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A colaboração premiada atualizada: reflexos da Lei n° 12.850/2013 no processo penal brasileiro

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Agenda 16/04/2016 às 17:36

2.4 DIREITOS E BENEFÍCIOS

 

Da colaboração premiada podem resultar diversos resultados ao colaborador, a depender do acordo celebrado, do preenchimento dos requisitos, das condições pessoais e da eficácia das informações prestadas.

Inicialmente, o art. 4º, caput da lei em estudo prevê a possibilidade de perdão judicial, redução ou substituição de pena daquele que tenha efetiva e voluntariamente com a investigação criminal e com o processo penal. A redução será de até dois terços, e a substituição ocorre entre uma pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos.

Nota-se que a lei não estabelece fração mínima para a redução da pena, levando alguns doutrinadores a indicar o valor de um sexto[1], visto ser este o menor valor previsto no Código Penal e na Legislação especial, ao passo que outros indicam o valor de um terço, que é o menor valor previsto nas demais leis que tratam de delação premiada[2].

Outra questão controversa que surge é a possibilidade de cumulação dos benefícios previstos na Lei das Organizações Criminosas. Origina-se a celeuma da redação do caput do art. 4º, o qual separa os benefícios com uma alternativa (ou), ao passo que, sob determinada perspectiva, é possível extrair uma teor aditivo do dispositivo.

Pois bem, estabelece o art. 4º que o juiz poderá “conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos”. Veja-se que, da interpretação gramatical, percebe-se um claro sentido alternativo. Para Guilherme de Souza Nucci, a tônica da norma é a progressividade, ou seja, “a opção deve levar em consideração o grau de cooperação do delator, pois quanto mais amplo e benéfico aos interesses do Estado, maior deve ser o seu prêmio[3]”.

Já Ana Luiza Almeida Ferro, Flávio Cardoso Pereira e Gustavo dos Reis Gazzola[4] compreendem que, conquanto os benefícios encontrem-se, no preceito, distintos por uma conjunção alternativa, é recomendável lhes emprestar um conteúdo aditivo, como forma de estabelecer de formar mais adequada e proporcional a correlação entre o benefício e a colaboração prestada.

Nesta controvérsia, parecem solucionar melhor questão Cezar Roberto Bitencourt e Paulo César Busato. Prelecionam os autores que:

 

A legislação é específica em estabelecer alternativas, utilizando a expressão ou, o que significa dizer que não é possível cumular as benesses da redução de pena e substituição, ambas com fundamento na Lei 12.850/2013.Outrossim, como é óbvio, se a redução de pena levar a sanção aos patamares alcançados pela regra geral do Código Penal, nada impede que a substituição ocorra[5].

 

A bem da verdade, a cumulação dos benefícios estabelecidos pela Lei 12850/13 carece de previsão legal, motivo pelo qual o aplicador não pode, simplesmente, fazê-lo sob o pretexto de melhor individualizar a pena. Entretanto, quando se equaciona uma pena após o desconto do benefício, esta ainda se insere na regra geral do Código Penal, estando sujeita às substituições do art. 44.

Questiona-se também a possibilidade de cumulação de benefícios previstos em leis diversas. Como exemplo, podemos citar a redução de pena prevista no parágrafo único do art. 8º da Lei nº 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos)[6].

Embora exista doutrina[7] sustentando a possibilidade de cumulação deste benefício com o previsto na Lei das Organizações Criminosas, é mais sólido o posicionamento de Luiz Flávio Gomes e Marcelo Rodrigues[8], para os quais inexiste a possibilidade, uma vez que o delito de associação criminosa (art. 288 do Código Penal[9]) não se confunde com organização criminosa, definida pela Lei nº 12.850/13. Impecável nesse sentido a conclusão dos autores:

 

Por certo, cada lei que previu delação premiada trouxe contornos próprios com relação aos efeitos premiais do instituto, sua diversidade teleológica etc. Contudo, não se pode, em princípio, misturá-los a fim de se criar uma lex tertia decorrente da combinação de leis (esta é a nossa posição). Aliás, o STJ por meio da súmula 501 veda a combinação de leis. Outrossim, o conflito aparente de normas se resolve pelo critério da especialidade, ou seja, em se tratando de organização criminosa, aplica-se a Lei nº 12.850/13 sobre as demais hipóteses de delação premiada previstas em outras normas.

