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Bingo não é ilegal.

Medida Provisória nº 168/2004

Agenda 25/02/2004 às 00:00

Mesmo que se diga que a Administração pode revogar seus atos, ela tem que indenizar, se os atos e contratos foram praticados de acordo com o Direito vigente. As liminares deferidas pelo Poder Judiciário apontam que não ocorrem ilegalidade ou ilegitimidade no funcionamento dos bingos, embora algumas tratem do tema competência legislativa.

O governo Lula não andou bem, mais uma vez. Em pleno carnaval, época de festas e diversão, frente às denúncias de favorecimento pessoal, e para proteger o atual Golbery do Couto e Silva, Lula acabou, de uma tacada só, com a diversão de milhares de pessoas, dentre as quais me incluo, a maioria delas gente da terceira idade.

Aqui não cabe perquirir se jogo é bom ou mau, se vicia ou não. Penso que é um enorme passatempo e, de maneira moderada, não faz mal a ninguém.

Ora escrevo pensando em cerca de 320 mil pessoas, que, em virtude da MP, autoritária, vizinha do militarismo, de uma tacada têm o desemprego batendo às suas portas.


Segundo minhas pesquisas, o jogo de azar foi proibido como contravenção penal pelo Decreto-Lei 3688/41, artigo 50.Não pretendo ir mais longe, falar do Código Penal de 1890, da CLP de 1932, do Código Penal do Império, para não fugir ao tema.

Contravenção continuou até que a Lei Zico (Lei 8672/93), criou o FUNDESP (Fundo Nacional de Desenvolvimento Desportivo) que tratava do bingo no artigo 57. (1)

Conforme se verifica da Lei Zico, "o órgão competente de cada Estado e do Distrito Federal normatizará e fiscalizará a realização de que trata esse artigo".

A Lei Pelé (9615/98) revogou a Lei Zico. O artigo 59 originariamente rezava: "Os jogos de bingo são permitidos em todo o território nacional nos termos dessa Lei". Primeiramente o Decreto 2554/98 regulamentou a Lei Pelé. Essa Lei criou o INDESP –Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto- regulamentado pelo Decreto 2554/98, no artigo 6°. (2)

Significa dizer que a partir da Lei Pelé, ou seja, 24 de março de 1998, os bingos são lícitos. Só que a exploração passou a ser serviço público de competência da União, executada direta ou indiretamente pela Caixa Econômica Federal, a qual deveria transferir para o INDESP as receitas auferidas, de acordo com os incisos I, II e IV do artigo 6° da Lei 9615/98. O Decreto regulamentar 2554/98 cuidava expressamente do bingo, do artigo 74 ao artigo 105, tratando dentre outras coisas, do credenciamento junto ao INDESP, da autorização para o bingo eventual e para o bingo permanente e da prestação de contas. Todas as normas regulamentares obter-se-iam no INDESP. (3)

Acontece que em julho de 2000, a Lei 9981/2000 revogou para que vigesse a partir de 31 de dezembro de 2001, os artigos 59 a 81 da Lei Pelé que tratavam do bingo, "respeitando-se as autorizações que estiverem em vigor até a data da sua expiração".

A Lei 9981/00 afirmou ainda: "Caberá ao INDESP o credenciamento das entidades e à Caixa Econômica Federal a autorização e a fiscalização da realização dos jogos de bingo, bem como a decisão sobre a regularidade das prestações de contas" (artigo 2° parágrafo único da Lei 9981/2000).

Compreende-se, pois, que os bingos poderiam existir até 31 de dezembro de 2001. O Decreto 3659/00 revogou o Decreto 2554/98 tratando de regulamentar os bingos permanentes que ainda estavam autorizados sob a égide da Lei Pelé.

A Medida Provisória 2216-37 extinguiu o INDESP: "As atribuições do órgão extinto ficam transferidas para o Ministério do Esporte e Turismo e as relativas aos jogos de bingo para a Caixa Econômica Federal". (4) Foi além:

"Art. 17. O art. 59 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 59. A exploração de jogos de bingo, serviço público de competência da União, será executada, direta ou indiretamente, pela Caixa Econômica Federal em todo o território nacional, nos termos desta Lei e do respectivo regulamento." (NR)"

Ou seja, o que seria revogado pela Lei 9981/2000, continuou no mundo jurídico força da Medida Provisória 2216-37, que entrou em vigor em 31 de agosto de 2001, quatro meses antes do prazo estipulado pela Lei 9981/00 para a proibição dos bingos, enquanto essa última ainda estava em "vacatio legis". Ou seja, a proibição dos bingos ofertada pela Lei 9981/00 nunca valeu. Aplica-se o princípio da LICC "a Lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a Lei anterior". Atente-se que a Lei 9991 é de 2000, ao passo que a medida provisória é de 2001, para espancar qualquer argumento em contrário.Ou seja, o Poder Executivo não quis que a Lei 9981/00 vigesse, no que tange à proibição dos bingos. O respectivo regulamento para o artigo 59 da Lei Pelé seria o Decreto 3659/00.

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Dessa maneira, não é verdade que os bingos estivessem proibidos. Estariam, depois da Lei Pelé, com a vigência da Lei 9981/00, a partir de 01 de janeiro de 2002. Só que a Medida Provisória 2216-37 foi inúmeras vezes reeditada, reavivando o artigo 59 da Lei 9615/98. O número "37" indica que foi reeditada trinta e sete vezes.

Em conclusão, a Lei 9981/00 revogou os bingos e passaria a viger a partir de 31 de dezembro de 2001. A Medida Provisória 2216-37, ainda no período de "vacatio legis" da Lei 9981/00, pois é de julho de 2001, restaurou com nova redação o artigo 59 e foi reeditada tantas vezes. Conforme veremos, o governo Lula resolveu agora revogar tanto o artigo 59 da Lei Pelé, como o artigo 17 da citada Medida Provisória, sem falar em artigos da própria Lei 9981/00.

