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Dano moral nas relações de consumo.

A importância da fixação de reparações efetivas, equitativas e proporcionais à lesão proferida

Agenda 02/03/2016 às 23:43

O objetivo deste estudo é mostrar que a aplicação da legislação consumerista é fundamental para alcançar uma sociedade mais harmônica e evoluída. Tal meta é atingida a partir da exigência efetiva de ações mercadológicas preventivas e reparadoras.

 

 

RESUMO:

Dano Moral nas Relações de Consumo.  É inegável a complexidade que as relações consumeristas apresentam na sociedade. Por muito tempo não houve uma efetiva participação estatal na normatização dessas questões, mas, com o advento da Constituição Federal de 1988 e da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), começou-se a perceber a importância de se tutelar um agente tão vulnerável como é o consumidor.   O objetivo deste estudo é mostrar que a aplicação da legislação consumerista é fundamental para alcançar uma sociedade mais harmônica e evoluída.  Tal meta é atingida a partir da exigência efetiva de ações mercadológicas preventivas e reparadoras.  Nesse contexto, é primordial a responsabilização do fornecedor em corrigir seus atos de forma razoável e compatível com a lesão desferida, estimulando o caráter sócio-educativo das indenizações.   O cuidado deve ser ainda maior quando o dano causado atingir a esfera moral do indivíduo, pois nesse caso valores primordiais, como a dignidade da pessoa humana, são atingidos.   Assim, a fixação do quantum indenizatório deve sempre observar fatores como a razoabilidade e a equidade, que se apresentam como questões primordiais para se proteger o consumidor, e impulsionar a sociedade a galgar um nível de desenvolvimento mais elevado.

Palavras-chave:

Consumidor.   Dano moral.   Importância da reparação.

 

ABSTRACT

Moral Damage in Consumer Relations. There is no denying the complexity that relationships have consumerist society. For a long time there was no effective state participation in the standardization of these issues, but with the advent of the 1988 Federal Constitution and Law 8078/90 (the Consumer Protection Code), began to realize the importance of a tutelary agent as vulnerable as it is the consumer. The aim of this study is to show that law enforcement consumerista is central to achieving a more harmonious society and evolved. This goal is achieved from the requirement of effective preventive and remedial actions marketing. In this context, it is essential to accountability of the supplier to correct their actions in a reasonable and consistent with the injury caused, stimulating socio-educational support of reparations. Caution should be even greater when the damage reaches the sphere of individual morality, because in this case core values such as human dignity are met. Thus the determination of the quantum indemnity should always observe factors such as fairness and equity, which are listed as key issues to protect consumers, and boost the company to move up a level higher development.

Keywords:

Consumer.  Damage.  Importance of repair.

 

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO        

1  O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR   

1.1 CONSUMIDOR  

1.1.1 Consumidor Padrão   

1.1.2 Consumidor por Equiparação  

1.1.2.1  A Coletividade de Pessoas  

1.1.2.2Vítimas do Evento 

1.1.2.3  Consumidor Exposto às Práticas Comerciais  

 1.2  FORNECEDOR  

 1.3  PRODUTO  

 1.4  SERVIÇO   

 1.5  PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE  

 

2 DANOS MORAIS E O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA  

2.1  DIGNIDADE HUMANA COMO PRINCÍPIO   

2.2  DIREITOS DA PERSONALIDADE   

2.3  DEFINIÇÃO DE DANO MORAL  

2.4  QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL   

 

3  A REPARAÇÃO DO DANO MORAL COMO FORMA DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL 

CONCLUSÃO                         

REFERÊNCIAS 

 

                                                                                               

INTRODUÇÃO

A Lei 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor-CDC surgiu como estímulo ao exercício da cidadania, colocando o Brasil como pioneiro na codificação do Direito do Consumidor em todo o mundo.  A partir de então, foi perceptível a alteração nas relações existentes entre fornecedor e consumidor, com normatizações específicas visando o alcance de comportamentos de respeito e boa-fé entre os envolvidos. 

Devido à inexistência de legislação específica, o Código Civil de 1.916 foi, por várias décadas, aplicado nas relações consumeristas.  Ele, porém, apresentava inúmeras diferenças estruturais em relação ao Código de Defesa do Consumidor, fator que influencia, até hoje, o modo como alguns juristas interpretam a legislação consumerista.  

A elaboração tardia do CDC, por um lado aprazou a adaptação a essa nova sistemática jurídica, mas, em contrapartida, proporcionou o refinamento de uma normatização contemporânea, que se tornou referência para muitos países que se inspiraram na legislação brasileira para modernizar as suas próprias.

O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana tem um papel fundamental nas relações sociais, principalmente, no âmbito consumerista. O respeito aos direitos da personalidade deve ser sempre observado no trato entre o fornecedor e o consumidor.   

A vulnerabilidade, característica encontrada em todos os consumidores, incute no fornecedor o dever de agir com boa-fé e precaução, a fim de se evitar situações danosas, sejam elas materiais ou morais.  Caso ocorra algum dano, o fornecedor tem a obrigação legal de corrigi-lo, observando as diretrizes traçadas pelo CDC e pela Constituição Federal, ou seja, a reparação deverá ser total e efetiva, acatando os princípios da razoabilidade, equidade e proporcionalidade.  O respeito às leis consumeristas deflagra a importância da fixação de reparações coerentes, o que se apresenta como fator capaz de contribuir com o desenvolvimento social.

