Resumo: O presente texto aborda a temática da responsabilização de parentes pelos alimentos e por se tratar de um trabalho a ser entregue à disciplina de Temas Atuais de Direito Privado foi feito o estudo com base em estudo da norma aplicada ao caso e em uma análise das jurisprudências e das doutrinas mais atuais. Ao longo do texto percebemos que a norma que disciplina a lei de alimentos está no Código Civil de 2002 e que os princípios para esta temática encontram-se na nossa Carta Maior. As jurisprudências vêm sendo decididas no sentido da responsabilização solidária e complementar dos parentes consanguíneos, bem como mais recentemente há alguns julgados no sentido de responsabilizar os parentes por afinidade (como o padrasto) e de, na contramão da tendência há algumas decisões no sentido de obrigar somente uma das partes à criação de sua prole, desde que ele trabalhe e garanta recursos insuficientes e do outro lado os ascendentes tenham fartos meios econômicos.
Palavras-chave: Parentes. Responsabilização. Solidária.
1 INTRODUÇÃO
A obrigação de prover o sustento dos filhos é de seus genitores. Mas e quando esses não têm condições de fazê-lo fica a encargo de quem? Bem, assim como os parentes tem o bônus do direito de sucessão, eles tem o ônus de arcar com as obrigações alimentícias se por ventura os ascendentes imediatos não o puderem fazer.
A obrigação de alimentos por parentes já era prevista pelo Código Civil de 1916 no seu artigo 316: “... podem os parentes exigir uns dos outros os alimentos de que necessitem para subsistir”[i]. Porém o código civil de 2002 aborda esse assunto de forma mais precisa, no entanto apenas mais recentemente houve mudanças mais significativas nos julgados.
Este presente trabalho tem o intuito de apresentar essas mudanças, para isto fazem-se necessárias noções básicas preliminares sobre o que nosso novel código civil traz a respeito da temática abordada, bem como os princípios basilares de nossa Carta Maior.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 NOÇÕES PRELIMINARES
Para adentrarmos na temática dos alimentos deveremos antes fazer algumas colocações sobre as relações de parentes para que haja maior compreensão. Para isto, trouxemos a definição do Código Civil de 2002:
Art. 1.591. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes.
Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra. Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.[ii]
Percebe-se que os parentes em linha reta têm o vínculo ad-infinito, prevalecendo este tipo de parentesco sobre os demais, tanto no que se refere à relação de sucessão quanto ao dever de alimentos. Por esse artigo infere-se que pai, mãe, filhos, avós, neto, bisavós, etc. são parentes.
Segundo Maria Berenice Dias[iii]
Parentes também são os irmãos, tios, sobrinhos, primos, sobrinhos-netos e tios-avós. Estes são denominados parentes em linha colateral ou transversal. Mas, quanto a eles, há uma limitação para serem reconhecidos como parentes: só o são até o quarto grau.
Voltando à temática dos alimentos, temos que definir o que são alimentos um conceito bastante didático e abrangente é o trazido por Orlando Gomes, que se transcreve a seguir:
Alimentos são prestados para a satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si só. Compreende o que é imprescindível à vida da pessoa como alimentação, vestuário, habitação, tratamento médico, transporte, diversões, e, se, a pessoa alimentanda for menor de idade, ainda verbas para sua instrução e educação (CC. Art. 1701, in fine) incluindo parcelas despendidas com sepultamento, por parentes legalmente responsáveis pelos alimentos.[iv]
O que é interessante enfatizar é que as despesas com o alimentando estendem-se até o pagamento do funeral se por ventura ele vier a falecer. Digno de nota é que a noção de alimentos foge à acepção literal da palavra, poi como já demonstrado pela citação acima, envolve vestuário, educação, lazer, saúde , transporte e até educação.
Os fundamentos desta obrigação estão nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) e no princípio da solidariedade social e familiar (CF, art. 3º).
