1. Introdução:
A leitura e análise do clássico de Maquiavel têm como finalidade nos introduzir no campo da política, dando-nos noções básicas da formação do Estado e estimulando olhar crítico a respeito de quem nos governa e como o faz, além de atentar para o fato de que algo escrito em meados do século XVI ainda se faz atual no século XXI.
Ao escrever o livro, a intenção do pensador italiano, Nicolau Maquiavel, era de, dentro das possibilidades e costumes do seu tempo, ensinar como deveria agir um líder para que fosse respeitado e conseguisse manter seu legado e poder dentro do território conquistado ou herdado (os principados). No entanto, a obra acabou por se eternizar, fato que é comprovado quando notamos que políticos dos dias de hoje fazem uso de práticas apontadas pelo autor como essenciais para a manutenção do executivo e apoio do povo governado.
Seu pensamento contido em O Príncipe é tão importante que levou à criação do adjetivo ‘’maquiavélico’’ que significa astuto, sem escrúpulos, tal qual deveria ser um bom príncipe segundo Maquiavel. É este pensamento maquiavélico que iremos considerar agora.
No decorrer do trabalho serão considerados assuntos, tais como: análise de capítulos importantes, extraindo a ideia fundamental do livro; a importância de Maquiavel para com a política; a questão do Estado segundo Maquiavel; como a obra se aplica na atualidade.
2. Desenvolvimento:
2.1. Acerca da visão de Estado, política e do contexto histórico:
Na época de Maquiavel, meados do século XV e início do século XVI, o cristianismo passava por um período de decadência, pois havia um conflito entre a Igreja e o Estado. Também era um período de ascensão do capitalismo, na forma de mercantilismo, e do desenvolvimento de Estados Nacionais, com um fortalecimento das monarquias. Esses Estados eram caracterizados pela centralização das instituições políticas e ficaram conhecidos como absolutistas. Foi nesse período então que Maquiavel escreveu O Príncipe que trouxe uma nova visão de Estado e de política.
Em relação ao Estado, Maquiavel elaborou uma teoria de como estes se formam. Ao contrário de Aristóteles que exprimia a idéia da busca da felicidade e virtude, de Platão em sua utopia do Estado ideal, Maquiavel busca estudar o mundo como é e não como deveria ser. Faz observações práticas e objetivas de acordo com a análise de suas próprias experiências e nos acontecimentos e atitudes tomadas pelos líderes de vários povos ao longo da história.
Ele percebe o Estado como poder central soberano que se exerce com exclusividade e plenitude sobre as questões internas e externas de uma coletividade e como regulador das relações entre os homens: utiliza-os nos que eles têm de bom e os contém no que eles têm de mal. Sua única finalidade é a sua própria grandeza e prosperidade. Daí a idéia de “razão de Estado”: existem motivos mais elevados que se sobrepõem a quaisquer outras considerações, inclusive à própria lei. Tanto na política interna quanto nas relações externas, o Estado é o fim: e os fins justificam os meios.
E ainda sobre a política, esta é pela primeira vez mostrada como esfera autônoma da vida social. Não é pensada nem a partir da ética nem da religião. Passa a ser campo de estudo independente. A política: é a esfera do poder por excelência, é a atividade constitutiva da existência coletiva: tem prioridade sobre todas as demais esferas. Pode desafiar e mudar a fortuna e o papel do homem na história.
2.2 . Acerca de Maquiavel e de sua obra, O Príncipe:
Nicolau Maquiavel nasceu em 3 de maio de 1469 em Florença, Itália. Serviu à corte de Cesare Borgia, governante inescrupuloso e enérgico, até os Médicis derrubarem a República, em 1512, quando Maquiavel foi deposto e exilado. Em 1519, anistiado, voltou a Florença, onde exerceu funções político-militares. Em 1527 foi restaurada a República e Maquiavel foi excluído da política. Faleceu em 22 de junho de 1527, em Florença. Sua obra mais importante é ‘’O Príncipe’, escrita há quase cinco séculos.
O Príncipe é obra do exílio. Maquiavel com a intenção de discutir os assuntos políticos de sua época, resolve debatê-los em uma obra dedicada ao estudo e análise dos termos que o ocuparam durante toda a vida: a formação e conservação dos principados, quer pela vontade e sabedoria do príncipe, quer pela sua capacidade de manter-se pelos recursos políticos ou militares.
Passemos a uma análise da obra, começando pelo primeiro capítulo:
‘’Todos os Estados, todos os governos que tiveram e têm autoridade sobre os homens, foram e são ou repúblicas ou principados. Os principados são: ou hereditários, quando seu sangue senhorial é nobre há já longo tempo, ou novos. Os novos podem ser totalmente novos, como foi Milão com Francisco Sforza, ou o são como membros acrescidos ao Estado hereditário do príncipe que os adquire, como é o reino de Nápoles em relação ao rei da Espanha. Estes domínios assim obtidos estão acostumados, ou a viver submetidos a um príncipe, ou a ser livres, sendo adquiridos com tropas de outrem ou com as próprias, bem como pela fortuna ou por virtude.’’ Maquiavel inicia seu livro com uma dedicatória ao governante do Grão-Ducado de Florença, Lorenzo Dei Medici. A princípio define os tipos de principado como ou hereditários, nos quais seus senhores são príncipes pelo sangue, ou novos, que ganham-se com armas de outrem ou com as própria graças a fortuna ou mérito (virtude).
No capítulo 2 ele fala sobre os principados hereditários:
"(...) para a preservação dos Estados hereditários e afeiçoados à linhagem de seu príncipe, as dificuldades são assaz menores que nos novos, pois é bastante não preterir os costumes dos antepassados e, depois, contemporizar com os acontecimentos fortuitos, de forma que, se tal príncipe for dotado de ordinária capacidade sempre se manterá no poder, a menos que uma extraordinária e excessiva força dele venha a privá-lo; e, uma vez dele destituído, ainda que temível seja o usurpador, volta a conquistá-lo. (...) o príncipe natural tem menores razões e menos necessidade de ofender: donde se conclui dever ser mais amado e, se não se faz odiar por desbragados vícios, é lógico e natural seja benquisto de todos. E na antiguidade e continuação do exercício do poder, apagam-se as lembranças e as causas das inovações, porque uma mudança sempre deixa lançada a base para a ereção de outra."
