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A instituição do pregão para aquisição de bens e contratação de serviços comuns

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Agenda 28/02/2004 às 00:00

Sumário: 1.Introdução. 2. Licitação: Considerações gerais. Aspectos históricos. As modalidades de licitação previstas na Lei Federal 8.666/93 3. Pregão: A Reforma do Estado e a instituição do pregão. O Pregão no direito positivo brasileiro. Considerações sobre o termo "bens e serviços comuns". A escolha da modalidade de pregão pelo agente público: vinculação ou discricionariedade. 4. Conclusão. 5. Bibliografia.


1.Introdução

O presente trabalho tem como objeto de análise a nova modalidade de licitação denominada pregão, instituído no contexto de um processo de mudança por que passa o Estado, como meio de conferir maior eficiência e agilidade ao procedimento licitatório.

A adoção do pregão para aquisição de bens e serviços comuns objetiva, principalmente, ampliar a competição, permitindo a obtenção de um melhor preço pela administração, com a possibilidade de lances verbais e negociação direta pelo pregoeiro.

No entanto, sua aplicação tem sido objeto de muitos questionamentos, gerando dúvida e insegurança por parte do administrador quanto à sua escolha, especialmente quando se trata de proceder ao enquadramento do objeto da licitação no conceito de bens e serviços comuns do art. 1º da Lei Federal nº 10.520, de 17 de julho de 2002.

Este trabalho inicia-se com uma análise histórica do procedimento licitatório na legislação brasileira, desde sua institucionalização, sua inserção no texto constitucional, até o atual estatuto de licitações, para, então, à partir do estudo do contexto sócio-econômico brasileiro e das transformações por que passa a Administração Pública, abordar a criação da nova modalidade de licitação denominada pregão.

Por fim, passa-se a tratar da questão polêmica sobre a definição de "bens e serviços comuns", a vinculação ao rol do Anexo II do Decreto Federal nº 3.555, de 08 de agosto de 2000, alterado pelo Decreto Federal nº 3.784, de 06 de abril de 2001, e a possibilidade de escolha desta nova modalidade de licitação, dentre as demais previstas na Lei Federal 8.666/93, pelo agente público, tendo em vista os princípios que norteiam as ações da Administração e o atendimento ao interesse da coletividade.


2.Licitação

Considerações Gerais

O Estado [1] tem como objetivo o atendimento ao interesse público. Para atingir esse objetivo, muitas vezes precisa contratar com terceiros para a realização de obras e serviços e aquisição de bens. No entanto, diversamente do que ocorre na iniciativa privada, o agente público não é livre para contratar com quem lhe aprouver, mas seus contratos dependem, via de regra, de um procedimento seletivo. [2]

Assim, a licitação pública foi concebida como procedimento prévio à celebração dos contratos pela Administração, em razão de dois princípios fundamentais: a) indisponibilidade do interesse público, que obriga o administrador público a buscar sempre, de forma impessoal, a contratação mais vantajosa para a Administração, e b) igualdade dos administrados [3], que obriga que o administrador ofereça iguais oportunidades aos concorrentes (potenciais ou concretos) de virem a ser contratados com a Administração.

Hely Lopes Meirelles conceitua licitação como:

"o procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Visa propiciar iguais oportunidades aos que desejam contratar com o Poder Público, dentro dos padrões previamente estabelecidos pela Administração, e atua como fator de eficiência e moralidade nos negócios administrativos." [4]

Para Marçal Justen Filho:

" ’Licitação’ significa um procedimento administrativo formal, realizado sob regime de direito público, prévio a uma contratação, pelo qual a Administração seleciona com quem contratar e define as condições de direito e de fato que regularão essa relação jurídica" [5]

Já o conceito de licitação dado por Celso Antônio Bandeira de Mello, enfatiza a concorrência entre os participantes:

"Licitação – em suma síntese – é um certame que as entidades governamentais devem promover e no qual abrem disputa entre os interessados em com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas. Estriba-se na idéia de competição, a ser travada isonomicamente entre os que preencham os atributos e aptidões necessários ao bom cumprimento das obrigações que se propõem assumir" [6]

No mesmo sentido Carlos Ari Sundfeld conceitua licitação como:

"o procedimento administrativo destinado à escolha de pessoa a ser contratada pela Administração ou a ser beneficiada por ato administrativo singular, no qual são assegurados tanto o direito dos interessados à disputa como a seleção do beneficiário mais adequado ao interesse público" [7]

Na visão de Maria Sylvia Zanella Di Pietro a licitação é:

