3. prequestionamento
3.1. Conceito
Embora seja vocábulo constante no meio jurídico, é complexa a tentativa de se redigir [73] e de se conceituar juridicamente o instituto do prequestionamento, havendo inúmeras discussões em torno do tema, o que torna farta, tanto doutrinária como jurisprudencialmente, qualquer abordagem sobre o assunto [74].
Debate-se sobre as várias facetas do instituto de forma a delimitar-lhe o perfil, considerando seus elementos e sua finalidade. Segundo Manoel Antônio Teixeira Filho, prequestionamento expressa "o ato pelo qual se questiona previamente determinada matéria, para efeito de interposição de recurso de natureza extraordinária" [75].
Sônia Márcia Hase de Almeida Baptista afirma que "prequestionar quer dizer questionar antes, fazer levantar questão acerca de, discutir, controverter previamente" [76].
José Miguel Garcia Medina pondera que "a utilização do termo prequestionamento surgiu na jurisprudência para enfatizar que a parte deveria provocar o surgimento da questão federal ou constitucional perante a instância inferior" [77].
Por outro lado, há entendimento diverso, como destaca o Ministro, hoje aposentado, Eduardo Ribeiro, verbis:
"Note-se que não se alude a ter sido ou não tratada a questão anteriormente por alguma das partes. Em relação ao ponto omisso falta prequestionamento, haja ou não sido exposta a discussão, que está em perfeita consonância com o que vimos explanando, quanto ao conteúdo desse pressuposto de admissibilidade. Seria insustentável a afirmação de que existiria o prequestionamento, desde que ventilada a matéria no debate processual, ainda que nada se houve decidido." [78]
Já o Ministro Marco Aurélio pondera que há prequestionamento quando "o órgão julgador haja adotado entendimento explícito a respeito, incumbindo à parte sequiosa de ver o processo guindado à sede extraordinária instá-lo a tanto" [79].
Assim, podemos sustentar a existência de três correntes que visam a conceituar o instituto do prequestionamento [80].
A primeira entende que um tema é prequestionado quando há manifestação expressa do tribunal a quo sobre uma determinada proposição. Para este grupo, é necessário que a questão federal ou constitucional tenha sido abordada pelo tribunal recorrido, não havendo, portanto, necessidade de que a matéria tenha sido veiculada em apelo dirigido ao órgão julgador de segunda instância [81].
A segunda considera o significado morfológico do vocábulo prequestionamento. O prefixo "pré" [do latim præ] exprime a idéia de antecedência, preexistência. O verbete seguinte: "questionamento" significa fazer ou levantar questão acerca de, controverter, discutir. Este grupo entende que o prequestionamento decorre de ato da parte, suscitando a questão antes da prolação da decisão que será objeto de recursos de natureza extraordinária [82]. Portanto, sob este prisma, prequestionar significa levantar uma questão com antecedência, pôr em discussão anteriormente, o que leva o intérprete a crer que se trata de um ato da parte, sendo o prequestionamento deflagrado a partir de uma tarefa dos litigantes, levantando a questão controvertida com antecedência à interposição dos recursos excepcionais.
A derradeira vertente soma as duas correntes anteriores ao estabelecer que o prequestionamento seria o prévio debate acerca do tema, seguido de pronuncionamento expresso do Tribunal de 2ª instância [83].
A discussão aqui travada é importante no sentido de identificar o momento exato de ocorrência do prequestionamento, delimitando-lhe um papel e um espaço bem definido no iter processual relativo ao princípio do devido processo legal.
Parece mais acertada a primeira corrente, que é a mais aceita pela doutrina [84] e pela jurisprudência [85]. Com efeito, não se encontram, seja na Constituição, seja na legislação federal, subsídios para que se proceda à argumentação de que os recursos de natureza extraordinária [86] tenham seu conhecimento condicionado à prévia consideração pelas partes litigantes. Existem questões passíveis de exame de ofício pelo tribunal recorrido, como os pressupostos processuais, condições da ação e remessa obrigatória, sendo que há, ainda, a hipótese em que a violação legal ou constitucional nasce no bojo do acórdão do órgão julgador a quo. Nestes casos, não se verifica nenhum imperativo de que as partes tenham que debater anteriormente sobre o tema.