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Diferente caso é a incidência dos benefícios da colaboração premiada a outros delitos, que não os previstos na Lei das Organizações Criminosas. A conclusão parece lógica: inexiste restrição para essa “extensão”, já que ampla gama de delitos praticados pelas organizações criminosas não são previstos nessa lei, caso contrário esvaziaria a norma de eficácia e sentido.

Evidentemente, o alcance e a quantificação do benefício devem ser previamente acordados e sopesados com as peculiaridades do caso concreto. De qualquer forma, é oportuno destacar a lição de Renato Brasileiro de Lima:

 

Com a amplitude desses benefícios legais, certamente haverá questionamentos quanto ao âmbito de incidência da Lei 12.850/13, ou seja, se tais benefícios podem ser aplicados a todo e qualquer ilícito decorrente de organização criminosa, ou se a concessão de tais prêmios estaria restrita ao crime de organização criminosa (Lei n. 12.850/13, art. 2º, caput) isoladamente considerado. Há quem entenda que as regras do artigo 4º da Lei 12.850/13 são aplicáveis exclusivamente ao crime de organização criminosa, e não a todas as infrações penais dela decorrentes. A nosso ver, mesmo para os crimes anteriormente estudados que contam com regramento específico acerca do assunto (v.g., extorsão mediante sequestro, tráfico de drogas), não há fundamento razoável para se lhes negar a concessão dos benefícios previstos pela Lei 12.850/13, sob pena de esvaziamento da eficácia da colaboração premiada. Ora, se o agente souber que eventual prêmio legal ficará restrito ao crime de organização criminosa, dificilmente terá interesse em celebrar acordo de colaboração premiada. Essa mesma discussão já havia se instalado com o advento da Lei 9.807/99. Por não ter seu âmbito de aplicação restrito a determinado(s) delito(s), muito se discutiu quanto à incidência dos benefícios constantes dos arts. 13 e 14. Acabou prevalecendo a orientação de que a referida Lei seria aplicável inclusive para crimes que contassem com um regramento específico sobre colaboração premiada (v.g. tráfico de drogas) – STJ, 5ª Turma, HC 97.509/MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 15/06/2010, Dje 02/08/2010.[10]

 

Prosseguindo à análise dos direitos do colaborador, encontramos no art. 5º da Lei do Crime Organizado uma série de medidas protetivas, relativas ao risco que corre em relação aos seus comparsas delatados. Eis o teor do dispositivo legal:

 

Art. 5º São direitos do colaborador:

I - usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica;

II - ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados;

III - ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes;

IV - participar das audiências sem contato visual com os outros acusados;

V - não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito;

VI - cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.

 

A primeira delas é a remissão à legislação específica, qual seja, a Lei nº 9.807/99, a qual estabelece normas para a organização e manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas. Os artigos 13, 14, e 15 dessa norma preveem medidas de proteção ao réu colaborador, inclusive com a possibilidade de alteração de nome. Vale destacar a ressalva feita por Vicente Greco Filho:

 

 A Lei que estabelece normas para a proteção de pessoas envolvidas em processo penal é a Lei nº 9.807/99. No que se refere ao réu colaborador, as hipóteses de cabimento são um pouco diferentes, já que a Lei nº 9.807/99, por exemplo, exige a primariedade do agente, o que não ocorre na lei agora comentada. No caso de organização criminosa, então, o que se aplica para o reconhecimento da condição de colaborador, os requisitos e os efeitos são total e exclusivamente os da lei comentada, que é posterior e especial, porque a Lei nº 9.807/9 se aplica em todos os casos em que haja ameaça a pessoas envolvidas no processo.[11]

 

As demais medidas referem-se ao sigilo que se impõe antes da denúncia, o isolamento em relação aos outros membros da organização criminosa no trâmite processual, e no cumprimento da pena.

Cumpre informar que o sigilo pode se tornar inócuo, quando não for o caso de deixar de oferecer denúncia ao colaborador. Afinal, como bem explica Eugênio Pacelli de Oliveira[12], a participação do colaborador deverá estar contida na denúncia, inclusive com a individualização das condutas, e especificação de sua posição na estrutura hierárquica.

Nesta esteira, ainda que o termo de acordo de colaboração (que deverá ser apensada aos autos do processo) mantiver em sigilo os dados do colaborador, será possível a sua identificação pelos demais acusados.

