Sumário: 1 – Introdução. 2 - Fundamento legislativo. 3 - O procedimento de suspensão. 4 – A apreensão da CNH. 5 – A cassação da CNH. 6 – conclusão. 7 – Bibliografia.
1 – INTRODUÇÃO
Com a entrada em vigor da Lei 9503/97, Código de Trânsito Brasileiro (CTB), a Carteira Nacional de Habilitação e Permissão para Dirigir, passaram à ser alguns dos documentos mais importantes do cidadão, especialmente à aqueles que a tem como "qualificação profissional". Por outro lado, a CNH e Permissão para Dirigir, são objetos de desejo da juventude, as quais, muitas vezes, não imaginam a responsabilidade de ser um condutor de veículo automotor.
Depois de sancionada a referida lei, enormes dúvidas vêm surgindo, dentre elas, o procedimento de suspensão da CNH, o qual muitas vezes não tem obedecido ao "devido processo legal" e, em inúmeras situações, condutores têm sanções e restrições ao seu direito de dirigir, sem os quesitos básicos da ampla defesa, do contraditório e do transito em julgado, em suma, sem o devido processo legal.
2 - FUNDAMENTO LEGISLATIVO
Art 256º – A autoridade de trânsito, na esfera das competências estabelecidas neste código e dentro de sua circunscrição, deverá aplicar, às infrações nele previstas, as seguintes penalidades:
III – suspensão do direito de dirigir;
V – cassação da Carteira Nacional de Habilitação;
VII – freqüência obrigatória em curso de reciclagem.
Art 261º – A penalidade de suspensão do direito de dirigir será aplicada, nos casos previstos neste Código, pelo prazo mínimo de um mês até o máximo de um ano e, no caso de reincidência no período de doze meses até o máximo de dois anos, segundo critérios estabelecidos pelo CONTRAN. (Resolução 54/98 do CONTRAN)
§ 1º - Além dos casos previstos em outros artigos deste Código e excetuados aqueles especificados no art 263, a suspensão do direito de dirigir será aplicada sempre que o infrator atingir a contagem de vinte pontos, prevista no artigo 259.
§ 2º - Quando ocorrer a suspensão do direito de dirigir, a Carteira Nacional de Habilitação será devolvida a seu titular imediatamente após cumprida a penalidade e o curso de reciclagem.
Art 265º - As penalidades de suspensão do direito de dirigir e de cassação do documento de habilitação serão aplicadas por decisão fundamentada da autoridade de trânsito competente, em processo administrativo, assegurado ao infrator amplo direito de defesa.
3 – O PROCEDIMENTO DE SUSPENSÃO
Em princípio, vale salientar que, o processo administrativo de Suspensão do Direito de Dirigir somente pode ser instaurado pela Autoridade Competente, que in casu, é o diretor do DETRAN do respectivo Estado de registro do condutor. Para a instauração do procedimento que visa suspender o direito de dirigir de condutores, é necessário também que o processo referente ao mérito da autuação tenha transitado em julgado perante a Junta Administrativa de Recurso de Infrações (JARI) e, se for o caso, perante o CETRAN ou CONTRAN, respectivamente.
Transitado em julgado os recursos quanto às autuações (multas), onde não caiba mais nenhum recurso, ou expirado os prazos recursais, o Diretor do DETRAN instaurará o procedimento administrativo que poderá suspender o direito de dirigir do condutor.
"Quanto ao "Processo Administrativo" punitivo (é básico ao estudo jurídico) ele percorre obrigatoriamente as seguintes fases: "instauração (através da portaria ou auto de infração), instrução (para elucidar os fatos), defesa (ampla, com possibilidade de contestação e provas), relatório e julgamento final (prolatado pela autoridade competente). Reforçando esta lição, a atual constituição de 1988, no seu artigo 5, LV, garante a ampla defesa e o contraditório em qualquer processo administrativo". (1)
Ao instaurar o procedimento, é(são) relacionado(s) o(s) auto(s) que deu(ram) origem ao processo, seguido(s) da(s) data(s), placa(s) e dispositivo(s) legal(is) que o(s) fundamentou(aram), para que o condutor possa ser notificado. A notificação deve ser feita de forma à possibilitar ao administrado o prazo mínimo-integral de trinta dias para exercício de sua defesa, sob pena de anulabilidade do ato.
"Da notificação deverá constar a data do término do prazo para apresentação de recurso pelo responsável pela infração, que não será inferior a trinta dias contados da data da notificação da penalidade" (art 282 §4º - CTB)
Realizada a notificação, o condutor terá o prazo de trinta dias para que apresente "toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de direito, com que impugna a acusação que lhe foi feita e especificando as provas que pretende produzir".[2]
"Na defesa, admite-se a apresentação de quaisquer tipos de documentos ou papeis, de ordem pública ou particular. Há possibilidade, inclusive, de inquirição de testemunhas, posto que o código, embora nada prevendo a respeito, não veda a prática (...)". (3)
Sendo interposta a defesa perante a autoridade de trânsito, a mesma será apreciada pela própria autoridade, que, após toda a instrução necessária, julgará a defesa optando pelo seu arquivamento, ou pela aplicação da penalidade.
