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O Direito e a sociedade como moduladores da política pública de resíduos sólidos no Brasil

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Agenda 12/01/2016 às 16:52

A novel lei nº 12305/2010 trouxe a exigibilidade de determinada conduta da autoridade sem, contudo, considerar qualquer hipótese de cumprimento do comando e sua execução. Sob esta ótica, será desenvolvida a linha de pesquisa da política pública em comento

RESUMO

É certo que a novel lei nº 12.305/2010, a qual instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, trouxe a exigibilidade de determinada conduta da autoridade sem, contudo, considerar qualquer hipótese de cumprimento do comando e sua execução, quiçá o descumprimento do comando e a sua não execução. Nesse sentido, o resultado do comportamento social pode, a propósito, representar a perda da autoridade normativa porquanto não é ou foi referendada pelos anseios sociais. A rigor, a escolha legislativa e o seu momento, em que pese tardios, não observaram a cultura da sociedade civil e a falta de educação básica e preliminar necessárias para os esclarecimentos. Optar por um comportamento proativo da população, sem dar a importância adequada para os hábitos da sociedade, incutindo um dever moral e social maior do que a carga que se pode suportar representa uma escolha inadequada, ao primeiro momento, pois pretendeu o legislador utilizar o direito como forma de legitimar a política pública mais compatível com o meio ambiente. Não que esteja totalmente errada a escolha do legislador em romper com a cultura do lixo, mas, ao contrário, não poderia utilizar o direito como instrumento semântico e metodológico para desenhar, empiricamente, a política pública de rompimento com o antigo. Sem a pretensão de esgotar as questões controvertidas a serem abordadas no presente artigo científico, proponho alinhar um método capaz de dar explicações ou de oferecer prognósticos a estas situações as quais impulsionam o direito como modelador jurídico de uma nova política pública. Além desse viés, está a pretensão de observar e compreender como o direito e a própria sociedade podem ser utilizados como moduladores das políticas públicas, em especial, no que toca à política nacional de resíduos sólidos. A propósito, tema que se destaca haja vista a cultura nacional do lixo, da falta de reutilização, da falta de reciclagem ou da falta de política de logística reserva que, por sua vez, acaba por comprometer o próprio desenvolvimento nacional. Há de se imaginar, outrossim, as conseqüências do estado de exceção, descrito por Carl Schmitt, quando o descumprimento da norma pode caracterizar situação de ilegalidade, por afrontar ao seu conteúdo ou simplesmente extralegalidade quando o padrão do descumprimento é de tal ordem generalizado e reiterado que se está diante da inexistência ou negação de autoridade. São essas conseqüências que preocupam o autor quando se busca explorar as interações que existem entre o direito, a sociedade e as políticas públicas. Nessa ordem, a perspectiva incorporada é, destarte, funcional, já que se busca esclarecer e indagar as funções desempenhadas pelo direito. Por fim, outro ponto de coalizão é a própria sociedade vista como tal na função de legitimar as políticas públicas decorrentes de um conjunto, algumas vezes, harmônicos de normas, processos e arranjos institucionais balizadores do próprio direito discutido e central de tais políticas. É este contexto que faz do direito, em especial, do desenho normativo político-institucional brasileiro um conjunto de regras, princípios e normas capazes de balizar e estruturar os anseios da sociedade em implantar políticas públicas capazes de pôr em “xeque” o próprio sistema instituidor. 

Palavras-Chave:

Política Pública. Resíduos Sólidos. Política Nacional. Direito e Instrumento.

Abstract

Admittedly, the new law nº 12.305/2010, which created the National Solid Waste Policy, brought the enforceability of certain conduct without authority, however, consider any hypothesis fulfillment of the command and its execution, perhaps the failure of the command and its not running. In this sense, the result of social behavior can, by the way, represent the loss of normative authority for it is not or was refereed by social expectations. Strictly speaking,  the legislative choice and your moment, despite late , did not observe the culture of civil society and the lack of basic and primary education necessary for clarification. Opt for a proactive behavior of the population, without giving adequate for the habits of society at large, instilling a moral duty and social burden greater than it can bear is an inappropriate choice, the first time because the legislature intended to use the right as a way to legitimize public policy more compatible with the environment. Not that I'm totally wrong choice of the legislature to break the culture of waste, but rather, could not use the law as semantic and methodological tool to draw empirically, public policy break with the old. Without pretending to exhaust the disputed issues to be addressed in this research paper, I propose a method to align to explain or offer tips to those situations which drive the law as legal modeler a new public policy. Beyond this bias, the claim is to observe and understand how the law and society itself can be used as modulators of public policies, especially in regards to national solid waste policy. Incidentally, an issue that stands out considering the national culture of waste, lack of reuse, recycling, or lack of lack of logistics policy reserve which, in turn, ends up undermining the very national development. It must be, instead, imagine the consequences of the state of exception, described by Carl Schmitt, when the breach of the standard may characterize the situation of illegality, by tackling its contents or simply extralegality when the pattern of failure is so widespread and repeated order that is before the absence or denial of authority. These consequences are of concern to the author when it seeks to explore the interactions that exist between law, society and public policy. In that order, the perspective is incorporated, thus, functional, since it seeks to clarify and investigate the functions performed by law. Finally, another point of coalition is society itself seen as such in the function of legitimizing public policies arising from a series, sometimes harmonic standards, processes and institutional arrangements discussed hallmarks central and right to own such policies. It is this context that makes the law, in particular the Brazilian political - institutional normative design a set of watering, principles and standards that delimit and structure the expectations of society in implementing public policies to put in "check" the settler system itself.

