1 INTRODUÇÃO
Mesmo após a Constituição Federal de 1988 ainda é expressivo o número de contratações diretas pela Administração Pública, muitas das vezes, pautadas em confronto às normas constitucionais, com repercussão nas variadas dimensões do controle institucional. Trata-se de uma cultura da gestão pública brasileira a qual deve se adequar aos novos horizontes constitucionais.
É cediço, com arrimo no art. 37, caput, incisos II e XXI, da Constituição Federal de 1988 e na Lei 8.666/93 (Estatuto dos Contratos e Licitações) que a regra geral para a contratação de serviço ou compra de bens pela Administração pública ocorrer mediante prévio procedimento licitatório, instrumento que melhor representa o sistema de mérito e prima pelos princípios da competição, da igualdade, da eficiência e da moralidade administrativa.
Todavia, a Carta Política, excepcionalmente, permite a contratação direta, mediante dispensa ou inexigibilidade de licitação, nos termos da lei 8.666/93, conforme o art. 37, XXI, CF/88.
Logo, a Carta Política atual não proíbe a contratação direta, todavia, deixa claro que se trata de uma “exceção”, não podendo ser a “regra”, como ainda ocorre em diversas gestões públicas, cultura que deve ser reajustada à nova ordem jurídica.
Ademais, a Lei Maior estabelece os pressupostos para que a Administração Pública possa “lançar mão” dessa hipótese de forma legítima e em harmonia com os primados constitucionais da igualdade, da eficiência e da moralidade administrativa, consoante será exposto abaixo.
Hodiernamente, muitos dos contratos precários realizados pela Administração Pública são relativos à contratação direta de serviços advocatícios. Deste modo, este artigo visa demonstrar quais são os parâmetros constitucionais para que essa opção administrativa excepcional possa ser considerada legítima, bem como apresenta o procedimento a ser adotado, conforme os pressupostos legais e constitucionais.
2 OS PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS PARA A CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS ESPECIALIZADOS ADVOCATÍCIOS POR INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO
Nos termos do art. 37, XXI, da Carta Política de 1988, no atual Estado Democrático de Direito a Administração Pública deve primar pelo interesse público e os primados constitucionais da legalidade, da igualdade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, entre outros, e para alcançá-los precisa valer-se de alguns instrumentos, tal como o procedimento administrativo licitatório para a realização de obras, serviços, compras e alienações, conforme se segue:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (BRASIL. CF/1988)
Deste modo, em casos excepcionais previstos na Lei 8.666/93, conforme fundamento constitucional, permite-se a dispensa de licitação ou a inexigibilidade de licitação (arts. 24 a 25). Segundo Carvalho Filho (2006) a dispensa de licitação “caracteriza-se pela circunstância de que, em tese, poderia o procedimento ser realizado, mas que, pela particularidade do caso, decidiu o legislador não torná-lo obrigatório”, por outro lado, a inexigibilidade de licitação, ocorre nos caso em que “é inviável a própria competição”, haja vista circunstâncias peculiares. Assim, dispõe o art. 25, caput e incisos, da Lei 8.666/93:
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I – para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;
III – para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. (BRASIL. Lei 8.666/93, grifos nossos)
No caso em tela, chama-se a atenção para a possibilidade legal da Administração Pública realizar a contratação de serviços técnicos identificados no art. 13 da Lei 8.666/93, in verbis:
Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:
I - estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos;
II - pareceres, perícias e avaliações em geral;
III - assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias;
IV - fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;
V - patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;
VI - treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;
VII - restauração de obras de arte e bens de valor histórico. (BRASIL. LEI 8.666/93)
Nestes termos, pode a Administração Pública contratar serviços técnicos profissionais especializados para promover consultorias, elaborar pareceres e assessorias jurídicas, com base no art. 13, incisos II e III, da Lei 8.666/93.
Desse modo, a contratação de advogado para elaboração de parecer ou defesa em causa específica pode ocorrer por meio de inexigibilidade de licitação com permissão da Lei 8.666/93, porquanto a contratação deve se cercar de alguns requisitos legais e constitucionais, segundo a doutrina, os quais se destacam: (i) a inviabilidade de competição; (ii) a prestação de um serviço técnico elencado no art. 13 da Lei 8.666/93; (iii) o serviço a ser prestado deve ter natureza singular; (iv) o profissional deve possuir notória especialização; (v) o preço contratado deve ter compatibilidade com o preço praticado no mercado.
Carvalho Filho (2006) deixa claro que a inexigibilidade de licitação permitida legalmente ocorre nos casos em que se tornam inviáveis a competição, sendo este requisito indispensável, e para elucidar essa possibilidade o Estatuto de Licitações e Contratos elenca, em caráter meramente exemplificativo, tais situações especiais no art. 13 e incisos acima supracitados, entre eles, visualiza-se a possibilidade de contratação de serviço técnico especializado para elaboração de pareceres, consultorias e assessorias jurídicas. Logo, o pressuposto da inviabilidade da competição será configurado se respeitados os demais requisitos legais: 1-serviço técnico; 2-serviço singular; e 3- profissional de notório saber.
Neste sentido, é o entendimento jurisprudencial do Tribunal de Contas da União (TCU), de acordo com a Súmula n. 252 de 2010:
SÚMULA Nº 252/2010
A inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos, a que alude o inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, decorre da presença simultânea de três requisitos: serviço técnico especializado, entre os mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do serviço e notória especialização do contratado. (BRASIL. TCU, 2015, grifos nossos)
Posteriormente, o TCU, por meio do Acórdão nº 1.437, publicado em 03 de junho de 2011, aprovou a Súmula nº 264, com o seguinte teor:
SÚMULA Nº 264/2011 do TCU
A inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos com pessoas físicas ou jurídicas de notória especialização somente é cabível quando se tratar de serviço de natureza singular, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei nº 8.666/1993. (BRASIL. TCU, 2015, grifos nossos)
Percebe-se que o TCU editou nova Súmula para chamar atenção dos requisitos essenciais para a inexigibilidade de licitação nas hipóteses do art. 25, II, da Lei 8.666/93, tais como, o serviço técnico por pessoa física ou jurídica, de natureza singular, de notório saber, bem como se destaca o grau de subjetividade dos casos especiais, que envolvem o fator da confiança e que impedem a adoção de critérios objetivos, o que justifica a impossibilidade de licitação, sempre pautada em aspectos objetivos de mensuração e avaliação.