A procura por uma relação de consumo equilibrada é um grande desafio e representa uma das matérias de maior repercussão no plano mundial. Essa harmonia seria alcançada, principalmente, com o controle de lesões cometidas por um número significativo de fornecedores, aptas a provocar abalos materiais e morais nos consumidores.

 

 

1   O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

 

Em uma sociedade capitalista atual, é inegável a importância da fixação de regras eficientes que norteiem as relações entre consumidores e fornecedores.

O Código de Defesa do Consumidor surgiu como uma resposta natural às demandas sociais, em um país que há muito ansiava pela regulamentação das relações de consumo.

Uma das limitações para a aplicação dos direitos dos consumidores é o fato de que as pessoas não estão realmente habituadas aos fenômenos da sociedade de consumo, pois não foram educadas para entendê-los.   Percebe-se que mesmo após mais de vinte anos do surgimento da legislação consumerista, os indivíduos ainda estão em um período de aprendizado, em que tanto mercado quanto consumidores se encontram em movimentos de adaptação às novas regras vigentes.

Infelizmente ainda é comum existirem questões de consumo cuja solução é embasada na legislação civilista; porém, as inúmeras incompatibilidades entre o Direito Civil e o Direito do Consumidor, dificultam a efetiva defesa dos interesses consumeristas.

 Como exemplo desses antagonismos aparece o pacta sunt servanda, que pode ser flexibilizado nas questões que envolvem direitos de consumidores, através da possibilidade de revisão contratual.   O respeito ao que foi pactuado entre as partes continua existindo, porém, em algumas situações específicas, o acordo poderá ser modificado por decisão judicial, a fim de se manter o equilíbrio entre os contratantes.

 Outro exemplo marcante da diferença entre tais legislações está na presunção civilista de que as partes se encontram em igualdade de condições, o que não acontece na relação de consumo, visto que há flagrante desnível entre os agentes. 

Aqueles que cultivam dentro de si os parâmetros do Direito Civil têm grande dificuldade para perceber que a proteção do consumidor tem uma importância fundamental no resguardo de toda a sociedade.

No entendimento de Rizzatto Nunes[1], o CDC inaugurou um modelo jurídico que era pouco explorado pela Teoria do Direito.  A Constituição Federal de 1988 assenta a defesa do consumidor como um dos deveres do Estado Brasileiro (artigo 5º, inciso XXXII).  Essa inserção constitucional alçou o consumidor à categoria de detentor de direitos fundamentais.  Tamanha importância é também marcada ao se analisar o artigo 170, em que a defesa do consumidor aparece como um dos princípios gerais da atividade econômica. 

O Código de Defesa do Consumidor compõe uma legislação de ordem pública e de interesse social, dotada de preceitos inderrogáveis, com normas intimamente submetidas aos parâmetros da Constituição Federal, mostrando-se primordial haver uma profunda harmonização entre a Lei n° 8.078/90 e a Carta Magna, na resolução das questões atinentes aos direitos dos consumidores.

O principal objetivo da legislação consumerista é compensar a desigualdade existente entre os agentes, ou seja, consumidor e fornecedor, a fim de que eles possam desenvolver seus papéis dentro de um ambiente mais justo e seguro para ambos.   

É inegável que o consumidor se apresenta como a parte mais frágil em uma transação de mercado.   Assim, é fácil constatar que a proteção disponibilizada a ele manifesta-se como uma tutela estatal necessária, em uma busca incessante pelo equilíbrio, com o intuito de banir a submissão do indivíduo frente à imposição de poder por parte do fornecedor.

O Código de Defesa do Consumidor incide exclusivamente sobre relações de consumo, sendo imprescindível a existência dos sujeitos (fornecedor e consumidor) e do objeto (produto e/ou serviço).  Neste contexto é indispensável fazer algumas considerações sobre os principais elementos que fundamentam a legislação consumerista:

 

1.1 CONSUMIDOR

1.1.1 Consumidor Padrão

O CDC define objetivamente consumidor, em seu artigo 2º, caput, como sendo “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.

Em sintonia com esse raciocínio conclui-se que é excluído da definição o consumo realizado para fomentar as atividades profissionais, pois nesse caso o bem é adquirido como insumo ou intermediação dos meios de produção.

Roberto Senise Lisboa esclarece que consumidor é o sujeito de direito que encerra a cadeia econômica de consumo, retirando de circulação um produto ou um serviço obtido junto a um fornecedor[2].

Assim, conforme a interpretação do CDC, não pode invocar a proteção específica da Lei 8.078/90 aquele que não seja o destinatário final do produto ou serviço, mesmo integrando o ciclo produtivo.

 

1.1.2 Consumidor por Equiparação

Muitos indivíduos podem ser atingidos pelas ações dos fornecedores, mesmo não sendo consumidores stricto sensu.  Nessa situação, a pessoa será considerada consumidora, apesar de não haver relação direta de consumo no caso específico, podendo se beneficiar da tutela legal.