Consiste o prequestionamento na resolução, pela Corte local, no bojo do acórdão, das questões constitucionais ou federais que se pretende submeter aos Tribunais Superiores, via recurso excepcional. Há tema prequestionado quando este tenha sido ventilado na decisão, isto é, quando o Tribunal local tenha emitido juízo de valor explícito a seu respeito [87]. Não basta que as partes tenham tornado o tema controvertido, sendo necessário que haja manifestação, no acórdão recorrido, sobre a questão federal ou constitucional tida por violada. Ocorrendo referida manifestação do Tribunal recorrido, pouco importa que os sujeitos da relação processual tenham debatido o tema anteriormente. Com efeito, além das questões nas quais o Tribunal deve se pronunciar de ofício, há hipóteses em que pode a Corte local decidir a lide por fundamentos legais e constitucionais diversos daqueles alegados pelas partes.
Embora haja diversidade na conceituação, pode-se asseverar, com certeza, que o prequestionamento é uma espécie de senha que permite aos recursos de natureza extraordinária o acesso aos Tribunais Superiores.
3.2. Histórico do Prequestionamento
O prequestionamento foi primeiro concebido com o "writ of error" americano, por intermédio do "Judiciary Act" de 1789, no qual se exigiu que constasse da decisão da Corte Suprema dos Estados Unidos, expressamente, que as questões federais suscitadas tenham surgido nos Tribunais dos Estados [88].
No Brasil, desde 1891, a Constituição já exigia o prequestionamento para possibilitar a interposição do extraordinário. O art. 59, inc. III, do referido texto constitucional, determinava o cabimento do recurso quando "se questionar sobre a validade ou a aplicação de tratados e leis federais e a decisão do tribunal dos Estados for contra ela" [89].
Nas constituições de 1934 e 1937, era consubstanciado que cabia o recurso extraordinário quando o decisum fosse contrário à lei federal sobre cuja aplicação se haja questionado [90].
Já a Constituição de 1946 eliminou a exigência do prequestionamento, suprimindo a cláusula "sobre cuja aplicação se haja questionado". Para José Miguel Garcia Medina, a partir da referida Carta Magna, não era mais necessário o questionamento prévio, embora a Jurisprudência da época continuasse a exigir o prequestionamento anterior dos litigantes, com o entendimento de que seria exigência implícita da Constituição de 1946 [91]. Deve ser destacado que não é uniforme o entendimento de que a Cara Magna de 1946 alterara a exigência do prequestionamento [92].
A Constituição Federal de 1967 silenciou a respeito do verbo "questionar", o que fez com que a jurisprudência permanecesse exigindo o prequestionamento das partes, entendimento este cristalizado com a edição das súmulas 282 [93] e 356 [94] do STF. Quando em vigor o referido Texto Constitucional, deu-se muita importância à exigência de que os sujeitos parciais da relação processual tenham prequestionado determinado tema, o que legou a segundo plano a presença da questão federal ou constitucional na decisão recorrida [95].
Já com a Constituição Federal de 1988, que não menciona o termo "questionar", seguiu-se, inicialmente, as tendências das Constituições anteriores, com o entendimento de que seria imprescindível ao cabimento do recurso extraordinário e do recurso especial o prequestionamento, mesmo em face da omissão constitucional [96].
Tal inclinação fora inicialmente seguida também pela ala mais avançada do STJ, conforme destaca José Theophilo Fleury, verbis:
"Havia, no entanto, respeitáveis opiniões, mais liberais, tais como a dos Ilustres Ministros Athos Gusmão Carneiro (então integrante do STJ), Sálvio de Figueiredo Teixeira e Carlos Mário da Silva Velloso (naquela época, integrante do STJ, hoje, no STF), no sentido de que bastaria que a matéria tratada pelo dispositivo legal tido por afrontado pelo acórdão do Tribunal local fosse debatida pelas partes, para que se tivesse por atendido o requisito do prequestionamento, independentemente da oposição de embargos de declaração..." (97)
Esse pendor tem sido amenizado, pelo menos no que se refere ao STJ, que tem entendido que não basta que as partes tenham controvertido determinado ponto, sendo, por outro lado, necessário que o Tribunal se manifeste a respeito da questão federal ou constitucional tida por violada [98].
