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Democracia: formas de participação e seus limites

O presente artigo teve como objetivo esclarecer acerca da compatibilidade ou incompatibilidade entre a democracia e o capitalismo na atualidade, buscando fazer um reexame dos princípios básicos desses dois institutos.

Sobre a Democracia

Robert A. Dahl

 

A democracia é um sistema de governo, no qual o poder e a responsabilidade cívica são exercidos por todos os cidadãos, direta ou indiretamente. É um conjunto de princípios e praticas com a função de proteger a liberdade humana; descentralizar poderes a nível regional e local, tornando-os o mais acessível possível, porem proteger governos muito poderosos; garantir a mesma proteção legal a todos os cidadãos; ao mesmo tempo em que protege a vontade da maioria, protegem, também, os direitos fundamentais dos indivíduos e das minorias; garante a igualdade de voto. 

A democracia pode ser atingida de mais de uma maneira. Como exemplo, a Constituição dos Estados Unidos um poderoso chefe executivo na presidência ao mesmo tempo em que há um poderoso legislativo no congresso, sendo ambos independentes. Já na Europa, predomina-se o sistema parlamentar, em que o chefe executivo, o primeiro-ministro, é eleito pelo próprio parlamento. 

 

A democracia serve tanto para o Estado quanto para pequenas associações?

Primeiramente, é necessário caracterizar o que é “Estado”: é uma entidade territorial, é um tipo especial de associação, que se distingue das demais pelo tanto que pode garantir a obediência ás regras sobre as quais reivindica jurisdição, por seus meios superiores de coerção. 

A democracia não só serve para o Estado, como esse tem sido o foco essencial das ideias democráticas há muito tempo. Entretanto, vale a pena destacar que nenhum Estado jamais possuiu um governo que estivesse plenamente de acordo com os critérios de um processo democrático. 

Apesar de tal fato, os critérios que determinam o que é um estado democrático são de grande importância, mesmo que não sejam plenamente alcançados, pois os mesmos nos proporcionam padrões para medir o desempenha de associações que afirmam ser democráticas, ajudam na busca de respostas e servem como moldagem ou remoldagem de instituições politicas, constituições, práticas e arranjos concretos. 

 

 

Porque deveríamos achar que a democracia é desejável num governo de uma associação importante como o Estado? 

 

Durante muitos anos, mais especificamente, até a metade do século XX, a maior parte do mundo considerava os sistemas não democráticos superiores tanto na sua prática como na teoria. Isso se dá pelo fato de chefes desses governos justificarem que a maiorias das pessoas não tem competência para participar do governo de um Estado.  Entretanto, a maioria não consentia nesse tipo de governo, e sim era obrigada a aceita-lo. 

A democracia, no entanto, apresenta consequências desejáveis: evita a tirania, garante direitos essenciais, a liberdade geral, a autonomia moral, a igualdade politica, a proteção dos interesses pessoais essenciais, a busca pela paz e a prosperidade, entre outras, passando então a ser a melhor opção para se governar um Estado devido as vantagens descritas a cima não presentes em outras alternativas viáveis. 

Ela não é capaz de garantir cidadãos felizes, prósperos, saudáveis, sábios, pacíficos ou justos. Atingir esses fins vai além da capacidade de qualquer governo que seja. Na prática, esse tipo de governo foge muito de seus ideais, porém não se deveesquecer os grandes benefícios que a tornam mais desejável que os outros tipos de governo.

 

 

 

Porque os direitos necessários a um processo de governo democrático devem ser igualmente estendidos aos cidadãos?

 

Acredita-se que a desigualdade não seja uma característica especial de alguma região. Embora essa tenha se reduzido a partir de 1776, muitas permanecem. Aparentemente, a desigualdade é uma condição humana. 

Thomas Jefferson percebeu, então, que as capacidades, vantagens e oportunidades dos humanos não eram distribuídas igualmente nem no nascimento nem após a educação. 