Os principados hereditários são mais fáceis de manter que os novos, pois basta conservar a ordem estabelecida por seus antepassados, se o príncipe tiver apenas uma pequena habilidade natural para ser um príncipe já conseguirá manter o estado, a menos que uma força extraordinária e muito superior arranque o principado das mãos do príncipe.
O príncipe natural tende a ser menos odiado, pois tem menos razões e menor necessidade de humilhar os seus súditos.
A antiguidade da forma de governar desse tipo de principado faz esquecer as origens da inovação que o trouxe; pois qualquer mudança deixa sempre um "sentimento" de espera para a realização de outrem.
Nos dias atuais a percepção coletiva da humanidade está mais apurada devido a facilidade de acesso aos conhecimentos, às ciências, aos acontecimentos mundiais, isso favorece uma relação diferente a quem detém o poder e a quem é comandado por ele. A sociedade hoje não é mais moldada pelo poder absoluto, temos como exemplo a queda das ditaduras; a monarquia inglesa, que não detém um poder absoluto, pois o parlamento é quem toma as decisões políticas do país, se não houvesse essa intervenção a sociedade se rebelaria e tomaria o poder, como aconteceu com a Revolução Francesa.
Na política brasileira atual percebe-se uma luta entre os políticos que já detém o poder contra os que tentam o ter. Maquiavel expõe que é mais fácil manter um principado hereditário do que construir um novo. Hoje vemos que para os partidos políticos é exatamente esse movimento explicitado por Maquiavel que se concretiza. Temos como exemplo a última campanha eleitoral no nosso país, na qual Lula por possuir um grande nível de popularidade conseguiu "transferir" o seu poder político para Dilma, que é do mesmo partido político que ele. Cabendo à presidenta Dilma manter o seu principado.
Ele continua no capítulo 5 explicando como se deve governar as cidades ou principados que, anteriormente à sua ocupação, viviam no respeito ás próprias leis:
‘’ Quando aqueles Estados que se conquistam, como foi dito, estão habituados a viver com suas próprias leis e em liberdade, existem três modos de conservá-los: o primeiro, arruiná-los; o outro, ir habitá-los pessoalmente; o terceiro, deixá-los viver com suas leis, arrecadando um tributo e criando em seu interior um governo de poucos, que se conservam amigos, porque, sendo esse governo criado por aquele príncipe, sabe que não pode permanecer sem sua amizade e seu poder, e há que fazer tudo por conservá-los. Querendo preservar uma cidade habituada a viver livre, mais facilmente que por qualquer outro modo se a conserva por intermédio de seus cidadãos. (...) É que, em verdade, não existe modo seguro para conservar tais conquistas, senão a destruição. E quem se torne senhor de uma cidade acostumada a viver livre e não a destrua, espere ser destruído por ela, porque a mesma sempre encontra, para apoio de sua rebelião, o nome da liberdade e o de suas antigas instituições, jamais esquecidas seja pelo decurso do tempo, seja por benefícios recebidos. Por quanto se faça e se proveja, se não se dissolvem ou desagregam os habitantes, eles não esquecem aquele nome nem aquelas instituições, e logo, a cada incidente, a eles recorrem.
Mas quando as cidades ou as províncias estão acostumadas a viver sob um príncipe, extinta a dinastia, sendo de um lado afeitas a obedecer e de outro não tendo o príncipe antigo, dificilmente chegam a acordo para escolha de um outro príncipe, não sabem, enfim, viver em liberdade: dessa forma, são mais lerdas para tomar das armas e, com maior facilidade, pode um príncipe vencê-las e delas apoderar-se. Contudo, nas repúblicas há mais vida, mais ódio, mais desejo de vingança; não deixam nem podem deixar esmaecer a lembrança da antiga liberdade: assim, o caminho mais seguro é destruí-las ou habitá-las pessoalmente. ’’
Para se conquistar plenamente uma cidade ou um principado, o príncipe tem algumas opções: ele pode destruí-la, instalar-se nela ou deixá-la viver com suas leis, porém neste caso deve exigir um tributo e estabelecer um governo de poucas pessoas, seus amigos, que se mantenham fiel ao conquistador. Nas províncias em que havia um príncipe anteriormente, o caminho é extinguir este e sua linhagem, conseguindo dessa maneira conservar a província. No caso das repúblicas, o desejo de vingança é mais forte, pois antes eram livres, tornando mais difícil a aceitação de um novo líder. Então, o melhor caminho é a destruição destas ou ir habitá-las.
No capítulo 6, Maquiavel continua explicando sobre os principados conquistados:
‘’Não se admire alguém se, na exposição que irei fazer a respeito dos principados completamente novos de príncipe e de Estado, apontar exemplos de grandes personagens; por que, palmilhando os homens, quase sempre, as estradas batidas pelos outros, procedendo nas suas ações por imitações, não sendo possível seguir fielmente as trilhas alheias nem alcançar a virtude do que se imita, deve um homem prudente seguir sempre pelas sendas percorridas pelos que se tornaram grandes e imitar aqueles que foram excelentes, isto para que, não sendo possível chegar à virtude destes, pelo menos daí venha a auferir algum proveito; deve fazer como os arqueiros hábeis que, considerando muito distante o ponto que desejam atingir e sabendo até onde vai a capacidade de seu arco, fazem mira bem mais alto que o local visado, não para alcançar com sua flecha tanta altura, mas para poder com o auxílio de tão elevada mira atingir o seu alvo.
Digo, pois, que no principado completamente novo, onde exista um novo príncipe, encontra-se menor ou maior dificuldade para mantê-lo, segundo seja mais ou
menos virtuoso quem o conquiste. E porque o elevar-se de particular a príncipe pressupõe ou virtude ou boa sorte, parece que uma ou outra dessas duas razões mitigue em parte muitas dificuldades; não obstante, tem-se observado, aquele que menos se apoiou na sorte reteve o poder mais seguramente. Gera ainda facilidade o fato de, por não possuir outros Estados, ser o príncipe obrigado a vir habitá-lo pessoalmente.
Para reportar-me àqueles que pela sua própria virtude e não pela sorte se tornarem príncipes, digo que os maiores são Moisés, Ciro, Rômulo, Teseu e outros tais. Se bem que de Moisés não se deva cogitar por ter sido ele mero executor daquilo que lhe era ordenado por Deus, contudo deve ser admirado somente por aquela graça que o tornava digno de conversar com o Senhor. Mas consideremos Ciro e os outros que conquistaram ou fundaram reinos: achareis a todos admiráveis. E se forem consideradas suas ações e ordens particulares, estas parecerão não discrepantes daquelas de Moisés que teve tão grande preceptor. E, examinando as ações e a vida dos mesmos, não se vê que eles tivessem algo de sorte senão a ocasião, que lhes forneceu meios para poder adaptar as coisas da forma que melhor lhes aprouve; e, sem aquela oportunidade, o seu valor pessoal ter-se-ia apagado e sem essa virtude a ocasião teria surgido em vão.
