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Considerações acerca do princípio da insignificância nos crimes ambientais

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É possível a aplicação do princípio da insignificância, em detrimento do meio ambiente equilibrado, necessário para a vida, à saúde e ao desenvolvimento de todos?

1. Introdução

Matéria não regulamentada pela nossa legislação – mas nem por isso de pouca importância –, o princípio da insignificância é construção doutrinária do jurista alemão Claus Roxin, e sua aplicação no campo do Direito Penal é clara manifestação do princípio da intervenção mínima do Estado.

Ocorre que as lesões ambientais possuem uma característica específica: causam desequilíbrio no meio ambiente, afetando, de uma forma ou de outra, todo o ecossistema, e, por conseguinte, o homem.

A aplicação do princípio da insignificância, exclui a tipicidade do fato delituoso, com a consequente exclusão da responsabilidade penal do autor do delito.

Com relação aos crimes ambientais, tal princípio também é aplicado, como demonstraremos no decorrer do presente trabalho.

No entanto, levantamos a seguinte discussão: é possível se pensar em uma restrição de um direito individual tutelado pela nossa Carta Magna, qual seja, o da liberdade, em prol da manutenção da higidez do meio ambiente? Afinal, é também mandamento constitucional o dever de proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, não só para as presentes, bem como para as futuras gerações.


2. Crime: conceito

Buscamos o conceito de crime na legislação. Dessa forma a Lei de Introdução ao Código Penal e da Lei das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº. 3.914/41) dispõe em seu art. 1º que

Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

Assim, crime (usado aqui em seu sentido mais amplo) vem a ser aquela conduta antijurídica prevista em lei, seja no Código Penal ou qualquer lei especial, abrangendo tanto os crimes dolosos quanto os culposos, comissivos ou omissivos. A lei deve descrever o fato ilícito, transformando uma conduta em ato lícito ou ilícito. É o princípio da legalidade (nullum crime nulla poena sine previa lege), inscrito no art. 5º, inciso XXXIX da Constituição Federal1 e no art. 1º do Código Penal2.


3. Princípios informadores relativos à insignificância

Em breves palavras, princípios são normas com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes3. São fundamentos que são extraídos da própria legislação ou do ordenamento jurídico em geral.

Para José Afonso da Silva, princípio exprime a noção de “mandamento nuclear de um sistema”4.

Eles decorrem do próprio fundamento da legislação, e embora não estejam expressos na lei, tem grande importância no preenchimento das lacunas da lei, ou como entende Carlos Ari Sundfeld, “os princípios são as idéias centrais de um sistema, ao qual dão sentido lógico, harmonioso, racional, permitindo a compreensão de seu modo de organizar-se”5

São os princípios que servem de critério para a exata inteligência das normas, condição indispensável para a boa aplicação do Direito.

3.1. Princípio da intervenção mínima

Como ensina Alberto Silva Franco, “nem toda conduta causadora de um conflito, em nível de convivencialidade, é de seu interesse. Não basta que um comportamento humano entre em atrito com o grupo societário para que o Direito Penal passe a operar”6.

Não deve então o direito penal tutelar qualquer bem jurídico, bem como qualquer ação ou omissão que possa lesar tal bem jurídico. O direito penal deve ser subsidiário, entrando em ação apenas quando outros ramos do direito não forem capazes de proteger o bem jurídico, resguardando apenas aqueles bens que são indispensáveis à sociedade.

Citando Juan Carlos Barbonell Mateu, Alberto Silva Franco entende que “a tarefa do Direito Penal é precisamente a de intervir o mínimo possível para conseguir o máximo de liberdade”7. O Direito Penal deve ser sempre a ultima ratio, ou seja, o último recurso, último instrumento.

Assim entende a jurisprudência:

APELAÇÃO CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO. ESTELIONATO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. INTERVENÇÃO MÍNIMA DO DIREITO PENAL. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. PRECEDENTE.

O Direito Penal encontra guarida no ícone da intervenção mínima, bem como há que se ressaltar o reconhecimento de que esse âmbito das Ciências Jurídicas não se preocupa com acontecimentos corriqueiros e que podem ser resolvidos fora do âmbito jurídico. No caso, embora da análise do conjunto probatório não se vislumbre a alegada insuficiência de subsídios a referendar a materialidade e a autoria, exsurge cristalina a viabilidade de aplicação do princípio da insignificância.

