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Princípios recursais de processo civil e penal

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Agenda 30/12/2003 às 00:00

Inexistência de Fato Impeditivo ou Extintivo

São fatos extintivos:

a) renúncia ao poder de recorrer: e tal renúncia pode se dar antecipadamente? A questão é polêmica e gera controvérsias. Por antecipação, entende-se um acordo ou mesmo uma declaração de vontade unilateral que, caso houver decisão desfavorável, não recorrerá. Argumenta parte da doutrina que o recurso, sendo um ato necessariamente voluntário, é um direito que pode ser renunciado a qualquer tempo, mesmo antes de prolatada a decisão. Pela ótica mais liberal, somente não há como renunciar o direito de se impugnar decisão que agrida a ordem pública, maculada de nulidade absoluta. Os defensores desta tese se batem pela possibilidade da renúncia, pelo fato de que o próprio direito pode ser afetado, quando a parte reconhece juridicamente o pleito da outra (o que não se dá em processo penal). Ainda assim, discordamos da possibilidade de renúncia antecipada.

É bem verdade que o poder de recorrer é arbitrário da parte, vontade que não se vincula, antecipadamente. Ocorre, entretanto que a parte não pode renunciar sobre aquilo que não sabe o que virá, sobre o imponderável. Caso contrário, um dos fundamentos filosóficos do direito recursal que é a fiscalização dos atos judiciais, seria mitigada e o julgador ver-se-ia livre para julgar conforme o direito, mas atendendo a pressões de outra natureza...um dos bastiões da defesa da renúncia antecipada é o prof. Nelson Nery Jr. que acaba por aponta, ao final de sua longa defesa, um problema inconciliável para casos concretos: "havendo litisconsórcio, a renúncia ao recurso manifestada por um dos litisconsortes em nada interfere no direito do outro, nem se lhe subordina o consentimento. A diferença de tratamento está na eficácia da renúncia e no resultado do julgamento do recurso do litisconsorte que não renuncia. No litisconsórcio simples, a renúncia ao recurso por apenas um dos litisconsortes não prejudica o dos demais. Caso provido o do litisconsorte que não renunciou, o resultado não se estende ao litisconsorte renunciante, pois seus interesses são distintos (embora semelhantes) e podem ser, inclusive, opostos (art. 509, CPC). Situação diversa ocorre quando o litisconsórcio é unitário. Muito embora o litisconsorte unitário não necessite de consentimento dos outros para renunciar ao poder de recorrer, se o fizer será ato vazio de conteúdo se houver recurso interposto por um dos outros litisconsortes". Diante da correção do expositor, como entender que a sua própria teoria da possibilidade de renúncia antecipada possa dar resultado no caso de litisconsórcio unitário?;

b) aquiescência à decisão: jamais se dá em processo penal. Mesmo que o réu recolha-se à prisão para apelar, o que consideramos inconstitucional, não havendo motivação para a prisão, nem por isso aquiesceu à decisão condenatória que o levou ao recolhimento. Da mesma forma, não é porque compareceu a todos os termos do processo doloso contra a vida, após a pronúncia, que com ela concordou, depois de ter interposto recurso em sentido estrito. Ou, ainda, não é porque complementou a fiança, considerada insuficiente, que concordou efetivamente com o novo valor, interposto o recurso. Isso porque os interesses em processo penal são indisponíveis, sempre, geralmente afetando em maior ou menor grau a liberdade do acusado. Dessa forma, o levantamento de pecúnia depositada, desfazimento de obra, construção de muro, abandono do imóvel requerido, todos os atos afeitos a processo civil, geram para aquele que recorre contra decisões judiciais o não conhecimento do recurso interposto, enquanto que a submissão às decisões judiciais penais é imperativa e não facultativa.

A irresignação do recorrente em processo penal e a execução provisória da sentença penal condenatória, verdadeiro tabu, já cantada e decantada por Afrânio da Silva Jardim, também é tratada pelo professor de Campinas Marcus Vinícius de Viveiro Dias:

Execução penal provisória nada mais é do que a possibilidade da sentença penal condenatória produzir seus efeitos, mesmo antes do seu trânsito em julgado.