"o procedimento administrativo pelo qual um ente público, no exercício da função administrativa, abre a todos os interessados, que se sujeitem às condições fixadas no instrumento convocatório, a possibilidade de formularem propostas dentre as quais selecionará e aceitará a mais conveniente para celebração de contrato" [8]

A doutrina, conquanto não nos forneça uma conceituação uniforme desse procedimento administrativo, é acorde no acentuar os seus traços essenciais e suas finalidades: a busca da contratação mais vantajosa para o Poder Público e o oferecimento de iguais oportunidades aos administrados, de virem a ser contratados por ele. [9]

Aspectos históricos

A licitação foi introduzida no direito público brasileiro há mais de cento e trinta anos, pelo Decreto nº 2.926, de 14.05.1862, que regulamentava as arrematações dos serviços a cargo do então Ministério da Agricultura, Commercio e Obras Públicas. Após o advento de diversas outras leis que trataram, de forma singela, do assunto, o procedimento licitatório veio, a final, a ser consolidado, no âmbito federal, pelo Decreto nº 4.536, de 28.01.22, que organizou o Código de Contabilidade da União (arts. 49-53).

Desde o antigo Código de Contabilidade da União, de 1922, o procedimento licitatório veio evoluindo, com o objetivo de conferir maior eficiência às contratações públicas, sendo, por fim, sistematizado através do Decreto-Lei nº 200, de 25.02.67 (arts. 125 a 144), que estabeleceu a reforma administrativa federal, e estendido, com a edição da Lei nº 5.456, de 20.06.68, às Administrações dos Estados e Municípios.

O Decreto-lei nº 2.300, de 21.11.86, atualizado em 1987, pelos Decretos-lei 2.348 e 2.360, instituiu, pela primeira vez, o Estatuto Jurídico das Licitações e Contratos Administrativos, reunindo normas gerais e especiais relacionadas à matéria.

A Constituição de 1988 representou um notável progresso na institucionalização e democratização da Administração Pública. Apesar dos textos constitucionais anteriores contemplarem dispositivos relacionados ao acesso à função pública e ao regime do funcionalismo estatal, a verdadeira constitucionalização da Administração Pública somente foi levada a efeito pela Carta de 1988.

À partir de 1988 a licitação recebeu status de princípio constitucional [10], de observância obrigatória pela Administração Pública direta e indireta de todos os poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Assim, ao analisar o disposto no art. 37, XXI da Constituição Federal, pode-se observar que a obrigatoriedade de licitar é princípio constitucional, apenas sendo dispensada ou inexigida nos casos expressamente previstos em Lei.

O princípio de licitar está intimamente ligado aos princípios da indisponibilidade e supremacia do interesse público que são princípios norteadores da atividade estatal.

O fato de ter sido alçado ao status de princípio constitucional é de extrema importância para a análise do procedimento licitatório dentro do ordenamento jurídico [11].

Conforme observa Sílvio Roberto Seixas Rego:

"a magnitude de um princípio constitucional é tamanha, que motivou Celso Ribeiro Bastos a se manifestar no sentido de que a não observação de um princípio informador de determinado sistema é muito mais grave do que a violação da própria lei aplicada. Segundo o festejado constitucionalista, a infração da lei é mal menor se considerada em relação à não observância de um princípio, eis que este último traduz-se na própria estrutura informadora da norma. Ao contrário da norma que somente possui eficácia nas situações por ela disciplinadas, os princípios, em razão de sua abstratabilidade sem conteúdo concreto, açambarcam, ao contrário da lei, um número indeterminado de situações fornecendo critérios para a formação das leis. Aspecto relevante da aplicabilidade dos princípios diz respeito aos critérios que estes fornecem para uma sólida, justa, lógica e legal interpretação da lei." [12]

O art. 37, XXI da Constituição Federal foi regulamentado pela Lei 8.666, de 21.06.93 (alterada pelas Leis 8.883/94, 9.648/98 e 9.854/99), em vigor atualmente, que disciplina as licitações e contratos da Administração Pública. Esta Lei estabelece cinco modalidades licitatórias: concorrência, tomada de preços, convite, leilão e concurso. Estas modalidades estão definidas no art. 22 da Lei Federal nº 8.666/93.

As modalidades de licitação previstas na Lei Federal 8.666/93

A concorrência é a modalidade de licitação mais apropriada para os contratos de valor elevado. Ela admite a participação de todos os interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto.

Tomada de preços é a modalidade de licitação na qual os interessados em participar devem estar previamente cadastrados ou atender a todas as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas. A habilitação prévia tem por objetivo imprimir maior celeridade ao processo licitatório, sem impedir a participação de todos os interessados que preencham os requisitos para tal. Esta modalidade é empregada para contratações de valores médios.