As ações delitivas atribuídas à apelante, que é primária, não se afiguram lesivas. A toda a evidência, trata-se de situação que refoge ao âmbito de interesse de atuação do Direito Penal, ou seja, não se está frente à conjuntura que perquira a intervenção do Estado. Não vislumbrada a lesividade na conduta descrita na denúncia, a conclusão pelo reconhecimento do princípio da insignificância pela atipicidade é inarredável. APELAÇÃO PROVIDA.

(TJRS – 5ª Câmara Criminal. ACR 70038919031/RS. Rel.: Desembargador Diogenes Vicente Hassan Ribeiro. DJ: 19.01.2012). (Grifos nossos).

3.2. Princípio da proporcionalidade

Esse princípio significa o justo equilíbrio entre a gravidade do fato ilícito e a pena imposta. Dessa forma, não teria sentido uma punição severa por um fato insignificante, bem como uma pena levíssima por um fato grave, como por exemplo aplicar pena de multa para homicídio e pena perpétua para simples furto. É a proibição de qualquer forma de excesso. Deverá, portanto, o Juiz, sempre de acordo com o caso, ponderar os bens juridicamente relevantes em jogo,

“O princípio da proporcionalidade exige que se faça um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que pode alguém ser privado (gravidade da pena)”8.

3.3. Princípio da insignificância

Não basta apenas que determinada conduta, prevista em lei, seja considerada como crime ou contravenção penal; é preciso também que tal conduta seja grave, intolerável.

O princípio da insignificância (ou bagatela) não tem previsão legal em nosso direito; trata-se de construção jurisprudencial e doutrinária. O dicionário Larousse Cultural conceitua o vocábulo insignificância como aquela “coisa de pouco ou de nenhum valor, que não significa nada”9. De acordo com o Supremo Tribunal Federal, a insignificância “tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime, por isso, sua aplicação resulta na absolvição do réu e não apenas na diminuição e substituição da pena ou não sua não aplicação”10.

Como podemos observar, tal princípio é bastante subjetivo. Assim, furtar folha de caderno, apesar de formalmente típico (furto, art. 155 do Código Penal – “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel”) é materialmente atípico. Entretanto se tal folha de caderno contenha dados pessoais da vítima ou de terceiros, dados bancários ou qualquer outro assunto que seja relevante, o que antes era materialmente atípico torna-se materialmente típico.

Na identificação daquilo que pode ser considerado como insignificante, coube a jurisprudência o estabelecimento de vetores que devem ser seguidos. Citamos então a decisão pioneira do Ministro do Superior Tribunal Federal, Ministro Celso de Mello, que em julgamento do Habeas Corpus nº. 84.412/SP, identificou quatro vetores a serem seguidos:

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PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - DELITO DE FURTO - CONDENAÇÃO IMPOSTA A JOVEM DESEMPREGADO, COM APENAS 19 ANOS DE IDADE - "RES FURTIVA" NO VALOR DE R$ 25,00 (EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) - DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF - PEDIDO DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL.

1 - O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: "DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR".

2 - O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.

(STF – 2ª Turma. HC 84412/SP. Rel.: Ministro Celso de Mello. DJ: 19.10.2004). (Grifos nossos).

Como observamos no decisum do Ilustre Ministro, os vetores a serem observados para que seja reconhecido a aplicação do princípio são: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Dessa forma, uma lesão de mínima ofensividade não justifica a movimentação de uma máquina cara e travada, como o Poder Judiciário.

Por fim, o princípio da insignificância não se confunde com o furto de coisa de pequeno valor (art. 155, parágrafo 2º, do Código Penal11).

Nesse caso, por menor que seja o valor, no caso do furto privilegiado supramencionado, o Estado ainda deve atuar na aplicação da lei penal, desde que o réu seja primário, além da coisa furtada ter pequeno valor (o entendimento jurisprudencial é de que este “pequeno valor” não pode ultrapassar um salário mínimo vigente12).