Para considerar todos os seres humanos iguais, é preciso fazer um julgamento moral sobre os mesmos, considerando que a felicidade e a e a liberdade de uma pessoa não são intrinsecamente superiores a de outras. Portanto, deve-se trata todas as pessoas como se possuíssem direitos iguais. Essa igualdade intrínseca ainda não foi completamente alcançada, porém é um principio razoável para fundamentar o governo de um Estado.

Deve-se adotar o principio de que todos os cidadãos são iguais, merecendo os mesmos direitos em um governo democrático devido a alguns fatores: 
1. Primeiramente, ao cunho religioso, que faz parte de crenças para muitas pessoas mundo a fora, na qual todos somos filhos de Deus e por isso somos todos iguais;
2. A fragilidade de um princípio alternativo, no qual há uma superioridade intrínseca, devido à negação dos que não estão incluídos nessa superioridade.
3. A prudência. Um governo pode tanto conferir grandes benefícios, como infligir grandes males. A prudência vai ditar uma cautelosa preocupação pela maneira como serão empregas suas capacidades incomuns. Ou seja, vai garantir que nenhum tipo de interesse seria priorizado entre outros.
4. Aceitabilidade.  Um princípio que você considere prudente aceitar, muitos outros então aceitarão. Assim, um processo que assegure um maior peso para todos, tem maior probabilidade de assegurar um consenso de todos em que a cooperação é necessária para atingir os objetivos. 

Dessa maneira, interpretando a igualdade intrínseca como um princípio de governo que é justificado na base da moralidade, na prudência e na aceitabilidade, essa forma de classificação varia mais sentido que as outras quando se trata da igualdade no governo. 

 

A cidadania ativa

Maria Victoria de Mesquita Benevides

Prefácio

 

Tem a função de aumentar o prestígio do autor na obra, o que não acontece neste caso porque a autora já desfruta deste prestígio.

 

Representação e democracia direta – Elementos fundamentais

 

Segundo a autora, existem pouquíssimos mecanismos jurídicos para fazer com que um representante pratique sua responsabilidade, e estes quase nunca são aplicados.

Temos mecanismos institucionais de democracia semidireta, como o referendo, modos de expressão da opinião ou da vontade do cidadão, plebiscito, que no Brasil, é definido também como um instituto de “poder constituinte” do povo, e iniciativa popular, que trata do direito de um conjunto de cidadãos de iniciar um processo legislativo – Parlamento.

Considerar a democracia direta pode ser um equívoco, por ser considerada apenas como uma curiosidade histórica e por ser situada apenas nos contextos revolucionários, além de ser associada às ditaduras modernas.

O principal argumento contra a democracia semidireta, é o enfraquecimento dos partidos políticos e o esvaziamento do Poder Legislativo, porém, há quem diga que a democracia semidireta garante a soberania popular.

 

“O Povo não sabe votar”

 

Inicialmente, a politica era uma forma de impedir as pessoas de se ocuparem com o que lhes diz respeito, depois, foi uma forma de fazer com que as pessoas decidirem sobre aquilo que não entendem.

A definição de Paul Valery, entre ironia e desencanto, ilustra uma certaconcepção da história política, pois o povo é politicamente incapaz:

- O povo é incompetente para votar em questões que “não pode entender”; é incoerente em suas opiniões (quando as tem) e é, ainda, politicamente irresponsável, nada lhe sendo cobrado.

- O povo tende a votar de forma mais “conservadora” e , quando muito solicitado, terna-se “apático” para a participação política.

- O povo é mais vulnerável, do que seus representantes, às pressões do poder econômico e dos grupos “super organizados”.

- O povo é dirigido pela “tirania da maioria”, e dominado pelas “paixões”.

Para a autora todos esses pontos foram exagerados, até porque, se o povo é realmente considerado incapaz para votar em determinadas questões, por que não seria também para escolher seus representantes? 

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Montesquieu, sabido, considerava que o povo tinha justamente o melhor juízo para escolher seus representantes.

 

Os procedimentos: Problemas e soluções para o caso brasileiro

 

Toda discussão sobre esses procedimentos tem por objetivo mostrar dois tipos de questão.

