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Princípios recursais de processo civil e penal

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30/12/2003 às 00:00
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O cerne da questão não é a procrastinação ou mesmo as amplas possibilidades de embargo às decisões de primeira e segunda instância, e sim o sistema processual formalista que não permite ao magistrado aprofundar-se com zelo no processo de conhecimento.

Introdução:

Seja pelas críticas, seja pelas múltiplas hipóteses de cabimento, os recursos estão de tornando assunto obrigatório da processualística brasileira. Poucos doutrinadores não se apercebem da importância da matéria recursal no bojo do direito moderno. Afirmam estes que os recursos teriam efeito negativo no ordenamento em função de, basicamente, duas razões:

a) o primeiro elemento negativo seria o descrédito com relação à prestação jurisdicional, constantemente colocada em xeque por força de recurso sobre recurso, sendo que nenhuma decisão singular seria respeitada em sua integralidade, assim, como referia em tom jocoso Evandro Lins e Silva, o advogado não busca propriamente a prestação do juiz singular, mas qualquer decisão para poder recorrer – pede ao magistrado que decida logo, para que possa interpor recurso, privilegiando assim as instâncias superiores em detrimento daquele juízo que tomou contato direto com o processo, as alegações das partes de forma íntima e se inteirou com proximidade com os interesses das partes envolvidas;

b) o segundo argumento é de natureza prática: o efeito procrastinatório da interposição dos recursos e o grau de insegurança jurídica daí resultante, pois que: uma vez correta a decisão recorrida, teria sido perda de tempo o próprio recurso e, se julgada a decisão recorrida como imprópria, quem poderia afirmar com segurança que agora esta, nova decisão, seria a mais acertada? Portanto, os recursos gerariam uma eterna desconfiança no Poder Judiciário, na prestação jurisdicional, afetando sobremaneira as relações intersubjetivas [1]. O descredenciamento das decisões judiciais dá-se com esse impasse – ou o recurso é inócuo, porque confirmada a decisão a quo, ou uma delas estaria equivocada, surgindo dúvida sobre a última, passível de novo recurso, formando um círculo interminável de insegurança.

As críticas procedem, em parte, diante do atual modelo recursal. Ocorre, outrossim, um inchaço na capacidade judiciária em atender a todos que lá batem. Entretanto, não entendemos serem os recursos os culpados e sim o sistema jurídico que não permite uma maior flexibilização sobre direitos considerados indisponíveis. Ademais, a própria estrutura cedida ao Judiciário é por demais arcaica para acompanhar o ritmo das demandas que se impõe no quotidiano, sem falar na própria ótica atrasada que, por vezes, é a usada nas lentes do poder julgador. Mas o cerne da questão não é a procrastinação ou mesmo as amplas possibilidades de embargo às decisões de primeira e segunda instância, e sim o sistema processual formalista que não permite ao magistrado aprofundar-se com zelo no processo de conhecimento, geralmente, restando às superiores instâncias cuidar de eventuais falhas ocorridas no curso daquele feito canhestro.

Todavia, não dar condições processuais aos magistrados de primeira instância para que mergulhem com intensidade no mérito das causas, por meio de um aparelhamento tecnológico adequado, ao mesmo tempo que se pretende suprimir recursos, nos parece uma temeridade.

Os críticos mais ferozes reverberam que os recursos seriam verdadeiro financiamento de "grandes calotes" financeiros de pequeno, médio e grande porte. Ilustram a tese, argumentando que é melhor a morosidade judicial, pagando irrisórias taxas de correção, pelas tabelas oficiais, do que o pagamento da dívida ou mesmo um empréstimo particular. Sairia mais "barato" o recurso do que o pagamento da dívida em si e, numa relação cínica entre custo e benefício, ardilosos advogados utilizam-se das brechas legais para dar "fôlego" ao cliente endividado. Esquecem-se, entretanto, que o grande "cliente recursal" do Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal é o próprio governo, nas diversas esferas federativas.

De qualquer forma, o sistema recursal não pode ser responsabilizado de forma leviana e dramática: seria julgar a árvore pelos frutos, os pais pelos filhos, a matriz pelas filias: um método distorcido. Funda-se todo o sistema em premissas básicas e irrefutáveis, a saber:

a) as partes não se conformam facilmente com uma decisão negativa ao seu pedido, sendo que psicologicamente pretendem uma confirmação do pleito perdido, até porque a falibilidade humana é a característica mais notória da espécie: jamais a parte autora, sobretudo em causas que versem acerca de direitos patrimoniais, conforma-se com decisões de mérito negativas ou ainda a parte ré com uma condenação cível ou penal. Estamos lidando com aspectos que transcendem o mero capricho para tocar a esfera física dos sujeitos processuais. As segundas opiniões em questões relevantes para o cidadão são comuns em qualquer outra área do conhecimento, por que não o seria também em matéria jurídica? Ainda mais, se considerarmos os interesses processuais penais diante de uma condenação, onde a lida não é frivolidade e meramente uma refrega patrimonial e sim o bem mais precioso que um cidadão tem que é a liberdade;

b) o sistema recursal funciona como uma verdadeira fiscalização dos eventuais desmandos de primeira instância, sendo que a mera possibilidade de antever uma decisão sendo reformada induz o julgador a considerá-la como mais propriedade, ou seja, o juiz poderia tornar o seu labor verdadeiramente despótico, não houvesse o sistema recursal a garantir eventualmente correções. Talvez o julgador "a quo" realmente não julgue melhor em função da possibilidade de reforma, sendo este argumento verdadeiro sofisma: mas o que se imputa como essencial é que, objetivamente, a palavra final sobre um processo não deve e não é de apenas um órgão julgador – se fosse, aí sim, estaríamos à sombra do arbítrio e do despotismo. Assim, o recurso, ou melhor, a possibilidade do manejo do embargo àquela decisão, faz com que a espada de Dâmocles sempre esteja pendendo sobre o julgador, ciente de que aquela decisão, se desfundamentada ou ainda ilegal, será reformada;