4. Crimes ambientais: conceito e características

Crime ambiental é a ação ou omissão que causa lesão ao meio ambiente. Tal lesão contém características muito particulares. São essas particularidades que tornam os danos ambientais difíceis de reparação, não se alcançando, em muitos casos, o retorno ao (ou ao mais próximo possível do) status quo ante, que é o objetivo que deve ser sempre almejado.

4.1. Amplitude de vítimas

O dano ambiental afeta uma pluralidade de vítimas, não as distinguindo.

Se um lago é contaminado com mercúrio, por exemplo, não apenas suas águas ficam poluídas; é atingida também sua fauna e flora, bem como da população ribeirinha que vive perto e utiliza a água para beber e os peixes desse lago para sua subsistência.

É toda uma comunidade que é envenenada por consumir alimentos contaminados por agrotóxicos ou inseticidas.

Em sede de Embargos de Declaração no Recurso Especial nº. 1.120.117/AC, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Herman Benjamin, proferiu seu voto dizendo que: “o dano ambiental além de atingir de imediato o bem jurídico que lhe está próximo, a comunidade indígena, também atinge a todos os integrantes do Estado, espraiando-se para toda a comunidade local, não indígena e para futuras gerações pela irreversibilidade do mal ocasionado”13.

4.2. Globalidade de seus impactos

O meio ambiente, bem como seus danos, não conhece as fronteiras políticas.

Es el caso de las aves migratorias, protegidas por diversos compromisos de carácter internacional, así como también los sistemas hídricos compartidos o vecinos, respecto de los cuales la vigencia de una solución interna no permite resolver las cuestiones que le son atinentes14.

Apesar do efeito mais intenso do dano ambiental ser sentido no epicentro do desastre, alguns efeitos se estendem para além de sua área15.

Ademais, justamente pela área objeto de lesão ambiental pode ser de extensão maior do que a referida na petição inicial, já se foi entendido que tal fato não importa em julgamento ultra ou extra petita, ou seja, nem além do pedido (isto é, concede algo a mais, quantitativamente, do que foi pretendido – ultra petita), nem coisa diversa da que foi requerida em sua petição inicial (extra petita)16. Essa, aliás, é a regra imposta pelo art. 460 do Código de Processo Civil, que aduz ser “defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”.

Ademais, já entendeu a jurisprudência que em se tratando de fatos autônomos que causam degradação do meio ambiente, não há a configuração do bis in idem, mesmo se tais fatos forem semelhantes uns aos outros17.

4.3. Aniquilação de vítimas

Outra característica do dano ambiental é sua capacidade de aniquilar vítimas. É a floresta que deixa de existir, são os recursos naturais que se exaurem, é uma espécie animal que é abatida.

Dessa forma, é impossível de se efetuar a reparação, ou seja, mantém-se o desequilíbrio, não há o retorno ao estado anterior de antes da lesão ambiental.

4.4. Difícil reparação

Seja pela dificuldade ao retorno ao status quo ante (que em alguns casos pode ser impossível de ser alcançado), seja pelo fato de que eventual indenização, por si, não recupera o dano causado, a reparação do dano pode não alcançar todos os efeitos desejados.

Em outros casos, os danos ambientais podem nem ocorrer a olho nu, como é o caso de contaminação de lençol freático, ou ainda de danos que ocorrem apenas com o passar do tempo, dificultando ainda mais sua reparação.

Ademais, os efeitos do uso de substâncias tóxicas que causam danos ambientais podem se prolongar com o tempo continuando a prejudicar o meio ambiente. Assim, já foram encontrados, em 2005, em grande parte da Europa, traços provenientes da nuvem radioativa oriunda do acidente nuclear de Chernobyl em 198618, afetando um sem número de vítimas. Da mesma forma, foram encontrados traços de DDT (substância proibida desde a década de 1970 para uso externo em diversos países) em pingüins, em estudo feito em 200819.

Igualmente, entendemos que a demora em buscar uma melhor solução para a reparação do dano ambiental pode afetar ainda mais a eficácia da proteção.

Por fim, entendemos ainda a ocorrência de danos que são irreparáveis. Pensamos ser o caso, por exemplo, da poluição dos mares e a poluição atmosférica.