Era necessário, pois, a Moisés, encontrar o povo de Israel no Egito, escravizado e oprimido pelos egípcios, a fim de que aquele, para libertar-se da escravidão, se dispusesse a segui-lo. Convinha que Rômulo não pudesse ser mantido em Alba, fosse exposto ao nascer, para que se tornasse rei de Roma e fundador daquela pátria. Era preciso que Ciro encontrasse os persas descontentes do império dos medas, e estes estivessem amolecidos e efeminados pela prolongada paz. Não poderia Teseu demonstrar sua virtude se não encontrasse os atenienses dispersos. Essas oportunidades por tanto, fizeram esses homens felizes, e sua excelente capacidade fez com que aquela ocasião fosse conhecida de cada um: em conseqüência, sua pátria foi nobilitada e tornou-se felicíssima.
Os que, por suas virtudes, semelhantes às que aqueles tiveram, tornam-se príncipes, conquistam o principado com dificuldade, mas com facilidade o conservam; e os obstáculos que se lhes apresentam no conquistar o principado, em parte nascem das novas disposições e sistemas de governo que são forçados a introduzir para fundar o seu Estado e estabelecer a sua segurança. Deve-se considerar não haver coisa mais difícil para cuidar, nem mais duvidosa a conseguir, nem mais perigosa de manejar, que tornar-se chefe e introduzir novas ordens. Isso porque o introdutor tem por inimigos todos aqueles que obtinham vantagens com as velhas instituições e encontra fracos defensores naqueles que das novas ordens se beneficiam. Esta fraqueza nasce, parte por medo dos adversários que ainda têm as leis conformes a seus interesses, parte pela incredulidade dos homens: estes, em verdade, não crêem nas inovações se não as vêem resultar de uma firme experiência. Donde decorre que a qualquer momento em que os inimigos tenham oportunidade de atacar, o fazem com calor de sectários, enquanto os outros defendem fracamente, de forma que ao lado deles se corre sério perigo.
É necessário, pois, querendo bem expor esta parte, examinar se esses inovadores se baseiam sobre forças suas próprias ou se dependem de outros, isto é, se para levar avante sua obra é preciso que roguem, ou se em realidade podem forçar. No primeiro caso, sempre acabam mal e não realizam coisa alguma; mas, quando dependem de si mesmos e podem forçar, então é que raras vezes perigam. Daí resulta que todos os profetas armados venceram e os desarmados fracassaram. Porque, além dos fatos apontados, a natureza dos povos é vária, sendo fácil persuadi-los de urna coisa, mas difícil firmá-los nessa persuasão. Convém, assim, estar preparado para que, quando não acreditarem mais, se possa fazê-los crer pela força.
Moisés, Ciro, Teseu e Rômulo não teriam conseguido fazer observar por longo tempo as suas constituições se tivessem estado desarmados; como ocorreu nos nossos tempos a Frei Girolamo Savonarola que fracassou nas suas reformas quando a multidão começou a nele não mais acreditar, e ele não dispunha de meios para manter firmes aqueles que haviam crido, nem para fazer com que os descrentes passassem a crer. Por isso, têm grandes dificuldades no conduzir-se e todos os perigos estão no seu caminho, convindo que os superem com o valor pessoal; mas superado que os tenham, quando começam a ser venerados, extintos aqueles que tinham inveja de sua condição, ficam poderosos, seguros, honrados, felizes.
A tão altos exemplos, quero acrescentar um menor, mas que bem terá alguma relação com aqueles e que julgo suficiente para todos os outros semelhantes: é Hierão de Siracusa. Este, de particular, tornou-se príncipe de Siracusa; também ele, da sorte somente conheceu a ocasião porque, sendo os siracusanos oprimidos, o elegeram para seu capitão, donde mereceu ser feito príncipe. E foi de tanta virtude, mesmo na vida privada, que quem escreveu a seu respeito, disse: quod nihil illi deerat ad regnandum praeter regnum.
Extinguiu a velha milícia, organizou a nova, abandonou as antigas amizades, conquistou novas; e, como teve amizades e soldados seus, pode, sobre tais fundamentos, erigir as obras que desejou: tanto que custou-lhe muita fadiga para conquistar e pouca para manter.’’
Ele julga prudente um homem que ‘escolhe os trilhos já percorridos pelos grandes homens e os imita’. Ele diz que mais do que a sorte, é necessário também sabedoria e virtude para reter e manter o poder. Os obstáculos surgem das novas leis estabelecidas, porque há muitos defensores das velhas instituições, os antigos beneficiados, enquanto se fazem tímidos os defensores das novas instituições. Um exemplo atual é o do Egito, país islâmico. Depois de derrubarem o ditador Hosni Mubarak no ano passado, ainda não foi feita uma nova constituição para o país. E o maior medo de alguns políticos é que esta nova constituição contenha princípios do Islamismo, o que não traria a democracia para o país, mas continuaria a mesma espécie de ditadura de Mubarak.
Mais adiante, no capítulo 10, vemos como os governantes devem medir as forças dos principados:
‘’(...) se um príncipe tem Estado tão grande e forte que possa, precisando, manter-se por si mesmo, ou então se tem sempre necessidade da defesa de outrem. Para esclarecer melhor esta parte, digo julgar como podendo manter-se por si mesmos aqueles que podem, por abundância de homens e de dinheiro, organizar um exército à altura do perigo a enfrentar e fazer face a uma batalha contra quem venha assaltá-lo, assim como julgo necessitados da defesa de outrem os que não podem defrontar o inimigo em campo aberto, mas são obrigados a refugiar-se atrás dos muros da cidade, guarnecendo-os. Quanto ao primeiro caso já foi falado e, futuramente, diremos o que for necessário; relativamente ao segundo, não se pode aduzir algo mais do que exortar tais príncipes a fortificarem e a proverem sua cidade, não se preocupando com o território que a contorna. E quem tiver bem fortificada sua cidade e, acerca dos outros assuntos, se tenha conduzido para com os súditos como acima foi dito e abaixo se esclarecerá, será sempre assaltado com grande temor, porque os homens são sempre inimigos dos empreendimentos onde vejam dificuldades, e não se pode encontrar facilidade para atacar quem tenha sua cidade forte e não seja odiado pelo povo.