 

1.1.2.1 A Coletividade de Pessoas

O parágrafo único, do artigo 2º, CDC, determina que “equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”.

  O que se privilegia aqui são os interesses gerais, possibilitando a tutela dos direitos difusos ou coletivos, conforme artigos 81 a 107 do CDC.

 

1.1.2.2Vítimas do Evento

As relações de consumo não têm âmbito limitado ao consumidor individualmente considerado.   Ao contrário, existe o caráter da transindividualidade inerente à sociedade globalizada moderna. 

O artigo 17, CDC, determina que se equiparam a consumidor todas as vítimas do evento, nas ocorrências de “fato do produto ou do serviço”.   É o caso de responsabilidade civil objetiva.

No entendimento de Sérgio Cavalieri Filho o “fato do produto ou do serviço” é um acontecimento externo que causa dano material ou moral ao consumidor, decorrente de um defeito do produto ou do serviço. É nessa problemática que se personificam os acidentes de consumo, nos quais o evento danoso atinge a incolumidade físico-psíquica do consumidor e seu patrimônio[3].

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Os fornecedores têm o dever legal de introduzir no mercado somente produtos e serviços seguros.   Assim, caso ocorra um acidente de consumo, os danos devem ser reparados, sejam eles sofridos pelo consumidor padrão ou pelo equiparado.  Portanto, não é necessário que o terceiro mantenha uma relação contratual com o fornecedor, pois a responsabilidade pela reparação é objetiva e ditada pelo próprio Código de Defesa do Consumidor.

 

1.1.2.3Consumidor Exposto às Práticas Comerciais

Conforme o artigo 29, “para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”.

Como exemplo dessas práticas é possível delinear aquelas ligadas à oferta, à publicidade, aos métodos abusivos, à cobrança de dívidas, ao banco de dados, ao cadastro de consumidores e à sua proteção contratual.

O principal objetivo desse dispositivo é reprimir abusos que possam ser provocados pelo poderio econômico do fornecedor e, concomitantemente, preservar os interesses existentes no mercado de consumo, já que é de amplo conhecimento que fatores como oferta e publicidade são capazes de influenciar de maneira prejudicial algumas pessoas expostas a elas. 

A existência de um laço contratual entre as partes envolvidas na relação de consumo é desnecessária, já que o fator crucial é a exposição das pessoas às práticas comerciais contrárias às determinações legais e ao princípio da boa-fé.  Percebe-se que a tutela dos direitos transindividuais tem, além do caráter repressivo, um cunho preventivo, que almeja deter possíveis efeitos danosos oriundos de práticas comerciais desrespeitosas.

 

 1.2 FORNECEDOR

O outro sujeito que compõe a relação de consumo é o fornecedor, que tem sua definição prevista no caput do artigo 3º do CDC, como exposto abaixo:

Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Assim, percebe-se que fornecedor pode ser pessoa física ou jurídica, que exerce sua atividade profissional inserindo bens ou serviços no mercado de consumo.   A conceituação adotada é extensa compreendendo os sujeitos nacionais ou estrangeiros, públicos ou privados. 

A intenção do CDC é ampliar o rol de fornecedores, a fim de promover uma maior tutela aos consumidores.   Nesse contexto, são fornecedores até mesmo as sociedades civis, com ou sem fins lucrativos, as fundações, as associações, as sociedades de economia mista, as empresas públicas, as autarquias, dentre outras.

Mesmo a pessoa física que não seja comerciante, mas que realize uma atividade comercial ou industrial será um fornecedor, ainda que a realize de forma eventual.  No âmbito da pessoa física, também temos o profissional liberal que é considerado fornecedor e que, apesar de ser uma exceção à responsabilidade objetiva prevista pelo CDC, responde subjetivamente pelos danos que causar aos consumidores.

 

1.3 PRODUTO

O produto é um dos objetos da relação de consumo, conceituado no artigo 3º, parágrafo 1º, do CDC, como sendo “qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”.

Na visão de José Geraldo Brito Filomeno, o conceito de produto está ligado aos bens que detêm tutela jurídica e valor patrimonial, podendo ser qualquer objeto destinado a satisfazer uma necessidade do adquirente, enquanto destinatário final[4].

Novamente o legislador optou por dar uma definição ampla, com o intuito de abranger todos os bens disponíveis no mercado de consumo, sem incorrer no descuido de afastar casos concretos da vida cotidiana.

Um bem será considerado produto se responder às condições delineadas pelo CDC.  Para isso, ele deve ser introduzido no mercado por um fornecedor, objetivando a venda ao consumidor.   Caso careça de algum desses requisitos, não haverá relação jurídica de consumo e, por conseguinte, não existirá produto no entendimento consumerista.

 

1.4  SERVIÇO

O serviço é o outro objeto da relação consumerista, e é entendido como “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”, conforme o artigo 3º, § 2º, CDC

                                                              

1.5  PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE

O princípio da vulnerabilidade é o norteador de toda a legislação consumerista.  A questão mais importante a ser verificada é que em uma comparação entre consumidor e fornecedor, o primeiro se encontra em posição de inferioridade frente ao segundo que é o detentor das práticas de abastecimento.

