Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A ideologia do processo civil contemporâneo brasileiro

Exibindo página 1 de 2
Agenda 02/01/2016 às 21:35

O artigo pretende aludir didaticamente sobre a ideologia do processo civil contemporâneo, explicando e apontando os principais posicionamentos assumido pelo CPC de 2015.

Os recursos processuais representam o viés autoritário da jurisdição e, lamentavelmente, todo o sistema processual civil tem se trajado com uma ideologia centralizadora e autoritária principalmente por apostar firmemente no julgamento e, tão pouco na mediação e conciliação.

Nesse sentido, o CPC de 2015 vem trazer significativo avanço para se obter a celeridade processual com segurança jurídica dentro da duração razoável do processo.

O recurso representa a expressão de desconfiança[1] do julgador, mais precisamente, da pessoa do julgador, creditando-se, mas na burocracia judicial. Depositando-se grande esperança nos escalões superiores do judiciário, indo atingir até mesmo o grau mais elevado, contra sentenças que nem cabem mais recursos.

O processo dentro da experiência democrática tem sua legitimação questionada, por ser pautado na lei que o poder político equaciona como sendo a vontade geral do povo (Rousseau), pois se traduz no poder nacional.

Percebe-se que na medida em que descemos na escala hierárquica da magistratura, mitiga-se proporcionalmente a legitimidade dos magistrados, por isso, avolumam-se os recursos, laborando uma cadeia recursal aonde se vive a ilusão de melhor poder decisório.

A verdade é que a legitimidade da jurisdição diminui na exata medida em que aumentam os recursos. Tal ideologia é a expressão da autoritária cultura jurídica da modernidade que é incapaz de lidar com a diferença do individual e, ipso facto, dos casos concretos, sendo testemunha de que permanecemos fiéis a Savigny[2] no sentido de que ao fugirmos das complexidades da vida concreta e real, para nos ocultar-nos e refugiar-nos na certeza de figuras geométricas, cujas verdades universais e eternas podem ser tranquilamente normatizadas.

Ao passo que no caso concreto que é a principal matéria-prima dos operadores de direito, revela-se como fenômeno histórico, portanto, individual e, não se submete às puras normatizações esquemáticas que é o princípio pelo qual as instituições processuais foram criadas.

A gênese do processo é a dificuldade de conviver com o outro. A separação artificial e didática havida entre direito e fato que representam pressupostos de alguns recursos, sendo o princípio estruturante do sistema.

A matriz epistemológica do recurso é o direito enquanto norma, capaz de ser normatizado e, que renuncia ou pretende renunciar às especificidades e peculiaridades do caso concreto.

O pensamento jurídico não se restringe ao direito positivo e a prova mais veemente é a sopa principiológica em que estão submersos a maioria das codificações contemporâneas.

A radical separação entre o direito e a realidade social e histórica produz um artificialismo que, por sua vez, apenas se teria de subsumir nas hipóteses das normas para que essas, se houvesse coincidência lógica entre a previsão legal e esses fatos, se lhe tivessem de aplicar.

Destacando a lógica do ato de aplicação de normas e, o seu imperativo das regras não se volta apenas para seu conteúdo material, indo além para o contexto político onde há o absolutismo legal.

A desconfiança ideológica sobre o poder da magistratura é aplacada com a exigência de fundamentar detidamente as sentenças e, pela instituição de recursos. Também obrou êxito o CPC/2015 ao exigir uma fundamentação mais específica das decisões judiciais.

A noção original do poder discricionário[3] dos juízes adveio da necessidade de se libertar o juiz da opressão da justiça de gabinete[4] e dos decretos reais e das autoridades administrativas.

O juiz somente será livre quando se lhe depositar confiança e a quem se outorgar certa esfera de ação, na qual terá o agir ditado por sentimento e responsabilidade.

 A verdade é que o liberalismo não contribuiu para a liberdade da magistratura, mostrando-se cada vez mais como sistema político despótico destinado a proteger o lucro, a propriedade e a livre iniciativa.

Tudo se tornou atado numa grande teia de leis que cuidadosamente tratou de limitar a liberdade de agir do juiz e, assim diligentemente e desconfiadamente lhe subtraiu o arbítrio.

Foi nos tempos dos mais sombrios despotismos é que triunfou tanta desconfiança contra o arbítrio judicial bem exemplificado nos Estados Constitucionais do século XIX.

Não é difícil entender o porquê que o liberalismo fora tão desfavorável à magistratura, um alvo perfeito da desconfiança burguesa. O que justifica, o forte componente político que informa todo o sistema recursal.

Trata-se da desconfiança burguesa contra o agente do poder que pode avaliar a sociedade civil e as necessidades do Estado. Principalmente se esse agente do poder decisório tem vínculo bem visíveis com a nobreza reinante.

As instituições liberais raptaram o arbítrio dos juízes sob a pretensa racionalidade do ato jurisdicional e, mais ainda, pela dimensão exagerada da cadeia recursal.