Convite é a modalidade de licitação mais simples, sendo utilizada pela Administração para contratações de menor valor. Esta modalidade é realizada entre interessados que atuem no ramo pertinente ao objeto licitado e que sejam convidados pela Administração. No entanto, outros interessados poderão participar do certame, manifestando interesse até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas, exigindo-se, para tal que estejam devidamente cadastrados na correspondente especialidade.

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Concurso é a modalidade de licitação destinada à escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores, conforme estabelece o § 4º do art. 22 da Lei 8.666/93.

Por fim, o leilão é a espécie licitatória utilizada para que a Administração proceda à venda de bens móveis inservíveis ou de produtos legalmente apreendidos ou penhorados. No leilão não há necessidade de habilitação prévia, sendo o bem arrematado pelo interessado que oferecer o maior lance.


3.Pregão

A Reforma do Estado Brasileiro e a instituição do Pregão

O Estado moderno tem assumido funções e responsabilidades que são, posteriormente, devolvidas à sociedade, na busca de uma maior eficiência na prestação dos serviços de interesse público.

O atual contexto das grandes tendências mundiais relacionadas a globalização [13], progressos na tecnologia da informação e emergência da sociedade civil organizada, levou à concepção de um novo papel do Estado, que passa de produtor direto de bens e serviços para indutor e regulador do desenvolvimento [14].

A constatação da ineficiência da máquina administrativa para prestar diretamente os serviços de interesse social, aliado aos custos excessivos para a sua manutenção, fez com que fosse iniciado, no mundo contemporâneo, uma série de transformações, com a finalidade de reduzir a atuação direta do Estado, repassando-se à iniciativa privada atividades que, por sua natureza, podem ser executadas por particulares.

No entanto, este repasse de atividades à iniciativa privada não poderia ocorrer de modo absoluto, pois, como a experiência do liberalismo demonstrara, algumas atividades não poderiam ser adequadamente desempenhadas pelo particular.

Retoma-se, pois, a noção de subsidiariedade, a qual, por sua vez, tem como princípio a parceria entre o Poder Público e a sociedade.

No modelo de Estado Subsidiário, o Poder Público deixa à iniciativa privada a realização das atividades econômicas, reservando para si aquelas de que participa ou nas quais intervém somente em setores essenciais ou indelegáveis, para cujo desempenho a iniciativa privada se apresenta deficiente.

Desta forma, nota-se que o Estado transita daquele produtor e prestador de serviços para dar espaço ao seu papel regulador.

A onda de reformismo do mundo contemporâneo gerada à partir da constatação de que o modelo intervencionista do Estado de Bem-Estar Social não poderia subsistir, também atingiu o Estado Brasileiro. O modelo intervencionista gerou um crescimento da dívida, o que estrangulou o Estado, que como conseqüência não conseguiu mais manter o mesmo nível de investimento.

Assim, o Brasil vem se desprendendo das amarras do monopólio estatal, resquício de modelos interventores, de que são exemplos a época de Getúlio Vargas e mais recentemente do regime militar, para adequar-se a uma nova forma de Estado, baseada em um modelo mediador e regulador.

O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, documento de 1995 do extinto Ministério da Administração e Reforma do Estado deixa assentado os pilares teóricos das reformulações pretendidas.

Orientada pelo fim imediato de realizar o ajuste fiscal nos termos ajustados com o Fundo Monetário Internacional, esta reforma envolveu medidas destinadas a atender a quatro finalidades: (a) reduzir o tamanho do Estado; (b) redefinir seu papel regulador; (c) recuperar a governança, ou capacidade financeira e administrativa de implementar e; (d) aumentar a governabilidade, ou capacidade política do governo de intermediar interesses, garantir legitimidade e governar.

Para tanto, lançou-se mão de emendas constitucionais, alterações da legislação administrativa, privatizações, abertura comercial, política monetária voltada à estabilidade da moeda e atração de investimentos estrangeiros. Com isso a Administração Pública deixaria de se responsabilizar pela produção de bens e serviços e assumiria a função de promover e regular o desenvolvimento.

Nesta nova fase de prestação dos serviços públicos, o estado brasileiro deixou de ser um "Estado Executor", que atuava na ordem econômica por meio de pessoas jurídicas a ele vinculadas (intervenção, monopólio) e passa a ser um "Estado Regulador", que, de acordo com a Constituição Federal de 1988 em seu artigo 174, fixa as regras disciplinadoras da ordem econômica para ajustá-la aos ditames da justiça social, exercendo o papel de fiscalização.