 O artigo 4º, inciso I, CDC, apresenta o princípio da vulnerabilidade como uma característica intrínseca ao próprio conceito de consumidor.   Por essa razão, a Lei n° 8.078/90 traz a regra da responsabilidade objetiva do fornecedor, que deve arcar com a reparação dos danos advindos da exploração econômica no mercado de consumo.   A partir disso, torna-se nítido que o risco da atividade é atrelado ao fornecedor, que não pode, em nenhuma circunstância, imputá-lo ao outro agente.

A vulnerabilidade do consumidor é fato tão marcante que a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas-ONU, editou a resolução nº. 39/248, em 10 de Abril de 1985, positivando o princípio da vulnerabilidade no plano internacional[5].

No Brasil, a vulnerabilidade do consumidor é proveniente do princípio constitucional da isonomia (artigo 5º, caput, CF), partindo-se da idéia de que os desiguais devem ser tratados desigualmente, na proporção de suas desigualdades, a fim de que se obtenha a igualdade desejada[6].

Na visão de Gerard Cas, o “legislador procura proteger os mais fracos contra os mais poderosos, o leigo contra o melhor informado; os contratantes devem sempre curvar-se diante do que os juristas modernos chamam de ordem pública econômica[7]”.

 

 

2 DANOS MORAIS E O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

 

 2.1  A DIGNIDADE HUMANA COMO PRINCÍPIO

 

A Constituição Federal dispõe que a dignidade humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, aparecendo como um princípio constitucional estrutural, em que o ser humano figura como prioridade sobre qualquer outra previsão legal.

Rizzatto Nunes[8] leciona que a dignidade é o “principal direito constitucionalmente garantido (...).   É ela o último arcabouço da guarida dos direitos individuais e o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional”.  No seu entendimento, a dignidade é um valor originariamente preenchido, pertencente a todo ser humano só pelo fato de ser pessoa.

Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU em 1948, o ser humano foi colocado em evidência, firmando a liberdade e a igualdade como bases fundamentais para todos os povos, como visto abaixo:

[...] Artigo I  Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão  e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.   

Artigo II  Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua,  religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 

Artigo III   Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal [...].

 

A Declaração Universal dos Direitos Humanos se mostrou como um esforço para alcançar o respeito pela dignidade das pessoas e, por conseqüência, de toda a humanidade.  Seguindo essa linha, muitas nações modernizaram suas normas orientando-as pela deferência às necessidades inerentes aos seres humanos.

Na visão de Maria Celina Bodin de Moraes[9], a dignidade faz parte de todo ser humano, atuando como um direcionador para a interpretação e a aplicação das normas legais.

Do mesmo modo que o princípio da dignidade da pessoa humana, a defesa do consumidor também tem cunho constitucional, figurando como uma das cláusulas pétreas.

A “Política Nacional de Relações de Consumo”, explicitada nos artigos 4º e 5º da Lei 8.078/90, delineia como um de seus objetivos o respeito à dignidade do consumidor.  Assim, caso algum direito seja contrariado, é primordial a devida reparação dos danos, sejam eles de natureza patrimonial ou moral.   O desrespeito à dignidade da pessoa é a matiz ensejadora do dano moral nas relações jurídicas de consumo.

Com a diretriz traçada na Resolução nº 39/248 da ONU, referente aos direitos fundamentais dos consumidores, é impossível imaginar respeito à pessoa se não houver respeito ao consumidor. 

 

 

2.2 DIREITOS DA PERSONALIDADE

 

O legislador do Código de Defesa do Consumidor se preocupou em promover uma tutela ampla, não se limitando à proteção do patrimônio do consumidor, mas também amparando os direitos extrapatrimoniais capazes de sofrer lesões de natureza moral. 

Muitos doutrinadores atrelam os direitos da personalidade à essência da pessoa.  Para Carlos Alberto Bittar[10] eles são efetivamente inatos, competindo ao Estado a consideração e o amparo dos mesmos.   Já Simone Bolson[11] interpreta os direitos da personalidade como vitalícios, indisponíveis, intransmissíveis, irrenunciáveis e imprescritíveis, se mostrando essenciais à existência humana.

 Os direitos da personalidade são inerentes às pessoas, sendo intimamente integrados ao princípio da dignidade humana.  Mostram-se como valores jurídicos não passíveis de redução.   A lesão a qualquer direito acarreta a responsabilidade do fornecedor em reparar o dano causado.

Roberto Senise Lisboa[12] destaca como características principais dos direitos da personalidade do consumidor a extrapatrimonialidade, a originariedade, a perpetuidade, a indisponibilidade, a oponibilidade erga omnes, a intransmissibilidade, a impenhorabilidade e a imprescritibilidade.

A preocupação legislativa em preservar os direitos da personalidade do consumidor é percebida ao se considerar que a vida, a educação, a saúde, a informação e a segurança são direitos básicos elencados no artigo 6º do CDC.    Na mesma disposição normativa estabeleceu-se a prevenção e a reparação dos danos morais e patrimoniais.