Não há efetiva reparação dos danos causados a esses dois sistemas. É impossível limpar a água dos mares ou o ar atmosférico. Não há como fabricar água do mar sem poluentes ou um ar atmosférico limpo para repor o que foi degradado.

Como trocar toda a água do mar ou o ar atmosférico? E onde armazenar o excedente poluído? Essas são perguntas que ainda não existem resposta.

O ideal nesses casos, e assim também entende Ana Paula da Cruz, é de haver uma tutela preventiva20, buscando-se evitar que tais danos venham a ocorrer, atingindo o meio ambiente, reduzindo o equilíbrio ecológico.

4.5. Continuidade

Os danos ocasionados ao meio ambiente nem sempre são o resultado de uma ação localizada em um único período de tempo. Assim, a característica da continuidade significa que muitos dos danos ambientais ocorrem por uma sucessão de atos que são integrantes de um ato mais complexo. Dessa forma, cada ato provoca um conjunto de danos, o que, naturalmente, resulta em um dano ambiental de maior monta do que a soma de cada um individualmente.

4.6. Difícil valoração

Ainda não existem parâmetros econômicos estabelecidos para a reparação de um dano ambiental. Não à toa, o legislador prefere que a reparação in natura seja tentada primeiro (além de ser esse o objetivo – à volta ao status quo ante –, a indenização é uma tentativa meramente econômica de punir o poluidor, não restaurando o dano ambiental causado).

Não existe um valor econômico para o ar puro ou para uma paisagem. Apesar da importância, são bens que não são expressos através do mercado, não podem ser comprados ou vendidos.

Tampouco existe alguma fórmula para calcular o dano ambiental em toda sua extensão, devendo-se avaliar tais danos sobre todos os elementos do ecossistema que foi degradado21. Ademais, como já afirmamos, é difícil saber a real extensão do dano, seja o que foi atingido ou quem foi atingido.

No entanto, essa dificuldade não significa que a valoração do dano seja impossível de ser realizada. Caberá então à jurisprudência, com o auxílio dos conhecimentos técnicos e científicos adquiridos, a tarefa monumental de forjar critérios práticos para a solução do dano ambiental.

4.7. Dificuldade na verificação do nexo causal

Uma das características do dano ambiental é a dificuldade da verificação do nexo causal.

A responsabilidade pelo dano ambiental, como sabemos, é objetiva e impõe o dever de reparar o dano ambiental a todos que, por ação ou omissão, contribuíram para a sua ocorrência, prescindindo, assim, da demonstração da culpa, sendo necessária para a sua configuração, da demonstração do dano e do nexo causal.

Afinal, quem mora numa área altamente industrializada, com altos graus de poluição atmosférica, por exemplo, obviamente sofre os danos por viver em tal área. Mas como saber quem exatamente é o responsável pela poluição? Quem é o responsável pela causação de chuva ácida?

Entendemos que não havendo a comprovação do nexo de causalidade, impossível haver responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar e reparar as lesões. Nesse diapasão é o entendimento jurisprudencial:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. NEXO DE CAUSALIDADE NÃO COMPROVADO. HONORÁRIOS ADVOCATICIOS.

Correta a sentença que rejeita ação civil pública de reparação de dano ambiental causado pela pesca de sardinhas em período defeso, quando a escolha do réu se mostra absolutamente aleatória e alheia à realidade da proteção ecológica. Indicou-se réu humílimo, com apenas quatro dentes, cujos ganhos são ínfimos, e que jamais participou da pesca, e apenas foi contratado para ajudar em um transporte. Em suma: vê-se de tudo.

Apelação e remessa parcialmente providas, apenas para afastar a verba honorária.

(TRF-2 – 6ª Turma Especializada. REEX 200951010156435. Rel.: Desembargador Guilherme Calmon Nogueira da Gama. DJ: 02.07.2012)22.

Não é simples a prova técnica e inequívoca de dano ambiental, uma vez que os danos ambientais podem não se manifestar no local da ação ou omissão, ou ainda que se manifeste apenas com o passar do tempo.

Ademais, muitas vezes a lesão é causada por múltiplos agentes poluidores, sendo impossível individualizar a conduta de cada um. Assim é no caso da poluição atmosférica, ou a poluição de rios como o Tietê, em São Paulo, que além de advir de múltiplas fontes, foram se acumulando com o passar do tempo.