As cidades da Alemanha gozam de grande liberdade, têm pouco território e obedecem ao imperador quando assim querem, não temendo nem a este nem a outro poderoso que lhes esteja ao derredor porque são de tal forma fortificadas que todos pensam dever ser enfadonha e difícil sua expugnação. Na verdade, todas têm fossos e muros adequados, possuem artilharia suficiente, conservam sempre nos armazéns públicos o necessário para beber, comer e arder por um ano; além disso, para manter a plebe alimentada sem prejuízo do povo, têm sempre, em comum, por um ano, meios para lhe dar trabalho naquelas atividades que sejam o nervo e a vida daquelas cidades e das indústrias das quais a plebe se alimente. Têm em grande conceito os exercícios militares, a respeito dos quais têm muitas leis de regulamentação.
Um príncipe, pois, que tenha uma cidade forte e não se faça odiar, não pode ser atacado e, existindo alguém que o assaltasse, retirar-se-ia com vergonha, eis que as coisas do mundo são assim tão variadas que é quase impossível alguém pudesse ficar com os exércitos ociosos por um ano, a assediá-lo. A quem replicasse que, tendo as suas propriedades fora da cidade e vendo-as a arder, o povo não terá paciência e o longo assédio e a piedade de si mesmo o farão esquecer o príncipe, eu responderia que um príncipe poderoso e afoito superará sempre aquelas dificuldades, ora dando aos súditos esperança de que o mal não será longo, ora incutindo temor da crueldade do inimigo, ora assegurando-se com destreza daqueles que lhe pareçam muito temerários. Além disso, é razoável que o inimigo deva queimar o país apenas chegado, nos tempos em que o ânimo dos homens está ainda ardente e voluntarioso na defesa; por isso, o príncipe deve ter pouca dúvida porque, depois de alguns dias, quando os ânimos estão mais frios, os danos já foram causados, os males já foram sofridos e não há mais remédio; então, os súditos vêm se unir ainda mais ao semi príncipe, parecendo-lhes que este lhes deva obrigação, uma vez que suas casas foram incendiadas e suas propriedades arruinadas para a defesa do mesmo. E a natureza dos homens é aquela de obrigar-se tanto pelos benefícios que são feitos como por aqueles que se recebem. Donde, em se considerando tudo bem, não será difícil a um príncipe prudente conservar firmes, antes e depois do cerco, os ânimos de seus cidadãos, desde que não faltem víveres nem meios de defesa. ’’
Ele diferencia Estados que são capazes de se defender contra possíveis ataques dos que não são, necessitando da proteção de outrem. Para conseguir se defender, o príncipe deve ter sua cidade fortificada, provida com exército e alimentos, além de não se fazer odiado pelos seus súditos. Dessa forma, ele dificilmente será atacado e mesmo que o seja, seu inimigo não obterá êxito. Ele cita como exemplo as cidades da Alemanha, que eram fortificadas e bem preparadas por isso tinham mais liberdade e segurança.
Mais a frente, no capítulo 15, o autor retrata os motivos pelos quais os homens, e especialmente os príncipes são louvados ou injuriados:
‘’ Resta ver agora quais devam ser os modos e o proceder de um príncipe para com os súditos e os amigos e, por que sei que muitos já escreveram a respeito, duvido não ser considerado presunçoso escrevendo ainda sobre o mesmo assunto, máxime quando irei disputar essa matéria à orientação já por outros dada aos príncipes. Mas, sendo minha intenção escrever algo de útil para quem por tal se interesse, pareceu-me mais conveniente ir em busca da verdade extraída dos fatos e não à imaginação dos mesmos, pois muitos conceberam repúblicas e principados jamais vistos ou conhecidos como tendo realmente existido. Em verdade, há tanta diferença de como se vive e como se deveria viver, que aquele que abandone o que se faz por aquilo que se deveria fazer, aprenderá antes o caminho de sua ruína do que o de sua preservação, eis que um homem que queira em todas as suas palavras fazer profissão de bondade, perder-se-á em meio a tantos que não são bons. Donde é necessário, a um príncipe que queira se manter, aprender a poder não ser bom e usar ou não da bondade, segundo a necessidade. Deixando de parte, assim, os assuntos relativos a um príncipe imaginário e falando daqueles que são verdadeiros, digo que todos os homens, máxime os príncipes por situados em posição mais preeminente, quando analisados, se fazem notar por alguns daqueles atributos que lhes acarretam ou reprovação ou louvor. Assim é que alguns são havidos como liberais, alguns miseráveis (usando um termo toscano, porque "avaro" em nossa língua é ainda aquele que deseja possuir por rapina, enquanto "miserável" chamamos aquele que se abstém em excesso de usar o que possui); alguns são tidos como pródigos, alguns rapaces; alguns cruéis, alguns piedosos; um fedífrago, o outro fiel; um efeminado e pusilânime, o outro feroz e animoso; um humano, o outro soberbo; um lascivo, o outro casto; um simples, o outro astuto; um duro, o outro fácil; um grave, o outro leviano; um religioso, o outro incrédulo, e assim por diante.
Sei que cada um confessará que seria sumamente louvável encontrarem-se em um príncipe, de todos os atributos acima referidos, apenas aqueles que são considerados bons; mas, desde que não os podem possuir nem inteiramente observá-los em razão das contingências humanas não o permitirem, é necessário seja o príncipe tão prudente que saiba fugir à infâmia daqueles vícios que o fariam perder o poder, cuidando evitar até mesmo aqueles que não chegariam a pôr em risco o seu posto; mas, não podendo evitar, é possível tolerá-los, se bem que com quebra do respeito devido. Ainda, não evite o príncipe de incorrer na má faina daqueles vícios que, sem eles, difícil se lhe torne salvar o Estado; pois, se bem considerado for tudo, sempre se encontrará alguma coisa que, parecendo virtude, praticada acarretará ruína, e alguma outra que, com aparência de vício, seguida dará origem à segurança e ao bem-estar. ’’
Vemos aqui que um bom governante deve ser prudente e evitar os vícios que o fariam perder o respeito perante a população ou até mesmo o poder. Hoje, a sociedade não quer governantes com ‘’vícios’’, por exemplo, corruptos.