Segundo Renato Geraldo Mendes (2011), ao analisar as Súmulas do TCU supracitadas, defende que as mesmas vêm assegurar os propósitos do legislador pátrio, ao determinar o art. 25, II, e art. 13, incisos, da Lei 8.666/93, assim, reconheceu que o serviço técnico deve ser singular, não possibilitando a definição de critérios objetivos para a seleção da melhor proposta; e preocupado com o insucesso da contratação, entendeu que a forma mais segura de potencializar a redução do risco é por meio da contratação de profissional ou empresa de notória especialização. Assim, sustenta inegável compreender que a escolha do contratado seja realizada por critério subjetivo baseado no grau de confiança que a notória especialização propicia.
Ademais, percebe-se, ainda, em algumas decisões do TCU, além dos requisitos acima indicados, a necessidade da compatibilidade do preço contratado com o preço do mercado, conforme Acórdão n. 2673/2011-TCU, Plenário, conforme trecho transcrito:
Na contratação fundamentada na inexigibilidade de licitação prevista no inc. II do art. 25 da Lei 8.666/1993 devem restar comprovadas a inviabilidade da competição, a natureza singular dos objetos contratados e a compatibilidade dos preços contratados com os praticados no mercado, sendo que a simples apresentação de currículos não se presta, por si só, a demonstrar a notória especialização do contratado [...]. (BRASIL. TCU, 2015)
Assim, cumpre detalhar tais requisitos jurídicos, respaldados pela doutrina e pela jurisprudência do TCU no caso da contratação direta pela Administração Pública de serviços jurídicos, tais como, realização de pareceres e assessoria jurídica.
O Tribunal de Contas da União, no Acórdão 2.333/2011, permitiu a contratação direta de advogados, ressaltando como requisitos a inviabilidade de competição, a singularidade do objeto e a notoriedade do prestador do serviço, conforme Ementa abaixo:
Assunto: SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. DOU de 27.04.2011, S. 1, p. 164. Ementa: alerta ao IRB-Brasil Resseguros S.A. para que realize apenas a contratação direta de serviços advocatícios, por inexigibilidade do processo licitatório, com fundamento no art. 25, inc. II, da Lei nº 8.666/1993, para atender a situações específicas, em que haja todos os requisitos necessários (inviabilidade de competição, singularidade do objeto e notoriedade do prestador de serviço) (item 1.6.2, TC-021.382/2008-0, Acórdão nº 2.333/2011-1ª Câmara). (BRASIL. TCU, 2011, grifos nossos)
Na Inspeção TC n. 001.318/2001-4, o TCU, detalha mais especificamente os pressupostos para a contratação direta de serviço advocatício, o qual foi objeto de Mandado de Segurança n. 24.073-DF no Supremo Tribunal Federal (STF), Rel. Min. Carlos Veloso (Informativo n. 290), segundo elucida trecho a seguir:
[...] 27.2.19. Assim, considerando as análises realizadas pela equipe de inspeção da SECEX-1, é possível constatar que não se está questionando a interpretação dada a dispositivo da Lei nº 8.666/93 pelos advogados emitentes dos pareceres jurídicos na Petrobrás, mas sim a conduta dos pareceristas em não averiguar com o devido rigor nas situações concretas, inclusive com base na doutrina e na jurisprudência pertinentes, a observância dos requisitos básicos para atendimento às exigências impostas pela Lei de Licitações e Contratos para a configuração, por exemplo, da inexigibilidade de licitação. Nesse sentido, conforme asseverado pela equipe técnica da SECEX-1 no subitem 9.2.3.1, alínea b, do Relatório de Inspeção, 'sendo inviável a competição, para embasar a contratação no art. 25, inc. II, da Lei nº 8.666/93 e no item 2.3 do Decreto nº 2.745/98, é preciso averiguar o preenchimento dos atributos a seguir:
b.1) referentes ao objeto do contrato:
- que se trate de serviço técnico;
- que o serviço esteja elencado no art. 13, da Lei 8.666/93;
- que o serviço apresente determinada singularidade;
- que o serviço não seja de publicidade ou divulgação.
b.2) concernentes ao contratado:
- que a especialização seja notória;
- que a notória especialização esteja intimamente relacionada com a singularidade pretendida pela Administração. [...] (fl. 175). (BRASIL. TCU, 2015, grifos nossos)
Logo, o TCU destaca como atributos da contratação de advogados por inexigibilidade de licitação: serviço técnico elencado no art. 13 da Lei n. 8.666/93, serviço singular, especialização notória do contratado e correlação entre a notória especialização do advogado e a singularidade do serviço pretendido pela Administração Pública.
Da mesma forma, observa-se que para o Superio Tribunal de Justiça (STJ) a contratação direta de serviços advocatícios só pode ocorrer se demonstrados os requisitos legais da inviabilidade da competição, serviço de notória especialização e do ineditismo dos serviços, conforme Ementa do HC 37102/PR de 2004, in litteris:
EMENTA: CRIMINAL. HC. CRIMES PREVISTOS NA LEI DE LICITAÇÕES. CONTRATAÇÃO DE ADVOGADOS PELO MUNICÍPIO. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO. INEDITISMO DOS SERVIÇOS. INVIABILIDADE DE COMPETIÇÃO. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. INVESTIGAÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. SÚMULA 234/STJ. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA.
I - Hipótese em que os pacientes teriam firmado contrato de prestação de serviços advocatícios com a Prefeitura Municipal, sem que a mesma procedesse à instauração de certame licitatório.
