Muitas e variadas tarefas têm ocupado mente e esforço dos militantes da causa dos Direitos Humanos. Isto não só no Brasil, como em muitos outros países.
A reflexão é oportuna neste 10 de dezembro, quando mais uma vez celebramos o aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Lutar por uma "Civilização dos Direitos Humanos" traz uma grande satisfação íntima. Essa alegria interior decorre sobretudo da consciência de que o fruto desta obra transpõe o tempo de nossa própria vida, o termo da existência individual, biológica.
Educar para os Direitos Humanos, transmitir valores que constituem o arcabouço de uma "Cultura dos Direitos Humanos" também recompensa a alma e retempera o ânimo.
Uma terceira tarefa tem de ser realizada mas não é tão estimulante. Pelo contrário, é psicologicamente desgastante. Trata-se de corrigir tantos equívocos correntes sobre o que são os Direitos Humanos, sobre o sentido da luta pelos Direitos Humanos.
É muito comum, por exemplo, a frase que procura identificar o "militante dos Direitos Humanos" como um "defensor de bandidos". Se esse conceito fosse emitido apenas em conversas ocasionais, não seria necessário grande empenho para esclarecer o equívoco. Pior é que essa falsificação de idéias transita pelos jornais, rádio e televisão, o que obriga os militantes da causa dos Direitos Humanos a uma empreitada hercúlea, uma vez que não dispõem dos mesmos meios de contra-argumentar. O ataque mencionado efetiva-se através de uma frase feita, que entra pelos ouvidos e dispensa racionalidade. A defesa da nobre causa dos Direitos Humanos exige explicações, funda-se na racionalidade.
Nenhum princípio do amplo "catálogo dos Direitos Humanos" dá embasamento para que os apoiadores desta luta sejam "defensores de bandidos".
Pelo contrário, uma das prioridades, em matéria de Direitos Humanos, é a denúncia da impunidade. Só que essa denúncia da impunidade não abarca apenas os criminosos individuais, os que assaltam e matam, os que estupram e praticam crimes hediondos que, com razão, provocam em nós um sentimento de repulsa. Os que lutamos pelos Direitos Humanos queremos também a punição dos poderosos, dos que comandam o crime organizado, dos que exploram o povo, dos que constróem edifícios residenciais que desabam, dos que fraudam o erário público. De certa forma a ação desses "grandes criminosos" provoca e estimula a criminalidade do varejo. Essa criminalidade do varejo é grave, sem dúvida, e perturba diretamente a tranqüilidade das pessoas. Porque interfere em nossa caminhada de volta para casa, depois do trabalho, essa criminalidade é mais sentida, mais visível que a criminalidade oculta dos poderosos. Entretanto, se nos debruçarmos sobre o problema com uma visão mais profunda, menos superficial, concluiremos que os "grandes criminosos" são muito mais nocivos à coletividade do que os "criminosos do varejo".
A idéia de Direitos Humanos exige que toda pessoa, acusada de um crime, seja julgada, na forma da lei, com direito de defesa e presunção de inocência, até prova da culpa. Este princípio prevalece em favor dos indiciados e acusados poderosos. No caso de pessoas pobres, envolvidas com razão ou sem razão, em inquéritos ou processos criminais, tais garantias são inteiramente desconhecidas. Contra essa discriminação rebelam-se os que estão comprometidos com os Direitos Humanos.
Também desaprovam os militantes de Direitos Humanos a prática de procedimentos bárbaros como julgamentos sumários, linchamentos, assassinato de criminosos depois de reduzidos à condição de presos etc.
Difícil esclarecer tudo isso num simples artigo. Sobre essas questões escrevemos uma "trilogia dos Direitos Humanos", livros que, para minha alegria, andam a percorrer o Brasil. Essa trilogia foi fruto de nossa reflexão e de nossa prática. O tema parece-nos essencial neste momento de perplexidade diante da violência, da impunidade e da aparente falência dos mais fundamentais valores humanos.