Key-words:

Public Policy. Solid Waste. National Policy. Law and Instrument.

1.         Política Pública como papel de start do bem-estar da sociedade

            Na parte central da vida em sociedade, a política pública age como um dos fatores principais para contribuir para o bem-estar da sociedade. Nesse ritmo, a agilidade e o alcance dos seus resultados para com a sociedade implicam à urgência de boas políticas a fim de garantir esta qualidade de vida.    

            A rigor, Eduardo Marques traça as primeiras considerações sobre o tema política pública e sua relação com a ciência política de forma muito bem apropriada. Assim descreve o autor que:

“... as primeiras análises de políticas apresentam uma superposição de preocupações operacionais e normativas com outras de natureza analítica (Minogue, 1983). No campo da administração pública desenvolveram-se estudos mais centrados em preocupações operacionais e propositivas, tendo por objeto sugerir caminhos para melhorar o funcionamento das políticas e do Estado. O viés analítico, diferentemente, marca de forma mais clara os limites da Ciência Política, dedicada a compreender e analisar as políticas e o Estado. Além disso, quando questões operacionais estão no centro das preocupações, de uma forma geral, os problemas enfrentados pelas políticas são pensados como processos eminentemente técnicos a serem resolvidos tecnicamente, enquanto um olhar analítico tende a considerar os mesmos processos como complexos, plenos de conflitos e gerados por vários centros de dinâmicas...”.[2]

            A propósito, incumbe, por outro lado, ao governo local dispor de recursos financeiros e boas idéias para fazerem frente à necessidade, além de apoiar à sociedade para que ela satisfaça suas utilidades e se projetem contra eventuais riscos em tempos de adversidade.

            É, por isso, que a boa política pública é a premissa inicial para melhorar a vida das pessoas promovendo o crescimento e equalizando as despesas de modo a atender àquelas demandas mais urgentes sob o ponto de vista da indispensabilidade.

            Não obstante este ideal, não é preciso ir longe demais para encontrar exemplos de problemas políticos causados pela existência de processos políticos frágeis de implantação de uma nova modelagem de política pública institucional.

            A rigor, durante crises, como ocorreu com a crise financeira de 2008, o Brasil, por razões políticas, continuou a oferecer subsídios que mal podiam custear e que era contraproducente em termos de melhoria das condições e padrões de vida em geral.

            Nesta época de “vaca magra”, o governo local, como forma de garantir o apóio popular, acima de tudo, inclusive para fins exclusivamente de reduto eleitoral, continuou a promover o assistencialismo financeiro sem, por outro lado incentivar a produção e o desenvolvimento dos locais afetados.

Em contrapartida a tudo isso, é preciso destacar que a produção de política pública é impulsionada por crises em que as políticas de mercado têm de agir como salvadora universal resolvendo conflitos, enquanto, na verdade, antes de iniciada a crise, deveria ter se preocupado com políticas que objetivassem prevenir tal crise.

Nesse sentido, vê-se hoje que a política pública brasileira acaba sendo formulada para garantir o apoio de grupos politicamente poderosos em desfavor dos próprios interesses da sociedade, ainda que a longo prazo. Essa divergência de alinhamento, entre os órgãos de poder, seja da direita ou da esquerda acerca dos interesses da nação, acaba por resultar em agendas incompatíveis e contraditórias impedindo, por certo, a continuidade de boas práticas.

Dessa forma, pensar em política pública é pensar em longo prazo; deixar as divergências de diferentes níveis de governo ou da oposição de fora e focar no objetivo comum que é nada mais, nada menos, do que promover o bem-estar da sociedade civil.

E, por final, entende-se por política pública à necessidade de identificar os atores cercados por restrições que tentam compatibilizar objetivos políticos com os meios políticos em um processo que pode ser caracterizado como resolução aplicada de problemas. Identificar os problemas e aplicar, por mais imperfeitas que sejam as soluções encontradas envolvem a articulação de objetivos políticos por meio de deliberações e discursos, além do uso de instrumentos políticos na tentativa de atingir estes objetivos.

A rigor, este processo de compatibilização de objetivos e meios tem duas dimensões: uma técnica e outra política[3].  

É por isso que Michael Howlett, M. Ramesh e Anthony Perl[4] definem a política pública como “... um processo técnico-político que visa definir e compatibilizar objetivos e meios entre atores sociais sujeitos a restrições ...”.“... são ações intencionais de governo que contém tanto alguns ou alguns objetivos articulados, por mais que esses objetivos tenham sido precariamente identificados, justificados e formulados, quanto alguns meios para alcançá-los, de novo, independentemente de quão bem ou mal interligados estejam esses meios aos objetivos”.

            Por fim, Willian I. Jenkins[5] define política pública como “um conjunto de decisões inter-relacionadas, tomadas por um ator ou grupo de atores políticos, e que dizem respeito à seleção de objetivos e dos meios necessários para alcançá-los, dentro de uma situação específica em que o alvo dessas decisões estaria, em princípio, ao alcance desses atores”.