José Miguel Garcia Medina segue tal linha de entendimento, asseverando, verbis:
"Os dispositivos constitucionais que encartam os recursos extraordinário e especial, assim, a nosso ver, data venia de entendimento diverso, não previram a necessidade de prequestionamento, nem mesmo implicitamente, como entende parte da jurisprudência emanada dos Tribunais Superiores." (99)
Temos, assim, que o questionamento anterior, como atividade dos litigantes, não é essencial para o cabimento dos recursos de natureza extraordinária, sendo indispensável, entretanto, a manifestação da decisão recorrida a respeito da questão federal ou constitucional.
3.3. Natureza Jurídica do Prequestionamento
Após as considerações supra, pode-se dizer que o prequestionamento é um dos requisitos de admissibilidade para a interposição dos recursos de natureza extraordinária [100]. Mas, qual a natureza desse instituto? Decorre ele da jurisprudência, da Constituição ou da legislação federal? Vejamos.
Dispõe o art. 102, inciso III, da CF/88, verbis:
"Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição." (destacamos)
Já o art. 105, inc. III, da CF/88 estabelece, verbis:
"Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;
b) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal;
c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal." (destacamos)
Referem-se tais dispositivos a causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida preencher um dos requisitos de admissibilidade previstos nas alíneas dos referidos artigos.
Assim, independentemente do conteúdo do pronunciamento do acórdão recorrido, que pode ser definitivo, findando o processo com julgamento de mérito, ou terminativo, extinguindo o processo sem julgamento da questão meritória [101], o que é importante, segundo a Carta Suprema de 1988, é que a questão federal ou constitucional se faça presente na decisão a ser combatida com os recursos de natureza extraordinária [102]. Considerando que a Constituição se refere ao cabimento do recurso especial e do recurso extraordinário em relação às causas decididas, somente o que estiver constando no bojo do acórdão recorrido pode ser objeto dos referidos remédios recursais.
Assim, deve ser afastado o entendimento de que a exigência de prequestionamento decorreria de entendimento jurisprudencial [103], não se podendo afirmar que haveria uma tentativa dos Tribunais Superiores em reduzir o número exarcebado de recursos que inviabilizam a escorreita prestação jurisdicional.
Há, contudo, entendimento de que o prequestionamento não seria previsto na Constituição [104], bem como posicionamentos no sentido de que referido instituto seria até mesmo inconstitucional [105].
Entretanto, razão assiste a Bruno Mattos e Silva, quando sustenta que "está na Constituição Federal o fundamento para a exigência do prequestionamento" [106]. Tal posicionamento é compartilhado por Bernardo Pimentel Souza, que destaca que "ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a exigência do prequestionamento reside na cláusula constitucional ‘causas decididas em única ou última instância..." [107].
Com efeito, é certo que a Constituição Federal não fala expressamente em prequestionamento. Tampouco a legislação infraconstitucional. Dele se ocupam, apenas, algumas das Súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Mas a Constituição Federal é clara em seus arts. 102, III e 105, III, quanto à circunstância de a questão constitucional ou legal dever ter sido decidida pelas instâncias locais ou regionais. É expresso o texto constitucional neste sentido quanto a causas decididas. Não há como se afastar do fundamento constitucional do instituto do prequestionamento.
Causa decidida se refere a prequestionamento. Este instituto só pode se referir àquilo que foi decidido pela decisão recorrida, não importando, para tanto, a iniciativa dos litigantes, embora sua participação possa ser decisiva quando houver questões que não possam ser apreciadas de ofício pelo órgão julgador.
3.4. Espécies de Prequestionamento
Ainda no que diz respeito à configuração do prequestionamento, deve-se entender o que significa prequestionamento implícito, explícito e ficto.