Tais transformações tiveram conseqüências, também, no mundo jurídico, pois, como observa Carlos Maximiliano, "não pode o Direito isolar-se do ambiente em que vigora, deixar de atender às outras manifestações da vida social e econômica." [15]

Segundo Patrícia Baptista:

"(...) O princípio da legalidade administrativa é um dos mais importantes pilares de sustentação do direito administrativo. Tradicionalmente, nos países que se inspiraram no modelo francês, o conteúdo deste princípio foi associado à idéia da vinculação positiva à lei: à Administração somente é lícito fazer aquilo que a lei expressamente autoriza. Entretanto, com a superação do Estado liberal e a crise da lei formal, desapareceram as condições que justificavam a tese da vinculação positiva à lei. A deslegalização, por meio da qual se abre ao poder regulamentar o trato de matérias antes atribuídas ao poder legislativo, é uma das provas da insuficiência daquela tese para a realidade contemporânea. Desenvolveu-se, assim, a teoria da vinculação da Administração Pública ao Direito, especialmente aos princípios e regras do ordenamento constitucional. Subsiste, de qualquer forma, a regra da vinculação positiva à lei para aquelas matérias submetidas, pelo constituinte, à reserva de lei e para as atividades administrativas de natureza gravosa, passíveis de limitar ou extinguir direitos subjetivos dos administrados." [16]

Essas mudanças na Administração tiveram suas conseqüências, chegando mesmo Alice Gonzalez Borges a afirmar a necessidade de reformulação total das concepções em matéria de licitações e contratos administrativos em face da consagração constitucional do princípio da eficiência. Segundo a Il. Professora:

"(...) põe-se em pauta, cada vez mais intensamente, o anseio generalizado para a realização de certames licitatórios que tenham efetivamente, como verdadeiro objetivo, a busca das melhores propostas, não mais se perdendo em uma multiplicidade de exigências burocratizantes, formais, descendo a detalhes desnecessários, na fase de habilitação – palco para verdadeiras guerras entre licitantes, armados de providenciais liminares judiciais, que conduzem ao efeito perverso de afugentar propostas realmente vantajosas para o interesse público, em detrimento do princípio constitucional da eficiência." [17]

É neste contexto de transformações por que passa o Estado que surge a nova modalidade de licitação denominada pregão, com o objetivo de imprimir maior agilidade às contratações públicas, reduzindo os custos operacionais e diminuindo os valores médios das aquisições e serviços e trazendo, assim, uma maior eficiência à Administração no cumprimento de sua finalidade primordial, qual seja, o atendimento ao interesse público.

O Pregão no direito positivo brasileiro

Alice Gonzalez Borges aponta que em abril de 1997, em seminário realizado pela Editora NDJ para discussão do projeto de lei geral de licitações elaborado pelo MARE, foi trazida à discussão a sugestão de inversão do procedimento licitatório.

Neste seminário, que contou com a participação de renomados juristas, manifestaram-se pela adoção deste procedimento JESSÉ TORRES [18], e MARÇAL JUSTEN FILHO. O primeiro propôs que primeiramente fossem abertas as propostas, e, após a sua classificação, fossem convocados os licitantes classificados a exibirem sua documentação de habilitação; já MARÇAL JUSTEN FILHO adotou posição mais radical : deveriam ser abertas primeiramente as propostas e, após julgadas e classificadas, somente o licitante vencedor deveria ser chamado para comprovar sua habilitação. [19]

Estas propostas foram inspiradas no exemplo das licitações promovidas por agentes financiadores internacionais, cujas guidelines consagravam tal simplificação de procedimento e vinham sendo aplicadas nas licitações previstas no art. 42 da Lei Federal nº 8.666/93.

No entanto, o pregão não é uma idéia nova na Europa, pois, conforme lembra Hely Lopes Meirelles, este sistema já era utilizado na época medieval. [20]

Em meio à reestruturação da Administração Pública, foi criada, através da Lei nº 9.472/1997, a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, marco legal que determinou a transformação do papel do Estado no Setor de Telecomunicações.

A Lei 9.472 de 16.07.97, ao regulamentar as contratações da ANATEL, dispôs :

"Art.54 - A contratação de obras e serviços de engenharia civil está sujeita ao procedimento das licitações previsto em lei geral para administração Pública.

Parágrafo único: para os casos previsto no caput, a agência poderá utilizar procedimentos próprios de contratação, nas modalidades de consulta e pregão.