Numa primeira visão equivocada poderíamos pensar que a figura da execução penal provisória violaria frontalmente o preceito constitucional da presunção do estado de inocência, segundo o qual " ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" ( ex vi do artigo 5º, LVII da Carta Magna).

Diante de uma sentença penal condenatória transitada em julgado para acusação, pendente recurso exclusivo da defesa desprovido de efeito suspensivo, e tendo em vista que o artigo 617 do Estatuto Adjetivo Penal veda expressamente a reformatio in pejus, se justificaria, in casu, plenamente o instituto da execução penal provisória, que na maioria das vezes vai funcionar para beneficiar o acusado como explicaremos mais adiante.
As ementas dos acórdãos infra-assinalados do Pretório Excelso e do Superior Tribunal de Justiça, demonstram claramente que a jurisprudência vem acolhendo de forma pacífica a execução penal provisória:

"Presunção de não culpabilidade. I. Execução Penal provisória e presunção de não culpabilidade. A jurisprudência assente do Tribunal é no sentido de que a presunção constitucional de não culpabilidade – que o leva a vedar o lançamento do nome do réu no rol dos culpados – não inibe, porém, a execução penal provisória da sentença condenatória sujeita a recursos despidos de efeito suspensivo, quais o especial e o extraordinário: aplicação da orientação majoritária, com ressalva da firme convicção em contrário do relator. II. Jurisprudência e coerência: legitimidade da observância da jurisprudência sedimentada, não obstante a convicção pessoal em contrário do juiz. A crítica ao relator que aplica a jurisprudência do Tribunal, com ressalva de sua firme convicção pessoal em contrário trai a confusão recorrente entre os tribunais e as academias: é próprio das últimas a eternização das controvérsias; a Justiça, contudo, é um serviço público, em favor de cuja eficiência – sobretudo em tempos de congestionamento, como o que vivemos – a convicção vencida tem muitas vezes de ceder a vez ao imperativo de poupar o pouco tempo disponível para as questões ainda à espera de solução." (HC 81580/SP, STF, Primeira Turma, Min. rel. Sepúlveda Pertence).

"HABEAS CORPUS. MANDADO DE PRISÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. CONDENAÇÃO EM APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO. AUSÊNCIA DE EFEITO SUSPENSIVO. PEDIDO DE PRISÃO DOMICILIAR. DOENÇA GRAVE. Os recursos para os Tribunais Superiores (STJ e STF) possuem, de ordinário, somente efeito devolutivo, forte no art. 27, § 2º, da Lei nº 8.038/90. Assim, não configura constrangimento ilegal a expedição de mandado de prisão para a execução provisória da condenação imposta pelas instâncias ordinárias. Precedentes desta Corte e do C. STF. Princípio constitucional da presunção da inocência que não foi, in casu, violado. Paciente, entretanto, portador de grave doença renal atestada nos autos, necessitando de três sessões de hemodiálise por semana fora da prisão. Falta de pessoal e veículos para tal fim atestados pelo Delegado de Polícia. Concessão da prisão domiciliar. Ordem parcialmente concedida." (HC 19385/SP, STJ, Quinta Turma, Min. rel. José Arnaldo da Fonseca).

"HC. PENAL. PROCESSUAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. RECURSO ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Não configura constrangimento ilegal a determinação da expedição de mandado de prisão contra o réu com condenação transitada em julgado para a acusação em segundo grau, já que o Recurso Especial e o Recurso Extraordinário, a princípio, não possuem efeito suspensivo. 2. Habeas Corpus conhecido. Pedido indeferido." (HC 18860/SP, STJ, Quinta Turma, Min. rel. Edson Vidigal).

"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. DECISÃO DE SEGUNDO GRAU. RECURSOS DE ÍNDOLE EXTRAORDINÁRIO. I – Os recursos para os Tribunais Superiores (STF e STJ), ex vi art. 27 § 2º da Lei nº 8.038/90, em regra, só tem efeito devolutivo, sendo legítima a execução provisória do julgado condenatório, com expedição, se for o caso, de mandado de prisão (Precedentes do Pretório Excelso e do STJ). II – A eventual limitação, fixada em primeiro grau, quanto à expedição do mandado de prisão, não vincula o tribunal de segundo grau (Precedentes do Pretório Excelso e do STJ). Writ denegado." (HC 18990/RJ, STJ, Quinta Turma, Min. rel. Felix Fischer).

"HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CRIMES DE HOMICÍDIO QUALIFICADO E ABORTO. DECISÃO CONDENATÓRIA. EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE PRISÃO. ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL POR VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. ARTIGO 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INEXISTÊNCIA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL QUE NÃO POSSUEM EFEITO SUSPENSIVO. ARTIGO 27, PARÁGRAFO 2º, DA LEI Nº 8.038/90. PRECEDENTES DO STF E DO STJ. 1. Não há constrangimento ilegal na circunstância de se expedir mandado de prisão contra réu condenado, em ação penal originária, pela prática dos crimes de homicídio qualificado e aborto, ao cumprimento de 16 (dezesseis) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, por não possuírem efeito suspensivo os recursos extraordinário e especial que venham a ser interpostos, a teor do disposto no artigo 27, parágrafo 2º, da Lei nº 8.038/90, não restando violado o chamado princípio da presunção de inocência. 2. Habeas corpus denegado." (HC 16996/SP, STJ, Sexta Turma, Min. rel. Paulo Gallotti).

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Malgrado o entendimento daqueles que sustentam que a execução penal provisória afrontaria o princípio do estado de inocência, pensamos que o referido instituto serve também para beneficiar o acusado, porquanto durante a execução provisória já começariam a fluir todos os prazos para incidência de eventuais institutos benévolos previstos na Lei de Execuções penais tais como a progressão de regime, o livramento condicional etc.

Para finalizarmos, cumpre salientar que a jurisprudência vem aceitando o instituto da execução penal provisória, que efetivamente não viola o direito e garantia individual do estado de inocência, podendo muitas vezes beneficiar o acusado e estando em plena harmonia com o nosso sistema penal acusatório vigente, sendo que para sua incidência se faz mister a presença de dois requisitos básicos:

1) sentença penal condenatória transitada em julgado para acusação; e

2) pendência de recurso exclusivo da defesa desprovido de efeito suspensivo.

Concordamos com a abordagem e vamos com o autor. Já defendia o mestre Afrânio da Silva Jardim que a interposição de recurso não veda, por exemplo, o pedido de progressão de regime, por considerar o recolhimento à prisão execução provisória de sentença, ao contrário do que a doutrina majoritária costuma defender, sendo o momento do início da execução a expedição de carta de guia, conforme preceitua a Lei de Execuções Penais. Entendimentos como esse vedam favores processuais, tornando o recurso do próprio réu um ônus para si, um empecilho para a sua própria liberdade.

São fatos impeditivos:

a) a desistência expressa ou tácita (no caso do não pré-questionamento do agravo retido em apelação): resta saber quando desistir? Antes ou depois do voto do relator? Antes ou depois de colocado o recurso em pauta? Antes ou depois da audiência em que o recurso estará sendo julgado? Parece-nos que a solução encontrada pelo prof. Barbosa Moreira é a mais adequada: quando a parte puder, pela primeira vez se manifestar, deve de pronto desistir do recurso, se for esta a sua vontade, independente da do recorrido. Recomenda-se que, por uma questão de lealdade, o recorrente deva desistir antes de proferido o voto do relator, nos casos de apelação. Isto é assim porque pode haver uma apelação adesiva e o relator posicionar-se pelo conhecimento e não-provimento do principal e conhecimento e provimento do adesivo, o que geraria uma flagrante diferença entre as partes: sabendo que o recurso adesivo teria fortes possibilidades de ser provido, o recorrente principal, com má-fé, poderia esquivar-se dos efeitos dos recursos, sabendo do voto do relator e assim, num jogo de azar, desistir antes de prolatados os demais votos. Pontue-se que é defeso ao Ministério Público, em processo penal, desistir dos recursos interpostos;

b) o reconhecimento jurídico do pedido, que não se dá em processo penal, mesmo havendo confissão, por exemplo;

c) a renúncia ao direito a que se funda a ação que, em processo penal, só se dá em ação penal privada.