II - Tem-se a impropriedade do writ para a averiguação da notória especialização dos advogados ou do ineditismo do serviço acordado, a justificarem a contratação direta pela Administração Pública, sem licitação, diante da necessidade de dilação do conjunto fático-probatório, inviável na via eleita. Precedentes.
III - Afasta-se a idéia da exclusividade da polícia judiciária para proceder às investigações de infrações penais, uma vez que o Ministério Público tem competência para tanto, e essa atuação não o impede dar início à ação penal correspondente. Súmula 234/STJ.
IV - Tem-se como não configurada a prescrição, se entre a data do fato e o recebimento da denúncia não transcorreu o lapso temporal necessário para tanto.
V - Ordem denegada. (BRASL. STJ. HC 37102/PR, HC 2004/0104676-8, Relator(a) Ministro GILSON DIPP, decisão: 02/12/2004, DJ 09/02/2005 p. 209, grifos nossos)
O voto do Rel. Min. Gilson Dipp no Resp. n. 704.108-MG de 2005 do STJ, esclarece melhor os pressupostos necessários para a contratação direta de advogado:
EMENTA: CRIMINAL. RESP. CRIME COMETIDO POR PREFEITO. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO E DE EMPRESA DE AUDITORIA PELO MUNICÍPIO. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. INVIABILIDADE DE COMPETIÇÃO NÃO DEMONSTRADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
I - A inviabilidade de competição, da qual decorre a inexigibilidade de licitação, deve ficar adequadamente demonstrada, o que não ocorreu in casu.
II - Não prevalece o acórdão que rejeita a denúncia sem demonstrar o cumprimento dos requisitos legais pela Administração Pública para a contratação sem licitação,
limitando-se a fazer considerações acerca de sua possibilidade.
III - Deve ser cassado o acórdão recorrido para que outro seja proferido, com a devida fundamentação, se for o caso da inviabilidade de competição nas contratações efetuadas pela Administração Pública quando da contratação dos serviços.
IV - Recurso conhecido e provido, nos termos do voto do Relator.
Voto Rel. Min. Gilson Dipp
[...] A contratação de serviços técnicos (caso dos autos) sem licitação, depende, portanto, de três condições: 1) a enumeração do serviço no dispositivo legal supracitado (art. 13); 2) sua natureza singular, isto é, não basta estar enumerado no art. 13 da Lei 8.666/93, sendo necessário que o serviço se torne único devido à sua complexidade e relevância; e 3) a notória especialização do profissional (conforme disposto no § 1º do art. 25 acima transcrito). Assim, não é qualquer serviço descrito no art. 13 da Lei 8.666/93 que torna inexigível a licitação, mas aquele de natureza singular, que exige a contratação de profissional notoriamente especializado, cuja escolha está adstrita à discricionariedade administrativa.(BRASIL. STJ. Recurso Especial n. 704.108 - MG 2004/0154588-6, Voto Rel. Min. Gilson Dipp, 2005, grifos nossos)
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestou sobre a legitimidade da contratação direta de serviço advocatício e ampliou os pressupostos para cinco (05), conforme decisão da Primeira Turma no Inquérito n. 3.074/SC, de 2014, Min. Relator Roberto Barroso, conforme Ementa abaixo:
EMENTA: IMPUTAÇÃO DE CRIME DE INEXIGÊNCIA INDEVIDA DE LICITAÇÃO. SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA POR FALTA DE JUSTA CAUSA. A contratação direta de escritório de advocacia, sem licitação, deve observar os seguintes parâmetros: a) existência de procedimento administrativo formal; b) notória especialização profissional; c) natureza singular do serviço; d) demonstração da inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e) cobrança de preço compatível com o praticado pelo mercado. Incontroversa a especialidade do escritório de advocacia, deve ser considerado singular o serviço de retomada de concessão de saneamento básico do Município de Joinville, diante das circunstâncias do caso concreto. Atendimento dos demais pressupostos para a contratação direta. Denúncia rejeitada por falta de justa causa. (BRASIL. STF. INQUÉRITO 3.074 SANTA CATARINA, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, 26/08/2014, grifos nossos)
Deste modo, impende avaliar detalhadamente tais requisitos jurídicos para a contratação direta de serviço advocatício, nos termos do art. 13, II, e 25, II, da Lei 8.666/93, os quais devem ser demonstrados em procedimento administrativo prévio e específico pela Administração Pública contratante, quais sejam: (I) procedimento administrativo prévio; (II) serviço técnico especializado; (III) serviço de natureza singular; (IV) correlação entre o notório saber do contratado e o serviço singular; (V) Inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do órgão; (VI) compatibilidade do preço contratado com o preço do mercado.
2.1 Procedimento administrativo prévio e específico
A contratação direta de serviço advocatício pela Administração Pública requer a formalização prévia de procedimento administrativo específico para demonstrar que o caso em tela se enquadra nos pressupostos legais da inexigibilidade de licitação.
Tal entendimento está pacificado nos Tribunais Superiores, conforme Inquérito 3.04/SC do STF, supracitado, e Recurso Especial (REsp) n. 1.038.736/mg (2008/0053253-1), Rel. Min. Herman Benjamin, do STJ, in litteris:
EMENTA: ADMINISTRATIVO. AÇAO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONTRATAÇAO DE SERVIÇOS DE ADVOCACIA SEM LICITAÇAO. ATO ÍMPROBO POR ATENTADO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, QUE REGE A ADMINISTRAÇAO PÚBLICA. SANÇÕES DO ART. 12 DA LEI DE IMPROBIDADE. CUMULAÇAO DE PENAS. DESNECESSIDADE. DOSIMETRIA DAS PENAS.
1. O Ministério Público do Estado de Minas Gerais ajuizou Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa contra o ex-presidente da Câmara Municipal de Raposos/MG e advogado, que firmaram contrato para a prestação de serviços técnicos de assessoramento ao ente municipal sem realizar procedimento licitatório, nem formalizar o competente processo para justificar a inexigibilidade da licitação.