Art.56 - A disputa pelo fornecimento de bens e serviços comuns poderá ser feita em licitação na modalidade de pregão, restrita aos previamente cadastrados, que serão chamados a formular lances em sessão pública."

O pregão surge [21], assim, num primeiro momento, apenas para as contratações da ANATEL, sendo, posteriormente, estendido a todas as agências reguladoras através Lei Federal nº 9.986, de 18.07.2000, que trata da gestão de recursos nas agências reguladoras.

A Lei Federal nº 9.986/2000 dipôs, em seu art. 37 :

"Art. 37 – A aquisição de bens e a contratação de serviços pelas agências reguladoras poderá se dar nas modalidades de consulta e pregão, observado o disposto nos arts. 55 a 58 da Lei n. 9.472, de 1997, e nos termos de regulamento próprio.

Parágrafo único – O disposto no caput não se aplica às contratações referentes a obras e serviços de engenharia, cujos procedimentos deverão observar as normas gerais de licitação e contratação para a Administração Pública."

Paralelamente, o pregão foi introduzido como nova modalidade licitatória para a Administração direta e indireta através da Medida Provisória 2.026/00, alterada pela Medida Provisória 2.182-18/01, posteriormente convertida na Lei 10.520, de 17.07.2002.

O pregão foi instituído como norma geral através da Medida Provisória nº 2.026, de 4 de maio de 2000, posteriormente transformada na Medida Provisória nº 2.182, reeditada sucessivamente por 18 vezes.

Inicialmente, a Medida Provisória 2.026/00 instituía o pregão apenas no âmbito da União. Estabelecida o artigo 1º da Medida Provisória que "para aquisição de bens e serviços comuns, a união poderá adotar licitação na modalidade pregão."

Diversos juristas questionaram a constitucionalidade desta Medida Provisória, por entenderem que não poderia ela instituir nova modalidade licitatória, como Maria Alice Gonzáles, Toshio Mukai e Marçal Justen Filho.

Conforme salienta Vera Scarpinella:

"Uma das maiores dificuldades de acomodação jurídica do pregão não derivou apenas da novidade em matéria de licitação por ele trazida, mas da sua origem em medida provisória, suas sucessivas reedições e mudanças mensais no texto original." [22]

Outro problema com relação ao tema foi à aplicabilidade do pregão apenas no âmbito da União, sendo o disposto no art. 1º da Medida Provisória também entendido como inconstitucional pela doutrina. Neste sentido, Marçal Justen Filho afirma que :

"A opção de circunscrever a aplicação do pregão a contratações promovidas no âmbito federal é extremamente questionável. È inviável a União valer-se da competência privativa para editar normas gerais acerca de licitação cuja aplicação seja restrita á própria órbita federal.[...] Por isso, deve reputar-se inconstitucional a ressalva contida no art.1º, admitindo-se a adoção da sistemática do pregão também por outros entes federativos. " [23]

No mesmo sentido, Alice Gonzalez Borges escreveu que:

"Constitucionalmente, não pode a Medida Provisória dispor, em matéria pertinente à alteração das normas gerais existentes, somente para a Administração Federal, sem incorrer em grave violação de preceitos do Texto Maior.

Na medida em que altera, como efetivamente o faz, normas gerais de licitações e contratos administrativos em vigor, de abrangência nacional, logicamente há de ter aplicação também aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal.

Demais disso, trata-se, no caso, de uma aplicação concreta do princípio constitucional da eficiência. Ora, ninguém mais que os Estados e Municípios necessitam da simplificação e agilização dos procedimentos licitatórios, com vistas à melhoria do atendimento de suas necessidades de serviço e à satisfação do interesse público em geral, de modo algum se justificando tal marginalização." [24]

Em virtude disso, houve uma proliferação de normas locais sobre o pregão, com a edição de leis e decretos para criar e regulamentar a nova modalidade no âmbito de Estados e Municípios, sendo relevante observar que várias dessas normas legais trouxeram soluções distintas para situações idênticas.

A edição da Lei Federal nº 10.520/02 veio a superar a questão, estendendo a aplicação da nova modalidade também aos Estados e Municípios.

A edição da Lei Federal nº 10.520/2002 conferiu maior segurança jurídica ao aplicador da norma, passando a ser o fundamento de validade das normas locais, porém não eliminou o debate em torno dos limites legislativos locais em matéria de licitação.

Conforme afirma Vera Scarpinella:

"O tema é extremamente complexo. A afirmação de que normas gerais são aquelas que estruturam um dado assunto, formando suas bases fundamentais, permite a teorização a respeito do regime a ser dado às normas afinal qualificadas como gerais. Mas este esforço teórico não exclui outro – qual seja, o de identificar nas normas que se pretendem gerais aquilo que deve receber o regime próprio das normas gerais." [25]

A Lei Federal nº 10.520/2002, portanto, não pacificou a questão relacionada à edição de diversas normas locais, disciplinando de forma diversa a matéria.