Partindo da abrangência do grau de parentesco e da definição de alimentos pode-se adentrar na temática dos responsáveis pelos alimentos. A obrigação de prestar alimentos, em primeiro lugar é dos pais, na falta destes, ou caso eles não possam fazê-lo transfere-se a obrigação ao ascendente: avós, bisavós, tataravós, etc. Interessante ressaltar que a obrigação é recíproca, ou seja, assim como ascendentes têm a obrigação de alimentos com descendentes, estes últimos têm com seus ascendentes, caso eles não tenham mais condições de prover o seu sustento.
Inexistindo parentes em linha reta, a obrigação passará aos colaterais ou transversais. O Professor Flávio Tartuce[v]apresenta a ordem a ser seguida quando se quer pleitear os alimentos decorrentes de parentesco:
1.º) Ascendente: o grau mais próximo exclui o mais remoto.
2.º) Descendentes: o grau mais próximo exclui o mais remoto.
3.º) Irmão: primeiro os unilaterais, depois os bilaterais.
Ainda não está pacificado se tios, primos, sobrinhos, sobrinhos netos e tios-avôs serão obrigados a prestar alimentos. Segundo a 4ª câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo[vi]defende que pela literalidade da norma não há que se falar em obrigação de prestar alimentos para eles. Já a desembargadora Maria Berenice Dias[vii]defende que eles estão obrigados:
Simplesmente não viu o legislador necessidade de qualquer detalhamento sobre a obrigação dos parentes de terceiro e quarto grau, o que, às claras, não significa que os tenha dispensado do dever alimentar. Os encargos alimentares seguem os preceitos gerais. Na falta dos parentes mais próximos são chamados os mais remotos, começando pelos ascendentes, seguidos dos descendentes. Portanto, na falta de pais, avós e irmãos, a obrigação passa aos tios, tios-avós, depois aos sobrinhos, sobrinhos-netos e, finalmente, aos primos.
Se esta não fosse a intenção do legislador, o art. 1.694 simplesmente diria: Podem os parentes, até o segundo grau (...) pedir alimentos uns aos outros.
(...)
De outro lado, não há como reconhecer direitos aos parentes e não lhes atribuir deveres. Cabe figurar um exemplo: dispondo de patrimônio, mas não de condições de prover a própria subsistência, alguém que não tenha pais, filhos ou irmãos não poderia pedir alimentos aos demais parentes, ou seja, tios, sobrinhos ou primos. Vindo o desafortunado a morrer de fome, seus bens seriam entregues
exatamente aos parentes que não lhe alcançaram, por falta de parente dever legal, alimentos.
Dispõe o novel Código Civil[viii]:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§ 1o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
§ 2o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.
Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
Art. 1.697. Na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais.
Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.
A Lei de Alimentos, lei nº 5.478 de 25 de julho de 1968, dispõe sobre as ações de alimentos, não será por nós estudada aqui porque é uma lei basicamente procedimental e aqui se pretende um estudo da matéria e não dos procedimentos judiciais a serem tomados.
A partir destas noções preliminares adentraremos na temática aqui proposta que são as recentes jurisprudências sobre a obrigação de parentes a prestar alimentos.
2.2 ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS SOBRE A OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS POR PARENTES
2.2.1Responsabilidade subsidiário e complementar dos ascendentes imediatos
A tendência dos tribunais atualmente é mudar seu posicionamento em relação à obrigação alimentar por outros parentes que não os pais , conforme demonstram as jurisprudências abaixo.:
DIREITO CIVIL. AÇÃO DE ALIMENTOS. RESPONSABILIDADE DOS AVÓS. OBRIGAÇÃO SUCESSIVA E COMPLEMENTAR.
- A responsabilidade dos avós de prestar alimentos é subsidiária e complementar à responsabilidade dos pais, só sendo exigível em caso de impossibilidade de cumprimento da prestação – ou de cumprimento insuficiente – pelos genitores.