            A propósito, esta é uma definição muito importante e útil para o direito na medida em que esclarece que o conteúdo de uma política compreende a seleção de objetivos e de meios balizados pelo próprio direito que se pretende dimensionar. Ademais, é impulsionada por demandas sociais as quais necessitam de respostas a curto ou a longo prazo, a depender da situação concreta, já reguladas, de maneira geral, pelo próprio direito.

            Finalmente, Neil Komesar adverte que o ponto de destaque na dimensão finalística é importante, mas escasso para entender o papel do direito nas políticas públicas. Apresentado de outro modo haveria, segundo o jurista, um vazio no raciocínio no qual dado resultado de política pública deriva, automaticamente, da definição de certo objetivo social. Isso porque a escolha de objetivos e o que define como “escolha institucional” são, ambas, essenciais para o direito das políticas públicas e estão intrinsecamente relacionadas (Komesar 1994, 5)[6].

Compreender o direito como instrumento da dimensão institucional de políticas públicas é acreditar que as normas jurídicas estruturam seu funcionamento, regulam seus procedimentos e se responsabilizam de permitir a articulação entre atores direta e indiretamente ligados a estas políticas. Qualidades do arcabouço institucional de políticas públicas, como sua etapa de descentralização, autonomia e coordenação inter-setorial e os tipos de relações públicas e público-privadas que resultam, bem como sua interação com outros programas[7], de alguma maneira dependem, em resumo, da consistência do desenho jurídico que as alinha. O direito observado como parte de um arranjo institucional, ao dividir responsabilidades, pode, verbi gratia, contribuir para evitar sobreposições[8], lacunas[9] ou rivalidades e disputas[10] em políticas públicas.

Dessa forma, o direito pode ser observado como uma espécie de roteiro de responsabilidades e deveres nas políticas públicas[11].

2.         O direito positivo e a modulação da política pública brasileira

           

            A era da globalização econômica em que o fluxo do comércio ultramares se expandiu de forma a albergar todos os cantos do planeta implicou um pesar sobre a importância do direito na clássica relação entre direito e evolução social.

            Com a crise do Estado intervencionista, em 1970, em que houve o comprometimento da capacidade diretiva do direito, instrumento politicamente adequado para implantar as políticas públicas de Estado, causou fortes distorções no plano econômico, além de uma crise de racionalidade no direito concreto[12]

            Nesse rumo, o Estado de bem-estar, por décadas, evoluiu em um processo de intervenção para se obter o máximo de desenvolvimento econômico protegendo a empresa nacional brasileira e distribuindo a renda por meio de políticas públicas universais. Não obstante tais práticas, em meados de 1990, houve uma forte tendência concretizada, diga de passagem, de redução do financiamento dos projetos sociais os quais levaram a comprometer os direitos sociais e o próprio papel a da Constituição Federal. Entretanto, tais cortes, na época, foram necessários haja vista à perspectiva de redução do Estado intervencionista devido à crise econômica. Essa crise, por sua vez, motivou o início do processo de substituição das políticas públicas universais pelas políticas públicas seletivas especialmente aquelas relacionadas ao combate à pobreza.

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            Diante da velocidade das transformações sofridas pelo Estado brasileiro, com mudança abrupta de comportamento de política pública – universal para a seletiva – o direito positivo atuou como controlador dos riscos de natureza financeira, ambiental e social. Nele foi que se buscou fundamentar as escolhas trágicas da Administração Pública na utilização do orçamento optando o governo por uma ou outra política institucional de desenvolvimento.

A rigor, ao formalizar uma decisão política ou técnica sob a forma de um programa de ação governamental, o direito traz traços imperativos (aqueles dos quais os destinatários não podem se insurgirem), diferenciando-o de uma mera intenção, recomendação ou proposta de ação cuja adoção seja facultativa.

O direito dá à política pública seu caráter oficial, revestindo-a de formalidade e cristalizando objetivos que traduzem disputas de interesses por meio de uma solenidade que lhe é característica. E ao serem juridicamente moldadas, as políticas públicas passam, de início ou após, pelos controles de constitucionalidade e de legalidade, que definem como válidas ou não em relação ao conjunto normativo mais amplo, no caso, a Constituição Federal.

            Não obstante essa cristalização normativa política, houve, por outro lado, o obscurecimento das diferenças ideológicas de modo que os imperativos constitucionais de realização dos valores, o controle de constitucionalidade e a liberação do legislador desfizeram-se perante o fato de que não era mais possível evitar a erosão do princípio da legalidade e o surgimento de novas instâncias normativas intralegais e extralegais[13].       

            Nesse contexto caótico em que o direito positivo[14] era utilizado como fator de escolha das políticas públicas se desenvolveu a idéia de que o direito, por si só, não poderia mais dar conta da complexidade social e do pluralismo inerente às sociedades contemporâneas afetando diretamente o papel da Constituição na ordem social.

            Houve necessidade de romper com a modulação única do direito na escola das políticas de estado para ouvir os segmentos da sociedade e direcionar as políticas públicas de acordo com os interesses de toda a sociedade civil. Legitimou, portanto, a participação popular no comando das políticas locais as quais afetariam diretamente os cidadãos.

Por outro lado, criou-se a consciência de que optar por um comportamento proativo da população, sem dar a importância adequada para os hábitos da sociedade, incutindo um dever moral e social maior do que a carga que se pode suportar representaria uma escolha inadequada, ao primeiro momento, pois o legislador não poderia utilizar o direito, tão-somente, como forma de legitimar a política pública mais compatível com o fim a qual almejava.