Os recursos são um sintoma evidente de submissão do sistema à ideologia racionalista. Embora sejam os recursos, os principais culpados pela morosidade da justiça brasileira, daí o CPC/2015 ter suprimido o agravo retido e os embargos infringentes.

Apesar de ter mantido o agravo de instrumento, agravo interno, o incidente da colegialidade qualificada, os embargos de declaração, os embargos de divergência, o recurso especial e o recurso extraordinário, além é claro, do recurso por excelência, que é a apelação.

E, não olvidemos da técnica de julgamento de demandas repetitivas[5], e de recursos repetitivos que traz maior simplificação processual propiciando julgamento em blocos (ou massa) e maior uniformização da jurisprudência.

Todas as reformas que sofrera o CPC/73 só vieram reforçar os recursos, operando para os tribunais a transferência da parcela do poder desfrutado pelos magistrados de primeira instância.

Os recursos na sistemática processual sempre foram o núcleo duro do sistema processual vigente e se mostrava inflexível.  O imenso caudal de recurso é o principal fator de emperramento da máquina judiciária brasileira, o que impôs uma séria revisão no sistema recursal de forma a limitar drasticamente seu número.

E, especialmente quanto à apelação, seus limites e seu efeito devolutivo de acordo com CPC/2015, que passou a prever menores hipóteses de efeito suspensivo, confirmando tendência de dar primazia ao julgamento do mérito e a lhe dar maior efetividade.

O mais importante princípio que preside o sistema recursal que é idêntico ao que também estrutura o processo de conhecimento, é o pressuposto de que a lei possua vontade que contém um sentido unívoco, capaz de ser revelado ou declarado pelo juiz.

Afinal, é aceitação pacífica deste pressuposto, que torna possível legitimar a extraordinária cadeia recursal que ameaça explodir a jurisdição.

É temeroso acreditar que o juiz seja o portador da vontade contida e expressa na sentença. Tal afirmação contém forte carga ideológica da qual devemos precaver-nos.

É comum seguirmos a lógica binária e matemática, do “certo e do errado”. Ou o juiz aplica a vontade da lei ou do contrário, será irremediavelmente arbitrário e despótico.

Desta forma, conforme Hobbes apregoava, é preferível contar com um juiz subordinado do que submeter-nos a um juiz arbitrário[6] conforme fora defendido pela Escola do Direito Livre[7].

Em suma, na compreensão do Direito ou se tem o juiz que representa a boca da lei, ou se tem um julgador arbitrário. O termo médio é aquele existente para equilibrar o discricionário, pois atua com poderes e faculdades dentro da previsão legal e para alcançar os objetivos da lei e da jurisdição (a pacificação social).

Temos que fugir do dogmatismo monolítico e totalitário para entender a justiça como finalidade do Direito e a jurisdição como a dinâmica da lei.

Porém, a doutrina parte de dois pressupostos equivocados, o primeiro que aponta que a lei contenha todo o direito como sustentam as correntes positivistas e, propõe que a justiça não seja problema do juiz.

A justiça seria um problema do legislador; ou o juiz aplica a lei ou será irremediavelmente injusto. O juiz deve descobrir a vontade da lei que será revelada na sentença.

Devido ao nosso ferrenho dogmatismo, não nos é permitido admitir que a lei, sendo hermeticamente interpretada, possa deixar ao magistrado uma margem de liberdade que lhe permita fazer o Direito e progredir de forma harmônica com as novas realidades concretas e históricas que são capazes de revelar outra vontade da lei.

James Goldschmidt nos ensinou a respeito da natureza do processo e da função que este exerce de obrigar-nos a ver o direito material, de forma não estática, conforme nossa formação clássica o considera.

A doutrina binária do “certo e do errado” que revela apenas nosso compromisso com a matemática, nos induz a acreditar no erro do juiz, ou seja, na nulidade ou impugnabilidade do ato judicial. Os recursos servem, em suma, para reparar os erros dos juízes.

Não nos é dado compreender que a lei seja uma categoria histórica, assim como o enunciado de uma súmula, estando, portanto, sujeita às transformações ocorridas no ambiente social e cultural que lhe cabe atender.

Assim como os conceitos não são imutáveis, diferentemente do triângulo retângulo que sempre será idêntico a si mesmo e, fiel às verdades pitagóricas.

Imagina-se que a vontade da lei não tenha compromisso com a realidade cultural e social que a produziu e, que tenha, tal qual as figuras geométricas e da trigonometria um sentido unívoco e imutável.

No âmago do sistema, percebemos a perspectiva que torna a jurisdição reduzida à uma função declaratória. Onde se espera que os juízes descubram e resolvam um problema algébrico, declarando a vontade da lei e nada além[8].

A questão da justiça é encargo do legislador. De forma que descabe manejar os recursos alegando injustiça da sentença. Ao revés, afirma-se que o juiz errara. Pois a doutrina pressupõe a pretensa neutralidade da lei concebida num normativismo com proposição lógica despida de qualquer conteúdo valorativo.