José Miguel Garcia Medina chama a atenção para a existência de duas concepções sobre o que se deva entender por prequestionamento implícito e explícito [108], embora referido autor não adote o entendimento de nenhuma das duas vertentes [109].
Para uma corrente, prequestionamento implícito ocorre quando uma questão, embora posta em debate em sede de primeiro grau, não foi mencionada no acórdão, sugerindo a rejeição tácita da questão.
Conforme destaca Nelson Nery Junior, "para o STF o prequestionamento tem de ser explícito, isto é, o acórdão tem que decidir efetivamente a questão, ao passo que o STJ tem admitido o prequestionamento implícito, que ocorre quando a questão foi posta à discussão no primeiro grau mas não mencionada no acórdão" [110].
Outro entendimento acerca do mesmo tema, diferencia as espécies de prequestionamento sob outro prisma. Afirma esta vertente que prequestionamento implícito ocorre quando a decisão recorrida, apesar de tratar da questão federal, não menciona a norma violada. Assim, para tal grupo, não se faz necessário que seja mencionado no acórdão recorrido o dispositivo legal que se alega ter sido violado, bastando que a questão federal tenha sido enfrentada e decidida nas instâncias inferiores [111].
Já para se compreender o significado de prequestionamento ficto, é imprescindível que se leve em consideração o entendimento daqueles segundo os quais, para que seja admissível a interposição dos recursos de natureza extraordinária, devem as partes, ainda em sede ordinária, manifestar-se acerca do tema constitucional ou federal, o que encontra supedâneo no entendimento cristalizado na Súmula nº 356/STF, que dispõe que "o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento".
Aqui, todas as vezes que for alegada ofensa a preceito constitucional ou federal, deve o recorrente prequestionar o tema na Corte de origem, em suas razões recursais ou em suas contra-razões [112]. Se o acórdão do tribunal recorrido não tratar da questão ventilada, deve a parte opor os competentes embargos declaratórios com fins de prequestionar perante o Tribunal local.
Uma vez opostos os embargos de declaração com fins prequestionadores, ainda que a Corte de origem não emita juízo sobre o tema proposto em seu bojo, seja por não conhecimento ou não provimento, resta possível a interposição dos recursos de natureza extraordinária, eis que suprido o requisito do prequestionamento. Ocorre, aqui, o denominado prequestionamento "ficto". Admite-se, assim, para parte da Jurisprudência do STF, que há prequestionamento de determinado tema apenas com a interposição dos embargos de declaração, independentemente da resposta dada ao referido apelo recursal. Tal posicionamento não é compartilhado pelo STJ [113] e já há Ministros do STF [114] refutando a existência do prequestionamento ficto.
Não havendo debate sobre o tema em sede de apelação ou contra-razões, e, pretendendo a parte inovar perante os Tribunais Superiores, opondo embargos de declaração perante o tribunal recorrido para prequestionar o tema, não há que se falar em embargos de declaração prequestionadores, e sim pós-questionadores, que não são aceitos pela jurisprudência [115]. Assim, não é suficiente opor simplesmente embargos de declaração para prequestionar determinado tema, eis que nos termos das súmulas nºs 98 e 211/STJ, a matéria tem que ter sido de alguma forma considerada pelas partes, ou, tratar-se de matéria apreciável, de ofício, pelo Tribunal local [116].
Ao se considerar que o reputado pelos Tribunais Superiores é o conteúdo do acórdão recorrido, a diferenciação entre as formas de prequestionamento citadas servem apenas para classificar propensões de apresentação da decisão a quo.
É certo que a violação a norma constitucional ou federal é mais fácil de ser identificada quando clara e inequivocamente evidenciada na decisão local, inclusive com a menção do preceito normativo, evidenciando o prequestionamento. O acórdão, nestas condições, inegavelmente enfrentou a questão, decidindo-a. A maior prova do que foi decidido é a identificação dos dispositivos da Constituição ou da lei que cuidam do tipo normativo em discussão.