c) parte-se da premissa que os órgãos colegiados julgam melhor em função de duas razões: primeiro, em função da experiência acumulada na judicatura e nas lides forenses, seja como representante dos advogados, seja funcionando como órgão ministerial; e depois pela estrutura colegiada, o que oportuniza o sistema de pesos e contrapesos dentro do próprio julgamento: órgãos colegiados são naturalmente mais ciosos, mais equilibrados, e mais políticos. Assim, em que pese a inércia de muitos casos e os conluios em tantos outros, é saudável que tenhamos órgãos colegiados para que a responsabilidade seja co-partilhada. A publicidade ampla que um órgão colegiado dá a seus julgados e a própria visibilidade que têm os julgadores, conferem ao reexame da matéria mais credibilidade e certeza ao deslinde da causa, lembrando que a composição dos Tribunais obedece ao sistema misto do quinto constitucional, agregando valores diversos e enriquecendo os entendimentos jurisprudenciais;

É extreme de dúvidas, portanto, a importância do sistema recursal, não só pelas razões elencadas acima, mas pelas que hão de vir, no decorrer do presente ensaio. Veremos, adiante os princípios [2] fundamentais aplicáveis aos recursos, base de informação no julgamento das demandas, explícitos ou implícitos no nosso ordenamento. Lembremos aqui que tais princípios são de ordem política, isto é, política legislativa e judiciária, onde servem de farol ao julgador a guiar seu entendimento sobre questões polêmicas da práxis judiciária.

Nada mais essencial que estudar princípios em Direito; é dessa fonte que deve beber o bom hermeneuta de modo a harmonizar um sistema caótico de leis, como o nosso. Concentrar-se em princípios confere ao estudioso a certeza de que nunca se afastará o operador do Direito da Justiça.


Princípio do Duplo Grau de Jurisdição

Não é afirmando que o grau de prestação jurisdicional é qualitativamente maior em órgãos colegiados que se justifica o Duplo Grau de Jurisdição, uma vez que não é raro acontecer da decisão embargada ser justa e fundamentada rigorosamente nos ditames da lei. Ademais, pode ser que o reexame da questão discutida não se dê, necessariamente, por órgão judiciário hierarquicamente superior ao prolator.

O fundamento intrínseco do Duplo Grau, outrossim, é possibilitar simplesmente o reexame de uma matéria tornada controvertida por uma das partes ou por ambas. Essa garantia é inerente ao ordenamento atual, mas não é absoluta, sendo limitada aqui e ali por leis extravagantes, literalmente, como a Lei de Execução Fiscal que veda apelação quando o valor da causa for inferior a determinado valor fixado em lei. Em processo penal, por exemplo, de regra, não há recurso de decisões interlocutórias, pela classificação civil, o que, nem por isso, não impede a prestação jurisdicional justa.

Também não há que se confundir Duplo Grau com o exame da decisão embargada por órgão hierarquicamente superior e colegiado. Assim, não haveria a garantia nas turmas recursais dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, no processo da Carta Testemunhável, dos Embargos Declaratórios, e nas hipóteses de competências originárias de Tribunais Superiores para julgamentos. Sabemos que, tanto na seara cível como penal, os embargos declaratórios são interpostos diante do próprio julgador da lide – este tem a competência, não só para apreciar a admissibilidade do dito recurso, mas julgar o seu mérito. O Protesto por Novo Júri é mais um exemplo em que a interposição do recurso se dá diante do mesmo julgador ou instância que é o presidente do Conselho de Sentença, julgando este não só a admissibilidade como o mérito recursal, remetendo o réu a novo julgamento. Agravos regimentais são, geralmente, interpostos de decisões monocráticas tomadas por julgadores de órgãos colegiados, mas remetidos para os próprios tribunais dos quais fazem parte. Assim, o Duplo Grau não é, tecnicamente, sinônimo de envio para superior instância daquele feito ou decisão.

Conforme Nelson Nery Jr., o Duplo Grau de Jurisdição consiste em estabelecer possibilidade de a sentença definitiva ser reapreciada por órgão de jurisdição, normalmente de hierarquia superior à daquele que a proferiu o que se faz de ordinário pela interposição de recurso. Não é necessário que o segundo julgamento seja conferido a órgão diverso ou de categoria hierárquica superior à daquele que realizou o primeiro exame. Ada Pellegrini, por sua vez, admite que o Duplo Grau é a simples possibilidade de reexame da decisão, seja por órgão igual, seja por órgão diverso do julgador pretérito. Já Barbosa Moreira acompanha o entendimento desta última, deixando claro que o Duplo Grau é instrumento de revisão, reavaliação da decisão, não sujeitando necessariamente ao envio do julgado a órgão diverso do prolador.

O problema do Duplo Grau de Jurisdição é respeitante única e exclusivamente à recorribilidade da sentença, ato que encerra o processo, segundo o direito vigente. Questão interessante é a levantada em apelação de sentença que extingue o processo, sem o julgamento de mérito, dando provimento ao recurso e julgando no próprio juízo "ad quem" a causa. Trata-se de um problema de competência e não propriamente de duplo grau, uma vez que o colegiado deveria dar provimento à apelação para fazer voltar o processo ao juízo competente para que, este sim, proferisse o seu entendimento sobre o mérito da causa, havendo supressão de instâncias, na hipótese contrária. Assim, conhecida a apelação que extinguiu o processo sem julgamento de mérito, deve o juízo "ad quem" declarando as condições da ação e os pressupostos processuais como existentes, deve remeter os autos ao juízo competente para o julgamento. Os recursos não podem se prestar para solapar competências.