2. A inexigibilidade de licitação é procedimento administrativo formal que deve ser precedido de processo com estrita observância aos princípios básicos que norteiam a Administração Pública.
3. A contratação embasada na inexigibilidade de licitação por notória especialização (art. 25, II, da Lei de Licitação) requer: formalização de processo para demonstrar a singularidade do serviço técnico a ser executado; e, ainda, que o trabalho do contratado seja essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.
4. O contrato para prestação de serviços técnicos no assessoramento à Câmara Municipal de Raposos/MG nas áreas jurídica, administrativa e parlamentar (fls. 45-46) não preenche os requisitos do art.2555, II e 1º, da Lei de Licitação, não configurando situação de inexigibilidade de licitação.
5. A conduta dos recorridos de contratar serviços técnicos sem prévio procedimento licitatório e de não formalizar processo para justificar a inexigibilidade da licitação fere o art. 26 da Lei de Licitação e atenta contra o princípio da legalidade que rege a Administração Pública, amoldando-se ao ato de improbidade administrativa tipificado no art. 11 da Lei de Improbidade
[...] (BRASIL. STJ, 2008, grifos nossos)
Nos mesmos termos o TCU possui decisões exigindo a formalização do processo de inexigibilidade de licitação para demonstrar a observância dos pressupostos legais e doutrinários, conforme trechos a seguir:
Decisão 955/2002 Plenário TCU
[...] Será sempre observada a necessidade de formalização de procedimento, mesmo nos casos de dispensa ou inexigibilidade de licitação, conforme preceituam os arts. 2º e 26, parágrafo único, da Lei nº 8.666, de 1993. (BRASIL. TCU, 2002)
Decisão 745/2002 Plenário TCU
[...] Nas contratações por inexigibilidade, deve constar nos processos a razão da escolha do fornecedor ou executante, em cumprimento ao disposto no art. 26, parágrafo único, inciso II, da Lei de Licitações, atentando para o fato de que a simples declaração de que há inviabilidade de competição, sem indicar as razões dessa situação, é insuficiente para amparar tais contratações. (BRASIL. TCU, 2002)
Desse modo, cumpre a Administração pública formalizar previamente procedimento administrativo para justificar a contratação direta de advogado ou escritório de advocacia, de acordo com os requisitos jurídicos a seguir detalhados.
2.1 Serviço técnico e especializado do advogado
Primeiramente, elucida-se que os serviços técnicos devem ter respaldo na Lei n. 8.666/93, com base na jurisprudência do STJ REsp 704108/2005, acima transcrito, assim, o serviço advocatício se enquadra no art. 13, II e III, da Lei n. 8.666/93 (pareceres e assessorias técnicas).
Carvalho Filho (2006) dispõe que o serviço é considerado técnico “quando sua execução depende de habilitação específica”. Hely Lopes Meirelles (2006), por sua vez, também define que os serviços técnicos profissionais são os que exigem “habilitação legal para a sua execução”, os quais demandam o diploma de curso de nível superior oficialmente reconhecido e, alguns casos, o registro profissional. Logo, são serviços realizados por profissionais habilitados legalmente. No caso do serviço jurídico, consiste nos serviços realizados por profissionais com diploma de bacharel em Direito e habilitados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Já os serviços técnicos profissionais especializados são aqueles realizados por profissionais especializados em uma área em específico do exercício da profissão, através de qualificação técnica e científica, ou seja, profissionais com treinamentos, especialização, mestrado, doutorado ou estágios de aperfeiçoamento.
Assim, o advogado, habilitado legalmente na OAB, exerce um serviço técnico – jurídico, sendo especializado quando possui uma qualificação técnica ou científica.
Ademais, cumpre dispor que a profissão do advogado é essencial à administração da Justiça, obtendo papel relevante socialmente, assim, deve agir conforme diretrizes éticas; e se o profissional transgredi-las se sujeitará às sanções impostas pelo Tribunal de Ética e Disciplina da OAB, conforme arts. 2°, 3°, 5°, 7°, 31 a 34 e outros do Estatuto da OAB (Lei n. 8.906/94):
Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.
§ 1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.
§ 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.
§ 3º No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei.
Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),
Art. 7º São direitos do advogado:
I - exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional;
.......................................................................
Art. 31. O advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia.
§ 1º O advogado, no exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância.
§ 2º Nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão.
Art. 32. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.
Parágrafo único. Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria.
Art. 33. O advogado obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e Disciplina.
Parágrafo único. O Código de Ética e Disciplina regula os deveres do advogado para com a comunidade, o cliente, o outro profissional e, ainda, a publicidade, a recusa do patrocínio, o dever de assistência jurídica, o dever geral de urbanidade e os respectivos procedimentos disciplinares.
Art. 34. Constitui infração disciplinar:
I - exercer a profissão, quando impedido de fazê-lo, ou facilitar, por qualquer meio, o seu exercício aos não inscritos, proibidos ou impedidos; (BRASIL. Lei n. 8.906/94)
Logo, o serviço advocatício, pelas suas peculiaridades, trata-se de serviço técnico especializado que somente advogado habilitado na OAB pode desempenhar, todavia, para que seja caracterizada a inexigibilidade de licitação faz-se mister demonstrar que o serviço é singular. Nestes termos, aduz Lucas Rocha Furtado (2009, p. 103) “[...] não é apenas o fato do serviço a ser contratado ser considerado técnico-profissional especializado que justificará a contratação sem licitação, por inexigibilidade”, sendo requisito imprescindível “a singularidade do serviço a ser prestado”, o qual será detalhado adiante.
2.3 Natureza singular do serviço advocatício
O art. 25, II, da Lei 8.666/93 dispõe expressamente que a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 da mesma Lei deve ser de “natureza singular”.
A singularidade do objeto, ou seja, do serviço, consoante Dirley da Cunha Júnior (2009), demonstra que “não basta o serviço técnico especializado, exigindo-se que o serviço não seja comum ou de rotina”, ou seja, o serviço técnico e especializado deve ser incomum, mas o que se entende por incomum?