Há casos, entretanto, em que esta identificação não será tão manifesta ou tão acessível, sendo necessário uma especial atenção aos argumentos utilizados no acórdão recorrido, das razões e das contra-razões de recurso para identificar a tese da qual se utilizou a parte para verificar o necessário prequestionamento apto a ensejar a admissibilidade dos recursos de natureza extraordinária.
3.5. Prequestionamento no STF e no STJ
As súmulas dos Tribunais Superiores refletem o entendimento jurisprudencial cristalizado sobre determinados temas [117]. As que se referem ao prequestionamento denotam eminente importância no que se refere ao juízo de admissibilidade dos recursos de natureza extraordinária [118], justificando o conhecimento, o não conhecimento, o provimento ou o improvimento do apelo, nos termos do art. 557 do CPC [120].
Para regular o instituto do prequestionamento, o STF editou as súmulas de nºs 282 e 356, tratando do cabimento do recurso extraodinário, que, anteriormente ao surgimento do recurso especial, abordava questões constitucionais e federais. Tais súmulas estabelecem, verbis:
"Súmula nº 282/STF - É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada."
"Súmula nº 356/STF - O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento."
Referidas súmulas passaram a ser aplicadas para o recurso especial no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, criado pela Constituição Federal de 1988 [121].
O STJ, por sua vez, tratou do prequestionamento nas súmulas de nºs 98 e 211, que dispõem, verbis:
"Súmula nº 98/STJ - Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não tem caráter protelatório."
"Súmula nº 211/STJ - Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo."
É de suma importância o estudo das referidas súmulas, eis que, conforme pesquisas desenvolvidas por José Miguel Garcia Medina, tem-se que "a absoluta maioria de recursos extraordinários e especiais que não são conhecidos pelos Tribunais superiores não teriam observado o disposto nas Súmulas 282 e 356, do Supremo Tribunal Federal, e 211, do Superior Tribunal de Justiça". [122]
Em 16.12.1963, o Supremo Tribunal Federal editou a súmula 282/STF, sendo que o seu propósito até hoje é entendido de forma controvertida. Para José Miguel Garcia Medina, o verbete significa dois fenômenos: "o questionamento, pelas partes, acerca do tema constitucional ou federal e a manifestação da decisão recorrida acerca do tema questionado" [123]. Já para o Ministro Eduardo Ribeiro tem-se que, verbis:
"A Súmula 282 do Supremo Tribunal Federal consagrou o verdadeiro sentido do que se há de reputar necessário para que se tenha presente o prequestionamento. A questão deverá ter sido ventilada na decisão recorrida. Embora talvez melhor se dissesse que haveria de ter sido decidida no julgamento recorrido, importa a circunstância de que não se fez menção a prévio debate. A referência a ‘questão federal suscitada’ é de entender-se como a que o foi no recurso extraordinário. Revela o decidido, tenha ou não sido a matéria anteriormente levantada por alguma das partes." (124)
No que se refere à súmula nº 356/STF, esta foi também editada em 16.12.1963, consignando que o ponto omisso da decisão não será objeto de recurso extraordinário, por faltar o prequestionamento, se a parte não cuidar de aventar o tema nos necessários embargos de declaração.
Com base no referido verbete jurisprudencial, formou-se vertente no âmbito do Supremo Tribunal Federal dotada do entendimento de que, opostos os embargos declaratórios, cabem os recursos de natureza extraordinária, independentemente do resultado do acórdão baseado nos embargos de declaração. [125]
Tal entendimento tem, contudo, encontrado resistências no âmbito do STJ e já há decisão do próprio STF dispondo que, uma vez persistindo a omissão do julgado, não se decidindo a questão, mesmo após a oposição dos embargos declaratórios, não há que se falar em prequestionamento, não sendo cabível, no particular, a interposição dos recursos de natureza extraordinária [126].