A Lei Federal nº 8666/93 – denominada Estatuto Geral das Licitações – estabelece dois critérios que norteiam a escolha da modalidade licitatória adequada: (a) quanto ao valor do objeto, para concorrência, tomada de preços ou convite (art. 23), e (b) quanto a natureza do objeto, independente do valor, para leilão ou concurso (art. 22, §§ 4º e 5º).

Ocorre que essas modalidades licitatórias, previstas na Lei 8.666/93, em muitos casos, não conseguiram dar a celeridade desejável à atividade administrativa destinada ao processo de escolha de futuros contratantes. As grandes reclamações oriundas de órgãos administrativos centravam-se nos contratos menores ou de mais rápida conclusão, prejudicados pela excessiva burocracia do processo regular de licitação.

Desta forma, o pregão foi criado como modalidade adequada para a aquisição de bens e contratação de serviços comuns. [26]

Assim como para as modalidades de leilão e concurso, o emprego da modalidade pregão deverá ser efetuado de acordo com a natureza do objeto, independentemente do valor da contratação.

Considerações sobre o termo "bens e serviços comuns"

Para a verificação da viabilidade de adoção do pregão, é necessário, em primeiro lugar, definir o que são bens e serviços comuns.

Dispõe a Lei Federal nº 10.520/2002, em seu art. 1º:

"Art. 1º Para aquisição de bens e serviços comuns, poderá ser adotada a licitação na modalidade de pregão, que será regida por esta Lei.

Parágrafo único. Consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado."

A aplicação do pregão tem sido objeto de muitos questionamentos, gerando dúvida e insegurança por parte do administrador quanto à sua escolha, especialmente quando se trata de proceder ao enquadramento do objeto da licitação no conceito de bens e serviços comuns do art. 1º da Lei Federal nº 10.520, de 17 de julho de 2002. [27]

A definição legal sobre o que são bens e serviços comuns, é dada pelo parágrafo único do artigo 1º da Lei 10.520/02, está longe de ser precisa, haja vista que as expressões nela contidas são plurissignificativas, conforme afirma José dos Santos Carvalho Filho. [28]

Segundo Marçal Justen Filho:

"(...) a interpretação do conceito de "bem ou serviço comum" deve fazer-se em função das exigências do interesse público e das peculiaridades procedimentais do próprio pregão. A natureza do pregão deve ser considerada para determinar o próprio conceito de "bem ou serviço comum". [29]

Para Marçal Justen Filho deve haver certa cautela na interpretação deste conceito, pois segundo este autor:

"Todo e qualquer objeto licitado tem que ser descrito objetivamente, por ocasião da elaboração do ato convocatório da licitação. Mesmo quando se licitar um bem ou serviço " incomum", especial, singular, haverá a necessidade (e a possibilidade) de fixação de critérios objetivos de avaliação. Ou seja, o que identifica um bem ou serviço "comum" não é a existência de critérios objetivos de avaliação. Quando muito, poderia afirmar-se que um bem ou serviço comum pode ser descrito mais fácil e completamente através de critérios objetivos do que os que não o sejam". [30]

Neste sentido, escreve Jessé Torres Pereira Junior que:

"Em aproximação inicial do tema, pareceu que ‘comum’ também sugeria simplicidade. Percebe-se, a seguir, que não. O objeto pode portar complexidade técnica e ainda assim ser ‘comum’, no sentido de que essa técnica é perfeitamente conhecida, dominada e oferecida pelo mercado. Sendo tal técnica bastante para atender às necessidades da Administração, a modalidade pregão é cabível a despeito da maior sofisticação do objeto" [31]

Conforme conceitua Armando Moutinho Perin:

"(...) somente poderão ser classificados como "comuns" os bens e serviços de fácil identificação e descrição, cuja caracterização tenha condições de ser feita mediante a utilização de especificações gerais, de conhecimento público, sem prejuízo da qualidade do que se pretende comprar.

Bem comum, para fins da Lei nº 10.520, é, por exemplo, um automóvel, em que a indicação de apenas algumas características, de conhecimento público e notório, mostra-se suficiente para identificação plena do objeto.