            Essa foi à grande crise do direito positivo brasileiro no final do século XIX e século XX, ou seja, conjugar os limites normativos com o anseio da sociedade civil na preservação das suas conquistas sociais.

            Diga-se, de passagem, que nesta época, o modelo de sociedade civil brasileira se mostrava apto para o entendimento das prospecções e recuos da redemocratização brasileira, sobretudo na busca de conciliação entre a complexidade e a participação política. Ademais, as forças positivas entre instituições e sociedade organizada provocavam melhores resultados na efetivação dos direitos sociais, tornando as políticas públicas mais eficientes e translúcidas no mesmo instante em que fazem o poder publico mais sensível às informações que brotam de um cenário complexo e heterogêneo.

            É importante que se diga que houve o despertar para o balizamento de o direito como instituição modeladora da novel política pública brasileira, em especial, nas escolhas trágicas e alternativas expostas ao Administrador local. A contribuição do direito, como papel motivador para legitimar estas escolhas, funcionou muito bem para impedir a supressão daquelas ditas como fundamentais à dignidade da pessoa humana.

Outra contribuição importante no balizamento normativo para definição das políticas pública foi o papel ativista do Supremo Tribunal Federal. Sob este ponto, o Supremo Tribunal Federal passou a atuar de forma mais presente nos casos expostos ao seu julgamento. Passou a considerar determinadas interferências judiciais como válidas a fim de garantir a implementação de certos direitos antes relegados apenas ao texto abstrato da norma constitucional.

Por outro lado, na medida em que assegurou a implementação destes direitos, como verdadeiros substitutos à política pública governamental seletiva, assegurou a universalidade, cita, a propósito, a questão de fornecimentos de medicamentos ao usuário do sistema SUS (sistema único de saúde).

            Portanto, o direito positivo, por si só, deixou de ser o único balizador da política institucionalizada, passando a integrar as escolhas do Estado, os anseios, ou seja, a vontade da sociedade civil, colhida nas audiências públicas, bem como as próprias decisões judiciais as quais delimitaram o campo de atuação do gestor administrativo.

3.         Política Nacional de Resíduos Sólidos

            A lei nº 12.305 de 2 de agosto de 2010 instituiu a política nacional de resíduos sólidos na Federação brasileira atendendo aos anseios da comunidade internacional para um país ter um conjunto de regras e princípios claros e bem definidos acerca das diretrizes relativas à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, incluídos os perigosos, às responsabilidades dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis.  

O que se pretende com a legislação é alcançar a mudança de mentalidade da sociedade brasileira e do próprio poder público para com o tratamento do lixo.

A política pública em questão, ao descrever as suas etapas normativas, tratou bem em delimitar o seu quadro de referência disciplinando, em seus artigos, o direito em questão, a gestão governamental, os agentes governamentais e não governamentais envolvidos, o público alvo, a implantação estratégica, o funcionamento do programa segundo desenho normativo e o funcionamento efetivo do programa.

Sob o quadro de referência, destaca-se, entre os tópicos citados, que o poder público, ao editar a legislação nacional, se preocupou em garantir o direito à saúde pública, com a participação dos entes federativos, de forma direta, como a participação dos diversos setores da sociedade devidamente organizados – indústria, agricultura e pecuária, saúde, construção civil, catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis e outros além de grande mobilização e controle social. Ademais, foi ousado em prever o processo de elaboração, implementação, monitoramento da implementação e revisão do Plano Nacional de Resíduos Sólidos que se dará num ambiente de forte interlocução entre os entes federados – União, Estados e Municípios, com participação dos diversos setores da sociedade devidamente organizados.

Trouxe a incorporação do sistema normativo vigente, o Decreto 7.404/2010 que estabeleceu a obrigatoriedade de elaboração de uma versão preliminar do plano a ser colocada em discussão com a sociedade civil. Este processo de elaboração do Plano Nacional de Resíduos Sólidos deve contar com ampla discussão em 05 (cinco) audiências públicas regionais, em 01 (uma) audiência pública nacional. Simultaneamente às audiências públicas ocorrerá o processo de consulta pública pela internet por um período mínimo de 60 (sessenta) dias.

Trata-se, portanto, de um exaustivo processo de mobilização e participação social. A Versão Preliminar do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, que será objeto de discussão nas audiências públicas regionais e na consulta pública, compreende o diagnóstico da situação atual dos resíduos sólidos, cenários, metas, diretrizes e estratégias para o cumprimento das metas. Posteriormente, após as contribuições advindas do processo de participação social, o documento será apreciado nos Conselhos Nacionais de Meio Ambiente, das Cidades, de Recursos Hídricos, de Saúde e de Política Agrícola.

O propósito das audiências e consulta pública é o de colher sugestões e contribuições, tanto de setores especializados (prestadores privados de serviços, academia, empresas privadas que atuam na área), setor público e da sociedade em geral, sobre as diretrizes, estratégias e metas apresentadas, como também identificação de propostas de programas que irão orientar a política de resíduos sólidos no país.