Porém, Maquiavel também diz que algo que aparenta ser uma virtude pode trazer problemas para o príncipe e que outra que tem aparência de vício pode dar origem à segurança e ao bem-estar. Um exemplo que ele traz é o uso da bondade, que deve ser usada dependendo da necessidade. Os atributos de um príncipe podem lhe acarretar ou reprovação ou louvor, portanto, cabe a ele saber usar suas qualidades e defeitos no momento certo e da maneira apropriada.
No capítulo 16, Maquiavel fala sobre as consequências de ser um príncipe pródigo, esbanjador ou de ser um príncipe parcimonioso:
"Começando, pois, com os primeiros dos já referidos atributos, digo que seria um bem o ser havido como liberal. Contudo, a liberalidade, usada por forma que se torne conhecida de todos, te prejudica, porque, se usada virtuosamente e como se a deve usar, ela não se torna conhecida e não conseguirás tirar de cima de ti a má fama do seu contrário; porém, querendo manter entre os homens o nome de liberal, é preciso não esquecer nenhuma espécie de suntuosidade, de forma tal que um príncipe assim procedendo consumirá em ostentação todas as suas finanças e terá necessidade de, ao final, se quiser manter o conceito de liberal, gravar extraordinariamente o povo de impostos, ser duro no fisco e fazer tudo aquilo de que possa se utilizar para obter dinheiro. Isso começará a torná-lo odioso perante o povo e, empobrecendo-o, fá-lo-á pouco estimado de todos; de forma que, tendo ofendido a muitos e premiado a poucos com essa sua liberalidade, sente mais intensamente qualquer revés inicial e periclita face ao primeiro perigo. Percebendo isso e querendo recuar, o príncipe incorre desde logo na má fama de miserável. Um príncipe, pois, não podendo usar essa qualidade de liberal sem sofrer dano, tornando-a conhecida, deve ser prudente, deve não se preocupar com a pecha de miserável, eis que, com o decorrer do tempo, será considerado sempre mais liberal, uma vez vendo o povo que com sua parcimônia a receita lhe basta, pode defender-se de quem lhe mova guerra e tem possibilidade de realizar empreendimentos sem gravar o povo; assim agindo, vem a usar liberalidade para com todos aqueles dos quais nada tira, que são numerosos, e a empregar miséria para com todos os outros a quem não dá, que são poucos. (...)
Portanto, um príncipe deve gastar pouco para não precisar roubar seus súditos, para poder defender-se, para não ficar pobre e desprezado, para não ser forçado a tornar-se rapace, não se importando de incorrer na fama de miserável, porque esse é um daqueles defeitos que o fazem reinar. (...) se alguém replicasse que houve muitos príncipes, tidos como extremamente liberais, que realizaram grandes feitos com seus exércitos, responderia: ou o príncipe gasta do seu, ou de seus súditos, ou de outrem; no primeiro caso, deve ser parcimonioso; nos outros, não deve deixar de praticar nenhuma liberalidade. E aquele príncipe que vai com os exércitos, que se mantém de rapinagem, de saques e de resgates, maneja bens de outros, tem necessidade dessa liberalidade porque, do contrário, não será seguido pelos soldados. E, daquilo que não é teu nem de súditos teus, podes ser o mais generoso doador (...). E não há coisa que tanto se destrua a si mesma como a liberalidade, pois, enquanto tu a usas, perdes a faculdade de utilizá-la, tornando-te pobre e desprezado ou, para fugir à pobreza, rapace e odioso. Dentre todas as coisas de que um príncipe se deve guardar está o ser desprezado e odiado, e a liberalidade te conduz a uma e a outra dessas coisas. “Portanto, é mais sabedoria ter a fama de miserável, que dá origem a uma infâmia sem ódio, do que, por querer o conceito de liberal, ver-se na necessidade de incorrer no julgamento de rapace, que cria uma má fama com ódio.”
O príncipe que quiser ser honesto com os seus súditos e mesmo assim não deseje passar por necessidades, não deve importar-se com a fama de miserável. A avareza é um dos defeitos que o fazem reinar. Um príncipe deve evitar o desprezo e o ódio, é melhor deixar-se passar por avarento, pois é preferível uma vergonha sem ódio. Para ganhar fama de liberal será preciso enfrentar a de ladrão, que leva a uma vergonha com ódio.
Hoje os líderes políticos não estão preocupados com a imagem que irá projetar- se para a sociedade, grande parte dos políticos focam no ganho pessoal, isso desperta inquietação da sociedade o que faz com que eles não consigam manter-se no poder.
O capítulo 17 trata de um dos temas mais famosos e polêmicos de Maquiavel: será que é melhor para o príncipe ser amado ou ser temido?
‘’Reportando-me às outras qualidades já referidas, digo que cada príncipe deve desejar ser tido como piedoso e não como cruel: não obstante isso, deve ter o cuidado de não usar mal essa piedade. César Bórgia era considerado cruel; entretanto, essa sua crueldade tinha recuperado a Romanha, logrando uní-la e pô-la em paz e em lealdade. O que, se bem considerado for, mostrará ter sido ele muito mais piedoso do que o povo florentino, o qual, para fugir à pecha de cruel, deixou que Pistóia fosse destruída. Um príncipe não deve, pois, temer a má fama de cruel, desde que por ela mantenha seus súditos unidos e leais, pois que, com mui poucos exemplos, ele será mais piedoso do que aqueles que, por excessiva piedade, deixam acontecer as desordens das quais resultam assassínios ou rapinagens: porque estes costumam prejudicar a comunidade inteira, enquanto aquelas execuções que emanam do príncipe atingem apenas um indivíduo. E, dentre todos os príncipes, é ao novo que se torna impossível fugir à pecha de cruel, visto serem os Estados novos cheios de perigos. Diz Virgílio, pela boca de Dido:
Res dura,et regni novitas me talia cogunt
moliri, et late fines custode tueri.
O príncipe, contudo, deve ser lento no crer e no agir, não se alarmar por si mesmo e proceder por forma equilibrada, com prudência e humanidade, buscando evitar que a excessiva confiança o torne incauto e a demasiada desconfiança o faça intolerável.