Mello (2009) defende que o serviço incomum não se trata apenas de serviços complexos, mas aqueles que necessitam atender necessidades peculiares da Administração Pública:
[...] a singularidade é relevante e um serviço deve ser havido como singular quando nele tem de interferir, como requisito satisfatório atendimento de necessidade administrativa, um componente criativo de seu autor, envolvendo o estilo, o traço, a engenhosidade, a especial habilidade, a contribuição intelectual, artística, ou a argúcia de quem executa, atributos, estes, que são precisamente os que a Administração reputa conveniente e necessita para a satisfação do interesse público em causa.
Vale dispor que o STJ na decisão do HC 37.102/PR de 2004 informa que o serviço contratado por inexigibilidade de licitação deve ser singular, atribuindo o caráter de “[...] ineditismo do serviço acordado, a justificarem a contratação direta pela Administração Pública, sem licitação [...]” (BRASIL. STJ, 2004). Ademais, o STJ dispõe em trecho do Voto do Rel. Min. Gilson Dipp no REsp. n. 704.108 - MG que “sua natureza singular, isto é, não basta estar enumerado no art. 13 da Lei 8.666/93, sendo necessário que o serviço se torne único devido à sua complexidade e relevância [...]”(BRASIL. STJ, 2005). Logo, diante das decisões do STJ o serviço singular consiste em um serviço inédito ou incomum em face de uma demanda da Administração de caráter relevante e peculiar.
Assim dispõe o TCU na decisão n. 427/1999 – Plenário:
[...] 8.2. Firmar o entendimento de que a inexigibilidade de licitação prevista no inciso II do artigo 25 da Lei nº 8.666/93 sujeita-se à fundamentada demonstração de que a singularidade do objeto - ante as características peculiares das necessidades da Administração, aliadas ao caráter técnico profissional especializado dos serviços e à condição de notória especialização do prestador – inviabiliza a competição no caso concreto, não sendo possível a contratação direta por inexigibilidade de licitação sem a observância do caput do art. 25 da Lei nº 8.666/93. (BRASIL. TCU, 1999, grifos nossos)
A Súmula n. 264/2011 do TCU deixa bem claro o que seria esse serviço de natureza singular ao determinar que consiste naquele que impossibilita definir e mensurar critérios objetivos para a seleção da melhor proposta, ou seja, que requer o caráter da subjetividade, conforme trecho a seguir:
[...] quando se tratar de serviço de natureza singular, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação [...]. (BRASIL. TCU, 2011, grifos nossos)
Portanto, o serviço técnico profissional singular demanda uma análise subjetiva e de confiança da Administração Pública.
Para Renato Geraldo Mendes (2011), o conceito confiança não implica que a Administração Pública pode escolher qualquer pessoa, de acordo com seu interesse pessoal, mas que o contratado deve ser dotado de notória especialização o que gera a preferência em face da segurança no sucesso da realização do serviço, senão vejamos:
[...] a ideia de confiança não é um predicado que resulta da mera consideração de cunho subjetivo (pessoal) de quem decide (agente), mas de condição objetiva decorrente do conceito que envolve a notória especialização da pessoa contratada. Portanto, a palavra “confiança” significa segurança que se revela na potencialidade de obter o melhor serviço, em face de sua complexidade e suas peculiaridades especiais, em razão da notória especialidade que caracteriza o prestador. É a notória especialização que confere confiabilidade à contratação, e não a preferência de cunho exclusivamente pessoal.
Nestes termos, quando o TCU na Súmula n. 264/2011 define “serviço de natureza singular aquele capaz de exigir na seleção do executor de confiança” designa que a Administração Pública pode escolher o melhor serviço técnico especializado em face das peculiaridades da demanda e de acordo com a notoriedade do saber do contratado de forma que gere a segurança ou a confiança de que o serviço terá sucesso, ou seja, será bem realizado de acordo as necessidades do caso.
Impende destacar que o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do Relator Min. Eros Roberto Grau, ao julgar a Ação Penal 348, definiu a singularidade do objeto nos termos do grau de confiança que a Administração deposite no profissional de notório saber, conforme Ementa in litteris:
EMENTA: AÇÃO PENAL PÚBLICA. CONTRATAÇÃO EMERGENCIAL DE ADVOGADOS FACE AO CAOS ADMINISTRATIVO HERDADO DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL SUCEDIDA. LICITAÇÃO. ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DISPENSA DE LICITAÇÃO NÃO CONFIGURADA. INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO CARACTERIZADA PELA NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO DOS PROFISSIONAIS CONTRATADOS, COMPROVADA NOS AUTOS, ALIADA À CONFIANÇA DA ADMINISTRAÇÃO POR ELES DESFRUTADA. PREVISÃO LEGAL. A hipótese dos autos não é de dispensa de licitação, eis que não caracterizado o requisito da emergência. Caracterização de situação na qual há inviabilidade de competição e, logo, inexigibilidade de licitação. 2. "Serviços técnicos profissionais especializados" são serviços que a Administração deve contratar sem licitação, escolhendo o contratado de acordo, em última instância, com o grau de confiança que ela própria, Administração, deposite na especialização desse contratado. Nesses casos, o requisito da confiança da Administração em quem deseje contratar é subjetivo. Daí que a realização de procedimento licitatório para a contratação de tais serviços - procedimento regido, entre outros, pelo princípio do julgamento objetivo - é incompatível com a atribuição de exercício de subjetividade que o direito positivo confere à Administração para a escolha do "trabalho essencial e indiscutivelmente mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato" (cf. § 1º do art. 25 da Lei 8.666/93). O que a norma extraída do texto legal exige é a notória especialização, associada ao elemento subjetivo confiança. Há, no caso concreto, requisitos suficientes para o seu enquadramento em situação na qual não incide o dever de licitar, ou seja, de inexigibilidade de licitação: os profissionais contratados possuem notória especialização, comprovada nos autos, além de desfrutarem da confiança da Administração. Ação Penal que se julga improcedente. (BRASIL. STF, 2006, grifos nossos)
Deste modo, aplicando tal teoria ao caso em tela, entende-se que há desnecessidade de competição e, portanto, possibilidade de contratação direta de serviço advocatício, quando a Administração Pública necessita de um parecer jurídico ou assessoria jurídica de um advogado renomado em área específica do direito, ou seja, com vasta experiência profissional e qualificação técnico-científica no tema, para abalizar as suas ações institucionais peculiares.