Imaginemos, para ilustrar, uma questão em processo civil e outra, em processo penal. O magistrado decide julgar a inicial cível inepta pela impossibilidade jurídica do pedido, tendo a decisão recorrida para que, em superior instância, não só seja provido o recurso, mas para declarar que tem direito o demandante daquele pleito; ou ainda, no Tribunal do Júri, a defesa apela, fundamentando o seu recurso em evidente contradição entre as provas dos autos e a decisão dos jurados, sendo que o Tribunal de Justiça não só anula o julgamento, mas julga ele mesmo o mérito da causa, para condenar ou absolver o réu: em um e outro caso, temos não a aplicação do princípio do Duplo Grau, mas através dele, uma supressão de instância – aqui e ali deveria a instância superior anular tão somente a decisão para remeter o processo novamente ao órgão competente e ver seguir o julgamento.

Da mesma forma, pode ocorrer no juízo criminal e no cível, respectivamente, que um determinado recurso não seja processado no juízo "a quo", desafiando Carta Testemunhável (no processo penal) e Agravo de Instrumento (no processo civil). No caso da Carta e do Agravo serem conhecidos e providos, aproveitando o Tribunal para conhecer do mérito do recurso embaraçado em instância inferior não rompe com o princípio do duplo grau de juridição, somente possibilita que se observe o Princípio da Economia Processual. Esta situação é diferente da do parágrafo anterior. Lá, temos que o próprio processo foi obstado pelo magistrado de primeira instância, julgando sua carência. Aqui, temos o não processamento de um recurso. Explicando melhor: no parágrafo anterior, vimos duas situações em que a instância superior aproveitou-se de um recurso que tinha como objetivo a anulação de uma decisão para julgar o mérito da causa, suprimindo a competência do juiz singular; temos aqui situação totalmente diversa: quando o magistrado recorrido não processa o recurso interposto da decisão dele, não envia aquele recurso à superior instância, gerando outro recurso que tem por objetivo apenas a apreciação do poder de recorrer – aqui pode e deve o Tribunal não só conhecer e prover a pretensão recursal como aproveitá-la para julgar o mérito daquele recurso obstado.

Imaginemos que seja interposta apelação em processo civil e recurso em sentido estrito, em processo penal: o juiz "a quo" deve proferir um juízo provisório de admissibilidade. Imaginemos ainda que o suposto magistrado não processa o recurso – caberá agravo de instrumento e carta testemunhável, respectivamente, no processo civil e penal. Ora, se o órgão "ad quem" julga procedente ambos os recursos, o efeito disto seria a apreciação tanto da apelação como do recurso em sentido estrito, ouvidas as partes contrárias, evidentemente. Assim, se estiverem suficientemente instruídos, deve ser julgado o mérito dos recursos interpostos perante o juízo "a quo", respeitando a economia processual. Para que postergar?


Princípio da Taxatividade

Interessante comparar o recurso com a ação. Temos aí a mais perfeita definição recursal, manejada por Barbosa Moreira, que é a extensão do direito à ação. Assim, se para que prospere a inicial em seu curso, é necessário que tenha o pedido possibilidade jurídica, da mesma forma, o recurso deve estar previsto na legislação como cabível – a decisão pode ser impugnada – diz o legislador.

Os recursos cabíveis, tanto no Processo Civil como no Processo Penal são enumerados taxativamente, sendo vedado a criação de outros recursos diferentes, por leis estaduais ou mesmo por Regimentos Internos de Tribunais que comumente legislam em matéria processual. Não há analogia em matéria recursal, sendo que uma decisão pode ser passível de recurso taxativamente, enquanto outra, mesmo com matiz semelhante, tenha essa possibilidade inexistente por vontade legislativa.

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O princípio da taxatividade vem melhor expresso no CPC, onde no art. 496 elenca: "São cabíveis os seguintes recursos: I – apelação; II – agravo; III – embargos infringentes; IV – embargos de declaração; V – recurso ordinário; VI – recurso especial; VII – recurso extraordinário; VIII – embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário". Diga-se de passagem, que agravo há somente um, mas a forma de se agravar é que varia conforme a lei ou disposição da parte, como veremos. Some-se a isto o Recurso em Sentido Estrito, a Carta Testemunhável e o Protesto por Novo Júri, no Processo Penal e é só.

Tanto impera a taxatividade em matéria recursal que já superamos a discussão sobre a aplicação de analogia aos incisos do art. 581 do CPP, que tratam de recurso em sentido estrito, conforme se lê no acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso:

EMENTA- RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - DECISÃO QUE NÃO CONCEDE LIBERDADE PROVISÓRIA - HIPÓTESE NÃO CONTEMPLADA ENTRE AS ELENCADAS NO ART. 581 DO CPP - ENUMERAÇÃO TAXATIVA - PRELIMINAR ACOLHIDA - RECURSO NÃO CONHECIDO.

Sedimentado está em nossa jurisprudência que a enumeração do art. 581 do Código de Processo Penal é taxativa e, como tal, não admite ampliação. Assim, se o texto legal não prevê a hipótese de se recorrer em sentido estrito da decisão que indefere pedido de liberdade provisória, o recurso interposto nesse sentido é impróprio, e não deve ser conhecido.

29.5.96

SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - CLASSE I - 19 - Nº. 972/96 - PEIXOTO DE AZEVEDO

RELATOR - EXMO. SR. DES. ANTONIO BITAR FILHO

RECORRENTE - JOSÉ SABINO DA SILVA, VULGO "PIAUÍ"

RECORRIDA - A JUSTIÇA PÚBLICA

RELATÓRIO

O SR. DES. ANTONIO BITAR FILHO

Senhor Presidente;

Egrégia Câmara:

José Sabino da Silva, processado na Comarca de Peixoto de Azevedo como incurso nas sanções do art. 157, parágrafo 2º., inciso I, do Código Penal, com fundamento no art. 581, inciso V, do Código de Processo Penal, recorreu em sentido estrito da decisão que lhe negou o pedido de liberdade provisória, seja porque não há fortes indícios de que tenha cometido outros delitos, seja porque existe nos autos documentação demonstrando ter ele satisfeito todos os requisitos para a concessão desse benefício, em que pese o douto magistrado haver se omitido em relação àquela prova, razão pela qual afirma que a sua segregação é ilegal.

