pressão dos países importadores de tecnologia para que tais rendimentos sejam sujeitos à tributação no Estados fonte27.

3.2 Conceito de Royalties nos Ordenamentos Jurídicos Português e Brasileiro

O conceito de royalties passou por evolução tanto no ordenamento jurídico português quanto no brasileiro, acompanhando a própria evolução do regime jurídico da propriedade intelectual sobre a qual já discorremos.

A definição do que são royalties na legislação brasileira pode ser encontrada na Lei 4506/64, que trata do imposto sobre a renda. Segundo o artigo 22 da referida lei, royalties seriam os rendimentos de qualquer espécie decorrentes do uso, fruição, exploração de direitos como o direito de colher ou extrair recursos vegetais e minerais, uso ou exploração de invenções, processos e fórmulas de fabricação e de marcas de indústria e comércio e exploração de direitos autorais, salvo quando percebidos pelo autor ou criador do bem ou obra.

No caso português, anteriormente à Reforma Fiscal de 1988, os rendimentos de propriedade intelectual (direitos de autos e propriedade industrial) e de know how eram tributados pelo Imposto Profissional.28 Atualmente, todavia, observa-se que o conceito de royalties possui duas dimensões na legislação portuguesa. O primeiro deles seriam os chamados royalties intelectuais, decorrentes do uso ou concessão dos direitos de autor sobre obras literárias, artísticas, patentes, marcas, desenhos ou modelos, fórmulas ou processos secretos. Relativamente ao uso ou concessão de uso de equipamentos industriais, comerciais ou científicos, bem como à transferência de tecnologia e informações sobre uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, existem os royalties industriais 29.

Logo, ao contrário do que ocorre no direito português, não são royalties para o direito brasileiro os pagamentos por processos secretos, nem por experiência adquirida, nem por aluguel de equipamento. Por outro lado, o direito brasileiro inclui no conceito de royalties os rendimentos derivados dos recursos minerais e florestais.

Por oportuno, cumpre mencionar o conceito de royalties adotado pela Directiva 2003/49/CE, no artigo 2º b, a qual trata de um regime comum aplicável aos pagamentos de juros e royalties efetuados entre sociedades associadas de diferentes Estados-membros da União Européia:

As remunerações de qualquer natureza recebidas em contrapartida da utilização, ou concessão do direito de utilização, de direitos de autor sobre obras literárias, artísticas ou científicas, incluindo filmes cinematográficos e suportes lógicos, patentes, marcas registadas, desenhos ou modelos, planos, fórmulas ou processos secretos, ou em contrapartida de informações relativas à experiência adquirida no domínio industrial, comercial ou científico; serão considerados royalties os pagamentos efectuados em contrapartida da utilização ou da concessão do direito de utilização de equipamento industrial, comercial ou científico.

A referida Directiva eliminou, nos casos ali previstos, as retenções na fonte que incidiam sobre tais rendimentos 30.

Já o artigo 12, item 3 da Convenção entre Brasil e Portugal estabelece que:

O termo "royalties", usado neste Artigo, significa as retribuições de qualquer natureza atribuídas ou pagas pelo uso ou pela concessão do uso de um direito de autor sobre uma obra literária, artística ou científica, incluindo os filmes cinematográficos, bem como os filmes e gravações para transmissão pela rádio ou pela televisão, de uma patente, de uma marca de fabrico ou de comércio, de um desenho ou de um modelo, de um plano, de uma fórmula ou de um processo secretos, bem como pelo uso ou pela concessão do uso de um equipamento industrial, comercial ou científico e por informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico (grifo nosso).

Importante ressaltar que tal conceito é bastante semelhante ao conceito utilizado na última versão do Modelo de Convenção da OCDE (2008). A diferença fica por conta do destaque às produções para transmissão pelo rádio ou televisão pois, como se sabe, o mercado de telenovelas é de grande importância nas relações comerciais e culturais entre Brasil e Portugal.

Mister observar também que o conceito de royalties na Convenção entre Brasil e Portugal abrange também as remunerações recebidas pelos serviços técnicos e de assistência técnica31, sendo especialmente pertinente esta previsão. Isso porque o princípio geral da Convenção da OCDE é que os lucros são tributados no Estado da residência do beneficiário.

Convém notar que “lucro”, no vocabulário das Convenções, se opõe a “dividendo”, este sendo os resultados de qualquer natureza distribuídos por uma pessoa jurídica a seus sócios. Lucros são, assim, os resultados apurados por uma pessoa residente num país com as vendas de bens efetuados no outro; ou, mesmo, os resultados da atividade de uma sociedade não personalizada, desde que pagos a não-residentes.

Logo, no caso de uma determinada prestação não poder ser classificada como royalties, ou lucros obtidos num país contratante por uma empresa residente no outro, tais prestações seriam tributáveis somente no país de residência. Assim, se não fossem cobertos pela definição royalties, os serviços técnicos e especializados não seriam tributáveis no país da fonte de pagamento, o que, felizmente, não é o que acontece no caso entre Brasil e Portugal.

Sobre o autor
Fernanda Soares Ferreira Coelho

Bacharel em 2004 pela Universidade de São Paulo, Especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito, Mestra em Ciência Jurídico-políticas pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Procuradora Federal desde 2006.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO, Fernanda Soares Ferreira. A propriedade intelectual na Convenção Brasil/Portugal sobre dupla tributação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4552, 18 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45319. Acesso em: 27 dez. 2024.

Mais informações

Trabalho de pós-graduação apresentado à disciplina Direito Fiscal do curso de Ciências Jurídicas ao Abrigo do Protocolo entre a FDUP e o IPCP da Faculdade de Direito da Universidade do Porto.

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