A cândida ilusão de que o sistema legislativo restou congelado e conservado intacto no tempo, supondo que a lei conforme afirmou Montesquieu corresponda a uma “relação necessária e derivada da natureza das coisas”.

Evidentemente está superado o mito da neutralidade da lei diante do Estado burocrático e administrativo. A suposta neutralidade da lei apenas serviu para reproduzir a coloração política das forças dominantes. E, formalmente serve para as formas mais tirânicas da qual o nazismo constituiu a mais escabrosa advertência.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

A suposta neutralidade da lei, repito, possibilitou que esta adquirisse uma direta intenção política e ideológica, transformando-se numa única mão para realizar a justiça.

A patologia judiciária é bizarra e pode diante de casos concretos idênticos, obter sentenças absurdamente contraditórias. Assim o direito tornou-se uma entidade apenas lógica, abstrata e muito desligada da realidade social que lhe cabe regular.

Calamandrei advertiu-nos para a conduta ingênua de quem supõe que um certo sistema processual, válido para o século XIX, sirva-nos neste início de milênio.

É verdade que existem tempos de estagnação social, onde o juiz pode limitar-se a ser fiel expressão do legislador, acompanhando-o, passo a passo, mas também, existem tempos de veloz transformação, no qual o juiz deve ter coragem e sabedoria para se tornar o precursor, o iniciador e incitador.

Para Calamandrei fiel ao paradigma, as profundas transformações sociais que tanto abalaram o século XX, arremessando-nos numa sociedade urbana de massa, constituiu res inter alios, que não nos comove. Pois o julgador se mostra inatingível a servir-se ao arsenal de sua ciência.

Afinal, a CF/1988 nos assegura a plena defesa e a consequente plenaridade de todas as demandas; se a lei tem sentido unívoco, sendo uma vontade invariável do povo, parece natural que enviemos mais de seiscentos mil recursos às duas Cortes Superiores brasileiras?

Devemos, no entanto, insistir que os recursos correspondem a espinha dorsal do sistema processual, sendo o viés burocrático que funciona como um instrumento do poder globalizado.

É surpreendente aceitar naturalmente que o STJ julgue numa única sessão, o que muitos tribunais europeus e até a própria Suprema Corte Americana julgam em um ano.

Os recursos revelam a autopoiese[9] dos sistemas jurídicos e uma curiosa negação dialética proposta por Luhmann para o Direito.

Os recursos foram concebidos para dar segurança através da vigilância que o poder exerce sobre a magistratura e, estimulam a criação jurisprudencial do direito que procura dar uma pretensa univocidade da lei, enquanto que a enorme quantidade de recursos sobre questões análogas produz diariamente milhares de sentenças entre si divergentes e até antagônicas.

Os recursos no Estado de Direito procuram impedir o abuso do poder, dando segurança ao sistema, através do Direito, conforme mostra Luhmann, mas essa intenção acaba frustrando-se, pela consequente produção de insegurança.

Os riscos da nova estrutura positiva do direito não podem, porém, ser captados somente no âmbito do próprio direito. Por outro lado, as expectativas congruentes generalizadas, não fornecem a segurança suficiente com respeito à conduta. Atualmente, os perigos surgem em grande parte a partir do próprio direito.

Não se trata mais de segurança contra ações ilegais, de proteção jurídica, mas de segurança contra ações legais envolvendo, portanto, complicadas disposições contrárias no próprio direito, que exigem constantes e adaptações jurídico-políticos.

Por essa razão, o direito atual não seja mais capaz de garantir aquela certeza moral das expectativas que resulta do simples fato de alguém julgar-se no direito.

A mais nova instituição em doutrina foi a relativização de coisa julgada. Afinal, fora alvejado o ponto mais elevado da segurança jurídica sonhada pelo Iluminismo, e atualmente, pretende-se torná-lo relativo questionável, pela introdução da discutibilidade no cerne do sistema.

Prevê o CPC/2015 a ponderação e modulação dos efeitos da relativização da coisa julgada, outro avanço doutrinário respaldado pela jurisprudência pátria.

A incerteza terá nos alcançado no reduto sagrado da coisa julgada. A mesma incerteza que caracteriza a experiência jurídica contemporânea, acaba transferindo para a magistratura uma margem de discricionariedade que o sistema recursal brasileiro teimou em ignorar.

O sonho iluminista de construir um sistema jurídico completo e capaz de oferecer a segurança do raciocínio matemático, como se as questões que são muito problemáticas e valorativas fossem inseridas num contexto social e histórico, e pudessem encontrar fáceis soluções através da epistemologia das ciências lógicas.

Atualmente tanto a criação jurisprudencial do direito quanto com a correlata incerteza que esta possa gerar, revelam que essas ideologias que constituíram a modernidade, esgotaram-se.

Pois a sociedade contemporânea é complexa (eivada de modernidade líquida) e, não mais se permite explicar, a partir da clássica doutrina positivista, mas sim, a partir da visão da sociedade como um todo projetado pela teoria dos sistemas.