Julgada procedente a defesa, a autoridade de trânsito determinará a exclusão da pontuação e, por conseguinte, o arquivamento do processo. Sendo considerada improcedente a defesa, a autoridade fixará a sanção à ser imposta, que deverá, obrigatoriamente, obedecer aos princípios no art 2º, "VII"; art 50 "V", "VII" e "VIII" da lei 9784; Resolução 54/98 do CONTRAN, dentre outros pressupostos que determinem a decisão. Desta forma, se for o caso, o administrado terá pressupostos necessários para recorrer da decisão.
Aplicada a penalidade, será expedida a notificação, de forma que assegure ao suposto infrator a ciência da imposição da penalidade, determinando o prazo mínimo de trinta dias para que o suposto infrator entregue sua habilitação, ou para que recorra da decisão. Salienta-se ainda que, "durante o procedimento administrativo não cabe apreensão da CNH, pois tal medida configura a imposição da penalidade sem o devido processo legal". [4]
Contra a decisão da autoridade de trânsito cabe recurso perante a JARI que funcione junto a respectiva autoridade de trânsito, a qual deverá julgá-lo em até trinta dias (art 285 do CTB), tendo a referida JARI, poderes para; revogar, anular, alterar ou manter a decisão proferida, pois apesar de funcionarem junto ao respectivo órgão, não são subordinados a ele (art 16 § único do CTB).
Sendo o recurso julgado procedente, cabe recurso por parte da autoridade de trânsito, ou, se julgado improcedente, cabe recurso por parte do suposto infrator, em ambas situações perante o CETRAN (art 288 do CTB).
Enquanto não houver transitado em julgado o processo, além de ser vedado recolhimento da CNH, "improcede a recusa de renovação da CNH a pretexto da existência de autuações e multas, não estando o procedimento de suspensão concluído" (8ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, processo 166 /053.01.0026.48-0).
"(...) 1.recebo como adiantamento a inicial. 2.presente os pressupostos legais, concedo a liminar pretendida, autorizando o impetrante à renovar a sua CNH, Visto que ainda não há noticias da decisão do processo administrativo" (processo 00838/02 vara civil de Jandira/SP).
O entendimento jurisprudencial tem se firmado a cada dia sobre a questão;
"MANDAMUS. Liminar indeferida. Impetração contra autoridade de trânsito que nega renovação de CNH por possuir nº de pontos superior ao limite legal. Equivalência à pena de suspensão, ou cassação do direito de dirigir. Necessidade de devido processo legal administrativo, no qual seja assegurado amplo direito de defesa e o ato de suspensão ou cassação decorra de decisão fundamentada (arts 5º, LV, CF/88, c/c 265 CTB). Liminar que deve ser deferida, pois relevantes os fundamentos da impetração e nítida a possibilidade de prejuízo se a segurança for concedida ao final. Recurso provido". (TJSP, Agravo de Instrumento nº 325.360.5/0 – São Paulo).
4 – A APREENSÃO DA CNH
Quando falamos sobre apreensão, ou recolhimento do documento de habilitação, são indagadas inúmeras dúvidas e controvérsias sobre a questão. Concernentes ao assunto, são inúmeros, e diversificados os entendimentos.
O CTB prevê o recolhimento do documento de habilitação como medida administrativa e, a apreensão do aludido documento em caso de suspensão do direito de dirigir; suspensão esta que só ocorrerá, após decisão fundamentada da autoridade competente (art 265º, CTB).
Atualmente, em especial no Estado de São Paulo, a policia militar somente tem procedido ao recolhimento do documento de habilitação em casos específicos, como; CNH vencida à mais de trinta dias e, quando há suspeita de autenticidade. Este procedimento tem se mostrado como o mais correto e, neste sentido, tem se mostrada pacífica as jurisprudências predominantes nos tribunais;
"É certo que o artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro prevê como medida administrativa o recolhimento do documento de habilitação daqueles que dirigem sob influencia de álcool, em nível superior a seis decigramas por litro de sangue, ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica".
"Não é menos certo, porém, que o artigo 265º desse mesmo ‘codex’ prevê que as penalidades de suspensão do direito de dirigir e de cassação do documento de habilitação serão aplicadas por decisão fundamentada da autoridade de trânsito competente, em processo administrativo, assegurado ao infrator amplo direito de defesa" (TJSP, Ap Civil nº 94.193-5/0 – Rel Coimbra Schmidt, 18/10/1999).