Nasce daí uma questão: se é melhor ser amado que temido ou o contrário. A resposta é de que seria necessário ser uma coisa e outra; mas, como é difícil reuni-las, em tendo que faltar uma das duas é muito mais seguro ser temido do que amado. Isso porque dos homens pode-se dizer, geralmente, que são ingratos, volúveis, simuladores, tementes do perigo, ambiciosos de ganho; e, enquanto lhes fizeres bem, são todos teus, oferecem-te o próprio sangue, os bens, a vida, os filhos, desde que, como se disse acima, a necessidade esteja longe de ti; quando esta se avizinha, porém, revoltam-se. E o príncipe que confiou inteiramente em suas palavras, encontrando-se destituído de outros meios de defesa, está perdido: as amizades que se adquirem por dinheiro, e não pela grandeza e nobreza de alma, são compradas, mas com elas não se pode contar e, no momento oportuno, não se torna possível utilizá-las. E os homens têm menos escrúpulo em ofender a alguém que se faça amar do que a quem se faça temer, posto que a amizade é mantida por um vínculo de obrigação que, por serem os homens maus, é quebrado em cada oportunidade que a eles convenha; mas o temor é mantido pelo receio de castigo que jamais se abandona.
Deve o príncipe, não obstante, fazer-se temer de forma que, se não conquistar o
amor, fuja ao ódio, mesmo porque podem muito bem coexistir o ser temido e o não ser odiado: isso conseguirá sempre que se abstenha de tomar os bens e as mulheres de seus cidadãos e de seus súditos e, em se lhe tornando necessário derramar o sangue de alguém, faça-o quando existir conveniente justificativa e causa manifesta. Deve, sobretudo, abster-se dos bens alheios, posto que os homens esquecem mais rapidamente a morte do pai do que a perda do patrimônio. Além disso, nunca faltam motivos para justificar as expropriações, e aquele que começa a viver de rapinagem sempre encontra razões para apossar-se dos bens alheios, ao passo que as razões para o derramamento de sangue são mais raras e esgotam-se mais depressa.
Mas quando o príncipe está à frente de seus exércitos e tem sob seu comando
uma multidão de soldados, então é de todo necessário não se importar com a fama de cruel, eis que, sem ela, jamais se conservará exército unido e disposto a alguma empresa. Dentre as admiráveis ações de Aníbal, menciona-se esta: tendo um exército imenso, constituído de homens de inúmeras raças, conduzido a batalhar em terras alheias, nunca surgiu qualquer dissensão entre eles ou contra o príncipe, tanto na má como na boa fortuna. Isso não pode resultar de outra coisa senão daquela sua desumana crueldade que, aliada às suas infinitas virtudes, o tornou sempre venerado e terrível no conceito de seus soldados; sem aquela crueldade, as virtudes não lhe teriam bastado para surtir tal efeito e, todavia, escritores nisto pouco ponderados, admiram, de um lado, essa sua atuação e, de outro, condenam a principal causa da mesma.
Para prova de que, realmente, as outras suas virtudes não seriam bastantes, pode-se considerar o caso de Cipião, homem dos mais notáveis não somente nos seus tempos mas também na memória de todos os fatos conhecidos, cujos exércitos se revoltaram na Espanha em conseqüência de sua excessiva piedade, pois que havia concedido aos seus soldados mais liberdades do que convinha à disciplina militar. Tal fato foi-lhe censurado no Senado por Fábio Máximo, o qual chamou-o de corruptor da milícia romana. Os locrenses, tendo sido arruinados e abatidos por um legado de Cipião, não foram por ele vingados, nem a insolência daquele legado foi reprimida, resultando tudo isso de sua natureza fácil; tanto assim que, querendo alguém desculpá-lo perante o Senado, disse haver muitos homens que melhor sabiam não errar do que corrigir os erros. Essa sua natureza teria com o tempo sacrificado a fama e a glória de Cipião, tivesse ele perseverado no comando; mas, vivendo sob o governo do Senado, esta sua prejudicial qualidade não só desapareceu como lhe resultou em glória.
Concluo, pois, voltando à questão de ser temido e amado, que um príncipe sábio, amando os homens como a eles agrada e sendo por eles temido como deseja, deve apoiar-se naquilo que é seu e não no que é dos outros; deve apenas empenhar-se em fugir ao ódio, como foi dito. ’’
Maquiavel concluí que para um príncipe ser bem sucedido em sua função, é preferível que este seja amado e temido por seus súditos, mas como isso é difícil, é mais seguro fazer-se temido do que amado. E ele dá algumas razões para tal pensamento. Primeiro, quando não há necessidade, os homens não se importam em temer o príncipe. E segundo, os homens têm menos escrúpulo em ofender alguém estimado do que alguém temido. Ele diz que esse temor é mantido pelo medo do castigo.
Ele realça que se o príncipe não conquistar o amor do povo, deve fugir do ódio. Ele faz isso por não tomar os bens dos homens ou derramar sangue desnecessariamente, pois estes ‘esquecem mais facilmente a morte de um pai do que a perda de um patrimônio’.
Um exemplo atual do ódio do povo em relação a um governante é o do Impeachment de Fernando Collor de Mello no início dos anos 90. Ele bloqueou o dinheiro depositado em bancos de pessoas físicas e jurídicas com parte de um plano econômico. A população, comprovando a teoria de Maquiavel, enfurecida protestou exigindo o afastamento, o Impeachment de Collor. Este perdeu seu cargo e direitos políticos por alguns anos.
No que se refere à parte militar, Nicolau Maquiavel defende a ideia de que o príncipe deve manter um exército unido, porém para este fim, ele deve manter a reputação de cruel.
E como o último capítulo analisado, citamos o 22: Dos ministros que o príncipe têm junto de si.
‘’Não é de pouca importância para um príncipe a escolha dos ministros, os quais são bons ou não, segundo a prudência daquele. E a primeira conjetura que se faz da inteligência de um senhor, resulta da observação dos homens que o cercam;
quando são capazes e fiéis, sempre se pode reputá-lo sábio, porque soube reconhecê-los competentes e conservá-los. Mas, quando não são assim, sempre se pode fazer mau juízo do príncipe, porque o primeiro erro por ele cometido reside nessa escolha, Não houve ninguém que, conhecendo messer Antônio de Venafro como ministro de Pandolfo Petruci, príncipe de Siena, deixasse de julgar este senhor como extremamente valoroso pelo fato de ter aquele por ministro. E, porque são de três espécies as inteligências, uma que entende as coisas por si, a outra que discerne o que os outros entendem e a terceira que não entende nem por si nem por intermédio dos outros, a primeira excelente, a segunda muito boa e a terceira inútil, estavam todos acordes que se Pandolfo não se classificava no primeiro grau, estava, necessariamente, no segundo; porque, toda vez que alguém tem a capacidade de conhecer o bem e o mal que uma pessoa faça ou diga, mesmo que por si não tenha capacidade para solucionar os problemas, discerne as más e as boas obras do ministro, exalta estas e corrige aquelas, e o ministro não pode esperar enganá-lo, pelo que se conserva bom.