Neste sentido, dispõe Lucas Rocha Furtado (2009, p. 103, grifos nossos) que:
A contratação de advogados para o patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas, como visto, depende de prévia licitação. Essa é a regra a ser seguida. Porém, se se tratar de causa judicial tão cheia de particularidades que apenas determinado profissional ou escritório, em fase de sua notória especialização, teria condições de defender a Administração, a contratação sem licitação seria justificada.
Assim, apenas o advogado com qualificação técnica e científica e vasta experiência em determinada área do direito (direito penal, direito fiscal, direito civil etc.) pode ser contratado sem licitação para elaborar parecer ou defender causas jurídicas relevantes que tratam de temas/problemas polêmicos no campo da sua expertise. Neste sentido, é fundamental avaliar o caso concreto, pois o serviço advocatício não pode ser corriqueiro, conforme explicita Egon Bockmann Moreira e Fernando Vernalha Guimarães (2012) citado por Clarissa Teixeira Paiva (2015, p. 192):
[...] Fato é que singularidade pressupõe algo que não seja corriqueiro, rotineiro, e que possa ser desempenhado por qualquer prestador. Afasta-se de dados do cotidiano das respectivas profissões ou empreendimentos. Revela atividade específica, cujo resultado seja variável a depender da identidade do sujeito [...]
Logo, percebe-se que a singularidade do objeto está vinculada à ideia de um contratado com notório saber jurídico conforme o ineditismo do serviço e as necessidades peculiares da Administração Pública contratante. Assim, cumpre detalhar a seguir o que seja serviço de notório saber ou especialização.
2.4 Contratado com notório saber jurídico
Segundo o art. 25, II, da Lei n. 8.666/93 é permitida a inexigibilidade licitação para “contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13, desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização [...]”.
Consoante Carvalho Filho (2006, p. 225) a contratação direta de profissionais ou empresas requer que os mesmos estejam revestidos da qualificação de notória especialização, o qual define como “aqueles que desfrutem de prestígio e reconhecimento no campo de sua atividade”. Da mesma forma, elucida José Cretella Júnior (1999, p. 307) que “É o reconhecimento público de alta capacidade profissional. Notoriedade profissional é, pois, algo mais que habilitação profissional. Notoriedade é, em última análise, a fama consagradora do profissional [...]”.
Deste modo, deve-se demonstrar em procedimento administrativo, no caso em tela, que o advogado contratado possui notória especialização, ou seja, saber qualificado e capacidade profissional na área do direito e na problemática da demanda da Administração Pública que terá que assessorar ou elabora parecer, bem como justificar que tal profissional possui tal experiência consagrada publicamente.
Lucas Rocha Furtado (2009, p. 102, grifos nossos) aduz que o legislador procurou trazer “parâmetros minimamente objetivos” para disciplinar e conter dentro de limites razoáveis o grau de subjetividade inerente a este dispositivo. Esses parâmetros são encontrados nas “informações e dados que se possam levantar sobre o conceito, a experiência, as realizações passadas do profissional ou da empresa cuja notória especialização se investiga”. Na mesma linha, Carvalho Filho (2006, p. 225, grifos nossos) traz parâmetros mínimos para demonstrar tal requisito ao explicitar que o profissional contratado deve possuir “estudos, experiências, publicações, desempenho anterior, aparelhamento, organização, equipe técnica e outros do gênero”.
O Min. Rel. Roberto Barroso no Inquérito 3.074/SC de 2014 fala expressamente a formação acadêmica, a publicação de obras doutrinárias e a experiência em questões semelhantes.
Assim, o advogado ou escritório de advocacia contratado deve ter estrutura, anos de experiências, publicações e realizações profissionais públicas, cujos documentos devem ser juntados no procedimento administrativo de inexigibilidade de licitação, de modo a comprovar a contratação direta.
Ademais, Carvalho Filho (2006, p. 225, grifos nossos), ressalta, ainda, ser necessário que “a Administração conclua que o trabalho a ser executado por esse profissional e o mais adequado à plena consecução do objeto do contrato”. No mesmo sentido, dispõe Lucas Rocha Furtado (2009, p. 102, grifos nossos) que “Deve ser atestado que aquela determinada empresa é a entidade cujo trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato”.
Logo, o advogado ou o escritório de advocacia a ser contratado devem ter experiências públicas satisfatórias e qualificação técnica e científica notória no serviço peculiar de necessidade da Administração Pública. Isto quer dizer que o advogado a ser contratado para realizar um parecer técnico-jurídico sobre a autonomia político-financeira do Ministério Públicos de Contas, deve ter expertise na área das finanças públicas e no federalismo, bem como pode ser demonstrado publicações e anos de experiências como advogado e parecerista e reconhecimento profissional nacional, mediante documentos, tais como, currículo, publicações, tempo de advocacia etc. Ademais, o advogado que dará assessoria na ADI 5254 do STF deve possuir estrutura organizacional para defender a causa em Brasília e experiência pública em causas desse jaez.
Tudo isso cercará a Administração Pública da eficiência e sucesso do serviço a ser contratado, legitimando a contratação por parâmetro subjetivo da singularidade, confiança e notoriedade da especialização e, portanto, por inexigibilidade de licitação.
