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Analise crítica sobre fenômeno de pulverização de tipos penais no diploma legal ECA

Agenda 25/05/2016 às 16:31

Apesar da solidificação de moldes teóricos e normativos, o atendimento socioeducativo prestado à juventude e as experiências judiciárias ainda não apresentaram uma evolução consistente.

1.      INTRODUÇÃO

O Estatuto da Criança e do Adolescente – (ECA) transformou a ordem jurídica brasileira no âmbito da responsabilização e proteção dos jovens que se encontram em situação de vulnerabilidade penal.

Estamos diante do sentido de reconhecer os direitos fundamentais que eclodem do direito constitucional à dignidade, sobretudo na esfera processual-penal e da execução das sanções penais juvenis, perspectiva na qual a Lei 8.069/90 elencou um amplo repertório de mecanismos de garantia e exigibilidade desses direitos.

Tanto o texto legal do Estatuto quanto seus comentários pelos doutrinadores são moldados pela ideia de que, para que os direitos ali expostos tenham efeito, é preciso a absorção de uma ética de corresponsabilidade, que respeite toda a realidade complexa do fenômeno social implícito à própria maneira de operar quando da incidência da norma jurídica, para isso, sempre levando em consideração que a solução de cada caso concreto tem por pressuposto uma abordagem interdisciplinar, e, no campo das práticas intervenientes, de uma ação necessariamente interinstitucional e articulada.


2.      O FENÔMENO DA PULVERIZAÇÃO

Apesar da existência desses moldes teóricos, o atendimento socioeducativo prestado à juventude e as experiências judiciárias ainda não apresentaram uma evolução de forma consistente.

O grande impasse e atrito cultural entre o paradigma proposto na nova legislação e o modelo tradicional de Justiça, com as práticas institucionais nele fundadas, especialmente no campo da privação da liberdade de jovens em conflito com a lei, ocasionam impasses relevantes e têm produzido percepções negativas do sistema na medida em que repercutem no debate público. 

Pode-se observar isso, por exemplo, nas frequentes abordagens do ECA pelos meios de comunicação e espaços comuns em torno dos quais se manifesta a opinião pública, que apresentam uma tendência a descontextualizar e supervalorizar a delinquência juvenil e reforçam o clima de insegurança social, que decorre da impressão geral de inexistir ou ser ineficaz o sistema legal que responsabiliza penalmente o jovem brasileiro – propagando-se ideias que logo viram bordões, como: “com menor não dá nada”.

A tal análise crítica também podem ser submetidos os recorrentes projetos de lei e movimentos pela redução da idade penal, além de algumas expressões que têm a vontade de tornar mais rígido o tratamento penal das infrações juvenis, que são fundamentadas em generalismos, como o de que, se “aos 16 anos pode votar, logo, também pode ir para a cadeia”.

Observando ainda o campo das próprias políticas públicas:

 “os subprodutos desse quadro se materializam através de incidentes localizados de exclusão ou a velada constituição de guetos reservados aos transgressores, justificados pela preservação da maioria considerada ‘saudável’ e assim legitimando reações defensivas, de viés estigmatizante, em razão do notório (e inegável) efeito desorganizador do convívio de adolescentes considerados ditos “desviantes” junto às coletividades juvenis em escolas, programas assistenciais ou de educação complementar, etc.”.

Trazendo para a análise crítica em questão um panorama mais específico, qual seja o terreno das medidas socioeducativas, não se pode deixar de considerar a realidade do sistema socioeducativo, moldado por uma existência de grande onerosidade, pelo isolamento e pela falta de resolução do atendimento às medidas, notadamente da privação da liberdade, tudo, ainda, como espelho da incapacidade de respostas objetivas às relevantes questões pendentes perante o Sistema de Justiça.

Podemos visualizar o meio interno que estrutura os sistemas de atendimento, quais sejam a Assistência Social, a Justiça e a própria Educação, que apresentam os mesmos impasses materializados numa gama de problemas que se exteriorizam material e cotidianamente, como é o caso dos frequentes quadros de desorganização, por ausência ou incompreensão no exercício das funções normativas próprias da autoridade social de cada instituição (FEBEMs, Escolas, Programas Sociais, Famílias etc.). Ausências dessa natureza caminham acompanhadas de outro sintoma que é o da arbitrariedade, quando se abusa de subjetividades e do poder discricionário na solução de problemas do cotidiano.

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É ainda característica notável do sistema uma estrutura de pulverização, gerada por uma departamentalização radical dos serviços, mediados por procedimentos burocráticos que não possuem uma comunicação fácil, que torne possíveis as conexões e comunicações rápidas e efetivas no atendimento interinstitucional ou, ainda, relações sempre moldadas por conflitos e tensões por incompreensão dos mecanismos de compartilhamento de poder inerentes à participação/gestão democrática previstas no Estatuto:

“O produto perverso dessa combinação de equívocos é invariavelmente a impessoalidade e desafetivização, por falta de envolvimento e auto-responsabilização de cada parte envolvida (incluindo adolescentes infratores e familiares) e dos operadores do sistema com o resultado dos seus comportamentos e ações. Em termos práticos, constitui-se aí um fundo perdido em que se depositam diariamente incontáveis trajetórias de vida, além do incomensurável desperdício de tempo e investimento público.”


3.     CONCLUSÃO

Concluindo nossa análise crítica, cabe aqui reiterar aspectos do Estatuto da Criança e do Adolescente, que segue o modelo de incluir a previsão de infrações penais também em diplomas da legislação extravagante, embora seja obrigatório reconhecer que o próprio diploma repressivo já contemplava, antes mesmo da edição do Estatuto, infrações penais vitimizando especificamente crianças e adolescentes.

Em outros dispositivos, a especial condição de criança ou adolescente do sujeito passivo já justificava a criação de tipos derivados, incidindo o agente nestes casos na sanção penal prevista para a figura qualificada do crime. Já para aqueles delitos comuns em que não figurem especificamente como sujeitos passivos, resta a agravante genérica do artigo 61, II, h. Neste caso apenas quando praticado o crime contra criança, ficando o adolescente excluído da previsão contida na parte geral, impedindo, assim, a incidência da circunstância nesta última hipótese, pela vedação de analogia in malam partem.

Todo esse contexto legislativo, político e social nos leva, inevitavelmente, a concordar com pensamentos críticos de uma parcela da doutrina ao fenômeno de pulverização de tipos penais em diversos diplomas legais, desconstruindo a necessária sistematização da legislação penal, transformada em verdadeira colcha de retalhos, fato, contudo, que não afasta a inegável necessidade de tutela, na seara penal, dos elevados interesses da infanto-adolescência.


REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo. (coordenadora) Curso de Direito da Criança e do Adolescente -. Lumen Juris -  2ª edição, 2007.

PEREIRA, Tânia da Silva.Direito da Criança e do Adolescente – Uma Proposta Interdisciplinar, Rio de Janeiro, 2ª edição, 2008.

ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da Criança e Adolescente Comentado: Lei 8.069/1990: artigo por artigo. 4. Ed. Ver., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

SISTEMA NACIONAL DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO (Sinase). Lei 12.594/12.

VOLPI, Mário. O Adolescente e o Ato Infracional. São Paulo: Cortez, 2006.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVESTRE, Samara Costa. Analise crítica sobre fenômeno de pulverização de tipos penais no diploma legal ECA. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4711, 25 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48944. Acesso em: 20 nov. 2024.

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