Serviço comum, por exclusão, é todo aquele que não pode ser enquadrado no art. 13 da Lei nº 8.666, que arrola os serviços qualificados como técnicos profissionais especializados." [32]

Segundo Hely Meirelles :

"SERVIÇOS COMUNS - serviços comuns são todos aqueles que não exigem habilitação especial para sua execução. Podem ser realizados por qualquer pessoa ou empresa,pois não são privativos de nenhuma profissão ou categoria profissional. São serviços executados por leigos" [33]

Para Ricardo Ribas da Costa Berloffa:

"Bem ou serviço comum é aquele que pode ser adquirido, de modo satisfatório, por intermédio de um procedimento de seleção destituído de sofisticação ou minúncia. Enfim, são comuns os objetos padronizados, aqueles que têm um perfil qualitativo definido no mercado." [34]

Vera Scarpinella salienta, ainda, que:

"(...) o objeto comum para fins de cabimento da licitação por pregão não é mero sinônimo de simples, padronizado e de aquisição rotineira. Bens e serviços com tais características estão incluídos na categoria de comuns da Lei 10.520/2002, mas não só. Bens e serviços com complexidade técnica, seja na sua definição ou na sua execução, também são passíveis de ser contratados por meio de pregão. O que se exige é que a técnica neles envolvida seja conhecida no mercado do objeto ofertado, possibilitando, por isso, sua descrição de forma objetiva no edital." [35]

Em síntese, a lei que institui o pregão define que bens e serviços comuns são aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital. No entanto, a denominação de "comum" não se reflete a objeto sem sofisticação ou sem desenvolvimento tecnológico.

Assim, "bens ou serviços comuns" são aqueles que podem ser encontrados no mercado sem maiores dificuldades, e que são fornecidos por várias empresas, sendo que sua caracterização deve fazer-se em função das exigências do interesse público e das peculiaridades procedimentais do próprio pregão.

Por fim, cabe salientar que Marçal Justen Filho, na segunda edição de seu livro sobre pregão, concluiu que "bem ou serviço comum é aquele que apresenta sob identidade e características padronizadas e que se encontra disponível, a qualquer tempo, num mercado próprio" [36]

O Decreto nº 3.555, de 08/08/2000 foi editado para regulamentar o procedimento do pregão. Em seu Anexo II traz uma relação de bens e serviços considerados comuns.

Os bens comuns dividem-se em bens de consumo (os de freqüente aquisição) e bens permanentes (mobiliários, veículos, etc.). Os serviços comuns são de variadíssima natureza, incluindo-se, entre outros, os de apoio administrativo, hospitalares, conservação e limpeza, vigilância, transporte, eventos, assinatura de periódicos, serviços gráficos, informática, hotelaria, atividades auxiliares (motorista, garçom, ascensorista, copeiro, etc).

A doutrina tem-se manifestado no sentido de que o rol de bens e serviços trazido pelo referido Decreto não é taxativo.

Conforme Marçal Justen Filho:

"Não se afigura cabível interpretar em termos rígidos o elenco contido no Anexo II. A ausência de rigidez se manifesta sob dois aspectos.

Em primeiro lugar, o elenco não é exaustivo. Qualquer outro objeto qualificado como comum, ainda que não constante do rol do Anexo II pode ser contratado através de pregão. (...) Se algum objeto qualificado como comum puder ser caracterizado além do elenco do Decreto, seria inconstitucional pretender excluí-lo com fundamento na ausência de alusão por parte do ato infralegal. Ou seja, não é juridicamente cabível que a competência instituída por Lei seja restringida por meio de Decreto.

Ademais disso, a inclusão de um bem ou serviço na relação não o transforma, de modo automático, em suscetível de contratação por meio de pregão. (...) Esse entendimento decorre de que os bens e serviços enumerados no regulamento poderão, em certas circunstâncias, não preencher os requisitos necessários para qualificação como comuns. Então, a competência criada por Lei não poderia ser ampliada por via de Decreto." [37]

No mesmo sentido, os atualizadores da obra de Hely Lopes Meirelles afirmam que:

"O Decreto nº 3.555, de 8.8.2000 (alterado pelo Decreto 3.693, de 20.12.2000), regulamenta a matéria, contendo, no Anexo II, a relação dos bens e serviços comuns. A lista é apenas exemplificativa e serve para orientar o administrador na caracterização do bem ou serviço comum. O essencial é que o objeto licitado possa ser definido por meio de especificações usuais no mercado (...)" [38]

O Tribunal de Contas da União já proferiu entendimento no sentido de que a lista de serviços constante do Anexo II do Decreto 3.555/2000 não é exaustiva:

"(...) Por outro lado, o mencionado Decreto (3.555/2000) não caracteriza o serviço de locação de mão-de-obra como serviço comum, o que impossibilitaria a utilização da modalidade pregão. No entanto, a nosso ver, a lista de serviços constante do Anexo II do Decreto 3.555/2000 não é exaustiva, haja vista a impossibilidade de relacionar todos os bens e serviços comuns utilizados pela Administração." [39]

Pode-se concluir, pois, que o rol de bens e serviços contido no Anexo II do Decreto nº 3.555/2000, com as alterações do Decreto 3.693/2000, é exemplificativo, e não exaustivo, sendo necessário, no caso concreto, analisar-se o objeto que se pretende contratar em função das exigências do interesse público, bem como da natureza e das peculiaridades procedimentais do pregão.