Com base na exigência constitucional de que o aspecto federal ou constitucional seja decidido no acórdão recorrido, parece mais acertada esta segunda orientação, que encontra guarida no STJ, conforme se percebe do entendimento já cristalizado nos verbetes de nºs 98 e 211 desta Corte. Com efeito, com base em tal súmula, não é suficiente a oposição de embargos de declaração contra a decisão a quo, sendo também necessário que a questão federal seja efetivamente enfrentada e resolvida no acórdão local. [127]
Assim, opostos embargos de declaração perante o Tribunal recorrido, não havendo manifestação deste sobre o tema aventado, cabe à parte, em seu recurso especial ou extraordinário, suscitar uma preliminar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional, com indicação de violação dos arts. 5º, LIV e LV, 93, IX, da CF/88, 128 e 535 do CPC, visando cassar a decisão recorrida ante a ocorrência de error in procedendo, para que o Tribunal local profira outra decisão escoimada dos vícios de prestação jurisdicional incompleta.
Deve ser destacado que a apontada violação dos arts. 5º, LIV e LV, 93, IX, da CF/88, não poderá ser tida como violação reflexa no âmbito do Supremo Tribunal Federal [128]. Com efeito, se há necessidade de que a matéria tenha sido "decidida" pelo Tribunal recorrido, nos termos dos arts. 102, III, e 105, III, da Carta Magna, que tratam do cabimento dos recursos extraordinário e especial, se a parte não conseguir prequestionar o tema em face de deficiência na decisão recorrida, necessariamente haverá violação pelo acórdão recorrido dos princípios do contraditório, ampla defesa e da fundamentação das decisões. Isso porque, não havendo manifestação sobre o tema aventado, o tribunal recorrido estaria, de alguma forma, obstando o atendimento aos requisitos dos arts. 102, III, e 105, III, da CF/88 [129]. Neste sentido, José Miguel Garcia Medina destaca, verbis:
"... os Tribunais superiores já se manifestaram no sentido de ser cabível o recurso extraordinário, na hipótese, não apenas por violação ao art. 5º, inc. LV, da Constituição Federal, mas, também, por violação ao art. 5º, inc. XXXV, e art. 93, inc. IX, da Carta Magna. Na verdade, havendo violação a este último preceito constitucional, estar-se-á violando, também, o disposto no art. 5º, inc. LIV, da Constituição Federal, consoante já tivemos oportunidade de afirmar." [130]
Ao se adotar tal procedimento, haverá sucesso na interposição dos recursos de natureza extraordinária, pouco importando a diversidade de concepções sobre o tema [131].
Com efeito, se o órgão julgador entender que basta a oposição dos embargos de declaração para que o ocorra o prequestionamento, mesmo que não haja manifestação por parte do acórdão recorrido, poderá o tribunal superior analisar o assunto meritório do recurso, manifestando-se sobre a apontada violação legal ou constitucional, transpondo a preliminar de nulidade, nos termos do § 2º do art. 249 do CPC, que dispõe que "quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração de nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta".
Se, entretanto, o Tribunal Superior entender que, apesar da oposição de embargos de declaração, continuar omissa a decisão recorrida, devendo, portanto, o decisum proferido pelo Tribunal local ser anulado, por vício de atividade, nova decisão sem vícios será proferida, ensejando, assim, a interposição do apelo extraordinário cabível, versando sobre as alegadas violações legais ou constitucionais.
Destacamos que o prequestionamento decorre de pronunciamento do acórdão recorrido sobre a questão federal ou constitucional debatida nas razões ou contra-razões de apelação, bem como sobre as matérias que devam ser conhecidas de ofício pela Corte de origem. Assim, não havendo abordagem pelo Tribunal recorrido sobre as referidas questões, cabível será a oposição de embargos de declaração, para que se supra a omissão existente, mesmo não existindo, no particular, omissão, contradição e obscuridade, nos termos do art. 535 do CPC, o que poderia ensejar a aplicação da multa prevista no art. 538 do CPC.
O STJ, entretanto, editou a súmula nº 98/STJ, dispondo: "Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não caráter protelatório". Assim, tem-se que, quando os embargos de declaração são opostos para o preenchimento do requisito do prequestionamento, não cabe a aplicação da multa do art. 538 do CPC, eis que não se tem os embargos declaratórios protelatórios.