Mas, para que um príncipe possa conhecer o ministro, existe um método que não falha. Quando vires o ministro pensar mais em si do que em ti, e que em todas as ações procura o seu interesse próprio, podes concluir que este jamais será um bom ministro e nele nunca poderás confiar; aquele que tem o Estado de outrem em suas mãos não deve pensar nunca em si, mas sim e sempre no príncipe, não lhe recordando nunca coisa que não seja da sua competência. Por outro lado, o príncipe, para conservá-lo bom ministro, deve pensar nele, honrando-o, fazendo-o rico, obrigando-se-lhe, fazendo-o participar das honrarias e cargos, a fim de que veja que não pode ficar sem sua proteção, e que as muitas honras não o façam desejar mais honras, as muitas riquezas não o façam desejar maiores riquezas e os muitos cargos o façam temer as mudanças. Quando, pois, os ministros, e os príncipes com relação àqueles, estão assim preparados, podem confiar um no outro; quando não for assim, o fim será sempre danoso ou para um ou para o outro. ’’
Neste capitulo o autor tem por objetivo mostrar que os homens que estão ao redor do governante de um Estado influenciam sobre a imagem que faz destes sendo que se forem capazes e fiéis, o príncipe é julgado como inteligente por fazer uma boa escolha de seus ministros e deve reconhecer-lhes as capacidades e mantê-los fiéis. Porém se os ministros não assim forem não é feito um bom juízo do príncipe visto que cometeu um erro ao fazer tal escolha.
A importância de se manter bons ministros é vista ainda hoje, aqui no Brasil. No ano de 2011, vários ministros escolhidos pela presidenta Dilma Housseif foram demitidos ou se demitiram de seus cargos após denúncias de corrupção. Esta ‘’crise ministerial’’ como foi chamada afetou a visão da população em relação à presidenta.
Também explica que há três tipos de inteligência: “uma que aprende por si mesma; outra capaz de discernir orientada pela percepção alheia, e uma terceira, inepta para ambas essas modalidades de entendimento” classificando-as como excelente, muito boa e simplesmente inútil, respectivamente. Afirma que para conhecer seus ministros, o príncipe deve analisar se o ministro se preocupa mais com ele próprio do que com seu príncipe e o Estado, sendo que se este em cada ação sua vai em busca de pessoal proveito não será confiável tendo como modelo de ministro aquele que se não se aguce por honrarias, riquezas não lhe despertem ambição e que suas altas responsabilidades anime-o o temor das mudanças.
3. Conclusão:
Após a análise da obra O Príncipe, concluímos que o modo de pensar de Maquiavel ainda é válido é utilizado por muitos governantes ao redor do mundo. Também vemos que vários dos problemas citados por ele ainda relacionados ao poder persistem nos Estados atuais. Portanto, a obra de Maquiavel ainda é atual e por isso pode ser usada como guia para fazer um bom governo.
O termo ‘maquiavelismo’ é utilizado de forma pejorativa para caracterizar atitudes desumanas, calculistas, preocupadas em atingir os fins propostos, ainda que os meios utilizados para tanto fujam a toda moral. Essa caracterização deve ser reformulada, pois se deve ter em mente a época em que viveu o pensador e os costumes que norteavam a época (moral cristã). Por isso Maquiavel, de fato, choca a sociedade ao apresentar propostas caracterizadas por uma ‘moral pagã’ para a época.
A política, para Maquiavel, justifica seus meios em prol de um bem maior, que é a estabilidade do Estado. E o príncipe, não sendo indiferente ao bem e ao mal, e ainda que valorize os princípios morais, compreende que o que para o indivíduo particular é ruim, mas é fundamental para o funcionamento da política. O ‘maquiavelismo’, portanto, resume-se em justificar os meios para chegar-se aos fins, independente da pacificidade - ou da falta dela - nos meios. "O Príncipe" revela o interior do homem, pondo a nu os instintos da cobiça, da avareza, do mando, ou seja, por muitas vezes, os meios utilizados não serão honestos ou pacíficos, devido à natureza egoísta dos homens.
Todas as relevâncias feitas no clássico são fruto de uma observação cuidadosa e minuciosa acerca da sociedade. A política, para Maquiavel, tem que ser baseada em fatos reais, concretos e assim, decretando-se o que se pode fazer pela sociedade, não o que se poderia. É tanto que em sua obra ela escreve o "manual" de como manter-se no poder através de análises e exposição sobre fatos políticos dos principados da época.
Para começar, principados hereditários são mais fáceis de manter, pois os príncipes antigos têm a confiança do povo. Hoje, um bom governante que ganha a confiança do povo consegue eleger seu sucessor, como ocorreu com Lula, que foi sucedido por Dilma Housseif, do mesmo partido.
Maquiavel também julga prudente para um governante seguir os passos dos grandes homens e imitá-los. Como um sábio, ele aprende do erro dos outros, não de seus próprios erros. Da mesma forma, ele repete os mesmos bons feitos dos grandes homens.
Para proteger seu Estado, seu território de ataques e de invasões, o príncipe deve manter suas possessões providas com um bom exército e alimentos, além de não se fazer odiado pelos seus súditos. O tema do ódio é um dos principais analisados na obra de Maquiavel.
E se um dos temas principais é o ódio, Maquiavel também ensina como evitar este. Em primeiro lugar, como já citado, nunca deve usurpar os bens dos súditos. Também deve evitar a fama de leviano, covarde ou indeciso. Ele não deve ser necessariamente bom, mas deve estar atento às necessidades de seus súditos.
O sucesso do poder é baseado na relatividade, a estima do governante depende somente se ele estará atento às necessidades e expectativas da sociedade. Isso fica claro quando Maquiavel fala que para um príncipe conservar-se no governo muitas vezes é obrigado a não ser bom, pois, o ódio é consequência das más e - também- das boas ações. Outro exemplo dessa relatividade é quando ele fala que um líder precisa saber usar o seu lado "humano" (uso das leis) e o seu lado "animal" (uso da força) quando for preciso combater algo. O príncipe deverá analisar a situação e ver qual atitude caberá ao momento, um governante não pode agir utilizando apenas leis ou resolver os problemas só impondo a força. Um líder precisa saber equilibrar e manter a paz na sociedade, seja através das leis ou mesmo impondo uma ordem socialmente aceitável.