"Não cabe a apreensão enquanto ocorre o processo. Unicamente após o julgamento é que se aplica a suspensão, apreendendo-se a habilitação, na linha da jurisprudência, pronunciada pelo Tribunal Regional da 4ª Região: "A lei prevê, em caso de embriaguez, a apreensão da CNH, pela autoridade de trânsito, como medida administrativa. Tal medida não substitui, porém, o necessário procedimento administrativo, com vistas à imposição da penalidade de suspensão do direito de dirigir. Nesse procedimento, é necessário que se assegure, antes que tenha efeito a penalidade, o necessário direito de defesa, não sendo legítima a manutenção da CNH apreendida até o julgamento da consistência do auto de infração e enquanto perdurar o procedimento administrativo, pois tal procedimento configura a imposição da própria penalidade, sem o devido processo legal". (5)
Sobre este ponto de vista, entendemos ser justo o recolhimento do documento de habilitação como medida cautelar, especialmente para situações como embriaguez, desde que o fato esteja devidamente comprovado no momento. A CNH deverá ser devolvida à seu titular, tão logo comprovadas condições físicas e/ou psicológicas, de modo à não oferecer risco ao trânsito, sendo então, posteriormente, instaurado o necessário procedimento administrativo que suspenderá, ou não, o direito de dirigir do condutor/infrator.
"Somente após decisão definitiva da autoridade impondo a penalidade, da qual não caiba nenhum recurso administrativo, é que pode ser executada a suspensão do direito de dirigir, cujo prazo inicia a partir da apreensão da Carteira de Habilitação. Essa apreensão jamais poderá ocorrer antes da decisão definitiva impondo a penalidade". [6]
Transitado em julgado e, se considerado "culpado", o condutor terá seu direito de dirigir suspenso de acordo com o artigo 261 do CTB, e sua pena arbitrada conforme a resolução 54/98 do CONTRAN.
O prazo para cumprimento da Suspensão, inicia-se a partir do recolhimento do documento de Habilitação, e somente após cumprida a penalidade, que vem cumulado com o curso de reciclagem, é que o documento de Habilitação será devolvido ao condutor (art 261 §2º do CTB).
"Convêm recordar que, é o sistema de pontuação o que propicia ao condutor maior tempo de reflexão e estímulo a modificar-se e aperfeiçoar-se. Bem aplicado, os resultados positivos não tardarão". (7)
5 – DA CASSAÇÃO DA CNH
Art 263º - A cassação do documento de habilitação dar-se-á:
I – quando suspenso o direito de dirigir, o infrator conduzir qualquer veículo;
O CTB, no artigo acima, buscou discriminar, especificamente, os casos em que, poderá ser cassado o documento de habilitação. Dentre as situações previstas, está a prevista no inciso I, quando suspenso o direito de dirigir, o infrator dirigir qualquer veículo.
De acordo com o descrito no inciso I do art 263 (CTB), não é necessário que o condutor/infrator seja multado para caracterizar os respectivo ato ilícito, mas, basta apenas, que seja flagrado dirigindo. Então, a autoridade competente instaurará o necessário processo administrativo, que poderá culminar em cassação do documento de habilitação, prevista em dois anos, porém, assim como nos casos de suspensão do direito de dirigir, o condutor deverá ter seu direito de defesa resguardado, como previsto no artigo 265º do CTB e, artigo 5º LV da Carta Magna de 1988, pois do contrario, estaria configurada a penalidade sem o devido processo legal.
"Este é o princípio básico assegurado pela Constituição Federal de 1988, no art 5º, inciso LV. Embora o art 265º só se reporte às penalidades de suspensão e cassação do direito de dirigir, o direito constitucional aplica-se à qualquer espécie de pena, sanção ou acusação, tais como: advertência, multas, apreensão de veículo, recolhimento de documento do veículo e de habilitação do condutor". [8]
6 – CONCLUSÃO
O atual Código de Trânsito Brasileiro foi sancionado de forma à possibilitar uma considerável redução nos abusos cometidos pelos maus motoristas, porém, devemos sempre estar atentos para que, a administração pública venha cumprir e fazer cumprir a legislação de trânsito, sempre nos termos da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, buscando sempre proporcionar um transito seguro e em condições dignas, tanto para pedestre, quanto para condutores e passageiros.
Consideramos que as penalidades previstas no CTB, em especial as que se referem ao documento de habilitação, devem ser aplicadas, e bem aplicadas, porém, sem exageros e desde que observado o devido processo legal, para que desta forma, atenda ao objetivo principal desta lei; fazer justiça nas coisas da administração de trânsito.
7 - NOTAS
1 - Dr Doorgal G Borges de Andrada – Juiz de Direito em Uberaba/MG – Jornal "Estado de Minas" de 09/02/2001, pg 07.
2 - Manual de Procedimento e Prática de Trânsito – Desembargador Valter Cruz Swenson, 2ª edição, 2002, pg 167.
3 - Comentário ao Código de Trânsito Brasileiro – Desembargador Arnaldo Rizzardo – 4º edição, 2002, pg 561.
4 – item 5 - Deliberação 141/2003 CETRAN/SP).
5 - Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro – Desembargador Arnaldo Rizzardo, 4ª ed, 2002, pg 554 e 555.
6 - Multas de Trânsito, Juiz Carlos Alberto M. S. M. Violante, 2001, pg 62.
7 - item 7- Deliberação 141/2003 do CETRAN/SP.
8 - Aplicação do Código de Trânsito Brasileiro – Luiz Gonzaga Quixadá, Brasília, ed 2000, pg 87