Nas contra-razões, o doutor Promotor de Justiça defendeu o acerto da decisão hostilizada, e pede a sua confirmação.

Na fase de retratação, a autoridade judiciária manteve a decisão, e o parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça é pelo não-conhecimento do recurso, porque este não contempla a hipótese ora versada, e, se conhecido, pelo improvimento.

É o relatório.

PARECER(ORAL)

O SR. DR. JOSÉ GEOVALDO DA SILVA

Ratifico o parecer escrito pelo não-conhecimento do recurso.

VOTO

O SR. DES. ANTONIO BITAR FILHO (RELATOR)

Egrégia Câmara:

Inicialmente, impõe-se o exame da preliminar suscitada pela douta Procuradoria Geral de Justiça.

Eminentes Pares, tratando-se de inconformismo manifestado contra decisão que não concede ao réu o direito de responder o processo em liberdade, de ver-se que tal hipótese não vem realmente contemplada como adequada à interposição do recurso em sentido estrito, conforme ponderou o nobre e culto Procurador em sua preliminar.

Com efeito, dispõe o art. 581, inciso V, do Código de Processo Penal, com a redação que lhe deu a Lei nº. 7.780, de 1.989, que o recurso em sentido estrito será admissível da "decisão, despacho ou sentença que conceder, negar, arbitrar, cassar ou julgar inidônea fiança, indeferir requerimento de prisão preventiva ou revogá-la, conceder liberdade provisória ou relaxar a prisão em flagrante." Portanto, o texto legal não faz alusão ou referência alguma a decisão que indefere o pedido de liberdade provisória ou que não relaxa a prisão em flagrante, o que me leva a crer que ambas situações só podem ser atacadas através de habeas corpus, se comprovada a ilegalidade da custódia.

Por isso, sobre ser de caráter exaustivo a enumeração do art. 581 do Código de Processo Penal, prevendo hipóteses de recurso em sentido estrito, já que não se vê, em qualquer dos demais incisos que o compõem, disposição admitindo o recurso contra decisão nos moldes da ora atacada pelo recorrente, e sim no sentido contrário, conclui-se, sem maior esforço, não ser possível conhecer do pedido.

Acolho, pois, a preliminar. Por conseguinte, não conheço do recurso.

É como voto.

DECISÃO

Como consta da ata e das notas taquigráficas, a decisão foi a seguinte:

POR UNANIMIDADE, ACOLHERAM A PRELIMINAR ARGÜIDA PELA PROCURADORIA, E, VIA DE CONSEQÜÊNCIA, NÃO CONHECERAM DO RECURSO.

Cuiabá, 29 de maio de 1996.

Diríamos que, quanto à taxatividade e à classificação das decisões judiciais, o Diploma Processual Civil é, expressivamente, superior ao Penal. Em matérias civis, classificam-se as decisões mais tecnicamente em despachos, decisões interlocutórias e sentenças, sendo que as primeiras são irrecorríveis, as decisões agraváveis e as sentenças apeláveis. Tal não se dá na área criminal. Assim, temos sentenças recorríveis em sentido estrito (como a do habeas corpus), decisões que se chamam de sentença (como a de pronúncia) e decisões que têm força de sentença (como as interlocutórias que não admitem prova, desafiando apelação, diferentemente do processo civil, onde é cabível o agravo, tanto na forma retida como por meio de instrumento). Vejamos em processo penal os seguintes artigos:

Art. 593.

Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:

I

- das sentenças definitivas de condenação ou absolvição proferidas por juiz singular;

II

- das decisões definitivas, ou com força de definitivas, proferidas por juiz singular nos casos não previstos no Capítulo anterior;

III

- das decisões do Tribunal do Júri, quando:

(

...)

Art. 799. O escrivão, sob pena de multa de cinqüenta a quinhentos mil-réis e, na reincidência, suspensão até 30 (trinta) dias, executará dentro do prazo de 2 (dois) dias os atos determinados em lei ou ordenados pelo juiz.

Art. 800. Os juízes singulares darão seus despachos e decisões dentro dos prazos seguintes, quando outros não estiverem estabelecidos:

I - de 10 (dez) dias, se a decisão for definitiva, ou interlocutória mista;

II - de 5 (cinco) dias, se for interlocutória simples;

III - de 1 (um) dia, se se tratar de despacho de expediente.

Pela leitura de apenas dois artigos do Código de Processo Penal, um ligado à apelação e outro, aos prazos, temos a esdrúxula classificação: despachos, sentenças, decisões definitivas, decisões com força de definitiva, decisão interlocutória simples e decisão interlocutória mista, uma panacéia técnica onde não se pode precisar exatamente, se se tratam de decisões realmente diferentes ou se são sinônimas, de algum modo. O correto, nos parece, é seguir a esteira da doutrina capitaneado, nesse ponto, pela Profa. Ada Pellegrini Grinover que é julgar tenha querido comparar a decisão definitiva à sentença ou outra decisão (interlocutória mista) que não poderá ser mais apreciada e a decisão – mas, de qualquer forma, é decepcionante e lamentável a carência de técnica legislativa em processo penal.

Em processo civil, há o agravo retido nos autos, agravo de instrumento, agravo internos nos autos, donde há três sub-espécies: agravo contra indeferimento liminar dos embargos infringentes pelo relator, agravo contra o indeferimento, pelo relator, do agravo de instrumento tirado contra decisão que indefere Recurso Especial e Recurso Extraordinário, agravo contra decisão do relator que negar seguimento a recurso inadmissível, improcedente, prejudicado ou contrário à súmula do tribunal ou de tribunal superior.

Lembrando que o terceiro prejudicado não pode agravar de forma retida porque não teria como reiterá-lo nas razões ou contra-razões de apelação, já que não é parte na relação jurídica processual. Deve, outrossim, agravar necessariamente por instrumento, já que a sua exclusão não será reapreciada automaticamente. Aqui, não se trata de taxatividade, mas de lógica jurídica, manifestada no interesse-adequação.