A relatividade do poder está, mais uma vez, presente nas ideias de Maquiavel quando ele fala quais qualidades um príncipe deve possuir. Pois ele fala que para ser um príncipe não é preciso ser perfeito, ter todas as qualidades necessárias, mas é importante que pareça tê-las e que se houver necessidade, saiba tornar-se inverso. Hoje quem está em qualquer posição de liderança necessita ter posturas condizentes com o que os liderados esperam dele. Os atributos de um príncipe podem lhe acarretar ou reprovação ou louvor, portanto, cabe a ele saber usar suas qualidades e defeitos no momento certo e da maneira apropriada.
Outro tema tratado é o dos vícios e virtudes. Um bom governante não deve ter ‘’vícios’’, defeitos, como a corrupção. Porém ele deve aprender a usar de seus vícios e virtudes de maneira correta, pois uma virtude pode acarretar problemas e um vício pode até trazer bem estar. Portanto, o governante pode ser ‘’tirano’’ aos olhos do povo, se necessário, para manter a ordem de seu Estado. Um exemplo utilizado pelo próprio Maquiavel é o da fama de miserável. O príncipe que quiser ser honesto com os seus súditos e não passar por necessidades, não deve importar-se com a fama de miserável. Isso evitará o desprezo e o ódio da população. Os atuais líderes políticos não estão preocupados com a imagem que irá projetar-se para a sociedade, grande parte dos políticos foca no ganho pessoal, isso desperta inquietação da sociedade o que faz com que eles não consigam manter-se no poder.
E a questão fundamental, se é melhor para um príncipe ser temido ou amado, Maquiavel mais uma vez usa de uma visão inescrupulosa. Ele diz que é melhor ser os dois, mas como isso é quase impossível, é melhor então ser temido. Se as pessoas, em sua mera vivência não passam por necessidades, não vão se importar em temer o príncipe. Porém é muito importante que este fuja do ódio, pois isso destituiria o seu poder.
Maquiavel fala que se o príncipe não conquistar o amor do povo, deve fugir do ódio. Ele faz isso por não tomar os bens dos homens ou derramar sangue desnecessariamente, pois estes ‘esquecem mais facilmente a morte de um pai do que a perda de um patrimônio’. Um exemplo atual do ódio do povo em relação a um governante é o do Impeachment de Fernando Collor de Mello no início dos anos 90. Ele bloqueou o dinheiro depositado em bancos de pessoas físicas e jurídicas com parte de um plano econômico. A população, comprovando a teoria de Maquiavel, enfurecida protestou exigindo o afastamento, o Impeachment de Collor. Este perdeu seu cargo e direitos políticos por alguns anos.
Para ser estimado, um príncipe deve fazer grandes campanhas, premiar e punir quem e quando necessário, deve ganhar fama de homem notável, declarar-se abertamente se é contra ou a favor de algo ou alguém, fazer grandes festas para distrair o povo (como já usado em Roma, se o príncipe der ‘’pão e circo’’ para seus súditos, eles vão estimá-lo) ser um exemplo. Dessa forma é possível ressaltar o trabalho desenvolvido por alguns líderes, como Juscelino Kubitschek, Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva. Maquiavel deixa explícita a grande relatividade do poder, é necessário que o líder esteja atento às necessidades dos súditos e dos que o rodeiam, por isso esses líderes foram estimados e conseguiram gravar os seus nomes na história do Brasil, pois suas "obras" e decisões foram baseadas na vontade coletiva.
Outro fator importante para manter um bom governo é manter bons ministros. Estes influenciam a imagem do governante. Se os ministros forem bons, o príncipe será tido como inteligente, mas se forem ruins, essa escolha será tido como um erro da parte do príncipe. Entretanto, o príncipe deve evitar os aduladores. Portanto, deve-se escolher minuciosamente e com muito cuidado os ministros, eles são importante para o Estado.
A importância de se manter bons ministros é vista ainda hoje, aqui no Brasil. No ano de 2011, vários ministros escolhidos pela presidenta Dilma Housseif foram demitidos ou se demitiram de seus cargos após denúncias de corrupção. Esta ‘’crise ministerial’’ como foi chamada afetou a visão da população em relação à presidenta.
Nicolau ainda fala sobre o que devemos fazer para conhecer os ministros: o príncipe deve analisar as prioridades dos que ocupam os cargos ao seu redor, pois um bom ministro se preocupa mais com seu príncipe e o Estado, deixa em segundo plano a busca pelo proveito pessoal. Essa minuciosa escolha também é pertinente para evitar os aduladores. O príncipe só deve dar aos ministros o direito de dizer a verdade, é preciso mostrar-lhes que serão estimados cada vez que forem sinceros.
Um príncipe deve aconselhar-se apenas quando ele achar necessário, mas é preciso pensar bem sobre o conselho e tomar as suas decisões e executá-las com firmeza, assim soará mais autoritário. Deve ficar atento para não ser guiado por um só conselheiro, o que pode colocar em risco o seu reinado. Hoje em dia é extremamente necessário que o líder não defenda a sua verdade como absoluta, e escute as opiniões públicas, pois é essencial que esteja atento às necessidades de uma coletividade, levando em conta o bem estar comum e não o próprio.
Como uma breve conclusão, vemos que a obra de Maquiavel ultrapassa o tempo. Seus conselhos ainda são válidos, apesar de serem tidos como tirânicos. Para Maquiavel, o príncipe deve fazer de tudo para manter o seu poder. Como diz a frase atribuída ao pensamento de Maquiavel: os fins justificam os meios. E se o fim é manter o poder, qualquer atitude é aceita. A essência do pensamento maquiavélico fez com que sua obra sobrevivesse por mais de quatro séculos e até hoje fosse objeto de estudo e precursor da ciência política.
4. Bibliografia:
https://www.qued.com.br/site/index.php/duvidas/O-que-e-impeachment-e-por-que-Collor-sofre-um
https://sbgecopoli.blogspot.com.br
https://www.consciencia.org/maquiavel.shtml
https://www.dominiopublico.gov.br
Livro: O Príncipe, Nicolau Maquiavel, editora Rideel.
O Príncipe: Comentários de Napoleão Bonaparte e Rainha Cristina da Suécia