A primeira trata-se de reiterar a tese de soberania popular não significa ausência de regras claras, pelo contrário, regras nítidas e democraticamente elaboradas favorecem a consolidação da prática democrática.

A segunda trata-se de reiterar que a finalidade da fiel observância das regras não apenas garante a participação mais esclarecida dos cidadãos, como reafirma um princípio democrático: A legitimidade dos resultados depende da legitimidade dos procedimentos.

Com relação à convocação do plebiscito e referendo, que são formas que o cidadão tem de participar do meio político, costuma ser atribuída ao Poder Executivo, ao Poder Legislativo, ou a ambos, com ou sem iniciativa popular.

A Constituição brasileira de 1988 atribuiu competência exclusiva ao Congresso Nacional para “autorizar referendo e convocar plebiscito”, o que não significa o direito de iniciativa para essa deliberação.

Os modos de intervenção direta da população na atividade política decisória, assim como as eleições para o Executivo e Legislativo, integram o processo de aferição da vontade popular, estando assim, igualmente submetidos ao controle jurisdicional.

No Brasil, o referendo deverá ter um prazo determinado para sua apresentação, pois, se depois da aprovação da lei, decorrer muito tempo, o mecanismo passa a ser iniciativa popular.

A lentidão tende a dificultar a prática da democracia semidireta.

 

As campanhas: informação, manipulação e o poder econômico.

 

Diante das formas que o cidadão tem de interagir com a política, há a influência, manipulação das campanhas, que muitas vezes atrapalha o foco que cada um tem diante de alguma situação a ser decidida, o que pode ser visto como um limite inconsciente na nossa atitude.

Defensores e adversários de uma proposta não serão imparciais, nunca, e na Suíça e nos Estados Unidos, por exemplo, cabe ao Executivo providenciar esclarecimento.

Um dos aspectos da campanha que pode ser considerado positivo pelos políticos é a possibilidade de atuação dos partidos e das lideranças partidárias que durante a campanha tem maior visibilidade.

As campanhas tem grande responsabilidade sobre a população, pois tem também a função informativa e educativa.

 

Considerações finaisParticipação, educação política e cidadania ativa

 

 

    ​A democracia republicana, entendida como o regime da soberania popular, funda-se no exercício da liberdade, no respeito à res publica - ao que é comum a todos e insuscetível de apropriação privada - e na afirmação da igualdade. 

 

    ​Montesquieu dizia, em O espírito das leis, que a mola propulsora desse regime é aquela virtude (simples e preciosíssima), que se manifesta no “sentimento político” como encarnação do princípio de igualdade. Numa república, a virtude política por excelência é o amor do bem público; numa democracia, é o amor da igualdade. Mas, para que essa virtude política modele a cidadania, é necessário integrá-la no conjunto dos costumes do povo. 

 

    ​A tradição brasileira não é de acentuado apego às virtudes políticas e, muito menos, de amor à igualdade. O que é importante destacar é justamente a questão dos costumes e, em decorrência, a da educação política. 

 

    ​Os costumes representam um grave obstáculo à legitimação dos instrumentos de participação popular. Daí sobrelevar-se a importância da educação política como condição inarredável para a cidadania ativa - numa sociedade republicana e democrática.  A expectativa de mudança existe e se manifesta na exigência de direitos e de cidadania ativa; o que se traduz, também, em exigências por maior participação política - na qual se inclui a institucionalização dos mecanismos de democracia semidireta.

 

    ​Os exemplos de democracia semidireta representam experiências em sociedades com forte tradição de participação e reconhecimento de direitos de cidadania. A participação popular constante é bem sucedida na Suíça porque se trata de “um povo politicamente maduro, socialmente homogêneo e com temperamento estável e sóbrio” de acordo com Loewenstein. 

 

    ​O povo brasileiro não partilha tais costumes e convicções, porém é possível mudar. Para boa parte dos contestadores da participação popular, o “culpado” é o povo mesmo. Ignorante, imaturo, instável, manipulável, sentimental e apático, jamais poderia “tomar lugar” dos políticos profissionais.