2. Recurso especial provido.” (grifei)
(RESP 831.497/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 04/02/2010, DJ 11/02/2010)[ix]
Conforme mencionado anteriormente, este julgado demonstra a tendência de se impor a responsabilidade subsidiário e complementar dos ascendentes imediatos, tendência esta seguida nos julgados seguintes:
2. Esta Corte Superior de Justiça já consolidou o entendimento de que a responsabilidade dos avós, na prestação de alimentos, é sucessiva e complementar a dos pais, devendo ser demonstrado, à primeira, que estes não possuem meios de suprir, satisfatoriamente, a necessidade dos alimentandos. (AgRg no Ag 1010387/SC, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 23/06/2009, DJ 30/06/2009)[x]
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE ALIMENTOS. RESPONSABILIDADE DOS AVÓS. SUBSIDIARIDADE. OBERVÂNCIA DO BINÔMIO NECESSIDADE/POSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DOS ALIMENTOS FIXADO NA SENTENÇA.
1.Somente é cabível o reconhecimento da responsabilidade dos avós para prestarem alimentos, quando verificada a impossibilidade dos genitores do alimentando ou a insuficiência dos alimentos por eles prestados.
2.Ao fixar a pensão alimentícia o magistrado deve observar a necessidade do alimentado e a possibilidade do alimentante. Se o patamar fixado se mostra razoável a atender tal binômio não há motivos para majoração da verba alimentar.
3.A subsistência do alimentado deve observar as condições financeiras de seus genitores, não se justificando a responsabilização dos avós com a finalidade de manter um padrão de vida elevado para a criança.
4.Recurso conhecido e não provido. [xi]
Neste julgado percebeu-se que se defendem os alimentos subsidiariamente pelos avós, no entanto, abordando o princípio da razoabilidade para se estabelecer os alimentos, tirando dos alimentantes a necessidade de se manter um padrão alto para o alimentado. Princípio este defendido por Paulo Lobo[xii], para ele ao fixar os alimentos deve-se se ter em mente além do tradicional binômio necessidade/possibilidade há também o elemento razoabilidade.
“APELAÇÃO. DIREITO DE FAMÍLIA. PENSÃO ALIMENTÍCIA. AVÓS. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA E COMPLEMENTAR.
1. As obrigações de natureza alimentar se amparam em duas premissas: as necessidades do alimentando e as possibilidades dos alimentantes. Referida proporcionalidade se encontra consagrada no artigo 1.694 do Código Civil Brasileiro.
2. A prestação de alimentos a ser exigida dos ascendentes dos genitores tem natureza de obrigação supletiva e complementar, porquanto somente devida mediante comprovada ausência de possibilidade financeira do parente mais próximo, por força do artigo 1.696 do Código Civil.
3. No caso vertente, a obrigação vem sendo cumprida pelo genitor no valor provisoriamente acordado em ação de oferta de alimentos. Contudo, o montante ideal da contribuição paterna ainda se encontra sob litígio, uma vez que referida ação de oferta de alimentos se encontra em tramitação. Desse modo, no momento, ainda não há como mensurar eventual ausência de condição financeira do genitor a ser suprida pelo Progenitor, ora apelado.
4. (...)
(20090110723228APC, Relator FLAVIO ROSTIROLA, 1ª Turma Cível, julgado em 30/03/2011, DJ 01/04/2011 p. 42)[xiii]
Aqui se confirma o entendimento de que a responsabilidade é subsidiária e não solidária. Mas, quanto ao cálculo dos alimentos se utiliza além do já mencionado binômio necessidade/possibilidade outro elemento que é a proporcionalidade, que também é defendido por Maria Berenice Dias.[xiv]
2.2.2 Possibilidade de serem vários os responsáveis pelos alimentos
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE ALIMENTOS AJUIZADA CONTRA O AVÔ PATERNO – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA E COMPLEMENTAR – ‘QUANTUM’ – PROVIMENTO PARCIAL.
01.A obrigação alimentar quanto aos filhos incumbe aos pais; os avós detêm responsabilidade subsidiária e complementar, devendo ser chamados a atendê-la apenas quando demonstrada a impossibilidade dos pais arcarem com a respectiva prestação.