Lembremo-nos que, da mesma forma, o recurso adesivo no Processo Civil não é, em si, mais uma forma de recurso, e sim forma alternativa de interposição daqueles já previstos pelo ordenamento, condicionado o seu conhecimento aos mesmos requisitos do recurso principal, desde que haja sucumbência recíproca e que seja conhecido o recurso interposto pela parte contrária. Assim, se "A" que sucumbiu em parte, não se rebelando contra a decisão, vê-se surpreendido com a apelação de "B", igualmente sucumbente, aquele pode também apelar adesivamente, para reclamar o seu prejuízo. Portanto, concluímos que a "adesão" é forma, verdadeira modalidade de interposição e não propriamente um novo recurso [3].

Apenas para refletir, neste ponto onde se discute a taxatividade, seria cabível recurso adesivo em processo penal? Tecendo elocubrações à respeito, num exercício saudável de abstração jurídica e instigação à criatividade, nos ensina Sérgio Demoro Hamilton:

Examinemos, então, os diversos ângulos que informariam o adesivo, em sede processual penal, tomando por base o tratamento que o mesmo recebeu no Código de Processo Civil, onde ele se encontra disciplinado nos arts. 500 a 503, fazendo-se, naturalmente, as necessárias adaptações:

a) – o recurso somente poderia ser interposto pelo réu, desde que também vencido (ou com interesse recursal). Dessa forma, só a defesa estaria dotada de legitimação para valer-se do adesivo;

b)– considera-se vencido, para os fins do recurso, o réu que sucumbiu ou que, pelo menos, guarda interesse na reforma da decisão (art. 577, § único, do Código de Processo Penal);

c) – o recurso adesivo ficaria subordinado ao recurso principal. Isto exige que o recurso subordinante tenha sido interposto e, quando da apresentação do adesivo, ainda subsista. Suponha-se, por exemplo, que a apelação subordinante não tenha sido admitida perante o juízo a quo por intempestiva. Imagine-se, ainda, que, em caso de exclusiva ação privada, o querelante venha, após, a desistir do apelo. No último caso, se o querelado houvesse manifestado o incidental, seguiria ele a sorte do principal, não dispondo o querelado de qualquer poder para fazer valer o seu recurso, que, nesse passo, não dispõe de luz própria;

d) – o subordinado será, sempre, interposto perante a autoridade judiciária competente para conhecer do recurso subordinante;

e) – como regra geral, o adesivo poderá ser interposto pelo réu, seu procurador ou defensor (art. 577, caput, do CPP);

f) – o prazo para a interposição do adesivo seria, de acordo com o processo civil, o mesmo que a parte dispõe para responder ao recurso principal. No processo penal, porém, impõem-se algumas adaptações. Explico-me melhor: sabe-se que o apelado dispõe de 08 dias para contrapor-se ao recurso, salvo em relação aos casos de contravenção onde a lei prevê 03 dias para aquela finalidade (art. 600, caput, do CPP). Ora, tal prazo excederia o do apelo principal (05 dias, caput, do art. 593 do CPP), salvo em relação à contravenção. Assim, se de um lado o recorrente-adesivo levaria vantagem, do outro veria seu prazo diminuído em relação ao recurso principal. O legislador poderia, dessa maneira, corrigir a distorção, fixando um único prazo, ao estabelecer que o adesivo, em qualquer caso, observaria o lapso temporal cogitado para o recurso principal (art. 593, do CPP).

Parece-me solução mais justa, técnica e eqüânime nivelar o prazo, igualando-o nos dois recursos: o principal e o adesivo. É interessante observar que o problema só se põe em relação à apelação, em face do descompasso verificado nos prazos indicados nos arts. 593 e 600 do CPP. É certo que, no processo penal, ao contrário do que ocorre no processo civil, o recurso apresenta-se bifásico, compreendendo o momento de interposição (art. 578 do CPP) e o da apresentação de razões (art. 600 do CPP). Vale o registro que, perante os Juizados Especiais Criminais, o apelo reveste caráter monofásico (art. 82 da Lei 9099, de 26.09.95), sendo de dez dias o prazo para o apelo e para a resposta (art. 82, §§ 1º e 2º da Lei 9.099, de 26.09.95). Aqui, não haveria o que alterar;

g) – o prazo em questão começaria a fluir da data em que a defesa recebesse os autos com vista para ofertar contra-razões. Como se trata de prazo processual, a regra dies a quo non computatur in termino ganharia plena incidência (art. 798 § 1º, do CPP);

h) – a forma de interposição obedeceria aos ditames do Código de Processo Penal (art. 578, do CPP), isto é, se faria por petição ou por termo, abrindo-se, após, nova vista para a oferenda de razões, quando em jogo recurso bifásico, pois, como já assinalado, no Juizado Especial Criminal, por exceção, o apelo apresenta forma monofásica, ou seja, não há uma fase distinta para a interposição e outra para razões; juntamente com a apelação são, desde logo, apresentadas as razões do recurso (art. 82, § 1º, da Lei nº 9.099, de 26.09.95). É, sem dúvida, a solução desejável do ponto de vista técnico para todas as hipóteses. No entanto, esta não é a regra geral no processo penal;

i) – quanto ao cabimento do adesivo, ele somente se daria em caso de apelação e por ocasião dos chamados recursos constitucionais, ou seja, o extraordinário e o especial. Ao contrário do que ocorre no processo civil, ele não encontraria admissibilidade nos embargos infringentes e de nulidade, uma vez que, no processo penal, aquele recurso é privativo da defesa (art. 609, parágrafo único, do CPP);

j) – o recurso contraposto, igualmente, não mereceria conhecimento no caso de ser declarado deserto o recurso subordinante ou o do próprio querelado. Soa evidente que a deserção somente poderia ocorrer, por ausência de preparo, nos casos de exclusiva ação privada (art. 806 e seus parágrafos, do CPP);