A responsabilidade conferida ao fornecedor em responder pelo “fato do produto e do serviço”, previstos nos artigos 12 a 17 do CDC, baseia-se na proteção dos direitos extrapatrimoniais.  Assim, o consumidor lesado poderá requerer a reparação dos danos materiais, dos morais ou da cumulação deles, como sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça-STJ, no enunciado nº 37, que disciplina que “são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.

 

2.3  DEFINIÇÃO DE DANO MORAL

 

Apesar da existência de vários entendimentos sobre a definição de dano moral, muitos doutrinadores visualizam essa lesão como aquela capaz de atingir bens imateriais, não tendo ligação com o patrimônio do ofendido.

Dano moral, na visão de Arnaldo Medeiros Fonseca[13], é o sofrimento humano que resulta de lesão a direitos alheios aos bens patrimoniais.   Assim, são aptas a gerar dano moral as questões ofensivas aos direitos políticos, aos personalíssimos ou aqueles próprios da personalidade humana, como vida, liberdade, honra, nome, liberdade de consciência ou de palavras.

As acepções contemporâneas consideram os bens essenciais à existência humana.   Nesse entender, Sérgio Cavalieri Filho leciona que “...dano moral é lesão de bem integrante da personalidade, tal como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima”[14].  Por sua vez, Carlos Alberto Ghersi[15], define dano moral como alterações negativas do espírito, acarretando preocupações ou irritações que afetem a estabilidade emocional das pessoas.  Wilson Mello da Silva[16] complementa o pensamento esclarecendo que moral “é o patrimônio ideal da pessoa, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico.  Jamais afeta o patrimônio material”.   No mesmo sentido Rizzatto Nunes[17] argumenta que o “dano moral é aquele que afeta a paz interior de cada um.  Atinge o sentimento da pessoa, o decoro, o ego, a honra, enfim, tudo aquilo que não tem valor econômico, mas que lhe causa dor e sofrimento.  É, pois, a dor física e/ou psicológica sentida pelo indivíduo”.

Em época não muito distante era comum encontrar doutrinadores que se posicionavam contrariamente ao estabelecimento de indenizações para reparação do dano moral.  Dentre os principais argumentos que negavam tais indenizações estavam a alegação de que esse tipo de agravo tinha natureza transitória; que seria impossível reparar tal afronta no âmbito legal; a discordância em se discutir fatores emocionais em um Juízo; ou, até mesmo, pela imoralidade de se compensar a dor sofrida com dinheiro.  

Com o desenvolvimento da sociedade e o aumento do entendimento de que o ser humano é complexo em sua essência, demandando constante proteção de sua dignidade, as alegações contrárias à indenização por reparação moral foram perdendo força.  

Entendimentos mais sensíveis a essa nova visão esclareciam que a dignidade é um direito da personalidade, carecendo de tutela jurídica, não existindo obstáculo para a indenização ligada ao dano moral.   Outra constatação importante é a de que a dificuldade em tentar mensurar a extensão da ofensa moral não pode servir para encobrir o ofensor e prejudicar a vítima, já que o intento do Estado Democrático de Direito é o de que não subsista efeito danoso sem justa reparação.

É necessário explicitar que para a caracterização do dano moral algum direito da personalidade deve ter sido violado, excluindo a possibilidade de seu arbítrio em situações de simples incômodos ou desconfortos cotidianos.

 Em harmonia com esse entendimento, Sérgio Cavalieri Filho[18] estabelece ponderações para a configuração do dano moral, concluindo que “mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo”.

Em resposta aos anseios sociais, a Constituição Federal de 1988 dispôs em seu artigo 5º, inciso X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. 

 

2.4  QUANTIFICAÇÃO DO DANO MORAL

 

A quantificação do dano material é indubitavelmente mais simples, visto que é auferida pelos valores que o ofendido perdeu e por aqueles que ele deixou de ganhar, a fim de propiciar um retorno ao estado econômico que ele detinha antes do evento lesivo. 

Quando a discussão recai sobre dano moral, no entanto, existem vários fatores que dificultam auferir a extensão da lesão, pois se referem a valores não quantificáveis monetariamente, envolvendo sentimentos íntimos das pessoas, o que deixa a questão totalmente subjetiva.   As perdas nesse universo não atingem o que o indivíduo possui, mas sim o que ele sente internamente.

Enquanto nas reparações materiais o objetivo é restituir os valores perdidos, nas reparações morais a indenização assume caráter diverso, buscando compensar a vítima, a fim de amenizar sua dor, ao mesmo tempo em que se mostra como uma penalidade para o ofensor.   Percebe-se, também, um caráter pedagógico com a finalidade de que aquele que provocou o dano não volte a fazê-lo. 

Mesmo dissipada qualquer controvérsia sobre a possibilidade de aplicação da indenização no âmbito moral, os valores arbitrados no Brasil ainda estão em uma escala muito acanhada.  Talvez isso se deva ao fato de que a sociedade passou por um longo período de oposição ao estabelecimento de tais indenizações, já que a instituição do dano moral é algo relativamente recente na história jurídica do país.

