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A responsabilidade civil dos apresentadores de programas de rádio e televisão pela publicidade enganosa ou abusiva

Agenda 26/02/2004 às 00:00

Resumo: Trata-se de contribuição ao estudo da responsabilidade civil dos apresentadores de programa de rádio e televisão pela publicidade enganosa ou abusiva causadora de danos aos consumidores.

Palavras-chave: consumidor - publicidade – abusiva – enganosa – responsabilidade civil – apresentadores – meios de comunicação social.

Sumário: 1. Objeto do estudo; 2. Da responsabilidade do fornecedor à oferta e à publicidade; 3. Da responsabilidade civil dos apresentadores de programas de rádio e televisão pela publicidade enganosa ou abusiva; 4. Conclusão; 5. Bibliografia.


1. Objeto do estudo

O consumismo desenfreado é uma característica inerente ao capitalismo moderno e reflete a imperiosa necessidade de dar saída às grandes massas de bens acumulados. Para isso, porém, não basta apenas conhecer os desejos mais profundos e escondidos dos consumidores, "conocer cómo se engendran sus procesos de identificación preconsciente" [1].

A difusão do consumismo depende, necessariamente, da divulgação dos produtos e/ou serviços através da publicidade [2]. Esta, aliás, tornou-se, muitas vezes, mais importante que a própria qualidade do produto e/ou serviço oferecido. No entanto, quando as empresas apelam desesperadamente para estratégias de marketing e veiculam publicidade enganosa ou abusiva, a fim de dar vazão a produtos cuja qualidade nem sempre é condizente com as normas técnicas exigidas, corre o risco de afetar os interesses dos consumidores, bem como as expectativas de outras empresas dedicadas ao mesmo ramo de atividades, sem contar, ainda, que atingem o próprio Estado, principal interessado em manter um mercado de competição regulado e saudável.

E para proteger esses interesses, o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu o princípio da responsabilidade do fornecedor à oferta e à publicidade. Todavia, para se preservar a integralidade dos valores protegidos pelo aludido Código, se faz necessário estender a responsabilidade pela publicidade abusiva ou enganosa também àquelas pessoas que contribuíram, de forma decisiva, para o êxito na divulgação de tal mensagem, em troca de benefício patrimonial ou extrapatrimonial.

Daí porque a razão de dirigir este estudo ao trabalho desenvolvido pelos apresentadores dos meios de comunicação social de massa, pois é inegável a sua importância na difusão do consumismo, através da publicidade por eles diretamente veiculada.


2. Da responsabilidade do fornecedor à oferta e à publicidade

Em se tratando de informações divulgadas mediante qualquer forma de oferta ou publicidade, veiculada por qualquer meio de comunicação social, vigora o princípio da responsabilidade do fornecedor à oferta e à publicidade, nos termos do art. 30 do Código de Defesa do Consumidor [3]. Segundo Antônio Benjamin, o acolhimento desse princípio demonstra o reconhecimento pelo Direito do poder de influência desse instrumento promocional nas decisões dos consumidores, pois "a publicidade cria expectativas – legítimas – que precisam ser protegidas" [4].

A realização de publicidade enganosa ou abusiva dá margem à responsabilização civil, penal e administrativa do fornecedor. No entanto, somente no campo penal (art. 67) e administrativo (art. 56, inc. XII), existem normas estabelecendo a responsabilidade do fornecedor no Código de Defesa do Consumidor.

Isso não afasta, todavia, a possibilidade do consumidor lesado fundamentar a sua pretensão com fulcro no art. 186 do novo Código Civil [5], pois, de acordo com FÁBIO ULHOA COELHO, ao prescrever a inversão do ônus da prova quanto à veracidade e correção do conteúdo veiculado, o art. 38 do Código de Defesa do Consumidor "atribuiu à responsabilidade civil do fornecedor pela publicidade enganosa a natureza de subjetiva com presunção de culpa". Dessa forma, o fornecedor somente se isentará da responsabilidade se conseguir provar que "não incorreu em publicidade enganosa, através da demonstração da veracidade e correção do conteúdo veiculado ou mesmo demonstrando a impossibilidade de um consumidor médio ser levado a erro pela mensagem questionada" [6]. Trata-se, portanto, de responsabilidade objetiva do fornecedor quanto à veracidade e correção do produto e/ou serviço anunciado.

Parte da doutrina estende essa responsabilidade dos fornecedores pela publicidade abusiva ou enganosa também para as agências publicitárias, sob o argumento de que essas entidades, embora estejam, em regra, sob o comando do anunciante, dão à publicidade a característica da ilicitude. Além disso, segundo essa corrente doutrinária, as agências publicitárias têm o dever de verificar as informações contidas no briefing fornecido pelo anunciante, tendo em vista o disposto no par. único do art. 36 do Código de Defesa do Consumidor [7], que determina ao fornecedor a manutenção das informações sobre os dados fáticos, técnicos e científicos relativos às mensagens publicitárias [8].

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Esse posicionamento é criticado por FÁBIO ULHOA COELHO, que defende, a nosso ver com razão, a irresponsabilidade das agências publicitárias por eventual publicidade abusiva ou enganosa, asseverando que elas apenas realizam uma atividade sob a supervisão e a aprovação do anunciante [9]. Esta solução também é apontada por CLÁUDIA LIMA MARQUES, sob o fundamento de que ela "advém do próprio sistema do CDC que desconsidera os problemas da cadeia de produção e concentra-se no consumo e nos consumidores" [10].