l) – no caso de apelação, se o réu fugir, depois de haver apelado, o recurso incidental será declarado, da mesma forma, deserto, desde que, evidentemente, no caso, surja como condição de admissibilidade do apelo o recolhimento do réu à prisão;

m) – quando o incidental for interposto pela Defensoria Pública, o prazo do recurso ganhará a contagem em dobro, por força do disposto na Lei nº 7.871, de 08.11.89;

n) – também no Tribunal, o adesivo seguirá a sorte do principal. Dessa maneira, caso o Tribunal não venha a conhecer do recurso principal (não importa a razão da inadmissibilidade), o subordinado, igualmente, não poderá merecer conhecimento, seguindo-lhe a sorte;

o) – quanto ao rito na superior instância, principal e adesivo seguem juntos, em procedimento uno, como se ocorresse a hipótese de dois recursos independentes, sendo ambos julgados na mesma sessão, ocasião em que, tal como o recorrente principal, será facultado ao recorrente adesivo fazer sustentação oral;

p) – suponha-se, para efeito de argumentação, que o adesivo não venha a ser conhecido no Juízo do primeiro grau de jurisdição por entender o juiz que o apelo interposto pelo querelado encontra-se deserto. Denegada a apelação, abrir-se-á para o réu a oportunidade de interpor recurso no sentido estrito contra aquela decisão (art. 581, XV, in fine, do CPP), tal como ocorreria caso ele houvesse interposto um recurso independente;

q) – na hipótese acima contemplada (nº 05, letra p), o recurso perderá objeto se, por qualquer motivo, o apelo principal não vier a ter seguimento, pois o adesivo a ele se subordina;

r) – interessante questão pode dar-se quando, no recurso adesivo, houver argüição de questão prévia que, se reconhecida, pode atingir o mérito do recurso principal. Nada melhor que o exemplo: no adesivo, o querelado sustenta a preliminar de extinção da punibilidade pela ocorrência da decadência (art. 38 do CPP c/c 107, IV, do CP). Se acolhida a preliminar, ficará prejudicado o recurso principal quanto ao julgamento de mérito. Aqui, como de fácil observação, há uma inversão na ordem normal de apreciação dos recursos, fazendo com que o subordinante (principal) fique prejudicado, quanto ao mérito, em razão do acolhimento da questão prévia suscitada no recurso subordinado (adesivo), que deve ser apreciada antes do julgamento de meritis do recurso principal;

s) – já ficou dito (nº 05, letra "n", supra) que o recurso contraposto segue a sorte do principal. Melhor dizendo: se este for julgado deserto ou, ainda, se o querelante desistir do recurso que interpôs, o adesivo, como recurso subordinado que é, não poderá merecer conhecimento. Porém, o inverso não se dá; nenhum reflexo terá, para o recurso independente, a desistência por parte do réu em relação ao recurso incidental que interpôs;

t) – para que o recurso possa ser considerado adesivo é preciso que ele não tenha sido interposto no prazo que o réu dispunha para recorrer. Ele se daria quando, sucumbindo o réu, ou havendo interesse para insurgir-se contra a decisão, não manifestasse recurso no prazo legal, mas se deparasse, após, com a interposição de recurso por parte do autor (Ministério Público ou querelante) ou do assistente (art. 598 do CPP). Somente em tal situação processual caberia ao réu "aderir" ao recurso principal;

u) – vislumbre-se a situação de vários réus, em que um ou apenas alguns deles tenham manifestado recurso adesivo. Os princípios gerais acima expostos terão, da mesma forma, integral aplicação, convindo notar que cada recorrente-adesivo guardará total independência em relação ao outro. Imagine-se, para exemplificar, que o réu A não tenha o seu adesivo conhecido por intempestivo. Tal fato não contamina o adesivo do réu B, até porque a subordinação do recurso contraposto dá-se, somente, em relação ao principal. No litisconsórcio passivo (caso de sucumbência paralela), repita-se, cada recurso adesivo terá sua própria fortuna, ficando, todos, quanto ao conhecimento, subordinados ao principal. Se este, por fás ou por nefas, não vier a ser conhecido, aí sim, todos os adesivos seguir-lhe-ão o caminho;

v) – e se o recurso principal vier a ser interposto pelo assistente do Ministério Público ou pelo ofendido não habilitado como tal, nas hipóteses contempladas no art. 598 do CPP e 80 do Código de Defesa do Consumidor, assim como consoante o enunciado constante da Súmula 210 do STF?

Da mesma forma, o réu, com maior razão, poderá "aderir" ao recurso principal e nem haveria razão para que se vedasse tal providência para o mesmo, tendo em conta que os objetivos do recurso do assistente não guardam, necessariamente, os ideais de justiça que movem o Ministério Público em suas manifestações processuais;

x) – cabe, agora, a seguinte ponderação: havendo recurso do assistente do Ministério Público (para aumentar a pena aplicada, por exemplo) e não manifestando o réu o adesivo, parece-me que o Parquet, ciente do fato, pode, se for o caso, como fiscal da lei, "aderir" ao recurso principal, buscando uma solução justa para a lide penal. Se ele pode apelar em favor do réu (rectius, buscando a correta aplicação da lei) por que não poderia ele "aderir" ao recurso do assistente, no objetivo maior da Instituição, que reside na efetivação de um processo justo?