A escolha da modalidade de pregão pelo agente público: vinculação ou discricionariedade

Como foi visto anteriormente, a modalidade pregão será a espécie escolhida, em geral, quando o poder público necessitar adquirir bens ou serviços considerados comuns.

Portanto, para a contratação de um serviço especializado o agente público irá se valer das modalidades previstas na Lei 8.666/93. Isto por quê, no julgamento das propostas nas modalidades concorrência ou tomada de preços, por exemplo, poderão ser usados critérios de menor preço, da melhor técnica ou ainda de técnica e preço enquanto que no pregão o critério de julgamento será sempre o do menor preço.

Outra particularidade desta modalidade licitatória é a adoção parcial do princípio da oralidade. Enquanto nas formas comuns de licitação a manifestação de vontade dos proponentes se formaliza sempre através de documentos escritos (propostas), no pregão poderão os participantes oferecer outras propostas verbalmente na sessão pública destinada à escolha, através de lances.

Quanto à discricionariedade na escolha da modalidade do pregão pelo administrador público, a doutrina diverge.

Para Vera Scarpinella, se o objeto da contratação for um bem ou serviço comum e havendo compatibilidade com a estrutura procedimental do pregão, esta deverá ser a modalidade escolhida. E alerta:

"Portanto, o agente público não pode escolher livremenete entre as diversas modalidades licitatórias quando o objeto licitado puder estar contido no conceito de bem e serviço comum. Na dúvida, como se trata de um conceito fluido, o agente deve justificar a não inclusão do específico objeto licitado, para poder fazer uso de outro procedimento." [40]

De outro lado, os atualizadores da obra de Hely Lopes Meirelles afirmam que:

" (...) não está a Administração obrigada a realizar o pregão toda vez que deseja obter um bem ou serviço de interesse comum. Poderá optar por qualquer outra das modalidades, desde que o interesse público assim aconselhe. O pregão é mais uma opção que a lei lhe concede, o que se deduz da leitura do art. 1º da medida provisória (...)" [41]

Para Marçal Justen Filho:

"A opção pelo pregão é facultativa, o que evidencia que não há um campo específico, próprio e inconfundível para o pregão. Não se trata de uma modalidade cuja existência se exclua a possibilidade de adotar-se convite, tomada ou concorrência, mas se destina a substituir a escolha de tais modalidades, nos casos em que assim seja reputado adequado e conveniente pela Administração." [42]

Analisando-se os dispositivos da Lei Federal nº 10.520/2002 e diante dos motivos que levaram à sua edição, pode-se concluir que o pregão, como afirmado por Marçal Justen Filho, não exclui as demais modalidades licitatórias previstas na Lei Federal nº 8.666/93, mas veio como opção, com a finalidade de conferir maior agilidade às contratações da Administração Pública.

Assim, vários aspectos devem ser considerados na escolha desta modalidade pelo agente público : a caracterização do objeto como bem ou serviço comum, "os valores da disputa justa, do rendimento econômico, da segurança e da eficiência" [43], sob pena de criar-se maiores entraves à contratação.

Ainda há que ser considerada a necessidade de contar a Administração com servidores aptos para o desempenho da função de pregoeiro. Ressalte-se que, no pregão, a responsabilidade de conduzir e julgar é pessoal e exclusiva do pregoeiro, que atuará sozinho, ao contrário do que ocorre nas comissões de licitação.

Desta forma, o entendimento que mais se adequa ao interesse público é conferir-se ao administrador a faculdade de optar, diante do caso concreto, pela modalidade pregão ou outra modalidade, dentre as previstas na Lei 8.666/93, as quais, assim como o pregão, atendem os princípios constitucionais referentes à licitação.

Sobre a autora
Adriana Maurano

procuradora do Município de São Paulo (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAURANO, Adriana. A instituição do pregão para aquisição de bens e contratação de serviços comuns. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 235, 28 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4879. Acesso em: 23 nov. 2024.

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