O Diagnóstico que integra a primeira versão do Plano Nacional de Resíduos Sólidos baseou-se em dados secundários, preferencialmente obtidos de fontes oficiais de âmbito nacional. Esta conduta sinalizou para a necessidade de obtenção de um número maior de informações, dados que apresentem maior confiabilidade, pesquisas a serem produzidas em intervalos menores de tempo (ou seja com maior freqüência) além de estudos adicionais específicos ou setoriais. Portanto resulta de uma estratégia a ser adotada doravante de forma a permitir uma maior precisão no estabelecimento de metas e na convergência das políticas públicas setoriais vinculadas à questão dos resíduos sólidos, tais como política industrial, agroindustrial, agrícola, de mineração, de resíduos da construção civil, de saúde, na área de portos, aeroportos e passagens de fronteira, alem dos resíduos sólidos urbanos.

A título de exemplo, o panorama brasileiro na área é constrangedor. Metade do lixo domiciliar total, que é orgânico, poderia ser transformada em fertilizantes (para canteiros, jardins, parques, replantio de encostas, etc.), mas é sepultada e apressa o fim dos aterros, assim como centenas de milhares de toneladas anuais de resíduos agroindustriais (aproveitáveis para gerar energia).

Uma idéia grande do desperdício é o recém-fechado Aterro de Gramacho (RJ), onde, ao longo de 34 anos, se formou uma montanha de 70 metros de altura e 1.300 quilômetros quadrados de resíduos, sem coleta de chorume e metano (l8 mil metros cúbicos por hora). Neste caso, se houvesse a coleta adequada, para se ter uma idéia, serviria para abastecer a cidade do Rio de Janeiro e, ainda, mais quatro municípios.

Com tantos desperdícios as despesas municipais com o lixo continuam numa parábola crescente.

Outro exemplo está à cidade de São Paulo a qual já de monta a casa de 18 mil toneladas diárias, em produção de lixo. Em limpeza urbana se gasta R$ 437 milhões anuais para pagar as cinco empresas responsáveis pela retirada dos resíduos sólidos das ruas[15].

Ainda assim, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o lixo corre nas ruas onde estão as casas de 4% dos paulistanos, perto de 500 mil pessoas[16]; além do que 400 toneladas diárias de lixo vêm sendo despejada na Represa Billings[17].

Na velha tradição do governo paulista, quanto à questão dos resíduos sólidos, foi orçado à implementação de um novo aterro sanitário para a cidade pelas empresas de limpeza em mais de R$ 500 milhões, isto para receber, tão apenas, 2 mil toneladas diárias.

Na contramão desta cultura do lixo em que a sociedade brasileira e seus governos locais se mostram imiscuídas, veio à recente Rio+20 em que reconheceu, com todas as letras possíveis, um dos componentes da insustentabilidade do consumo global.

Neste contexto, depreende-se que a política pública do plano nacional de resíduos sólidos, conforme previsto na Lei 12.305/2010, por essência e claro, tem vigência por prazo indeterminado, pois necessita de longa aplicação para que possa surtir o efeito esperado; entretanto para não engessar o campo das idéias, a cada 04 (quatro) anos poderá ser atualizado; atualização esta que necessariamente contemplará o conteúdo mínimo: I - diagnóstico da situação atual dos resíduos sólidos; II - proposição de cenários, incluindo tendências internacionais e macroeconômicas; III - metas de redução, reutilização, reciclagem, entre outras, com vistas a reduzir a quantidade de resíduos e rejeitos encaminhados para disposição final ambientalmente adequada; IV - metas para o aproveitamento energético dos gases gerados nas unidades de disposição final de resíduos sólidos; V - metas para a eliminação e recuperação de lixões, associadas à inclusão social e à emancipação econômica de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis; VI - programas, projetos e ações para o atendimento das metas previstas; VII - normas e condicionantes técnicas para o acesso a recursos da União, para a obtenção de seu aval ou para o acesso a recursos administrados, direta ou indiretamente, por entidade federal, quando destinados a ações e programas de interesse dos resíduos sólidos; VIII - medidas para incentivar e viabilizar a gestão regionalizada dos resíduos sólidos; IX - diretrizes para o planejamento e demais atividades de gestão de resíduos sólidos das regiões integradas de desenvolvimento instituídas por lei complementar, bem como para as áreas de especial interesse turístico; X - normas e diretrizes para a disposição final de rejeitos e, quando couber, de resíduos; XI - meios a serem utilizados para o controle e a fiscalização, no âmbito nacional, de sua implementação e operacionalização, assegurado o controle social.

Dentre as etapas percorridas, ao longo da efetivação da novel política pública de resíduos sólidos no Brasil, compreende-se o fechamento de lixões até 2014 sendo que até agosto de 2014 não devem mais existir lixões a céu aberto no Brasil. Em seu lugar, devem ser criados aterros controlados ou aterros sanitários.

A rigor, os aterros têm preparo no solo para evitar a contaminação de lençol freático, captam o chorume que resulta da degradação do lixo e contam com a queima do metano para gerar energia.

Outro objetivo primordial consiste em que só rejeitos poderão ser encaminhados aos aterros sanitários. Por rejeitos entende-se aquela parte do lixo que não tem como ser reciclado. Dentro dos lixões, apenas 10% dos resíduos sólidos são rejeitos; a maioria é orgânica, que em compostagens podem ser reaproveitadas e transformadas em adubo, e recicláveis, que devem ser devidamente separadas para a coleta seletiva.

Ainda, há a importância da elaboração de planos de resíduos sólidos nos municípios com a educação necessária para ajudar prefeitos e cidadãos a descartar de forma correta o lixo.