    

   ​ Outra questão a ser enfatizada refere-se à distância entre o povo e os órgãos de decisão nas sociedades contemporâneas. É evidente que, com a evolução do Estado moderno, o exercício do governo inclui cada vez mais tarefas complexas e técnicas, contribuindo para o estabelecimento de uma relação autoritária entre governantes e governados. Essa relação tem provocado várias consequências negativas, desde a indiferença até a fraca hostilidade do povo para com os políticos, em geral, e para os governantes, em particular. 

 

    ​A institucionalização de práticas de participação popular tem o apreciável mérito de corrigir essa involução do regime democrático, permitindo que o povo passe a se interessar diretamente pelos assuntos que lhe dizem respeito e, sobretudo, a se manter informado sobre os acontecimentos de interesse nacional. 

 

   ​ Finalmente, é bom lembrar que a educação política através da participação em processos decisórios, de interesse público - como em referendos, plebiscitos e iniciativas populares -, é importante em sim, independentemente do resultado do processo. As campanhas que precedem às consultas populares têm uma função informativa e educativa, de valor inegável, tanto para os participantes do lado “do povo”, quanto para os próprios dirigentes e lideranças políticas. Para estes últimos, por exemplo, a realização de um referendo pode ser utilíssima como instrumento de informação sobre opiniões ou avaliações acerca de problemas específicos, quando faz emergir a opinião da minoria, mas uma minoria muito “maior” do que se imaginava. E no caso das iniciativas populares, mesmo quando as propostas não conseguem ser qualificadas para a votação (requesitos formais não cumpridos), o processo todo é, em si, instrumento para a busca da legitimidade política. Possibilita, nas suas diferentes fases, uma efetiva discussão pública sobre as questões em causa, contribuindo, assim, decisivamente, para a educação política do cidadão.

 

 

Capitalismo e Democracia 
         Ellen Meiksins Wood

 

Ellen Meiksins Wood, uma historiadora e editora traz, questionamentos sobre a suposta naturalidade do surgimento do capitalismo. Ellen ministrou uma conferencia sobre o novo imperialismo e seus efeitos negativos para a democracia na medida em que os Estados Unidos continuam tentando consolidar sua hegemonia global unilateral. Neste questionamento concluiu que a democracia estaria se convertendo, como já não fazia a bastante tempo, se transformando em uma ameaça para o capitalismo. O capital depende mais do que nunca de um sistema global de múltiplos Estados locais. De modo que as lutas locais e nacionais por uma democracia real e uma verdadeira mudança do poder de classe, tanto no interior como fora do estado, podem oferecer uma ameaça real ao capital imperialista. 

  ​A história da democracia moderna, na Europa Ocidental e Estados Unidos, foi inseparável do capitalismo. Somente porque o capitalismo criou uma relação inteiramente nova entre poder político e econômico que torna impossível que a dominação de classe de mantenha coexistindo com os direitos políticos universais. É o próprio capitalismo que tornou possível uma democracia limitada, ''formal''. É por isso que o capital pode tolerar algum tipo de democracia.

 ​O objetivo de Ellen em seu destaque sobre a democracia limitada, ''formal'' não é afirmar que o capitalismo não pode tolerá-la, embora não devêssemos desprezar os ataques sobre as liberdades civis que estão tendo lugar precisamente agora nos Estados Unidos. O principal é demonstrar as condições do capitalismo global atual e do novo imperialismo, a democracia pode ameaçar converter-se em algo mais que um regime meramente formal.

 ​ Ellen retomou seu livro DEMOCRACIA CONTRA O CAPITALISMO para explicar brevemente um argumento sobre a relação entre o capitalismo e a democracia.  Em 1995, quando este livro foi publicado em inglês, ocorreram alguns sinais de oposição crescente ao capitalismo neoliberal e à “globalização” em várias partes do mundo. Mas a onda atual de “anticapitalismo”, que se manifestou em Seattle, Gênova, Porto Alegre e em muitos outros locais, estava por vir. Ainda é muito cedo para sabermos onde esses movimentos vão nos levar, mas uma coisa é certa: por mais diversificadas que seja, o impulso em direção à democracia é uma motivação comum que os une.