José Osório de Azevedo Junior[19] discursa sobre a abordagem que os magistrados adotam no ressarcimento dos danos morais, concluindo que é ainda muito acanhada a fixação da reparação nesse tipo de dano, seja pelo positivismo exagerado, seja pela dificuldade em avaliar as lesões íntimas.

Na visão de Antônio Jeová Santos[20] “um dos grandes desafios do jurista, neste início do Século XXI, é encontrar pautas que mostrem a forma a que se deve chegar para quantificar o dano moral. [...] Salvo o labor dos Tribunais e de alguns poucos doutrinadores, não tem existido muito interesse em encontrar-se soluções justas para essa questão.”

Ao se fixar a indenização no âmbito moral, é necessário observar as funções a que a reparação se propõe, passando pelas finalidades compensatória, punitiva e preventiva.  Esse tríplice desígnio é confirmado pela análise do princípio da restituição integral, encontrada no artigo 6º, VI, do CDC, que apresenta a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais como direito básico do consumidor.

A indenização deve ser ajustada à partir da análise de cada caso concreto.   A Constituição Federal, em seu artigo 5º, V, determina que a indenização seja proporcional ao agravo, não estando, portanto, sujeita à limitações.  Admitir qualquer ressalva à reparação integral seria danoso ao consumidor, que se veria obrigado a suportar a lesão que excedesse a quantia fixada.

Como a nossa legislação optou por não estipular parâmetros para a fixação do quantum indenizatório, cabe ao juiz analisar as circunstâncias fáticas e guiar seu entendimento com critérios sopesados pelo bom senso, proporcionalidade e razoabilidade.   A tarefa do julgador é a de valorar a indenização de forma que não resulte em uma quantia insignificante, que possa macular a natureza jurídica dos direitos da personalidade.   Em contrapartida, a quantificação pelo juiz também não pode ser exacerbada sob pena de promover a injustiça.

É fato, porém, que a lei não pode ser aplicada de forma tímida, pois isso estimularia a continuidade de posturas reprováveis daqueles que relutam em observar as diretrizes normativas.  

 Foi justamente pela complexidade dos fatores envolvidos que a Lei 8.078/90 se preocupou em tutelar o consumidor, agente naturalmente vulnerável.   Tal proteção é facilmente percebida na Política Nacional de Consumo (artigo 4°, CDC), baseada em parâmetros essenciais para a obtenção de uma relação consumerista harmônica.  Dentre as principais diretrizes são encontradas a busca pelo “atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo”.   O principal objetivo de se buscar o equilíbrio nas relações de consumo é promover o desenvolvimento econômico e social do país como um todo.

Nessa procura incessante pela estabilização, o Código de Defesa do Consumidor pautou as ações dos indivíduos na observância da boa-fé, que se mostra como uma demarcação para a implantação de direitos e como um embasamento para os deveres de conduta.  

Ao se falar em reparações, sejam elas morais ou materiais, o que se pretende alcançar é uma convivência mais saudável, contribuindo com a formação de uma cultura de respeito e lisura entre os agentes de mercado. 

 Reforçando esse ideal, as relações consumeristas são marcadas pela responsabilidade objetiva do fornecedor, não se fazendo necessária a verificação do tipo de conduta adotada por ele, mas, tão somente, a sua obrigação em reparar o dano, independentemente de ter agido ou não com culpa.  O risco da atividade comercial ou produtiva é um ônus pertencente apenas ao fornecedor, que não deve transferi-lo para o consumidor.

 

 

3 A REPARAÇÃO DO DANO MORAL COMO FORMA DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL

 

Como visto anteriormente, não há concordância quanto aos critérios utilizados para a fixação do valor da reparação moral.   As decisões dos tribunais aparecem como um contorno desses critérios.  Em uma análise geral, unindo entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, conclui-se que alguns fatores não podem ser desprezados na valoração do dano, como o grau de culpa do ofensor, sua situação econômica, conseqüências da ação na vida do ofendido e sua repercussão social.

Comumente ouve-se falar na formação de uma “indústria do dano moral”, devido ao aumento dos processos judiciais nessa seara.   Tal argumento beneficia os maus fornecedores, ao mesmo tempo em que prejudica os consumidores, que vêem suas demandas menosprezadas por um jargão defeituoso, inserido irresponsavelmente no meio jurídico.

O aumento de pedidos referentes ao dano moral não pode ser interpretado como ganância do consumidor.   Os indivíduos estão em processo de aprendizado, começando a conhecer os direitos a que fazem jus, o que, inevitavelmente, acarreta um maior número de demandas judiciais.   O incorreto é atrelar um fator totalmente positivo, que é a maior conscientização das pessoas, a uma idéia errônea de que, se o consumidor busca a proteção dos seus direitos, é porque ele o faz almejando auferir ganhos.  

 O que se percebe é que há uma inversão dos valores, pois não é o consumidor que deve cessar o pleito das reparações morais, mas sim, o mercado é que deve buscar um nível de excelência, baseado na boa-fé e respeito, que seja capaz de reduzir significativamente o número de lesões causadas aos consumidores.   

Na verdade, não há uma “indústria do dano moral”, mas sim, um hábito ainda incrustado na sociedade, baseado na concepção geral de que o indivíduo deve suportar as lesões emocionais decorrentes das ações negligentes do ofensor.