E, por fim, a aplicação de logística reversa deve ser uma realidade no contexto brasileiro, haja vista uma vez descartadas as embalagens estas passam a ser de total responsabilidade dos fabricantes, que devem criar um sistema para reciclar o produto.

            Não obstante o real intento do legislador, ao modular, pelo direito, uma nova política pública de resíduos sólidos no Brasil, é importante o papel da sociedade civil, reconhecida como agente não governamental, na efetiva implantação desta política.

            A propósito, Consuelo Yoshida racionaliza, de forma acadêmica, a nova política pública:

A PNRS, tal como concebida, constitui sem dúvida um marco fundamental na transição do predomínio do clássico sistema de comando e controle estatais de cunho corretivo-repressivo, ao reunir diretrizes, mecanismos e instrumentos econômicos, de planejamento e de gestão, propícios a promover e incentivar a almejada institucionalização, valorização e promoção da auto-organização dos setores econômicos e sociais, a participação efetiva, a mobilização e controle sociais, com vistas à gestão integrada e ao gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos, com inclusão social dos catadores[18].

            Extrai-se, dessa forma, que o grande desafio associado à implementação e ao sucesso da Política Nacional de Resíduos Sólidos são aqueles inerentes a toda e qualquer política pública e dependerão do efetivo comprometimento de toda a sociedade compreendida ai a sociedade civil – consumidores e empresários - e o poder público.

Não basta, por outro lado, a incorporação de arranjos institucionais[19] capazes de promoverem o comportamento proativo do cidadão, mas sim, mecanismos jurídicos de cobrança e efetivação da própria política.

É por isso que muitas das políticas públicas incorporadas no cenário jurídico brasileiro “não pegam”. Decorre daí um grande problema de inefetividade jurídica reiterada e a desconfirmação da própria autoridade.

A rigor, para a existência de um regime de efeitos da política pública é importante que a autoridade se mantenha íntegra ao longo da cadeia de criação e implementação da sua decisão. Isto quer dizer que a força da autoridade estatal, como instituidora de novas regras, consiga neutralizar as resistências ou a própria inefetividade da norma mantendo-a capaz de dirigir comportamentos dos destinatários.

A produção dos efeitos esperados e desejados pela regra depende da verificação da existência e efetividade da autoridade no que se desenvolve acerca da capacidade de reação ao descumprimento da norma.

Ao decidir pela exigibilidade de determinada conduta, a autoridade deve considerar a hipótese do descumprimento deliberado do comando pelo destinatário do comando. Esse descumprimento da norma pode caracterizar uma situação de ilegalidade, por violação ao seu conteúdo ou, tão-somente, a questão da extralegalidade quando o padrão do descumprimento é generalizado e reticente de tal modo que estamos diante de uma situação de negação de autoridade. Isto retrata a própria falência moral normativa da instituição incapaz de trazer confiabilidade, execução e efetividade de suas regras para com cidadãos.

Na visão emblemática de Carl Schmitt isto representa uma situação de estado de exceção[20]. Estado de exceção porque corresponde a uma ilegalidade tão reiterada que consolida o comportamento no sentido de que inexiste àquela regra ou, pior, a seletividade do cumprimento ou não da norma.

Mas, afinal, como se faz para restabelecer a força normativa daquela política pública fracassada pela desconfirmação da autoridade?

Segundo Tércio Sampaio Ferraz Júnior trata-se de uma situação em que o destinatário da norma não a cumpre e não a contesta, mas, por outro lado, se retira do papel de colaborador do processo de implementação da norma de modo a criar um vácuo, ou, pior o aniquilamento total da autoridade como agente governamental da política pública.

É isto que não se quer que se produza em decorrência da edição da lei da política nacional de resíduos sólidos, ou seja, a desconfirmação da autoridade sanitária, legislativa e dogmática.

Para tanto, a novel lei trouxe uma série de mecanismos jurídicos capazes de tentar frear a onda do descumprimento generalizado ao fixar prazos e penalidades.

Nesse sentido, previu que os Municípios e os Estados não poderão receber as transferências voluntárias da União, enquanto não fizerem o respectivo plano. Já para os consumidores em geral, que se enquadram como pessoas físicas, incidirão nas multas de R$ 50,00 a R$ 500,00 reais para quem não separar o lixo e, por fim, no caso das indústrias e outras empresas que figuram como pessoas jurídicas poderão ser autuadas em valores de R$ 500,00 a R$ 2 milhões de reais e mais pena de reclusão de 1 a 4 anos, se o crime for doloso ou de detenção de 6 meses a 1 ano, se o crime foi culposo, com a responsabilidade solidária dos envolvidos na cadeia logística, caso descumpram os preceitos normativos.

Ocorre, entretanto, que não basta a coercibilidade imposta pela legislação para estimular comportamentos positivos, cabe também à fiscalização do cumprimento das premissas da Política Nacional de Resíduos Sólidos ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), que poderá delegar essa atribuição para órgãos estaduais.

A propósito, isso significa, em termos práticos, que se houver coleta seletiva no endereço das pessoas e ao abrir o saco de lixo de uma casa o fiscal verificar que o resíduo passível de reciclagem está misturado com o lixo úmido, o proprietário do imóvel estará sujeito à multa.

As penalidades estão no início de uma grande corrente determinada pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, que entre outros itens, coloca a obrigatoriedade do avanço da coleta seletiva em todo o País, pois a partir deste ano nada que possa ser reaproveitado poderá ser descartado como lixo em aterros sanitários ou usinas de incineração.