Geralmente cabe ao autor o ônus da prova. Essa é a regra do art. 333 do Código de Processo Civil. Entretanto, diante da possibilidade em se provar a autoria da lesão, entendemos que deve o juiz da causa eximir o autor da prova de tal lesão, invertendo o ônus em desfavor do agente poluidor, aplicando a regra do art. 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor, que aduz: “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”. Assim já foi decidido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANO AMBIENTAL - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - VEROSSIMILHANÇA DA ALEGAÇÃO - REALIZAÇÃO DE PERÍCIA TÉCNICA - HONORÁRIOS PERICIAIS - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

I - Se o desastre ambiental que contaminou o lençol freático - em razão de vazamento de produto que, como fornecedoras, era comercializado pelas empresas rés/agravadas -, restou incontroverso nos autos; e se está evidenciado o fato de que os autores residiam próximo ao local que possivelmente foi afetado pelo desastre em época próxima à sua descoberta, são, em tese, vítimas desse evento danoso e, portanto, nos termos do art. 17 do CDC, equiparadas aos consumidores.

II - Reconhecida a verossimilhança da alegação do consumidor e a sua hipossuficiência em relação ao fornecedor, deve lhe ser facilitada a defesa de seu direito com o benefício processual da inversão do ônus da prova (inciso VIII do art. 6º do CDC).

III - Recurso de agravo de instrumento conhecido e provido.

(TJDF – 2ª Turma Cível. AGI 20060020099271/DF. Rel.: Desembargador Benito Tiezzi. DJ: 25.04.2007) 23. (Grifos nossos).

Entretanto, nos casos de danos ambientais causados por múltiplos agentes, entendemos ser possível adotar a regra da responsabilidade solidaria, assim como institui o art. 942 do Código Civil: “os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação”.

Nesse sentido é a jurisprudência que temos a oportunidade de colacionar:

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO E FACULTATIVO. POSSIBILIDADE.

Hipótese em que a agravante pretende afastar determinação judicial para que fossem trazidos aos autos de Ação Civil Pública documentos necessários para a citação do IBAMA, IMA, UNIÃO, CRA e ADEMA, dada a presença de litisconsórcio passivo necessário haja vista a discussão naqueles autos tratar de dano ambiental.

Irresignação da agravante porquanto entende tratar-se de matéria referente a litisconsórcio passivo facultativo, conforme previsto no art. 46 do CPC.

De acordo com o entendimento doutrinário e jurisprudencial, em caso de dano ambiental a responsabilidade é de natureza solidária, admitindo-se o litisconsórcio necessário (art. 47 do CPC), outrossim, o litisconsórcio facultativo (art. 46 do CPC).

A permissão para quaisquer das modalidades de litisconsórcio assegura, portanto, a propriedade da medida judicial ora combatida uma vez que o MM. Juiz "a quo", ao agir "ex officio", não infringiu qualquer dispositivo legal. Ademais, a discussão concernente à legitimidade pode ser objeto de apreciação em qualquer momento processual, o que, nesta oportunidade, não configura "prima facie" prejuízos para a demanda.

Agravo de instrumento improvido.

(TRF-5 – 2ª Turma. AGTR 52484/SE 0031645-62.2003.4.05.0000. Rel.: Desembargador Federal Petrucio Ferreira. DJ: 17.0.2007). (Grifos nossos).

Contudo, entendemos que, mesmo que múltiplos os agentes, e que as ações poluidoras sejam da mesma espécie (por exemplo, poluição sonora), e embora sejam praticadas na mesma época e no mesmo local, mas não se confundem, podendo ser individualizadas a conduta de cada agente poluidor, não configura a responsabilidade solidária. Nesse caso, cada um responde pelo seu próprio ato.

Sobre o autor
Rodrigo Henrique Branquinho Barboza Tozzi

Advogado. Especialista em Direito Ambiental – FMU. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca. Pós-Graduando em Gestão Ambiental e Economia Sustentável – PUCRS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOZZI, Rodrigo Henrique Branquinho Barboza. Considerações acerca do princípio da insignificância nos crimes ambientais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7304, 1 jul. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47177. Acesso em: 2 nov. 2024.

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