z) – caso haja mais de um recurso adesivo, o recorrente poderá desistir do mesmo sem anuência dos litisconsortes, no caso de sucumbência paralela, já que em relação a eles guarda total independência, como já observado (nº 05, letra "u"). Sua subordinação, no que respeita ao conhecimento do recurso, dá-se, somente, em relação ao recurso independente. Assim, por conseqüência, se o querelante vier a desistir do apelo que interpôs, o adesivo que lhe seguia, não colherá conhecimento;

z-I) – quanto ao mérito, porém, o adesivo, como não poderia deixar de ser, mantém absoluta independência em relação ao recurso subordinante. Aliás, se assim não se desse, nem haveria razão de ser para a existência do adesivo. Melhor dizendo: suponha-se que o recurso principal, de meritis, venha a ser improvido; tal circunstância em nada impedirá o conhecimento e provimento do recurso subordinado. E vice-versa;

z-II) – no mais, aplicam-se as regras gerais de processo penal em matéria de conhecimento das chamadas questões absolutas ( (4)[6]), podendo o Tribunal, embora não conhecendo do recurso adesivo, conceder habeas corpus de ofício em prol do réu (art. 654 § 2º, do CPP), desde que vislumbre presente, v.g., uma nulidade absoluta;

z-III) – diga-se o mesmo quando houver a possibilidade de aplicação do disposto no art. 580 do Código de Processo Penal, por extensão subjetiva dos efeitos benéficos do recurso contraposto;

z-IV) – É certo que as questões ventiladas linhas acima (nº 05, z-II e z-III) poderiam ser apreciadas, de ofício, pelo Tribunal, por força do princípio do favor rei, mesmo sem que houvesse recurso adesivo. Porém, uma vez não tratadas no recurso principal, é de bom aviso o adesivo para provocar a manifestação e o prequestionamento por parte do Tribunal sobre a matéria que, sem o recurso incidental, poderia passar despercebida, acarretando desnecessário gravame para o réu.

O ordenamento, entretanto, ainda que siga o critério da taxatividade, permite alguns desvios em legislações extravagantes, literalmente extravagantes: existem alguns recursos não previstos que são, no mínimo, verdadeiros malabarismos, tais como: a) embargos infringentes [5] da sentença do juiz de primeiro grau que julgar a execução fiscal de valor igual ou inferior a 50 OTNs! b) agravo inominado da decisão que suspende a execução da medida liminar concedida em mandado de segurança e em ação civil pública, a pedido de entidade de direito público; c) recurso inominado contra sentenças proferidas nos juizados especiais cíveis [6].

Existem, também, remédios que não podem ser confundidos com recursos, sendo chamados de sucedâneos de recursos, tais como: a) pedido de reconsideração (que não suspende, nem interrompe o prazo para interposição de outros recursos); b) a correição parcial; c) a remessa obrigatória ou reexame necessário; d) a argüição de relevância no recurso extraordinário; e) ação rescisória; f) embargos de terceiro; g) medida cautelar inominada; h) os agravos regimentais; i) o habeas corpus; j) mandado de segurança contra ato judicial.

São corretamente chamados de sucedâneos recursais o habeas corpus e o mandado de segurança, por exemplo, porque podem produzir os mesmos efeitos de recursos, como a cassação da decisão ou a suspensão de um efeito particular. Ocorre que, assim mesmo, não podem jamais ser confundidos com recurso propriamente ditos, vez que não se verifica a continuidade do direito da ação, os mesmos requisitos que são exigidos. Um mandado ou habeas corpus pode ser interpostos com ou sem ação penal formalizada, ou ainda depois do trânsito em julgado da decisão questionada, contrariando um dos mais elementares efeitos recursais que caracterizam o recurso que é o obstáculo ao trânsito em julgado da decisão recorrida.

Sobre a "remessa obrigatória", uma colocação pertinente: mesmo havendo semelhanças entre esta e a apelação, ainda sim não poderá ser classificada como recurso, e sim como verdadeira condição de eficácia da sentença, na lição de Barbosa Moreira. A sentença só se torna plena e segura, formal e materialmente, se for reexaminada por instância superior, não propriamente como recurso que é facultativo, como sabemos, e requer o conceito de sucumbência, mas como condição processual para a sua perfeição.

O legislador, considerando a relevância dos temas jurídicos tratados no processo, impôs ao magistrado que remetesse sua decisão (sentença) a uma instância superior para que seja novamente apreciada a causa, a fim de gerar salvaguardas ao bem protegido pelo mesmo legislador. Não transita em julgado a sentença, enquanto esta não sofrer o crivo do reexame que, nem mesmo ousamos chamar de duplo grau de jurisdição. Convém informar que, nesses casos, a devolutividade da decisão é plena, não sofrendo nenhuma limitação.

Vista a distinção, uma pergunta: se os embargos infringentes são cabíveis apenas de apelações e de ação rescisória, no cível, e de apelação e recurso em sentido estrito, no criminal, serão admitidos também de remessa obrigatória? Sim, pela devolutividade plena, cabíveis também de mandando de segurança e pela aplicação subsidiária do CPC, dada pela própria lei do mandado. Da mesma forma, deve-se apreciar agravos retidos nas ações mencionadas. Veja que, em tese, os embargos somente seriam cabíveis nos dois casos citados em processo civil e penal: mas é claro que, mesmo não havendo recurso, deverá ser oportunizado ao interessado os embargos infringentes.

Em matéria criminal, é polêmica a questão acerca do cabimento de embargos infringentes em Tribunais Estaduais e Federais, fora dos casos de julgamentos oriundos de apelação e recurso em sentido estrito. Isto porque a topologia de tais embargos está ligada ao processamento de recurso de apelação e recurso em sentido estrito, o que leva à interpretação de que, em nome da taxatividade, não se admite a infringência de decisões em habeas corpus ou ainda revisões criminais. Vejamos o entendimento do Supremo Tribunal Federal:

Habeas Corpus nº 71.950 — RJ

(Primeira Turma)

Relator: O Sr. Ministro Ilmar Galvão

Paciente: Astor Cardoso Pontes de Miranda

Impetrante: Wilson Mirza

Coator: Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

Embargos infringentes e de nulidade em ação penal originária.

Tratando-se de recurso não previsto em lei para a hipótese em tela, não pode ser tida como ilegal a decisão que, por esse motivo, dele não conheceu.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, indeferir o pedido de habeas corpus.

Brasília, 20 de junho de 1995 — Moreira Alves, Presidente — Ilmar Galvão, Relator.