Eis os apontamentos modestos que uma comparação, ainda que rasa, entre o processo penal e o processo civil, poderia trazer à baila. Descontados os lapsos na lembrança de todas as demais situações processuais não previstas aqui, damos o ensaio por encerrado, satisfeitos de ver que as peculiaridades dos sistemas civil e penal não são capazes para desarticular uma teoria geral dos recursos da qual somos partidários. Aliás, paralelismo entre as duas escolas só agrega uma visão holística ao operador do Direito, não se subordinando aos antolhos que a prática especializada poderá impor, ao contrário, alarga os horizontes daqueles que imaginam ser possível a harmonização do Direito e a construção de um sistema processual alicerçado em bases mais sólidas, indistintamente, para a seara penal ou civil. Nesta esperança é que se lançou à empreitada este autor.


Notas

01. Alguns mais ilustrados não culpam propriamente os recursos, mas sim a sua sistemática. Repetidamente martelam na comparação com a Suprema Corte Americana, afirmando que lá, os juízes preocupam-se estritamente com as matérias de repercussão política. Isto em função de um sistema que os próprios comentadores chamam de arbitrário e subjetivo, na análise do cabimento dos recursos. Ora, talvez tenhamos o sistema recursal mais desenvolvido do Ocidente e o Judiciário paga onde não se deveria atribuir culpa, seja pela falta de estrutura, seja pela completa liberdade na judicância. Propostas de reforma pululam, o que falta é consenso. Continuamos aguardando.

02. Por princípios deve-se entender um conjunto orgânico de elementos genéricos informadores de um tema jurídico, no caso, recursos. Não há, explicitamente na norma processual, muitos deles, mas pela hermenêutica conjugada com a prática, sabemos que o ordenamento perpassa por princípios implícitos, ocultos, mas pulsantes. A omissão não prejudica, nem denigre a técnica processual, mas ressalta a importância da jurisprudência, ainda que sigamos o sistema jurídico latino.

03. No processo penal, não há equivalente ao recurso adesivo. Em casos concretos, o que há é pura e simplesmente as contra-razões à disposição da parte recorrida. Até porque o conceito de sucumbência recíproca em processo penal é mitigado pelo caráter publicista dos temas envolvidos que geralmente variam em torno da liberdade. Não há que se traçar, deste modo, paralelos aqui.

04. O assunto restou ventilado, com maiores cuidados, em estudo de minha autoria: "A Técnica do Parecer", in Justitia, órgão do Ministério Público do Estado de São Paulo, vol. 169, 1995, pág. 09/23, de modo especial no item 13, pág. 17.

05. O nome de embargos infringentes é, por si só, esdrúxulo no caso de decisões singulares: isto porque tais embargos se prestam normalmente a atacar decisões colegiadas não unânimes, em que haja parte do julgado decidido favoravelmente ao recorrente.

06. Aqui, uma ponderação: a Lei 9099/95 que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais não andou bem em não classificar o recurso de apelação: assim, de decisão que põe fim ao processo, caberá recurso, mas não nomeia qual é o adequado. Não é errado, todavia, o advogado chamá-lo de apelação: nem mesmo esta deve ser recebida pelo princípio da fungibilidade. Simplesmente porque é mesmo verdadeira apelação.

07. Para que serve, então, o incidente de uniformização de jurisprudência, se não para atacar uma decisão que não é consenso em órgãos colegiados? Ora, há que se observar o interesse público na pacificação do entendimentos em órgãos complexos, a fim de permitir maior celeridade, economia processual e, sobretudo, segurança jurídica. Não pode o tribunal, ao sabor dos ventos e da distribuição de relatores, entender "assim ou assado"...Em matérias de ordem pública, não se pode contar com a sorte: deve haver uma única tendência, melhor explicando, um pronunciamento unívoco, coerente. É justamente por isso que o magistrado, o Ministério Público têm interesse em provocar a unificação jurisprudencial de ofício, não se constituindo recurso, portanto.

Sobre o autor
Eduardo Mahon

advogado criminalista em Mato Grosso, professor de Direito Penal e Processual Penal na Universidade de Cuiabá (UNIC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAHON, Eduardo. Princípios recursais de processo civil e penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 177, 30 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4561. Acesso em: 24 nov. 2024.

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