A exemplo, as indústrias terão de retornar as embalagens utilizadas nos seus produtos – política denominada de logística reversa. Isso que dizer que os consumidores que adquirirem estes produtos devem separar as embalagens do lixo comum. Muito além do que isso, é que as Prefeituras devem realizar a coleta seletiva desses materiais e fazer a destinação adequada, em conformidade com os Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos.

O grande desafio será conscientizar/educar o consumidor a promover a seletividade do lixo residencial, principalmente, porque deve acontecer de forma simultânea à coleta promovida pela prefeitura.

O maior obstáculo está justamente com as prefeituras, que terão de investir de forma expressiva na coleta seletiva e na conscientização da população da necessidade de cumprir a nova política nacional de resíduos sólidos para garantir e preservar um meio ambiente equilibrado para as futuras gerações.

Sob a temática da aplicabilidade de sanções referidas nos parágrafos acima, Santi romano descreve com muita propriedade:

 “... a sanção possa não ser objeto de uma norma específica. Pode, ao contrário, ser imanente e latente nas engrenagens do aparelho orgânico que constitui o ordenamento jurídico considerado no seu todo; também pode ser força que atua de modo indireto, uma garantia efetiva que não dá lugar a algum direito subjetivo estabelecido por qualquer norma; freio inato e necessário do poder social. Pode-se então dizer que apresentar a sanção como um elemento do direito é afirmar, mesmo não querendo, que o direito não consiste unicamente em normas jurídicas, e que estas são ligadas, ou melhor, suspensas, por outros elementos de onde advém toda a sua força. Deste modo a sanção, ou seja, estes outros elementos, bem de longe de serem algo complementar, acessório às normas, as precedem, formando a base na qual fundamentam as suas raízes, sendo necessário, no definir o direito, analisá-los antes mesmos do que as próprias normas ...”.[21]

E, nisto, entra a função da própria sociedade como moduladora da política pública de resíduos sólidos.

Vejamos que o direito, por si só, consegue balizar a política pública como um todo, entretanto, não obstante possuir a coercibilidade, imperatividade e executoriedade de seus comandos, não têm o condão de estimular moralmente o cidadão a realizá-lo se lhe falta o comprometimento com a causa como fator estimulante para a sua autodeterminação.

Nessa esteira, o engajamento da sociedade com a política de resíduos sólidos depende da educação e grau de conscientização para com o meio ambiente equilibrado. Depende das escolas públicas, dos pais, dos clubes, da sociedade civil em geral e, certamente, do Poder Público em dar o exemplo e noções de cidadania.

Esse engajamento prévio, o que, ressalto, não houve na instituição da lei nº 12.305/2010, funciona como verdadeiro regime de transição para aplicação do direito intertemporal. É a criação de uma inovação na ordem jurídica que passe a justificar o cumprimento da ordem pela escolha estratégica de menor custo[22] para a autoridade. Vai funcionar como válvula de acomodação dos quereres dos cidadãos e do Estado e, para isto, indispensável é a conscientização da população da necessidade de acolhida dos novos regramentos.

Veja-se, aqui que não se pretende estabelecer regras de transição moral excessivamente permissivas ou sem prazo definido, pois isto representa a fraqueza da autoridade, mas, ao contrário, dar oportunidade para que a sociedade civil possa tomar conhecimento da realidade dos lixões dos rincões do Brasil e adotar, sponte propria, comportamento diferenciado culturalmente para reduzir, quiçá, eliminar um problema de agravamento da saúde pública brasileira.

O que se pretende não é incorporar a cordialidade brasileira como traços característicos para vigência da lei, mas, diferentemente, oportunizar o diálogo, a conscientização e o debate público e político do tema a ponto de fazer crer a importância da questão para o desenvolvimento humano nacional. Aliás, para que haja um bom governo, condição para o exercício da autoridade, também se faz necessária a existência da autoridade normativa para imprimir à direção da política pública, sem olvidar, jamais, a importância da sociedade como destinatária da própria política.  

Esse é o sentido de que o rompimento do estado de tolerância com o descumprimento requer iniciativas preparatórias combinadas nos planos jurídico e político-institucional capazes de assegurarem a efetividade do arranjo institucional.

Agora, sem essa pré-ordenação de esforços, o que já revelou o Ministério do Meio Ambiente, já que na época da implantação da política de resíduos sólidos categoricamente afirmou que não prorrogaria o prazo para aplicação das multas administrativas para quem descumprisse a lei, perdeu, por completa a eficácia, porquanto os prazos para a elaboração e entrega e de implementação do Plano Municipal de Saneamento Básico foram prorrogados a pedido da CNM (Confederação Nacional de Municípios) estabelecendo, portanto, o prazo de até 31 de dezembro de 2015 para a entrega do plano e o prazo de até 31 de dezembro de 2014 para implementação e instituição de controle. Essa prorrogação foi comunicada no dia 24 de março de 2014 as quais foram publicadas em 25 de março de 2014 no Diário Oficial da União.

Começando assim, ou seja, retirando a própria autoridade e confiabilidade do plano nacional de resíduos sólidos, será preciso, em breve, criar uma fonte de legitimação renovada, um novo momento, com nova base jurídica, mesmo que aos olhos dos intérpretes a prescrição vigente ainda fosse suficiente para a exigibilidade da conduta.