Ainda não há um verdadeiro preparo para entender profundamente a importância de se coibir atitudes nocivas às relações consumeristas, mas é evidente que somente com a aplicação de penalidades exemplares os indivíduos alcançarão uma efetiva proteção.

É notório que em todos os sistemas existem deformidades; porém, não é apropriado considerar a regra pela exceção.    Apesar de existirem alguns casos nos quais o consumidor não se comporta da forma devida, as circunstâncias fáticas mostram que, no geral, as situações perniciosas são causadas pelas ações ou omissões do fornecedor.   Não é apropriado, portanto, alegar que o consumidor se beneficia da sua situação de vulnerabilidade para arrecadar indenizações referentes aos danos extrapatrimoniais, ao trazer ao mundo jurídico discussões de cunho moral. 

O pensamento mais coeso com as circunstâncias fáticas seria exatamente o oposto, pois, se não existisse uma quantidade tão grande de atos abusivos, não haveria tantas lesões aos direitos dos consumidores.   Desconsiderar os danos morais, ou colocar a reparação em patamares ínfimos beneficia o fornecedor que atua com má-fé. Esse procedimento permissivo, visando desestimular o crescimento do pedido de indenizações, contribui para o atraso social, o que seria avesso ao anseio de desenvolvimento. 

O fornecedor tem a possibilidade de adotar posturas preventivas, suprimindo ou minimizando conjunturas predispostas a acarretar danos.  Se ele opta por negligenciar o dever de prudência na execução de suas funções, deverá ser responsabilizado pelas suas atitudes e condenado a reparar as consequências advindas delas. 

A atuação preventiva é mais eficiente que a reparatória, pois, após a ocorrência do dano, é pouco provável conseguir levar a vítima ao status quo anterior.  A compensação derivada do arbitramento da reparação moral serve apenas como um paliativo, visto que a perturbação emocional já fora implantada anteriormente.   Atitudes preventivas, por parte do fornecedor, resultariam na tutela da relação de consumo o que, naturalmente, diminuiria a necessidade de provocação judicial.  Essa postura desaceleraria a ocorrência de pedidos indenizatórios excessivos ou desarmônicos, gerando uma diminuição expressiva no número de lesões e, consequentemente, no número de processos em tramitação.

A ampliação da busca pela tutela jurídica, antes de ser apreciada como um problema deve ser considerada como um avanço.    Somente com a elevação do patamar de exigências realizadas por consumidores conscientes, existirão estímulos capazes de impulsionar mudanças no comportamento de fornecedores desrespeitosos.   

A Lei n° 8.078/90 impôs a boa-fé como um princípio de conduta.  Conseguir alcançar um maior desenvolvimento social está sujeito à observância plena das necessidades do ser humano, principalmente as que são relativas à sua dignidade.  Um grande passo para a obtenção desse ideal é aplicar o cunho educativo da reparação, dizimando qualquer dúvida sobre o fato de que a toda ação caberá uma reação correspondente.   Dessa maneira, se a postura estatal fosse rígida, intolerando abusos, os fornecedores se manteriam mais atentos à sua responsabilidade legal, extinguindo situações tendentes a causar danos aos consumidores, e primando por uma postura mais adequada e coesa com seu papel social.

Quando a aplicação das normas é efetiva, cria-se um ambiente mais seguro, abalizado pela certeza de que a todo ato haverá uma consequência adequada. O rigor na aplicação da legislação gera um temor benéfico, impulsionando os indivíduos a pautar suas ações em conformidade com os ditames normativos. 

A observância das regras contribui para um ambiente de respeito ao próximo, em que os indivíduos passam a cumprir mais fielmente os princípios essenciais que norteiam as relações de convivência.   Assim, qualquer deformidade seria prontamente combatida, a fim de se preservar o desejado estado de garantia social.   Nesse sentido, a reparação do dano moral contribui para o aprimoramento da sociedade, à medida que o Estado obriga o ofensor a responder pelos seus atos.  

A obtenção de lucro não pode suplantar a dignidade humana.  O intuito principal do Direito do Consumidor é alcançar um nível harmônico, oriundo de uma relação de respeito entre as partes envolvidas.

 

CONCLUSÃO:

 

A Constituição Federal de 1988 e a Lei 8.078/90 foram cruciais para a proteção das relações de consumo em nosso país.    

A dignidade humana é ínsita a todos os indivíduos, não permitindo nenhum tipo de relativização.  Ela se mostra como um princípio fundamental da sociedade, devendo ser a preocupação basilar de qualquer relação existente entre os sujeitos do mercado.   Nesse contexto, nenhuma atuação, mesmo que lucrativa, poderá ser levada a diante se não assentar o fator humano em primeiro lugar.   

Em uma economia capitalista, focada naturalmente na ampliação da lucratividade, a intervenção estatal se mostra essencial, a fim de coibir abusos cometidos em busca de realização de objetivos particulares.   O Estado deve ter uma atuação marcante, capaz de estimular os fornecedores a agirem dentro de parâmetros de boa-fé e confiança.  

