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A diferença de um jurista para um filósofo do direito, segundo Miguel Reale

Agenda 01/04/2016 às 11:15

O presente texto tem o escopo de analisar um pequeno texto de Miguel Reale, em que o brilhante filósofo paulista diferencia o “jurista” do “filósofo do direito”.

Filosofia é frequentemente mais simples do que pode parecer, depois que a entendemos, difícil é entendê-la. Vou tentar esmiuçar e exemplificar um pequeno excerto de Miguel Reale, em seu clássico livro “Filosofia do Direito”, no qual o autor tenta distinguir o “filósofo do direito” do “jurista”, tema que considero importantíssimo, todavia prefiro chamar, doravante, neste texto, o “jurista” de “operador do direito”.

Antes de começar, é mister lembrar que a meta do filósofo, e aqui me refiro ao filósofo de modo geral e não ao filósofo do direito, é buscar a Verdade. Para tal desiderato, vale-se do método dialético até intuir diretamente a presença da Realidade e depois da lógica, para verificar até chegar em um grau de certeza apodítica, sendo este, basicamente, o método filósofico.

Para Reale, o operador do direito(juiz, promotor, advogado, defensor, etc) fica tranquilo ao aplicar a lei, vejamos o que ele diz:

“Enquanto que o jurista constrói a sua ciência partindo de certos pressupostos, que são fornecidos pela lei e pelos códigos, o filósofo do direito converte em problema o que para o jurista vale como resposta ou ponto assente e imperativo. Quando o advogado invoca o texto apropriado da lei, fica relativamente tranqüilo, porque a lei constitui ponto de partida seguro para o seu trabalho profissional; da mesma forma, quando um juiz prolata a sua sentença e a apóia cuidadosamente em textos legais, tem a certeza de estar cumprindo sua missão de ciência e de humanidade, porquanto assenta a sua convicção em pontos ou em cânones que devem ser reconhecidos como obrigatórios.”

O filósofo do direito, por sua vez, tem um papel de “contestar” as premissas que são tomadas de forma incontestáveis pelos operadores do direito, ou seja, a lei e os códigos:



“O filósofo do direito, ao contrário, converte tais pontos de partida em problemas, perguntando: Por que o juiz deve apoiar-se na lei? Quais as razões lógicas e morais que levam o juiz a não se revoltar contra a lei, e a não criar solução sua para o caso que está apreciando,uma vez convencido da inutilidade, da inadequação ou da injustiça da lei vigente? Por que a lei obriga? Como obriga? Quais os limites lógicos da obrigatoriedade legal?”

Em outras palavras, o filósofo do direito, como uma espécie de filósofo, deve buscar a Verdade e, para tal, deve submeter as premissas a um método de confirmação de sua veracidade. Como as premissas de que partem os operadores de direito são as fontes do direito, o papel do filósofo do direito é perquirir a Verdade de tais fontes.

Sempre fico assustado como o debate jurídico acaba quando se chega a determinado ponto, por exemplo, um renomado professor doutor em Direito Internacional cita uma norma que tem inspiração em documentos ONU e pronto. O debate jurídico, mesmo em nível de doutorado, morre aí. Mas será que a ONU é boa ou é tão corrupta quanto o Senado Federal e a Câmara dos Deputados?

Como nós vemos todos os dias notícias de corrupção dos nossos parlamentares, sabemos que há muita corrupção lá, da ONU, contudo, pouco sabemos. Temos uma visão glamourizada da ONU. A nossa ignorância acerca do que se passa na ONU faz com que a admiremos. Mas há diversos livros que contestam essa imagem que a grande maioria dos nossos bachareis têm da ONU e não é de hoje, o grande Nelson Rodrigues já dizia:

“Eu considero a ONU uma delinqüente da pior espécie”

A ONU não é, ou pelo menos não costuma ser uma fonte formal do nosso ordenamento jurídico, mas é fonte material, pois quase tudo vem de lá, como por exemplo os Direitos Humanos, o ECA e etc... Creio que este exemplo da ONU seja um bom caso para demonstrar como falta aos nossos operadores do direito maturação e análise de suas premissas.

Falta aos nossos operadores do direito a aplicação do método filosofico nas nossas premissas. Eles sabem que elas existem, mas não procuram nada que as conteste, para, dialeticamente, analisá-las.

Recentemente, vi um dos mais célebres juristas do Direito Internacional brasileiro escrever um texto dizendo que a redução da maioridade penal vai contra a tendência do Direito Internacional. Não duvido que vá. Sei que vai. O problema é outro: ele para por aí, toma as normas de direito internacional como uma premissa. Mas será que ele já se perguntou quem disse que os órgãos que fazem “o Direito Internacional” são bons, verdadeiros e belos? Qual a diferença da ONU para o Senado Federal, em termos de politicagem, qual tem mais, qual tem menos? A ONU realmente existe só para promover a paz, como alega oficialmente? Então o Senado Federal só existe para legislar e fiscalizar o executivo, como diz a Constituição Federal?

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Reale, como já citei, diz que “ Quando o advogado invoca o texto apropriado da lei, fica relativamente tranqüilo”, isto é, quando o operador do direito invoca uma lei, uma norma cujo background foi a ONU ou o Congresso Nacional ele está tranquilo. Está respaldado. Se der problema, não será preso, não será representado na corregedoria: cumpriu a lei, fiscalizou a lei. Mas será que ele foi justo? Ou será que a politicagem por trás das fontes materiais e formais do direito instrumentalizou os juristas para conseguir seus dividendos escusos?

Deixo, por fim, para reflexão, post scriptum, a missão da filosofia do Direito, segundo Reale.



“A missão da Filosofia do Direito é, portanto, de crítica da experiência jurídica, no sentido de determinar as suas condições transcendentais, ou seja, aquelas condições que servem de fundamento à experiência, tornando-a possível. Que é que governa a vida jurídica? Que é que, logicamente, condiciona o trabalho do jurista? Quais as bases da Ciência do Direito e quais os títulos éticos da atividade do legislador? Eis aí exemplos da já apontada preocupação de buscar os pressupostos, as condições últimas, procurando partir de verdades evidentes, ou melhor, evidenciadas no processar-se da experiência histórico-social.”

 

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