Penso dessa forma, pois a criação de uma inovação na ordem jurídica que passe a justificar o cumprimento da ordem pode ser a escolha estratégica de menor custo para a autoridade. O processo de formação dessa nova ordem se baseia na busca da criação de condições para um novo estabelecimento da autoridade. E o primeiro desafio desta é em geral de forma pactuada eliminar a situação massiva de desconformidade à legislação o que se faz no âmbito da técnica jurídico-normativa por meio da fixação da regra de transição e suas condições de incidência.

Já que se postergou à aplicação da legislação gerando uma desconfirmação da autoridade com a própria norma elaborada, é de rigor entrar no seio da sociedade civil com campanhas de conscientização, educação nas escolas e programas de incentivos tributários para permitir, no futuro próximo, a incorporação na cultura nacional do problema do lixo urbano residencial e/ou comercial.

Isso sim consiste em desenvolver uma política pública consciente sabendo dos efeitos práticos de que o direito, por si só, baliza a política, entretanto, não tem força moral de impor determinado comportamento culturalmente contrário à sociedade destinatária e, neste momento, a própria sociedade funciona, também, como moduladora da novel política pública.

4.Conclusão

A importância de se compreender os mecanismos de formulação de uma política pública e suas conseqüências para com a sociedade destinatária implica o resultado do sucesso ou fracasso da autoridade. Autoridade como comando normativo eficaz para produção dos seus efeitos desejados pelo instituidor. Não basta, para tanto, idealizar a nova política pública de resíduos sólidos sem que, por outro lado, os arranjos institucionais possam ser conjugados e equalizados para o sucesso da medida.

A interação com a sociedade civil é parte integrante e anterior à implementação da política pública de resíduos sólidos porquanto a sociedade brasileira, como um todo, não está culturalmente acostumada a lidar com a questão do lixo residencial, muito menos, com a política do reaproveitamento das embalagens não biodegradáveis.

 Toda política pública pensada objetivamente, sem análise dos fatores integrantes da sua etapa de elaboração, como programa, direito em questão, gestão governamental, base jurídica formal, agentes governamentais, agentes não governamentais, inserção na legislação orçamentária anual, público alvo e efeitos colaterais tendem a fracassar já que não conseguem ter uma visão longitudinal capaz de prever as conseqüências positivas e negativas de sua instituição. Se positivas, ótimas, porém se negativas, além de nefastas representam verdadeira perda da autoridade normativa do Estado.

É certo que não tem como prever todos os efeitos de uma política pública de longíssimo prazo, como é o caso em tela, entretanto, há meios de buscar sedimentar as suas experiências de modo a permitir uma integração harmônica com a cultura da sociedade. Aos poucos, de forma sedimentada, deve ser inserida no contexto da vida das pessoas de sorte que, ao longo do tempo, àquele novo hábito se tornará costume pela massificação da conscientização da mudança e ruptura de paradigmas.

Portanto o grande marco de sucesso de uma política pública, em especial a debatida no presente artigo (política Nacional de Resíduos Sólidos) consiste neste reconhecimento da existência de uma responsabilidade compartilhada de modo que o Poder Público não pode adotar isoladamente medidas eficazes para solucionar o problema[23].   

Na realidade, o conceito de responsabilidade compartilhada é o reconhecimento material de que para que haja o sucesso de políticas ambientais deve se levar em conta a dinâmica de toda a sociedade, de todos os seus atores governamentais ou não governamentais, e os associados, de modo que exista compatibilização de interesses econômicos, sociais e mercadológicos com os de gestão ambiental e desenvolvimento sustentável.

Dessa forma, a participação ativa do consumidor é essencial para a adequada gestão dos resíduos sólidos, sob pena de insucesso de qualquer iniciativa. Entretanto, para a efetivação de tal participação, impõe-se à necessidade de conscientização prévia da nova política estatal de forma ampla, clara e transparente a respeito das medidas a serem tomadas por parte de cada ente na cadeia de produção, distribuição e consumo dos produtos, de publicidade sobre estas medidas, de participação efetiva do Poder Público, incluindo a adoção das atividades que lhe são incumbidas nos processos de gestão de resíduos e a fiscalização das demais atividades, envolvendo o setor privado e dos consumidores.

Estas são as etapas as quais julgo indispensáveis para que o direito e a sociedade possam atuar de maneira efetiva para a modulação de uma política pública de sucesso, em especial, a política pública nacional de resíduos sólidos, instituída pela Lei nº 12.305/2010 e regulamentada pelo Decreto nº. 7.404/2010.

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Sobre o autor
Eduardo Calmon de Almeida Cézar

Atualmente é Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, professor de direito administrativo da Academia de Polícia Militar Costa Verde (APMCV) e professor de direito administrativo da Universidade de Cuiabá (UNIC). É professor de direito administrativo em cursos preparatórios para concursos públicos. É professor da pós-graduação em Direito Administrativo da ATAME e da UNIC. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Administrativo e Processo Administrativo. Já foi Juiz Substituto no Estado de São Paulo (2004), Promotor de Justiça no Estado de Sergipe (2003/2004) e Defensor Público no Distrito Federal (2003). Foi aprovado e nomeado no concurso de Juiz Federal Substituto da 3ª Região (2011). Mestre e Doutor em Direito do Estado pela Universidade do Estado de São Paulo.

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