Assim, é possível partindo da teoria dos sistemas autopoiético, enxergar a adequação à complexidade por um direito que, a cada dia, se torna mais e mais dinâmico.

Estamos vivenciando a mudança paradigmática, tentando salvar e salvaguardar os valores da civilização ocidental, procurando compatibilizá-los com a nova realidade concreta.
 

A criação jurisprudencial do Direito é, pois, o resultado inesperado, embora previsível da busca da máxima certeza que se pretende alcançar através da sujeição dos juízes à vontade da lei (única e por isso, imutável).

A incerteza é que nos auxilia para a compreensão da perigosa ilusão do Iluminismo, pois se realmente tivéssemos certeza do futuro, não poderíamos ser compelidos a nada.

Seríamos livres para nos entregar a todas as paixões e perseguimos todos os egoísmos, visto que todas as ações se enquadrariam no espectro da certeza decretada e repetível. Mas, se tudo está aberto à criatividade, não apenas à criatividade humana, mas de toda a natureza como poderemos almejar a certeza?

Historicamente a missão dos tribunais superiores no liberalismo do século XVIII era mesmo impor à cassação, ou seja, a defesa em abstrato das leis, é um dos muitos ideais do Iluminismo e a que a história sepultou, assim como deveríamos ter superado também o desejo sôfrego de uniformizar a jurisprudência, o que ainda é objetivo perseguido pelos recursos notadamente os de ordem extraordinária.

Em verdade, a uniformização da jurisprudência não é possível e nem desejável, o que fez com que Calamandrei advertisse que a intenção não era unificar a jurisprudência, mas destruí-la.

O inflamado Robespierre mencionou: “Esta palavra jurisprudência deve ser eliminada de nossa língua. Num Estado que tem Constituição, uma legislação, a jurisprudência dos tribunais outra coisa não é, senão lei: consequentemente, existe sempre identidade de jurisprudência”.

Se suprimido que fosse qualquer vestígio de volição no ato jurisdicional, de forma a torná-lo apenas meramente declaratório, o que se apoia na completude do ordenamento jurídico, e confirma o ideal perante o qual se dobra toda doutrina do princípio da separação dos poderes.

Teríamos transformado o produto do ato jurisdicional em um novo texto de lei, a confirmar que os tribunais superiores não exercem a jurisdição pois, não passam de meros apêndices do Legislativo.

Não se pode compreender a função dos supremos tribunais somente pelo plano normativo geral, o que significaria em num novo sentido axiológico que excluiria o relevo do corretor, no problema concreto ou que dele prescindiria para fixar a priori as orientações da jurisdição.

A fixação, a priori, que tenderia sempre para o modo como que de uma codificação judicial e de novo apagaria a diferença entre legislação e jurisdição.

Outra consequência da busca de segurança jurídica na suposta neutralidade da lei, que constituiu o ideário do Estado Industrial Moderno que foi deixar o Direito indefeso contra os totalitarismos.

Conforme observou Alessandro Passarin D’Entreves[10], foram os países onde a jurisprudência formal insistiu no apego literal à lei que se desenvolveu com maior esmero os regimes totalitários cunhados numa retilínea e indeclinável legalidade.

É a relação entre o positivista legalista e o absolutismo que torna compreensível as técnicas existentes nos princípios inclusive para interpretar os textos legislativos.

Entretanto, o contraste com  as variantes do normativismo de que ainda se nutrem nossas instituições processuais, cresce, na doutrina contemporânea a crença de que a jurisprudência seja fonte criadora do direito e, que a lei seja apenas a referência, em cujo círculo de possibilidades o julgamento haverá de construir a sentença, que por isso, seja uma crença ilusória a suposição da plenitude ou completude do ordenamento jurídico, como se contássemos com um legislador sapientíssimo, dotado de poderes sobre-humanos e capaz mesmo de prever e dispor normativamente sobre a infinita variedade de casos concretos que existem, ficando reservado ao juiz somente o papel inanimado conforme pretendera o liberalismo iluminista, a missão nobre de declara a vontade da lei.

Este pensamento iluminista, além de conceber o ordenamento jurídico como capaz de fornecer ao juiz a solução do caso concreto – tornando a sentença puramente declaratória de um direito anteriormente constituído e, pressupõe, também, na figura do julgador alguém que milagrosamente, se tenha desligado de tradição de seus vínculos sociais e valores transformando-o em um técnico sem princípios.

A falácia do racionalismo em sua pretensão de submeter o direito aos esquemas epistemológicos das ciências ditas exatas. Dentre estes, assume relevo a circunstância de termos de conviver em nossa experiência democrática, com uma sociedade basicamente pluralista, a impor-nos o abandono de qualquer veleidade que pudesse legitimar o que John Rawls[11] denominou “doutrinas abrangentes” da justiça como se os princípios religiosos éticos e políticos que nós professamos devessem ser impostos aos demais como fossem verdades absolutas.