As lesões mais bárbaras que os comportamentos abusivos podem causar estão diretamente relacionadas aos direitos personalíssimos.   São os casos em que o agravo acomete a esfera íntima da pessoa, ocasionando dor, sofrimento e angústia.    

A maneira eficiente para evitar o dano moral é a tomada de atitudes preventivas por parte do fornecedor, que deve concentrar seus esforços na eliminação de circunstâncias potencialmente nocivas.  Assim, muitos eventos danosos poderiam ser impedidos, o que reduziria drasticamente o número de lesões e indenizações.

Nas situações em que o dano moral acontece, é fundamental a conciliação entre o valor arbitrado como reparação e o aporte econômico do ofensor.  A instalação de indenizações aquém do dano sofrido provoca um descrédito na legislação consumerista e, por conseguinte, na sua aplicabilidade.  Nesse caso, o consumidor se sentiria desamparado, enquanto o fornecedor estaria à vontade para atuar livremente conforme seus interesses, apostando na ausência de penalidade, ou na sua fixação em patamares meramente simbólicos, sem efetividade real.

Não é racional criar barreiras ao desenvolvimento, já que ele é universalmente benéfico aos indivíduos.   Porém, não é coerente admitir que em nome de um pretenso desenvolvimento os direitos dos consumidores sejam prejudicados.  Uma sociedade somente aufere ganhos se regular suas ações na boa-fé e respeito à dignidade humana, caso contrário, por mais que existissem melhorias tecnológicas ou financeiras, não haveriam ganhos sociais, pois os valores primordiais seriam suplantados pelo interesse de poucos.  

É vital encontrar um equilíbrio entre o avanço científico e o respeito ao ser humano. Com isso, as forças produtivas se desenvolveriam fundadas em parâmetros de responsabilidade, tendo com o mote central não a lucratividade, mas sim, o respeito ao consumidor.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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BRASIL, Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990).  Vade Mecum Saraiva, obra coletiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 8ª ed. atual. e ampl.  São Paulo: Saraiva, 2009.

BRASIL. Ministério da Justiça.  Declaração Universal dos Direitos humanos.  Disponível em http://www.mj.gov.br.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 37. São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato. In: Vade Mecum Saraiva, obra coletiva coma colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 8ª ed. atual. e ampl.   São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1787.

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SANTANA, Héctor Valverde.  Dano Moral no Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

 

[1] NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor, p. 65.

[2]  LISBOA, Roberto Senise.  Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo, p. 193.

[3] FILHO, Sérgio Cavalieri apud MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 357.

[4] FILOMENO, José Geraldo Brito in GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado Pelos Autores do Anteprojeto, p. 48.

[5]  SANTANA, Héctor Valverde. Dano Moral no Direito do Consumidor, p. 69.

[6] Olga Maria do Val e Fábio Ulhoa Coelho apud LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo, p. 84.

[7] CAS, Gerard apud FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor, p. 55.

[8] NUNES, Luiz Antônio Rizzatto.  Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 22.

[9] MORAES, Maria Celina Bodin de.  A Caminho de um Direito Civil Constitucional.  Revista de Direito Civil, ano 6, nº 65, p. 21-32 apud CASTRO, Flávia Viveiros de, p.34.

[10]  BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade, 5ª ed. atualizada por Eduardo Bittar, Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 6-10, apud CASTRO, Flávia Viveiros de, p. 48.

[11]  BOLSON, Simone. Direitos da Personalidade do Consumidor e a Cláusula Geral da Tutela da Dignidade da Pessoa Humana. Revista do Consumidor, nº 52, outubro/dezembro de 2004, p. 131-62, apud CASTRO, Flávia Viveiros de, p. 48.

[12]   LISBOA, Roberto Senise.  Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo, p. 110.

[13] FONSECA, Arnoldo Medeiros. Dano Moral, apud SANTANA, Héctor Valverde, p. 92.

[14] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 74, apud SANTANA, Héctor Valverde, p. 92.

[15] GHERSI, Carlos Alberto. Daño Moral y Psicológico. 2ª ed. Buenos Aires: Astrea, 2002, p. 126, apud SANTANA, Héctor Valverde, p. 92.

[16]  SILVA, Wilson Mello da.  O Dano Moral e Sua Reparação, p. 1-2 apud  NUNES, Luiz Antonio Rizzatto, p. 69.

[17]  NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 69.

[18] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 78, apud SANTANA, Héctor Valverde, p. 93.

[19] AZEVEDO JUNIOR, José Osório de. O Dano Moral e Sua Avaliação.  Revista do Advogado, nº 49, p. 7-14, apud CASTRO, Flávia Viveiros de, p. 143.

[20] SANTOS, Antônio Jeová. Dano moral indenizável. 4ª ed. São Paulo: RT, 2003, p. 149, apud SANTANA, Héctor Valverde, p. 125.

Sobre a autora
Simone Maria Silva Magalhães

Advogada especializada em Direito do Consumidor. Inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, seção Distrito Federal-OAB/DF. Pós-graduada em Ordem Jurídica e Ministério Público pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios-FESMPDFT. Membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/DF. Associada ao Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor/Brasilcon. Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Federal de Uberlândia-UFU.

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