De qualquer forma, observa-se o acerto do legislador ao prever medidas de proteção ao colaborador. Eduardo Araújo Silva aponta o risco que este sofre ao colaborar com a Justiça:

 

 Uma das caraterísticas dos processos que envolvem a apuração das organizações criminosas, como salientado, é a busca da destruição dos meios de prova para salvaguardar a impunidade dos seus integrantes. Essa ‘cultura da supressão da prova’, como referido por Elvio Fassoni, geralmente é materializada através da violência imposta contra aqueles que ousam desrespeitar a ‘lei do silêncio’ e seus familiares. Daí a necessidade – como forma de assegurar a inteireza da prova oral a ser produzida em juízo – de se proporcionar uma efetiva proteção para vítimas, testemunhas e corréus colaboradores, pois em que pese o desenvolvimento dos demais meios de prova, a prova oral continua a se uma das mais importantes para a apuração do crime organizado.[13]

 

De fato, a garantia que o Estado deve oferecer ao colaborador, sujeito que está a todos os tipos de represália, é mais que simplesmente o dever geral de proteção aos indivíduos, já que a percepção do mínimo de segurança por este é uma exigência da eficácia da norma. Afinal, na ponderação das vantagens e desvantagens feita pelo investigado ou réu, certamente será relevante a sua vida e integridade física, bem como seus auxiliares.

Por fim, temos o § 4º, que faculta ao Ministério Público a possibilidade de não oferecer denúncia em face do colaborador quando, além do preenchimento de uma das hipóteses do caput, incidir nas hipóteses de seus incisos. Eis o teor, in verbis, do dispositivo mencionado:

 

§ 4º Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador:

I - não for o líder da organização criminosa;

II - for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo.

 

Como é cediço, em regra, adota-se no Brasil o princípio da obrigatoriedade, bem como o princípio da indisponibilidade. Aquele diz respeito à obrigatoriedade de o Ministério Público, como titular da ação penal, em promovê-la sempre que estiver lidando com um caso que configure um ilícito penal, e não incidir nenhuma das excludentes legais ou supralegais do delito, ao passo que este indica a impossibilidade de desistir de uma ação já em curso.

Assim como outros institutos anteriores, a colaboração premiada relativiza esses princípios. É justamente o caso do §4º, em que se observa uma mitigação do princípio da obrigatoriedade. Caso estejam presentes os requisitos, é possível que o membro do Ministério Público sequer ofereça a denúncia.

A doutrina já chama essa possibilidade de princípio da oportunidade, como o fez Marcelo Batlouni Mendroni[14]:

 

São fixadas aqui duas hipóteses independentes e discricionárias ao Ministério Público – titular da ação penal pública, para o não oferecimento da Denúncia, em clara exceção ao Princípio da Legalidade. Sem oferecimento da Denúncia, não há ação penal – e portanto inexistirá aplicação de “perdão judicial” ou redução da pena. É a aplicação, no sistema processual penal brasileiro, do Princípio da Oportunidade. O promotor de Justiça, nesse caso, pode conceder “imunidade” ao colaborador, não o processando criminalmente em relação aos fatos específicos que ele relatar em contribuição ao contexto probatório, e seguindo-se os parâmetros estabelecidos no caput desse artigo.

 

Sobre os requisitos, tem-se destacado a dificuldade prática em apurar, no caso concreto, se o colaborador é ou não o chefe da organização criminosa, podendo este, inclusive, valer-se da hierarquia dentro do grupo para livrar-se de punições, obrigando a membros de menor escalão assumirem a “liderança” do grupo.

O inciso II, por sua vez, tem por objetivo impedir que vários integrantes da uma organização criminosa venham, em sequência, celebrar acordo de colaboração premiada e, ao final, não serem denunciados. Contudo, a exclusividade do primeiro que colaborar se restringe ao benefício desse parágrafo, qual seja, não ser denunciado, possibilitando-se outros colaboradores usufruírem os outros benefícios previstos na lei.

Por fim, parece desnecessário ressaltar que os dois requisitos são cumulativos, não havendo na redação legal nada que indique a alternatividade dos requisitos, e, discordando o magistrado do pedido de arquivamento, deverá aplicar o disposto no art. 28, do Código de Processo penal.

 

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