Desenvolvido nos EUA a partir do célebre caso Marbury v. Madison (1803), o controle abstrato-incidental de constitucionalidade é aquele realizado por qualquer juiz ou órgão do Poder Judiciário, diante de um caso real e concreto posto à apreciação judicial, sendo que a inconstitucionalidade da norma não configura o pedido principal do demandante, mas sim a causa de pedir da demanda subjetiva (a inconstitucionalidade da norma, se reconhecida, não irá integrar o dispositivo do “decisum”). Nesses casos, a eficácia da declarada inconstitucionalidade somente irá produzir-se “inter partes”.
Já o controle concentrado de constitucionalidade, desenvolvido por Hans Kelsen a pedido do governo austríaco, representa uma forma de tutela objetiva das normas constitucionais, conferindo ao órgão da cúpula do Poder Judiciário a competência exclusiva para julgar as ações constitucionais que tenham como objeto exclusivo a declaração da (in)constitucionalidade de uma lei/ato normativo infraconstitucional. Essa modalidade de controle não pretende resolver casos concretos; busca, sim, a anulação genérica da lei ou ato normativo incompatível com os ditames constitucionais. Por esse motivo, seus efeitos são produzidos contra todos (“erga omnes”).
Traçadas essas linhas, faz-se a seguinte indagação: é possível que a decisão proferida em sede de controle incidental estenda seus efeitos para além das partes interessadas na resolução da demanda? A Constituição Federal nos dá essa resposta e duas são as possibilidades de extensão subjetiva “erga omnes” das decisões proferidas pelo STF em sede de controle incidental. De acordo com o art. 52, X, da CF/88, compete privativamente ao Senado Federal “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”.
O STF, após resolver o caso concreto que lhe fora submetido à apreciação, poderá, incidentalmente, declarar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo do Poder Público, desde que o faça por maioria absoluta do seus membros. A partir daí, incumbe à Suprema Corte se irá ou não oficiar o Senado, para que este suspenda a execução, no todo ou em parte, da norma declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF, conferindo, assim, eficácia “erga omnes” à decisão do STF.
Outra instrumento jurídico que possibilita a extensão subjetiva das decisões proferidas em sede de controle incidental de constitucionalidade reside na edição de Súmula Vinculante sobre a matéria discutida. O artigo 103-A da CF/88 (incluído pela Emenda Constitucional nº 45/2004), assim dispõe: “O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei”.
Portanto, a atuação do Senado (suspendendo a execução da lei declarada inconstitucional pelo STF) e a edição da Súmula Vinculante são duas formas legitimamente constitucionais de conferir efeitos “erga omnes” às decisões do STF proferidas no julgamento de um recurso extraordinário, por exemplo.
O Senado, no entanto, não está obrigado a suspender a execução da lei declarada inconstitucional pelo STF; há de ser preservada a leitura tradicional do art. 52, X, da CF/88, pois que o aludido dispositivo constitucional traz uma mera autorização ao Senado Federal (discricionária, portanto) de determinar a suspensão de execução da norma (ou dispositivo normativo) tido por inconstitucional. Essa posição tradicional, apesar de majoritária no STF, foi objeto de discussão na Reclamação nº 4335/A. Na oportunidade, o então Ministro, Eros Roberto Grau, encampando posição minoritária a respeito do tema, proferiu seu voto-vista no sentido de ter havido uma “mutação constitucional” a respeito da interpretação do art. 52, X, da CF, incumbindo ao Senado Federal funcionar como mero órgão publicizador da suspensão da execução da lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF.
Em que pese o notável saber jurídico de Eros Grau, não lhe assiste a razão jurídica. Isso porque, como explicou o então Ministro Sepúlveda Pertence, a Emenda Constitucional n 45/2004 “municiou” o STF com o instrumento da Súmula Vinculante. Caso a Suprema Corte decida conferir eficácia “erga omnes” às suas próprias decisões proferidas em sede de controle de controle incidental, deve se valer da edição da referida súmula, e não reduzir o Senado a mero órgão publicizador das decisões da Corte. Para além, o Ministro Joaquim Barbosa nos agraciou com outro argumento de fundamental importância para a compreensão do tema: não houve mutação constitucional, uma vez que a prática constitucional não demonstra alteração da interpretação do art. 52, X, da Constituição Federal.