Por isso que os bingos funcionam à base de liminares. É um verdadeiro cipoal legislativo. Para complicar, com a Lei Zico os Estados poderiam regulamentar a exploração dos sorteios, o que a partir da Lei Pelé passou para esfera da União. No entanto inúmeros Estados e Municípios legislaram, contrataram concessões e autorizações de bingo sem a intervenção Federal. Acreditamos competir à União legislar sobre sorteios, por força do artigo 22 inciso XX. Existe até um Mandado de Injunção que pretende regulamentar esse inciso (MI nº 694).

Finalmente, de acordo com a Medida Provisória 168, de 20 de fevereiro de 2004:

"Art. 8º Ficam revogados os arts. 2º, 3º e 4º da Lei nº 9.981, 14 de julho de 2000, o art. 59 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, e o art. 17 da Medida Provisória nº 2.216-37, de 31 de agosto de 2001" .

Até aqui, tudo bem. No entanto, a Medida Provisória draconiana aponta que os contratos de concessão ou autorização de bingo, devem ser rescindidos unilateralmente, sem direito à indenização. Ora, para os contratos que estavam em vigor de acordo com a legislação revogada, impera o ato jurídico perfeito. Eles têm um prazo de autorização. Isso porque, conforme mostramos, os bingos não eram proibidos, cabendo à CEF, as normas explicativas de seu funcionamento.

Mesmo que se diga que a Administração pode revogar seus atos, ela tem que indenizar, se os atos e contratos foram praticados de acordo com o Direito vigente. As liminares deferidas pelo Poder Judiciário apontam que não ocorrem ilegalidade ou ilegitimidade no funcionamento dos bingos, embora algumas tratem do tema competência legislativa. Sem aqueles requisitos, mestre Hely Lopes Meireles dizia ser impossível à própria administração anular ato administrativo. (5)

Deste modo, a União tem que indenizar as concessões e ou autorizações em vigor, caso estivessem de acordo com as regras vigentes, ou seja, aquelas em que a CEF interveio.

Outra observação que não se pode deixar de fazer refere ao artigo 1° da MP dos bingos:

"Art. 1º Fica proibida, em todo território nacional, a exploração de todas as modalidades de jogos de bingo, bem como os jogos em máquinas eletrônicas, denominadas "caça-níqueis", independentemente dos nomes de fantasia.

Parágrafo único. A vedação de que trata o caput deste artigo implica a expressa retirada da natureza de serviço público conferida a tal modalidade de exploração de jogo de azar, que derrogou, excepcionalmente, as normas de Direito Penal."

Com efeito aponta o artigo 4°:

"Art. 4º O descumprimento do disposto no art. 1º desta Medida Provisória implica a aplicação de multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), sem prejuízo da aplicação de medidas penais cabíveis". (grifei)

Aqui o argumento será , data maxima venia ,muito sutil. Com a Lei Pelé e as constantes medidas provisórias, descriminalizou-se a contravenção do artigo 50 do Decreto-Lei 3688/41. Ora, a Medida Provisória 168/04 afirma que a derrogação foi de natureza excepcional, não no conceito de Lei temporária do Código Penal, mas no conceito de ser "de vigência temporária". Deste modo, com a Medida Provisória 168/04, operou-se uma espécie de repristinação penal ao reverso, porque de acordo com os dizeres da Medida Provisória nº 168/04, o que deixara de ser crime voltou a ser. Deste modo, a prática de jogo de azar volta a ser contravenção. No entanto, a emenda constitucional 32 de 11/09/2001 aponta que "é vedada a edição de medida provisória sobre matéria relativa a direito penal."

Posto isto, a ninguém ficaria feio discutir na Justiça e pedir "inaudita altera pars" uma liminar, em mandado de segurança, porque a Medida 168/04 é ilegal já que quebra o ato jurídico perfeito, fere direito líquido e certo, e o que é pior, sem direito a indenização, além de legislar sobre direito penal, o que também proíbe a Magna Carta. O erário arcará com mais essa "candura".


NOTAS

  1. "Art. 57. As entidades de direção e de prática desportiva filiadas a entidades de administração em, no mínimo, três modalidades olímpicas, e que comprovem, na forma da regulamentação desta Lei, atividade e a participação em competições oficiais organizadas pela mesma, credenciar-se-ão na Secretaria da Fazenda da respectiva Unidade da Federação para promover reuniões destinadas a angariar recursos para o fomento do desporto, mediante sorteios de modalidade denominada Bingo, ou similar.
    § 1º O órgão competente de cada Estado e do Distrito Federal normatizará e fiscalizará a realização dos eventos de que trata este artigo.
    § 2º Quando se tratar de entidade de direção, a comprovação de que trata o caput deste artigo limitar-se-á à filiação na entidade de direção nacional ou internacional" .
  2. "Art. 6º O INDESP é uma autarquia federal com a finalidade de promover e desenvolver a prática do desporto e exercer outras competências específicas que lhe são atribuídas pela Lei nº 9.615, de 1998, e por este Decreto"
  3. Decreto 2574/08, artigo 74
  4. Art. 19-A. "Fica extinto o Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto - INDESP."
  5. Direito Administrativo, 20ª ed., pg. 188.
Sobre o autor
Hélder B. Paulo de Oliveira

advogado em Campinas (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Hélder B. Paulo. Bingo não é ilegal.: Medida Provisória nº 168/2004. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 232, 25 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4898. Acesso em: 22 dez. 2024.

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