1 A família dos tempos remotos aos dias atuais
1.1 Breve histórico da noção de família
A família existe desde tempos imemoriais, constituída sob as mais variadas formas, segundo os costumes de cada povo, e influenciada pelos valores socioculturais, políticos e religiosos de cada época. Em algumas sociedades não ocidentais os parceiros conjugais são escolhidos pelos pais, só vindo a conhecer-se no momento da celebração das núpcias. No Egito antigo, como exceção à regra universalizada que veda o casamento entre membros da mesma família, o casamento entre irmãos era admitido, para assegurar a manutenção da pureza do sangue da família do Faraó. [1]
Na China tradicional, ao contrário, a proibição do casamento no meio familiar estende-se a vários graus de parentesco. [2] Algumas culturas, como a brasileira e praticamente todo o resto do ocidente, só aceitam um casamento (monogamia); outras permitem vários casamentos concomitantes (poligamia). No Islã, os muçulmanos têm o direito de possuir até quatro esposas ao mesmo tempo. Trata-se da forma de poligamia conhecida como poliginia, onde há duas ou mais mulheres. [3]
Em Roma, as pessoas componentes da família encontravam-se sob o patria potestas do ascendente masculino mais velho. Assim, se um casal só tivesse filhas mulheres adultas e um menino, de qualquer idade, este seria o pater famílias, caso o pai viesse a faltar. [4]
Na antiguidade, em quase todos os povos, a união se dava geralmente por uma cerimônia de cunho religioso, celebrada pelo pater e sem qualquer participação do Estado. Aos olhos da sociedade, esta união de um homem e uma mulher atendia aos imperativos culturais e a família era reconhecida como tal. Com esse breve passeio pela história, percebe-se que houve uma grande transformação no conceito de família em todo o mundo, até chegarmos à Família contemporânea, especialmente aquela que se encontra disciplinada nos moldes do Direito Brasileiro, com uma amplitude nunca antes reconhecida pela lei. Com o disciplinamento da "União Estável", como forma de constituição familiar, nosso ordenamento abriu ensejo a uma nova era de direitos da personalidade, reafirmando a dignidade da pessoa humana como valor fonte. Tudo passa a convergir para a pessoa, que é a razão de ser do próprio Direito.
1.2 A evolução da família no direito brasileiro
As principais fontes do Direito de Família brasileiro são o Direito canônico e o Direito português que, por sua vez, sempre tiveram suas arestas direcionadas para o casamento como formação legítima de família. A Igreja Católica sempre teve influência na família brasileira. Como exemplo para essa assertiva, citamos a presença ainda marcante dos impedimentos matrimoniais na nossa legislação civil e que já eram previstos pelo Direito canônico.
Entretanto, não há dúvidas de que, com as transformações sociais, a família brasileira acabou se moldando às novas realidades, contribuindo para o alargamento do conceito de família, chegando a ponto de não mais restringi-lo ao casamento. Na esfera constitucional, o texto de 1824 nada mencionou sobre a família ou mesmo o casamento, já a Constituição Federal de 1891, apesar de não dedicar capítulo especial à família, reconheceu efeitos apenas ao casamento civil. Por outro lado, a Carta de 1934, dedicando capítulo próprio ao instituto, estabeleceu a constituição da família brasileira pelo casamento civil indissolúvel. Portanto, o casamento, por muito tempo, era a única forma legítima para a constituição de família. Esse princípio foi mantido nos textos constitucionais de 1937 (art. 124); 1946 (art. 163); 1967 (art. 167); 1969 (art. 175).
Para o Código Civil Brasileiro, de 1916, a família é aquela assentada no Direito Napoleônico, ou seja, hierarquizada e matrimonializada, calcada na procriação, na formação de mão-de-obra, na obtenção e transmissão de patrimônio, além de fonte de aprendizado individual. Assim, o texto do Código Civil demonstra a preferência pela família com valores tradicionais, com o homem exercendo a chefia da sociedade conjugal. Com a Lei n º 883, de 21 de outubro de 1949, o filho tido fora do casamento, pôde ser reconhecido por qualquer dos pais. Por outro lado, em 1962, o Estatuto da Mulher Casada, Lei n.º 4121, consolidou o início da emancipação da mulher dentro do casamento, passando do status de relativamente incapaz para absolutamente capaz para os atos da vida matrimonial, passando a ser considerada colaboradora do marido na sociedade conjugal.
Ainda nesse sentido, em 1977, com a Lei n.º 6515, denominada Lei do Divórcio, finalmente traçaram-se normas referentes à dissolução do casamento, ocorrendo a principal quebra dos valores religiosos embutidos nesse instituto. Ressalta-se que a indissolubilidade do casamento foi, sem dúvida nenhuma, uma das principais causas pelo elevado número de relações sem a presença de um casamento civil, consideradas amorais e reprováveis, posto que concubinárias.
Por outro lado, depois da Constituição Federal de 1988, o casamento passou a ser algo dissociado do legítimo, ou seja, a legitimidade da família não se relaciona mais com o casamento. Nesse sentido, a família continua a ser a base absoluta da sociedade, contando com a especial proteção do Estado, que deve defendê-la, já que também se molda na organização familiar.
A grande modificação foi à dissociação do casamento como única forma de constituição de família legítima, passando-se a considerar também como entidade familiar à relação extramatrimonial estável, entre um homem e uma mulher, que antes era tida como amoral e pecaminosa, além daquela formada por qualquer dos genitores e seus descendentes, a família monoparental.
Essas mudanças constitucionais, sem dúvida, alteraram substancialmente a história traçada pelo Código Civil para a família brasileira, e a Constituição de 1988 só veio, na verdade, abraçar uma situação de fato já existente e que não era, todavia, reconhecida juridicamente. Nesse sentido, a família moderna além de ser mais liberal é também mais justa, contudo essas modificações ainda geram dúvidas, ocasionando discussões doutrinárias e jurisprudenciais.
REFERÊNCIAS
[1] GOMES, Orlando. Direito de Família. 10. ed., e atual. por Humberto Theodoro Junior. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
[2] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. São Paulo: Atlas, 2001.
[3] [4] VIANA, Marco Aurélio S. Da união estável. São Paulo: Saraiva, 2000.