02.Verificado que o valor arbitrado a título de alimentos provisórios mostra-se excessivo, considerando que o dever de alimentar incumbe também à mãe e aos avós maternos, deve o quantum ser reduzido para patamar aceitável.
03.Recurso provido em parte. Unânime.
(20110020041628AGI, Relator ROMEU GONZAGA NEIVA, 5ª Turma Cível, julgado em 15/06/2011, DJ 01/07/2011 p. 193)[xv]
Interessante ressaltar aqui é que se considerou a possibilidade de uma espécie de consórcio para o provimento destes alimentos: os avós paternos e maternos e a mãe serão responsáveis cada um com uma prestação distinta.
2.2.3 Direito de fiscalização dos gastos pelos avós
EMENTA
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. ALIMENTOS PAGOS PELOS AVÓS PATERNOS À NETA. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL EM PRIMEIRO GRAU. DIREITO DO ALIMENTANTE EM FISCALIZAR A MANUTENÇÃO E EDUCAÇÃO DA ALIMENTANDA. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.589, DO CÓDIGO CIVIL. CABIMENTO DA AÇÃO FISCALIZADORA NOS CASOS EM QUE HÁ INDÍCIOS DA MALVERSAÇÃO DOS RECURSOS PAGOS À MENOR. SUSPEITA DE DESVIO DE FINALIDADE. SENTENÇA CASSADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
Dispõe o art. 1.589, do Código Civil, que “o pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação” (grifei).
Inobstante o entendimento de parcela da doutrina e da jurisprudência quanto ao não cabimento da ação de prestação de contas para o fim de obrigar o gestor dos recursos alimentícios, penso que, em alguns casos, onde há indícios da má aplicação da verba alimentar recebida em prol de terceiro, presente a possibilidade de propositura do procedimento fiscalizador, exaurindo-se, contudo, em sua primeira fase, porquanto, diante do caráter irrepetível dos alimentos, inviável se mostra o prosseguimento em sua segunda etapa.
E no direito de fiscalização da guarda, criação, sustento e educação da prole atribuída ao outro cônjuge, ou a terceiro, está ínsita a faculdade de reclamar em juízo a prestação de contas daquele que exerce a guarda dos filhos, relativamente ao numerário fornecido pelo genitor alimentante. (CAHALI, Yussef Said. Dos alimentos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 572)
Afigura-se inconteste o direito do pai que presta alimentos aos filhos de acompanhar e fiscalizar a correta utilização dos alimentos prestados, donde exsurge o seu direito de pedir prestação de contas daquele que administra os alimentos da prole (TJSC, Ap. Civ. n. 2007.010023-9, da Capital, rel. Des. Joel Dias Figueira Junior, j. Em 13-11-2007). (Apelação Cível n. 2010.014907-3, de Balneário Camboriú, rel. Des. Fernando Carioni, j. 18.05.2010)[xvi]
Assim como os avós tem o dever de prover os alimentos na ausência ou impossibilidade dos genitores. Agora o que ficou claro é que eles têm o direito de fiscalizar os gastos, desde que demonstrem indícios de possíveis desvios de finalidade destes recursos.
Até o momento analisamos jurisprudências que seguem a mesma linha em que os pais têm obrigação solidária, ou seja, na falta de um o outro tem o dever de arcar se puder. E quanto aos demais parentes (em especial os avós, pois são os primeiros na ordem de preferência) essa responsabilidade é apenas subsidiária e complementar, devendo eles serem acionados somente quando os genitores não puderem ou o fizerem de forma suficiente.
Observou-se ainda que esta responsabilidade pode ser diluída entre os demais coobrigados em caso de as necessidades serem maiores do que as responsabilidades do acionado. E que há a possibilidade de fiscalização dos gastos desde que haja vestígios do mau uso dos recursos.