Relatório

O Sr. Ministro Ilmar Galvão (Relator): O advogado Wilson Mirza impetrou habeas corpus em favor de Astor Cardoso Pontes de Miranda no qual se alega coação ilegal por haver o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro rejeitado embargos infringentes e de nulidade interpostos contra decisão condenatória proferida em ação penal originária do Tribunal de Justiça.

Busca o impetrante a concessão da ordem para que sejam os embargos infringentes e de nulidade conhecidos e julgados. As informações, prestadas pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, esclareceram que os referidos embargos não foram conhecidos sob o fundamento de só serem cabíveis estes em face de divergência em julgamento de apelação ou de recurso em sentido estrito, na forma do art. 609, parágrafo único, do Código de Processo Penal, e porque, ademais, não foi satisfeita a exigência do art. 333, I, do RISTF quanto ao número de votos divergentes, não sendo possível, portanto, uma eventual aplicação analógica deste ao caso.

A douta Procuradoria-Geral da República opinou pela denegação da ordem.

É o relatório.

Voto

O Sr. Ministro Ilmar Galvão (Relator): No julgamento do HC 71.951, no qual se apreciava habeas corpus impetrado em favor de co-réu do paciente, sob idêntico fundamento do presente, tive a oportunidade de deixar consignado o seguinte:

"O ilustrado parecer da douta Procuradoria-Geral da República, de lavra do seu ilustre representante, o Dr. Mardem Costa Pinto, assim apreciou o cerne da controvérsia (fl. 81):

"O presente habeas corpus deve ser conhecido mas, no mérito, denegada a ordem.

É que a egrégia Primeira Turma, em decisão unânime, firmou entendimento no sentido de que não cabe embargos infringentes contra decisão não unânime prolatada nos processos de competência originária dos tribunais, exceto no STF, como se vê da ementa a seguir transcrita:

"Ementa: Habeas corpus. Embargos infringentes criminais: descabimento da decisão condenatória não unânime, nos processos de competência originária dos Tribunais, salvo no Supremo Tribunal Federal: inexistência, no ordenamento brasileiro, da garantia do duplo grau de jurisdição, à qual, de resto, não satisfaria a admissão de embargos infringentes, que não são recurso ordinário: conseqüente legitimação da imediata prisão do condenado, independentemente de sua necessidade cautelar e não obstante o cabimento em tese de recursos extraordinários, sem efeito suspensivo (ressalva no ponto do relator). (HC nº 71.124 — RJ — Rel. Sepúlveda Pertence — DJ 23.9.94 — pág. 25314)".

Pelo exposto, e na linha da decisão acima citada, opinamos pelo conhecimento e denegação da ordem."

Trata-se de pronunciamento que deu exata interpretação aos fatos da causa, à luz do precedente jurisprudencial do STF, o qual, aliás, foi traçado sobre jurisprudência que já se achava assente na Corte, como mostra o RHC 53.947, relator Ministro Thompson Flores, in verbis:

"Ementa: Recurso de habeas corpus. Crime do art. 168 do Código Penal. Condenação. Habeas corpus visando à nulidade do processo por falta de corpo de delito.

Se o writ foi decidido em instância única, e originária, ainda que denegado por maioria, descabe a oposição de embargos infringentes, os quais, na forma do art. 609, parágrafo único, do Código de Processo Penal pressupõem julgamento em segundo grau.

Dispensabilidade do auto de corpo de delito nos crimes de apropriação, o qual, de resto, se teria verificado através de duas perícias. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

Preliminar de não conhecimento rejeitada. Recurso não provido."

O texto do art. 609, parágrafo único, do Código de Processo Penal, com efeito, restringe os embargos infringentes de nulidade às decisões de segunda instância, inexistindo razão para que sua utilização seja ampliada a hipóteses outras não contempladas pelo legislador, sob pena de subversão dos princípios que regem o sistema de recursos entre nós.

Anote-se que o HC 71.089 invocado na inicial — em que o eminente Ministro Sepúlveda Pertence, no exercício eventual da Presidência, em 12 de janeiro de 1994, sustou por meio de liminar, a expedição de mandado de prisão, ao fundamento da plausibilidade da tese do cabimento de embargos de divergência, em hipótese análoga à presente — acabou deferido pela eg. Segunda Turma, na assentada do dia 22.3.94, mas por fundamento diverso.

Ante o exposto, meu voto é pelo indeferimento do habeas corpus."

Adotando os mesmos fundamentos, indefiro o habeas corpus.

Extrato da ata

HC 71.950 — RJ — Rel.: Min. Ilmar Galvão, Pacte: Astor Cardoso Pontes de Miranda, Impte.: Wilson Mirza. Coator: Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime.

Presidência do Senhor Ministro Moreira Alves. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Sydney Sanches, Octavio Gallotti, Celso de Mello e Ilmar Galvão. Subprocurador-Geral da República, Dr. Miguel Frauzino Pereira.

Brasília, 20 de junho de 1995 — Ricardo Dias Duarte, Secretário.

Também não são recursos o incidente de uniformização e o incidente de inconstitucionalidade. Faltam ao incidente de uniformização [7] de jurisprudência a voluntariedade, a tipicidade, o efeito devolutivo e, sobretudo, a finalidade recursal. Pode ser requerida pelo próprio juiz, pela parte ou pelo órgão ministerial, sendo quebrado o princípio da voluntariedade. Não de forma diversa, deve-se entender o incidente de inconstitucionalidade, onde a competência para julgar essa questão prejudicial é do Pleno do Tribunal, enquanto perdura a competência da Câmara para processar e julgar o recurso interposto.

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Sobre o autor
Eduardo Mahon

advogado criminalista em Mato Grosso, professor de Direito Penal e Processual Penal na Universidade de Cuiabá (UNIC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAHON, Eduardo. Princípios recursais de processo civil e penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 177, 30 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4561. Acesso em: 28 mar. 2024.

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