Some-se ainda além do pluralismo ético e a consequente tolerância, que descende também do liberalismo clássico através de sua vertente religiosa, ao surto hemorrágico de leis, por vezes, se apresenta contraditórias entre si. E que regulam em épocas diferentes, bens jurídicos que ganharam semânticas diferentes.

E, insiste na transmissão aos magistrados da missão de compatibilizar as leis, construindo soluções frequentemente praeter legem e, definitivamente, mais relevante ainda, a redução da distância, quando não a assimilação prática, entre o político e o jurídico, duas categorias radicalmente separadas pelo ideário liberal, aproximação esta para a qual tem contribuído o constitucionalismo contemporâneo, com seu apelo aos princípios.

Infelizmente, o pensamento que inspira o sistema de recursos deita raízes no mais genuíno Iluminismo. É a crença de que o processo deva buscar a solução “certa”.

Dentro do pensamento binário que é incompatível com a doutrina contemporânea que resgatou a importância dos princípios como ideias imanentes às normas jurídicas particulares.

A prática dos princípios pressupõe que os magistrados se orientem através de juízos valorativos segundo critérios e escalas de relevância jurídica. Os princípios obedecem aos critérios de otimização, não se subordinando as normas, à regra do “tudo ou nada” (Robert Alexy).

Consequentemente a ideia do justo reingressa no raciocínio jurídico, eliminando a epistemologia das matemáticas. A ideologia dominante em nosso sistema processual foi a responsável pela supressão de juízos de verossimilhança, ao pretender conforme professavam os filósofos racionalistas que as ciências do comportamento humano, especialmente a moral e o direito, fossem tão demonstráveis quanto qualquer equação matemática.

Afinal, como a questão de justiça no caso concreto não seria um problema do juiz, mas do legislador (Hobbes), àquele haveria de caber pura e simplesmente a aplicação da lei, cujo autor é de supor, estaria na posse de um código linguístico puro, transparente e sem ambiguidades.

A sentença deixaria, portanto, de ser justa ou injusta para tornar-se, simplesmente certa ou errada, como qualquer operação algébrica, principalmente o julgamento constitucional.

Enquanto os valores, além de relativos, admitem infinitas gradações, de modo que se pode conceber uma sentença “menos ou mais justa” que outra, porém ambas são legítimas e ditadas conforme a lei, o raciocínio matemática sempre será unívoco. Assim, ou ela está correta, ou estará definitivamente errada.

Esta fora a pretensão do racionalismo, defendida por Hobbes, Leibniz, Spinoza e os outros filósofos racionalistas, a começar com Descartes na esperança de que se pudesse transformar o Direito numa ciência rigorosamente exata.

Nosso sistema recursal vigente no CPC/73 e do CPC/2015 é caudatário dessa espécie de epistemologia.

Precisamos resgatar a dimensão retórica do direito processual, como a ciência do diálogo e da cooperação[12], a ciência do convencer, a operar verdades contingentes, (não necessárias) em que predomina a verossimilhança, não o lógico, mas o analógico, tudo o que se fizer em matéria de recursos antes de contribuir para a solução da crise, poderá agravá-la.

Foi inadiável a revisão do sistema recursal brasileiro para a superação da crise no processo civil. Há de se superar a ingênua ilusão de que as sentenças sejam a última instância sejam expressões de justiça perfeita.

A capacidade de pensar a justiça é próprio da condição humana que sempre haverá de estar presa, não apenas à ideia, mas a possibilidade concreta de injustiças.

Já constatarmos que a justiça perfeita é a do tirano posto que seja inquestionável. Sendo indispensável, no entanto, ter presente que tanto o sistema processual brasileiro, quanto a cultura jurídica que nos formou, pressupõem ainda existente e praticável a doutrina da separação de poderes (que aliás, ingressou em nosso texto constitucional são ser votado no plenário) devendo caber ao legislador, ao legislativo, com exclusividade a função criadora do Direito, ao passo que ao julgador ficou reservado o encargo institucional e subalterno de declarar, apenas dizer o direito, que fora inteiramente criado pelo legislativo.

Não existem as leis idealizadas (plenas e completas) pelo Iluminismo e nem quem legisla tem a capacidade sobre-humana de prever e antecipar todos os fatos e conflitos.

Tal pressuposto ideológico impede que se conceba o direito, particularmente o processo, como uma instância hermenêutica, posto que as doutrinas jusnaturalistas do século XVII e XVIII com seus sistemas jurídicos de more geométrico determinaram o absoluto desinteresse pela hermenêutica de que resultou a proscrição dos juízes de verossimilhança, expressão típica do pensamento analógico, pautado na tradição clássica, na suposição de que a lei contenha a solução “certa ou correta”, na busca da miragem de que o uso dos recursos permitem o acesso à justiça através dos tribunais supremos.

Sobre a busca do sistema jurídica capaz de finalmente dar-nos segurança absoluta, cabe relembrar de Karl Engisch[13] para revelar o compromisso político dos sistemas recursais: “Houve um tempo em que tranquilamente se assentou na ideia de que deveria ser possível estabelecer uma clareza e seguranças jurídicas absolutas elaboradas, e especialmente garantir a absoluta univocidade a todas as decisões judiciais e a todos atos administrativos.