Por fim, cumpre esclarecer que a notória especialização não implica que haja apenas (01) um advogado com expertise adequada à demanda peculiar da Administração Pública, pois, segundo Carvalho Filho (2006, p. 225) é possível que haja mais de um profissional adequado para atender a necessidade do Poder Público e a Lei 8.666/93 não impõe qualquer restrição em tal sentido. Também se posiciona neste sentido Lucas Rocha Furtado (2009, p. 102):
[...] Assim, é de se concluir que nessa hipótese de contratação inexigível, relativa à contratação de serviço técnico-profissionais especializados prestados por profissionais ou empresas de notória especialização, não necessariamente deverá existir apenas uma empresa ou profissional em condições de prestar o serviço. O que justifica, nessa hipótese, a não realização da licitação é a natureza do serviço, a capacidade técnica do prestador do serviço a ser selecionado, e as peculiaridades do serviço que está a exigir a contratação de referida empresa ou profissional.
2.5 Inadequação da prestação do serviço advocatício pelos integrantes do órgão
A recente decisão do STF no Inquérito n. 3.074-SC, em 2014, inovou ao trazer outro requisito indispensável para contratação direta de serviço advocatício, qual seja, a demonstração da “inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do órgão”.
Isto porque, em regra, a Administração Pública possui um corpo jurídico próprio ou uma Procuradoria Jurídica especializada para executar serviços advocatícios, todavia, nada impede que em situações peculiares e inéditas haja a contratação de advogados ou escritório de advocacia.
Segundo Clarissa Teixeira Paiva (2014, p. 189), com base em doutrina de Joel de Menezes Niebuhr (2013), a existência de um corpo jurídico próprio não impede a contratação, sem licitação, de um advogado ou um escritório em uma demanda peculiar, pois os serviços advocatícios ordinários devem ser realizados pelo quadro de advogados permanentes, mas questões e casos singulares podem exigir profissionais de notória especialização para que haja eficiência nas ações institucionais.
Logo, a regra é que os serviços advocatícios sejam realizados pelo corpo jurídico próprio, mas em casos excepcionais justifica a contratação direta de profissional de notório saber.
De acordo com o voto do Min. Rel. Roberto Barroso no Inquérito n. 3.074-SC, em 2014, a inadequação da prestação do serviço pelo quadro próprio pode ocorrer por (i) eventual deficiência da estrutura estatal; e (ii) especificidade e relevância da matéria, da mesma forma sustenta Clarissa Teixeira Paiva (2015, p. 199).
Assim, justifica-se a contratação direta de advogado ou escritório de advocacia quando a estrutura do órgão público é reduzida ou deficiente, por exemplo, existem poucos advogados, alto volume de trabalho ou até mesmo ausência de representação em Brasília para acompanhar causas nos Tribunais Superiores; bem como a excepcionalidade da demanda da Administração Publica exige um advogado com renomada expertise para assessorar de forma exitosa no caso concreto de relevância social e peculiaridade.
2.6 Compatibilidade do preço contratado com o preço do mercado
A doutrina e a jurisprudência do TCU e dos Tribunais Superiores também sustentam que é imprescindível demonstrar no procedimento administrativo de inexigibilidade de licitação a compatibilidade do preço contratado com o preço do mercado, em face dos arts. 26, parágrafo único, inciso III, e 43, inciso IV, da Lei n. 8.666/1993:
Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2o e 4o do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8o desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos. (Redação dada pela Lei nº 11.107, de 2005)
Parágrafo único. O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:
I - caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso;
II - razão da escolha do fornecedor ou executante;
III - justificativa do preço.
IV - documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados. (Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998)
Art. 43. A licitação será processada e julgada com observância dos seguintes procedimentos:
IV - verificação da conformidade de cada proposta com os requisitos do edital e, conforme o caso, com os preços correntes no mercado ou fixados por órgão oficial competente, ou ainda com os constantes do sistema de registro de preços, os quais deverão ser devidamente registrados na ata de julgamento, promovendo-se a desclassificação das propostas desconformes ou incompatíveis; (BRASIL. LEI 8.666/93, grifos nossos)
A aplicação dos dispositivos legais supracitados no procedimento administrativo de inexigibilidade de licitação é fruto de uma interpretação sistemática e teleológica que visa primar pelo interesse público e pelos princípios da eficiência e da moralidade, previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (BRASIL. CF/88)
Nessa linha, prescreve a Orientação Normativa do AGU n. 17/2011, citado por Teixeira Paiva (2015, p. 199):
A razoabilidade do valor das contratações decorrentes de inexigibilidade de licitação poderá ser aferida por meio da comparação da proposta apresentada com os preços praticados pela futura contratada junto aos outros entes públicos e/ou privados, ou outros meios igualmente idôneos.
O TCU em suas decisões também exige a demonstração da compatibilidade do preço contratado com o preço do mercado, conforme trechos de Acórdãos a seguir:
Assunto: INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. DOU de 19.08.2010, S. 1, p. 72. Ementa: determinação à EMBRAPA para que, ao realizar contratação direta de empresa por inexigibilidade de licitação, com fulcro no art. 25, inc. II, da Lei nº 8.666/1993, faça constar do procedimento administrativo a comprovação dos pressupostos simultâneos de notória especialização da contratada e da singularidade do objeto, a justificar a inviabilidade do certame licitatório, bem como a demonstração do motivo da escolha do fornecedor e da adequação dos preços avençados com os valores de mercado, observado o que dispõe o art. 26, parágrafo único, incisos II e III, do referido diploma legal (alínea “d”, item 9.6, TC-010.280/2004-9). (BRASIL. TCU. Acórdão nº 1.971/2010- Plenário, 2010)
[...] 9.2.3. proceda, quando da realização de licitação, dispensa ou inexigibilidade, à consulta de preços correntes no mercado, ou fixados por órgão oficial competente ou, ainda, constantes do sistema de registro de preços, em cumprimento ao disposto nos arts. 26, parágrafo único, inciso III, e 43, inciso IV, da Lei n. 8.666/1993, consubstanciando a pesquisa no mercado em, pelo menos, três orçamentos de fornecedores distintos, os quais devem ser anexados ao procedimento licitatório” (BRASIL. TCU. Acórdão nº 1945/2006 – Plenário, 2006).