Resta saber se todos os “anticapitalistas” querem dizer a mesma coisa quando falam de democracia, e se concordamos quanto às condições necessárias para se chegar a ela. Creio poder afirmar que todos nós, pelo menos a maioria, consideramos indispensáveis as liberdades civis básicas – liberdade de expressão, de imprensa e outras. Se isso é tudo que esperamos não há diferença entre os anticapitalistas e os advogados “liberais” do capitalismo. No livro parte da premissa de que “democracia” significa o que diz o seu nome: o governo pelo povo ou pelo poder do povo.

  ​É provável que essa definição tão ampla de democracia seja aceita pelos movimentos de oposição atuais, mas mesmo neste caso ainda haveria diferenças. Por exemplo, governo pelo povo pode significar apenas que o “povo”, como um conjunto político de cidadãos individuais, tem o direito de voto. Mas também pode significar a reversão do governo de classe, em que o demos, o homem comum, desafia a dominação dos ricos. A definição usada neste livro se aproxima desta última, em que “democracia” significa o desafio ao governo de classe.

  ​Poderíamos efetivamente distinguir muitos tipos de “anticapitalismo” explorando a forma como veem a compatibilidade entre capitalismo e democracia. Num extremo, ficariam aqueles para quem a democracia é compatível com um capitalismo reformado, em que empresas gigantescas são mais socialmente conscientes e responsáveis perante a vontade popular, e certos serviços sociais são ditados por instituições públicas e não pelo mercado, ou no mínimo regulados por alguma agência pública responsável. É possível que essa concepção seja menos anticapitalista que antineoliberal ou antiglobalização. No outros extremos, estariam aqueles que acreditam que, apesar da importância crítica da luta em favor de qualquer reforma democrática no âmbito da sociedade capitalista, o capitalismo é, na essência, incompatível com a democracia. E é incompatível não apenas no caráter óbvio de que o capitalismo representa o governo de classe pelo capital, mas também no sentido de que o capitalismo limita o poder do “povo” entendido no estrito significado político. Não existe um capitalismo governado pelo poder popular, não há capitalismo em que a vontade do povo tenha precedência sobre os imperativos do lucro e da acumulação, não há capitalismo em que as exigências de maximização dos lucros não definam as condições mais básicas da vida.

  ​Este livro pertence à segunda categoria de anticapitalismo. Ele conclui que “um capitalismo humano, ‘social’, verdadeiramente democrático e equitativo é mais irreal e utópico que o socialismo”. O capitalismo é estruturalmente antitético à democracia, não somente pela razão óbvia de que nunca houve uma sociedade capitalista em que a riqueza não tivesse acesso privilegiado ao poder, mas também, é principalmente, porque a condição insuperável de existência do capitalismo é o fato de a mais básica das condições de vida, as exigências mais básicas de reprodução social, ter de se submeter aos ditames da acumulação de capital e às “leis” do mercado. Isso quer dizer que o capitalismo coloca necessariamente mais e mais esferas da vida fora do alcance da responsabilidade democrática. Toda prática humana que é transformada em mercadoria deixa de ser acessível ao poder democrático. Isso significa que a democratização deve seguir pari passu com a “destransformação em mercadoria”. Mas tal destransformação significa o fim do capitalismo.

  ​No mundo globalizado de hoje, parece que o processo de transformação em produto já avançou muito, já penetrou tão profundamente em todos os aspectos da vida e se espalhou para muito além do alcance de qualquer comunidade política, mesmo a nação-Estado, e o espaço para a democracia ficou muito estreita e muito pequena a probabilidade de desafiar o capital. Mas aqui, parece-me, chegamos a um paradoxo interessante. O capital foi capaz de estender seu alcance econômico para muito além das fronteiras de qualquer Estado, mas o capitalismo ainda está longe de prescindir da nação-Estado. O capital precisa do Estado para manter a ordem e garantir as funções de acumulação, e, independentemente do que tenham a dizer os comentadores a respeito do declínio da nação-Estado, não há evidência de que o capital global tenha encontrado um instrumento mais eficaz. Mas, exatamente porque o alcance econômico do capital se estende para além de todas as fronteiras políticas, o capital global necessita de muitas nações-Estados para criar as condições necessárias de acumulação.