E o referido tempo foi o do Iluminismo quando o tribunal ao aplicar o Direito, devia funcionar como um autômato, com a única particularidade de que o aparelho em função não é um mecanismo automático, mas um mecanismo lógico.

A desconfiança que haviam chamado sobre si os juízes no período de justiça de arbítrio e de gabinete (quer dizer, de uma justiça que se acomodava às instruções dos senhores de terra) e, por outro lado, a adoração da lei, animada por um espírito racionalista fizeram com que a estrita vinculação do juiz à lei se tornasse no postulado central.
 

No neoprocessualismo o postulado central é a Constituição Federal de 1988 com seus princípios e valores que devem ser utilizados para interpretar e aplicar as leis processuais.

Imaginem que no passado fomos conduzidos ao exagero bizarro de haver a proibição de interpretar e comentar a lei, à exclusão de qualquer graduação da pena pelo juiz (era o sistema de penas fixas do Código Penal de 1791) e outras coisas semelhantes.

O juiz deveria ser escravo da lei. Tal concepção começou a vacilar no decurso do século XIX. Reitero que o fundamento que preside nosso interminável sistema recursal é, sem dúvida, a crença iluminista de que o legislador possa produzir um texto com tal simplicidade e transparência capaz de gerar a univocidade de sentido.

E a ingênua crença de que os supremos tribunais possam uniformizar a jurisprudência reproduz a técnica racionalista. Sabemos que a lei não é produto de uma sociedade homogênea e, que o combate à incerteza judiciária apesar de depender da lei que é sinceramente, sempre potencialmente discutível.

Trata-se de um fenômeno político e um dos pressupostos culturais da civilização contemporânea que deixaram expostos a pretensão totalmente ilusória de que a lei admita apenas uma única solução verdadeira.

A súmula vinculante defendida e positivada é um instrumento que não constitui novidade no direito luso-brasileiro e teve várias denominações em sua história, valeu-se de dispositivos processuais se não idênticos pelo menos funcionalmente similar, como os assentos do direito lusitano e o prejulgado.

A súmula vinculante busca solução para o problema dos tribunais supremos, sem limitar a competência recursal, procurando ao contrário, preventivamente impedir que no futuro os tribunais sejam chamados novamente a se pronunciarem sobre as questões já apreciadas por essas instâncias em grau suficientemente seguro de sua jurisprudência dominante.

Quando sumulado o enunciado tal qual a lei passa então a ser uma norma geral de observância obrigatória para o próprio órgão emissor do julgado e demais instâncias judiciárias.

O que nos faz questionar sobre a diferença entre as súmulas vinculantes e as persuasivas tanto do STJ como do STF (que não são vinculantes). Na verdade, a diferença advém dos efeitos decorrentes de sua não aplicação ou aplicação indevida.

Caso um juiz de primeiro grau não aplique corretamente uma súmula persuasiva, caberão os recursos previstos no caso concreto. Havendo grande chance de o recurso ser provido em face da franca valoração do entendimento jurisprudencial.

Mas, o caminho até o STJ ou STF é longo, dispendioso e, ainda, tortuoso. Porém se o mesmo juiz não aplicar corretamente uma súmula vinculante, caberá reclamação diretamente ao STF, sem passar por nenhuma instância intermediária.

Ampliou o Novo CPC as hipóteses de cabimento da reclamação para preservar a integridade da jurisprudência, o que anteriormente só se admitia quando a súmula fosse respeitada.

Pelo art. 988, II do CPC/2015, prevê caberá reclamação para garantir a observância de enunciado de súmula vinculante de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou de incidência de assunção de competência[14].

Pelo menos no que se refere aos efeitos o NCPC equipara as súmulas vinculantes, os julgamentos dos IRDRs que podem ser feitos pelos TJs, TRFs (art. 978) posto que tais julgamentos ganham efeito vinculante, além dos casos repetitivos julgados como REsp e RE (art. 1.036 ao 1.041).

Em resumo, com efeito vinculante, sendo cabível a reclamação, temos: súmulas vinculantes (STF), julgamentos do IRDR, julgamentos do REsp e RE repetitivos, julgamentos de assunção de competência, súmula ou entendimento firmado em recurso repetitivo do STJ, mas só quando afrontado por Turma Recursal (sem efeito vinculante).

Apesar da EC45/2004 ter constitucionalizado a noção súmula, há requisitos a serem observados para formação. Por outro lado, a súmula persuasiva já existia desde 1963.

Os conceitos de vinculante e persuasiva de súmula não se confundem, assim como não se confundem o quórum de aprovação, objetivos e procedimentos para aprovação, revisão e até o cancelamento e, também a via impugnativa. No caso de descumprimento.

Em geral no direito pátrio, os precedentes possuem autoridade persuasiva apesar de existir os defensores de que sempre vinculam os tribunais e juízes inferiores.