Deste modo, no caso em tela, recomenda-se que o procedimento administrativo de inexigibilidade de licitação seja instruído com a apresentação de três propostas de advogados renomados ou documento que demonstre que o preço contratado acompanha o valor da prestação do serviço advocatício conforme Tabela oficial da OAB.
3 PROCEDIMENTOS A SEREM ADOTADOS
Segundo a Cartilha da Advocacia Geral da União (AGU) “Lei 8.666 segundo o TCU”, o procedimento administrativo de contratação direta por inexigibilidade de licitação, ao amparo do art. 25 da referida Lei, deverá ser instruído com os elementos previstos no art. 26 da Lei, observados os passos a seguir:
1. Solicitação do material ou serviço, com descrição clara do objeto;
2. Justificativa da necessidade do objeto;
3. Caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, se for o caso;
4. Elaboração da especificação do objeto e, nas hipóteses de aquisição de material, da quantidade a ser adquirida;
5. Elaboração de projetos básico e executivo para obras e serviços;
6. Indicação dos recursos para a cobertura da despesa;
7. Razões da escolha do executante da obra ou do prestador do serviço ou do fornecedor do bem;
8. Anexação do original das propostas;
9. Anexação do original ou cópia autenticada (ou conferida com o original) dos documentos de regularidade exigidos;
10. Declaração de exclusividade expedida pelo órgão competente, no caso de
inexigibilidade;
11. Justificativa das situações de dispensa ou de inexigibilidade de licitação, com os elementos necessários à sua caracterização, conforme o caso;
12. Justificativa do preço;
13. Pareceres técnicos ou jurídicos;
14. Documento de aprovação dos projetos de pesquisa para aos quais os bens serão alocados;
15. Autorização do ordenador de despesa;
16. Comunicação à autoridade superior, no prazo de três dias, da dispensa ou da situação de inexigibilidade de licitação;
17. Ratificação e publicação da dispensa ou da inexigibilidade de licitação na imprensa oficial, no prazo de cinco dias, a contar do recebimento do processo pela autoridade superior;
18. Inclusão de quaisquer outros documentos relativos à inexigibilidade;
19. Assinatura de contrato ou documento equivalente. (BRASIL. AGU, 2011)
Cumpre dispor, ainda, que é irregular, ou seja, ilegal a prestação de serviços ao Poder Público sem base contratual e empenho prévio garantidor do pagamento, pois afronta a Lei 8.666/93, a Lei Complementar n. 101/00 (LRF), assim como a Constituição Federal de 1988, visto que a Administração Pública não pode correr em risco de não ver cumprida a obrigação por parte do contratado, violando o primado da eficiência e da moralidade.
Em regra, os serviços prestados à Administração Pública devem observar as fases da despesa pública (contrato, empenho, liquidação e pagamento), nos termos do art. 15, inciso III, da Lei n. 8.666/93 e dos arts. 58 a 65 da Lei n. 4.320/64, e somente em situações excepcionais pode haver a antecipação de parte do pagamento do objeto ou serviços, a qual deve ser devidamente justificada pela Administração, com base na existência de interesse público e de acordo com os critérios da Lei n. 8.666/93 e da Lei n. 4.320/64.
Deste modo, recomenda-se que não haja pagamento antecipado. Assim, primeiramente seja realizado o procedimento administrativo de contratação direta por inexigibilidade de licitação, devidamente instruído com os documentos necessários, para que depois seja realizado o contrato administrativo, o empenho prévio, a liquidação e o pagamento, nos termos da lei.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nas regras e princípios constitucionais vigentes, as contratações diretas de serviços advocatícios pela Administração Pública consistem em uma situação “excepcional”, que deve estar justificada nos seguintes pressupostos jurídicos, os quais são cumulativos: (i) a inviabilidade de competição; (ii) a prestação de um serviço técnico elencado no art. 13 da Lei 8.666/93; (iii) o serviço a ser prestado deve ter natureza singular; (iv) o profissional deve possuir notória especialização; (v) o preço contratado deve ter compatibilidade com o preço praticado no mercado; conforme o posicionamento dos Tribunais Superiores (STF, STJ e TCU).
Assim, a Administração Pública não pode contratar nem realizar o pagamento de serviço advocatício sem antes realizar o procedimento administrativo, o qual é prévio, e comprovar mediante documentos os pressupostos legais e constitucionais para a contratação direta de advogados, conforme a doutrina e a jurisprudência pátria.
Tais medidas são essenciais em um Estado Democrático de Direito e devem ser observadas pela Administração Pública sob pena de violar a Carta Política vigente, em especial, os primados da legalidade, da igualdade, da eficiência, da competitividade e da moralidade administrativa.
Logo, a contratação direta de advogados pela Administração Pública deve ser uma medida excepcional de interesse público, não podendo se transformar em conduta rotineira em confronto com princípios basilares da atual ordem jurídica brasileira.
REFERÊNCIAS
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CARVALHO FILHO, José Santos. Manual de Direito Administrativo. 10 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
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______. Lei 8.666/93. Estatuto de Contratos e Licitações. Disponível em: www. Acesso em: 10.07.2015.
_____. Lei n. 8.906/94. Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Disponível em: site. Acesso em: 10.07.2015.
_____. STJ. Disponível em: site. Acesso em: 15.07.15.
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CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo. 8 ed. Salvador: Podivm, 2009.
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Licitações e Contratos Administrativos. 2 ed. rev. ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2009.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32 ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14 ed. São Paulo: Ed. Malheiros, 2009. Página 545.
MENDES, Renato Geraldo. A inexigibilidade de licitação no TCU. Revista Zênite de Licitações e Contratos – ILC, Ano XVIII, n. 209, p. 629-638, Julho 2011.
PAIVA, Clarissa Teixeira. Contratação de serviços advocatícios sem licitação: para além da natureza singular e da notória especialização. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 13, n. 48, p. 187-204, jan./mar. 2015.