  ​Acredito que hoje estejamos assistindo os efeitos de uma contradição crescente entre o alcance global das forças econômicas e as instituições de administração e repressão locais e territoriais de que o capital ainda necessita. Acho mesmo que o padrão das intervenções militares em que os Estados Unidos estão engajados – guerras sem objetivos específicos, fronteiras geográficas nem prazos definidos (a “guerra ao terrorismo”) – representa uma tentativa de enfrentar essa contradição crescente.

Mas isso já é outra história. A questão principal aqui é que essa contradição crescente oferece um pouco de esperança para as lutas de oposição. Enquanto o capital global depender dos Estados locais, como acredito que vai continuar a depender, esses Estados continuarão a ser um alvo potencialmente útil para as forças de oposição. As lutas democráticas visando alterar o equilíbrio das forças de classe, tanto dentro quanto fora do Estado, talvez representem o maior desafio ao capital. Os movimentos anticapitalistas por todo o mundo têm muito a aprender com a experiência de governos como o de Porto Alegre. Imagine o que representaria a extensão dessa experiência para todo o Brasil e além.

  ​Com esta leitura, e devido as pesquisas elaboradas por nós, observamos que cada vez mais de um tempo para cá temos insistido na tese da incompatibilidade existente na relação entre capitalismo e democracia. Esses são termos que se repelem profundamente: maior democracia significa menos capitalismo, mais capitalismo é possível somente restringindo a democracia. O capitalismo é a dominação de classe, a democracia é o domínio das maiorias, que, como Aristóteles já observava, então formadas principalmente pelos pobres, oprimidos e explorados. O argumento para defender essas afirmações consiste em que, sendo a democracia um regime político fundado na igualdade, é impossível construir um ordenamento político desse tipo dentro de uma forma social como a capitalista, cuja característica constitutiva é precisamente a radical separação entre uma minoria proprietária dos meios de produção e uma grande massa de despossuídos, que somente podem tentar vender a própria força de trabalho nas melhores condições possíveis. Dado que no capitalismo a desigualdade é estrutural e tende a se aprofundar historicamente, a possibilidade de erigir um edifício democrático dos mercados inclusive, em que o controle está depositado nos setores oligopolizados e é exercido verticalmente, de cima para baixo, com sua lógica excludente e sua insaciável tendência a mercantilizar todas as esferas da vida social, onde é radicalmente incompatível com as necessidades de uma ordem democrática, na qual o processo decisório deve ser ascendente, partindo da base, e cuja lógica, em contraste, prevê a ampliação da cidadania até cobrir o conjunto da população a partir da desmercantilização de tudo que o capitalismo mercantilizou. O estado não deveria se intrometer no mercantilismo.

  ​O problema do Estado no capitalismo internacional é o mais complicado dado que o capitalismo global não possui um Estado internacional que o sustente e, até o momento tampouco acredita Ellen que construa tal Estado. A forma política da globalização não é um Estado internacional, mas sim um sistema de vários Estados nacionais, que de fato considerado por ela que a essência da globalização é uma crescente contradição entre o alcance global do poder econômico capitalista e o muito mais limitado alcance dos Estados territoriais que o capitalismo necessita para sustentar as condições de acumulação. Precisamente esta contradição também é possível e necessária, justo por aquela divisão própria do capitalismo entre economia e política.