Tal fundamento tem base pragmática e visa reduzir o fluxo de recursos sobre as matérias repetitivas. A interpretação sobre determinado dispositivo legal e que vincula juízes e tribunais subordinados hierarquicamente tornaria o sistema processual brasileiro praticamente idêntico ao sistema norte-americano.

No Brasil, em geral, a regra é a decisão judicial só tem eficácia entre as partes e os precedentes de caráter meramente persuasivo, servindo apenas de orientação para a livre convicção do juiz que pode ou não se filiar ao entendimento exarado pelo tribunal.

Apenas nas situações excepcionais previstas pelo próprio texto constitucional é que os precedentes desdobram da eficácia inter partes que lhes é peculiar, para alcançar efeito vinculante e eficácia erga omnes.

Afora as hipóteses de processo objetivo (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), a CF/1988 apenas atribui tal efeito à súmula vinculante.

Ponderando sobre o conceito de Alfredo Buzaid sobre a súmula de jurisprudência dominante, este sustentou que a eficácia natural da súmula é insuficiente para atingir o objetivo que a inspirou: a prevenção de excesso de divergência jurisprudencial, razão pela qual defendeu que os enunciados sumulados sejam acrescidos da força vinculante.

O primeiro traço distintivo é o objetivo pois enquanto que a súmula processual serve para compendiar os entendimentos firmados pelo tribunal, podendo em tese, versar indistintamente sobre qualquer questão sob a jurisdição do STF.

Enquanto que a súmula vinculante ex vi o art. 103-A da CF/1988 possui sólidos contornos e somente se volta para a validade, interpretação e eficácia de normas destinadas sobre as quais exista a controvérsia atual entre os órgãos do Judiciário como entre estes e a Administração Pública.

É imperioso que preencha todos os requisitos legais para haver a edição da súmula vinculante, de forma presente e cumulativa.

O segundo traço distintivo é o quórum de deliberação que para o caso de súmula vinculante é de maioria absoluta, ou seja, por dois terços dos membros do STF (anuência de no mínimo oito ministros).

O terceiro traço distintivo é a forma de revisão e cancelamento de enunciados vez que a Lei 11.417/2006, prevê para a súmula constitucional duas modalidades de procedimento, o autônomo e outro incidental.

O quarto traço distintivo reside no viés político que se deu aos enunciados da súmula vinculante quando a CF/1988 enuncia um rol mínimo de legitimados que pode ser ampliado, mas jamais reduzido, por lei federal, para provocar a edição, revisão e cancelamento de súmulas.

O quinto traço distintivo é a existência de um instrumento atípico no direito pátrio, segundo o qual, havendo o enunciado da súmula vinculante em determinado sentido, a decisão ou o ato administrativo que o contrariar tornar-se suscetível de impugnação por reclamação dirigida diretamente ao STF.

Em rudimentar comparação entre a doutrina do precedente dos países da common law e a eficácia persuasiva e vinculante da súmula do sistema brasileiro, observamos que a teoria abrandada do precedente aponta diametralmente oposto ao que seguem os EUA e, mais recentemente, o Reino Unido.

O enrijecimento dos precedentes judiciais por meio da súmula vinculante e impeditiva de recursos, é a tendência brasileira enquanto que em sentido contrário tendem os sistemas processuais ingleses e norte-americanos.

A segunda razão para se recursar a solução pela via da súmula vinculante é que seu propósito não é propriamente contribuir para a evolução do sistema jurídico, ao revés, aprisiona-lo ao passado, ou no túnel do tempo, impedindo que a elaboração jurisprudencial lhe permita progredir, em convivência com a constante transformação da realidade social.

Afinal a súmula obrigatória tal como no regime dos assentos praticados em Portugal reproduz a concepção iluminista, que a segunda metade do século XX superou, que reivindicava para a lei um ilusório sentido univocidade a que poderão, talvez, aspirar as ciências ditas exatas, nunca uma ciência essencialmente hermenêutica, como o Direito.

Desta ótica, o criador mais importante do sistema mais do que o legislador é o juiz, especialmente os juízes da Corte Suprema, de modo que a função criadora, progressista e inovadora do sistema jurídico é que deve ser preservada como a legítima função contemporânea dessa cortes superiores, não aquela alcançável pela súmula vinculante que, antes de ser instrumento de evolução e, consequentemente de adaptação do sistema às novas realidades, procura mantê-lo preso ao passado, mesmo que isto exija revisão do texto constitucional.

A função dos tribunais superiores é a de ser instrumento voltado para o futuro que vise a unidade e o aperfeiçoamento do Direito e, não à uniformidade da jurisprudência dos respectivos tribunais.

Para tanto é primordial dar-lhes competência seletiva onde o grau de relevância par ao sistema processual merece apreciação.

A eliminação das súmulas já era preconizada por Castanheira Neves ao propor a supressão dos assentos vigentes no direito lusitano, aliás o único país, segundo ele, afora onde os socialistas insistem a manter as súmulas vinculantes obrigatórias.