Agora, adentraremos e analisaremos duas tendências bem mais polêmicas. São elas:
A tendência de deixar todo o encargo ao responsável pela guarda , caso o outro genitor não dê a sua contribuição e a de responsabilizar o padrasto pelos alimentos dos enteados.
2.2.4 O encargo ao responsável pela guarda de sozinho também ser o responsável pelo sustento
A primeira situação foi bem demonstrada por Maria Berenice Dias em seu artigo Padecer no Paraíso. Nessa situação afirma ela que a tendência de alguns julgados é considerar como responsável apenas o genitor que tem a guarda e possui uma atividade remunerada, não tendo o outro como suprir os alimentos o ônus tende a recair somente ao detentor da guarda.
Fato este baseado no art 1.634 do CC/2002, que diz que compete o poder familiar aos pais. Porém pelo simples fato de a palavra pais está no plural estão desonerando os avós como devedores subsidiários, mesmo que eles tenham ótimas condições econômicas e que os recursos do genitor que tem a guarda sejam insuficientes. Situação absurda, pois o que detém a guarda, já tem que se “virar” em uma dupla jornada para obter algum recurso e o outro, que muitas vezes não exerce nem a parte não onerosa financeiramente do pátrio poder, fica livre do ônus e seus genitores também.
Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores:
I - dirigir-lhes a criação e educação;[xvii]
Essa situação fática na realidade tende a atribuir à mulher (que normalmente é a detentora da guarda) todas as responsabilidades sobre os filhos. Situação esta bem demonstrada por Maria Berenice Dias:
Contra clara disposição legal vem sendo afastada a obrigação complementar e subsidiária dos ascendentes. O avô, independente de desfrutar de confortável situação de vida e ter ganhos que permitam com tranquilidade auxiliar no sustento dos netos, não está sendo chamado a contribuir. Não é reconhecida sua obrigação pelo fato de a mãe ter algum tipo de rendimento. Nem sequer se atende ao critério da proporcionalidade entre o salário da guardiã e a situação econômica do avô. Basta a genitora auferir qualquer renda para afastar a responsabilidade dos ascendentes.
O fato de a lei atribuir aos pais o poder familiar tem levado ao entendimento de que o uso da palavra pais significa cumulatividade e alternatividade, querendo dizer ambos os pais, e não qualquer dos pais. Com isso se está gerando uma desarrazoada solidariedade, verdadeira angularização da obrigação alimentar. Ou seja, o fato de um dos pais ter rendimentos gera a irresponsabilidade tanto do outro genitor como de seus ascendentes. Simplesmente por estar grafada no plural a identificação dos obrigados pela criação e educação dos ascendentes, vem alguns julgados interpretando que se transmite de um genitor ao outro essa obrigação, só se conclamando os avós na hipótese de nem o pai e nem a mãe terem condições de atender à mantença dos filhos.[xviii]
2.2.5 Redirecionamento da obrigação alimentar em face do padrasto
Em outubro de 2012, noticiou-se na imprensa um julgado em que o padrasto foi responsabilizado pelos alimentos de sua enteada com a qual vivia e provia há 10 anos.
Em decisão inédita, a Justiça de Santa Catarina determinou que um engenheiro de 54 anos pague pensão à filha de sua ex-companheira. A jovem, de 16 anos, é filha do primeiro casamento da mãe e conviveu com o padrasto por dez anos. A decisão, em caráter liminar, endossa uma nova visão do Direito de Família: pai é quem cria, independentemente do nome que consta na certidão de nascimento.[xix]
Mais inusitado ainda é o fato de ela já receber pensão alimentícia de seu pai biológico. O magistrado alega a existência de vínculo socioafetivo, conforme relata ROSALINO:
Pelo que consta, referida decisão judicial fundamentou-se numa “nova visão do Direito de Família”, prestigiando-se o vínculo afetivo então existente entre as partes, capaz de se presumir a existência de uma paternidade socioafetiva construída ao longo do tempo.[xx]
A decisão foi proferida em desconformidade aos preceitos do Código Civil anteriormente mencionados aqui. Preceitos estes bastante objetivos e que somente apontam como responsáveis pelos alimentos os parentes consanguíneos e não por afinidade. E mesmo quanto à responsabilidade dos parentes, esta é subsidiária e complementar aos genitores, até para eles seria de difícil aceitação visto que o genitor já paga uma pensão de um salário mínimo.