  ​O argumento de Ellen sustenta o que estamos presenciando no novo imperialismo norte-americano, que é u esforço contínuo para lidar com a contradição entre a esfera de ação do poder econômico e a contínua dependência do capital de um sistema global de Estados territoriais. Assim explica o que torna o capitalismo compatível com certo tipo de democracia e que torna possível as classes dominantes aceitarem esta circunstancia devido a separação das esferas em política e econômica, já que o conceito clássico de democracia engloba um regime cujos anseios de seus cidadãos, diretamente, ou dos seus representantes, eleitos através do voto da maioria, são garantidos e respeitados. A democracia, segundo o discurso da filosofia Aristotélica, é o governo do povo, um regime através do qual todos, desde que sejam simplesmente cidadãos, controlam o governo. O fundamental nesse conceito é que os homens sejam tratados como iguais, e que o Estado tenha a obrigação de se dedicar à manutenção e proteção dos direitos dos cidadãos.

 ​ O capitalismo, por sua vez, é comumente definido como um sistema baseado na propriedade privada dos meios de produção e na relativa liberdade de contrato sobre estes bens. Outro conceito atribuído ao capitalismo é o de que ele é um sistema de governo vinculado ao Estado, que delega aos seus agentes o poder econômico para celebrar transações de natureza monetária. Um mecanismo em que a formação de preços coordena a oferta e a demanda, enquanto o governo põe o sistema em prática e o mantém atualizado.

 ​ Para a teoria política marxista “no capitalismo, todos os governos devem respeitar e proteger as demandas essenciais daqueles que possuem a riqueza produtiva da sociedade”.

  ​O que se pode concluir é que dessa forma, a democracia e o capitalismo ao longo do tempo, apresentaram-se entrelaçados, de maneira que, ao passo que as sociedades capitalistas acrescentaram novas dimensões a ideia de democracia, o capitalismo não seria sobrevivido sem o suporte do Estado. 

  ​O presente artigo teve como objetivo esclarecer acerca da compatibilidade ou incompatibilidade entre a democracia e o capitalismo na atualidade, buscando fazer um reexame dos princípios básicos desses dois institutos. Para isso, foi necessário recorrer a conceitos fundamentais sobre o tema, de forma a vislumbrar uma concepção realista para o impasse.

Infere-se dos estudos realizados que o conceito literal de democracia vincula a sua legitimidade aos anseios diretos de seus cidadãos, ao passo que o capitalismo hoje, mais do que nunca, busca impor os seus interesses econômicos sobre a administração política da sociedade.

Nos últimos anos o capitalismo se tornou um sistema econômico praticamente universal. Todavia, este instituto, cujo pressuposto é a apropriação privada de recursos escassos, tem como sua marca fundamental a desigualdade. Fato esse que entra em conflito com uma característica chave da democracia. Hoje, a democracia possui um significado muito diferente do original. A democracia que foi legitimada reside na separação e independência dos poderes fundamentais do estado. O governo continua a, indiretamente, pertencer ao povo, uma vez que os cidadãos são os responsáveis por eleger os seus representantes, ao menos, na esfera legislativa. Contudo, a participação popular foi reduzida da esfera econômica. Assim sendo, mas uma vez repetindo pois tem grande importância, conclui-se que, democracia e ordem capitalista podem conviver em perfeita harmonia desde que haja a devida separação das esferas política e econômica. Para que o capitalismo e democracia possam coexistir, um desses institutos não tem que aderir aos ditames do outro, mas simplesmente se adaptar.

 

 

Bibliografia:

- Princípios da Democracia retirado do site http://www.embaixada-americana.org.br/democracia/what.htm - Embaixada Americana

- WOODS, Ellen Meikins. Capitalismo e Democracia. Disponível em http://biblioteca.clacso.edu.ar/gsdl/collect/clacso/index/assoc/D1444.dir/cap18.pdf. Acessado em 30 de outubro de 2013.

- DAHL, Robert. Sobre a Democracia. 2001. Disponível em http://www.libertarianismo.org/livros/radsad.pdf

​- BENEVIDES, Maria Victoria. A Cidadania Ativa. São Paulo: Ática, 1991.Disponível em http://www.cedec.org.br/files_pdf/Acidadaniaativa.pdf

Sobre as autoras
Mariana Zagatti

Estudante de direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Mariana Rosa Jaber

Estudante de direito da universidade presbiteriana mackenzie

Ingred Butz

Estudante de direito da universidade presbiteriana mackenzie

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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