Ainda advertiu o jurista que os precedentes ao contrário de serem, como o são os assentos, fórmulas abstratas tal como são as leis, valem mais por seus fundamentos enquanto ratio decidendi ligados ao caso concreto e a suas circunstâncias.

A força gravitacional do precedente leciona Dworkin define-se pelos argumentos de princípio que lhe servem de base. Não como proposição abstrata que o julgador deve aplicar sem vinculá-la às razões que a tenham justificado ao ser constituído o precedente.


Dennis Lloyd[15], famoso professor de jurisprudência em Londres, mostrando que, em certas circunstâncias, os precedentes tornam-se vinculantes para o próprio tribunal que os editou como para os demais, esclarece que a corte, especialmente a Suprema Corte, poderá sempre concluir que o princípio orientador do precedente fora enunciado de maneira incorreta, ou demasiado amplo ou excessivamente limitado, podendo, em tal caso, elucidar qual fora de fato a ratio que fundamentara o julgamento anterior, para modificar o sentido do precedente, ou não segui-lo, pois como diz o jurista “ a parcela da decisão que é vinculativa é referente à ratio decidendi.

O precedente ao contrário da súmula dominante surge não para consolidar uma tese jurídica, mas para modificar a jurisprudência até então seguida pelo tribunal.

O sentido transformador do precedente, através da ordem jurídica rejuvenesce o Direito e o faz acompanhar a dinâmica social, viabilizando a contínua humanização evolutiva do Direito como ciência e prática.

Assegurando-lhe a unidade e função primordial a ser exercida pelas supremas cortes. E que as nossas dificilmente poderão exercer em sua plenitude, assoberbando-as com excessivo volume de recursos, o que as torna em cortes ordinárias, julgando em terceira instância as questões de interesse dos respectivos litigantes.

É por essa razão que os juízes do common law podem recursar-se a seguir o precedente, mostrando que o caso de que se cuida apresenta peculiaridades que o fazem diverso daquele que permitirá sua criação; ou mesmo por apresentar-se o precedente destituído de razoabilidade, aos olhos do julgador.

Tal incidente tem particular importância para o entendimento do atual momento da dogmática processualista, em que se pretende a construção de um processo civil que busque a efetivação dos valores de segurança e eficiência e em que o conceito de estabilidade jurídico opera em proveito ao superior interesse dos jurisdicionados.

Segundo Alexandre Freitas Câmara trata-se de um incidente que visa minimizar as divergências jurisprudenciais fazendo com que num determinado tribunal se adote sempre a mesma interpretação da lei. Para se evitar diversas interpretações pela mesma norma, acarretando a possibilidade de duas pessoas, com situações idênticas, tenham suas demandas julgadas de forma diversa.

Renunciar à uniformidade jurisprudencial é ideal capaz de ser alcançado nos períodos de grande estabilidade social que corresponde ao preço que as épocas de crise e profundas transformações, como a atual, devem pagar, para manter o império do Direito[16].

Durante o desenvolvimento civilizatório onde s aumenta a complexidade, diversidade e a variabilidade de condições e a variabilidade de condições naturais, psíquicas e sociais da vida, revela-se bem inadequada, uma estrutura jurídica rígida onde o direito que já é obrigatório deve absorver a variabilidade contemporânea.

A faculdade que deve reconhecer aos tribunais superiores, de selecionar, discricionariamente, os recursos que irão merecer seu julgamento é a providência inicial e lógica além de pedagógica, para a retomada do caminho, que nos haverá de produzir a revisão de nosso perverso sistema recursal.

Há necessidade de se repensar a função jurisdicional que o conjunto de terminantes históricas e sociais nos impõe de modo a resgatar a credibilidade da jurisdição de primeiro grau, decorrendo a redução natural de recursos, inclusive com a limitação do efeito devolutivo da apelação, considerada como delicado corte cirúrgico no sistema recursal brasileiro.

É louvável que o legislador venha buscar superar a insuportável morosidade da justiça através do aprimoramento do sistema recursal. É certo que não podemos prescindir dos recursos processuais mas precisamos repensar os recursos extraordinários para que deixem de ser uma terceira instância ordinária.

Existe uma relação edílica entre os juristas e as promessas de novas Constituições, principalmente quanto à irrestrita proteção dos direitos. Quando se cogita em limitar o número de recursos, como indispensável para a celeridade da prestação jurisdicional, a sugestão era logo afastada em nome de princípios constitucionais superiores que asseguram acesso aos tribunais, com o amplo direito de defesa.

De qualquer forma, a nova ideologia preponderante no CPC/2015 está esboçando um novo processo civil com prioridade do julgamento do mérito, com maior sanabilidade dos feitos, com contraditório dinâmico, com atenção aos métodos de autocomposição da lide, dos negócios processuais e promovendo efetivo acesso à justiça com maior simplificação procedimental e resultados mais justos e democráticos.

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Gisele. A ideologia do processo civil contemporâneo brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4567, 2 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45508. Acesso em: 23 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!