De certo que com as novas relações familiares estes laços afetivos surgem com as famílias recombinadas. Mas, transmitir aos parentes afetivos a responsabilidade dos filhos do ex-cônjuge é algo temerário, pois se essa tendência se confirmar a reconstrução das entidades familiares poderá ser prejudicada pelo temor das responsabilizações posteriores ao término das relações.
Tartuce comenta o seguinte sobre essa temática:
(...) não há obrigação de alimentos entre os parentes afins (caso da sogra, do sogro, do genro e da nora; do padrasto, da madrasta, do enteado e da enteada). Porém, a respeito da afinidade na linha reta descendente, há uma tendência de se reconhecer alimentos, notadamente na relação entre padrasto ou madrasta e enteado ou enteada. Isso porque entrou em vigor no Brasil a Lei 11.924/2009, que possibilita que a enteada ou o enteado utilize o sobrenome do padrasto ou madrasta, desde que exista justo motivo para tanto.[xxi]
3 METODOLOGIA
A metodologia aplicada neste trabalho foi uma análise bibliografia em conjunto com a apresentação das jurisprudências, sendo feitos comentários sobre cada jurisprudência.
4 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
A partir do texto podemos inferir que com o advento do Código Civil de 2002, aperfeiçoou-se a responsabilização dos parentes quantos aos alimentos. As responsabilidades são recíprocas tendo que se observar a situação fática e o binômio necessidade/possibilidade e ainda razoabilidade ou proporcionalidade como querem Paulo Lôbo e Maria Berenice Dias, respectivamente.
Com isso os julgados se seguem no sentido de tornarem os parentes (principalmente avôs) como responsáveis subsidiários e complementares aos alimentos de seus descendentes. Com este ônus outras ações surgiram, tais como requerendo o direito à fiscalização dos gastos pelos avós e a divisão dos alimentos entre os avós paternos, maternos e a mãe.
Em outro extremo temos as situações em que somente um dos genitores deverá arcar sozinho com os encargos da criação e a responsabilização de padrasto ou madrasta por enteados ou enteadas. Situações estas temerárias vistos que na primeira hipótese, parece por demais absurdo responsabilizar somente um dos genitores pela criação, enquanto a outra parte na maioria dos caos não participa nem da parte que não envolve custos financeiros, somente afetivos.
Em segundo lugar, conforme já mencionado, o código civil traz uma regra objetiva a respeito da responsabilização dos alimentos, porém esta regra está sendo descumprida quando se responsabiliza parentes afins pelos alimentos de seus parentes afetivos. Como já foi dito, esta tendência se confirmada tenderá a dificultar a reconstrução das famílias desfeitas.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto podemos inferir que as relações alimentares vêm mudando nos últimos anos, tendendo a responsabilizar os parentes pelos alimentos quando os pais não tiverem condições ou proverem estes de forma insuficiente.
A outra vertente já vem fazendo justamente o contrário, dando todos os ônus da criação ao genitor que tem a guarda e obtém rendimentos, mesmo que sejam insuficientes, desonerando totalmente o outro lado da relação de parentesco quando o outro genitor não pode arcar com os alimentos.
Por último temos também alguns casos de responsabilização de parentes por afinidade o que é inconcebível à luz do Código Civil de 2002.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. LEI Nº 3.071, DE 1º DE JANEIRO DE 1916.Revogada pela Lei nº 10.406, de 2002.Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l3071.htm>. Acesso em 07/07/2013.
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TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 3. Ed. rev., atual. e ampl.- Rio de Janeiro. Forense; São Paulo: Método, 2013.p. 1233