3. Da responsabilidade civil dos apresentadores de programas de rádio e de televisão

O raciocínio utilizado para fundamentar a tese de exclusão da responsabilidade das agências publicitárias pela publicidade abusiva ou enganosa não se aplica, todavia, aos casos em que o produto ou o serviço está sendo diretamente veiculado pelo apresentador de um programa, seja ele de rádio ou de televisão.

Nessas hipóteses, o apresentador do programa está divulgando um produto ou serviço diretamente para o consumidor. É o próprio apresentador que, aproveitando-se do carisma [11] e da confiabilidade que ele representa para o grande público, oferece o produto e, via de conseqüência, cria expectativas que devem ser protegidas [12].

Afinal de contas, é inegável o efeito devastador dos apresentadores dos meios de comunicação social de massas, tanto que "o êxito de uma mensagem já não está na racionalidade argumentativa que a fundamenta, antes se encontra na repetição constante de uma imagem: a idéia de que uma imagem vale mais do que mil palavras nunca foi tão verdadeira" [13].

Tomado em consideração o baixo grau de instrução da maior parte da população brasileira, podemos dizer que o espectador é, muitas vezes, "iludido" pelos apresentadores e somente adquire o produto por força da influência daqueles.

Contudo, ao vincularem a sua imagem ao produto, visando tão somente o lucro, sem qualquer preocupação com a qualidade do produto ofertado ao consumidor, os apresentadores "assumem, diante do consumidor, uma posição de garante", pois a credibilidade que as pessoas têm no apresentador é imediatamente transferida para o comercial, acarretando grande credibilidade ao produto anunciado [14]. É evidente que nesses casos o apresentador do programa torna-se parceiro, verdadeiro aliado do fornecedor, pois transforma-se no principal meio de propagação dos produtos do fornecedor [15].

Poder-se-ia argumentar que os apresentadores não têm o dever de realizar um prévio controle do conteúdo da publicidade a ser divulgada. Todavia, a mensagem publicitária, per se, "não pode ser considerada manifestação de opinião ou pensamento", pois ela consiste em um "momento da atividade econômica produtiva da empresa" [16] e do próprio apresentador.

Mesmo que se admitisse, ainda que hipoteticamente, a possibilidade dos apresentadores de rádio e televisão albergarem-se sob o manto das liberdades de expressão e de informação, não se pode olvidar que elas existem para "beneficiar a sociedade democrática em sua dimensão civil e pública, não como prerrogativa de negócios sem limites na área da mídia e das telecomunicações" [17].

Com efeito, não seria congruente em uma democracia garantir tantas prerrogativas para o direito à liberdade de expressão se não pudéssemos interrogar aos detentores reais de tal poder, sobre as finalidades objetivadas, os meios adotados, e, enfim, sobre a repercussão da sua mesma ação, quanto ao exercício das liberdades individuais no domínio político e ideológico da vida social, econômica e cultural. Isto porque o direito à liberdade de expressão é uma conseqüência direta da dignidade da pessoa humana e toda a manifestação do pensamento deve ser verdadeira, íntegra e não pode, evidentemente, ficar indiferente aos valores que tocam em profundidade a existência humana.

Por outro lado, não pode ser imputado aos apresentadores de programas um dever de diligência extraordinário na apreciação da veracidade das informações contidas na publicidade a ser divulgada, mas levado em consideração a diligência do homem médio ou, como diziam os romanos, do bonus pater familias [18].

Entretanto, como se trata de uma prova de difícil obtenção para o consumidor, deve ser aplicada a regra da inversão do ônus da prova, nos termos do artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor [19]. Ou seja, incumbe ao apresentador do programa de rádio ou televisão provar, em juízo, que não agiu com culpa ao anunciar a publicidade enganosa ou abusiva, isto é, que não laborou em equívoco, nem agiu com imprudência ou negligência no desempenho de sua atividade.


4. Conclusão

Em resenha: os apresentadores de programas de rádio e televisão podem ser responsabilizados, ainda que subjetivamente (art. 186 do novo Código Civil brasileiro), pela publicidade enganosa e abusiva causadora de danos aos consumidores, recaindo, ainda, sobre eles, o ônus de provar em juízo que não agiram com culpa ao anunciar uma publicidade enganosa ou abusiva.


5. Bibliografia

BUCCI, Eugênio. Sobre Ética e Imprensa. São Paulo: Cia. das Letras, 2000.

COSTA, Mário Júlio Almeida. Direito das Obrigações. 8ª ed. Coimbra: Almedina, 2000.

GRINOVER, Ada Pelegrini et alii. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 6ª ed. São Paulo: Forense, 2000.

GUIMARÃES, Paulo. A publicidade ilícita e a responsabilidade civil das celebridades que dela participam. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: RT, 1999.

NUNES, Luiz Antonio. "O poder Carismático da tevê e Max Weber". DI GIORGI, Beatriz et alii. Direito, Cidadania e Justiça: ensaios sobre lógica, interpretação, teoria sociologia e filosofia jurídicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

OLIVEIRA, Juarez de (coord.). Comentários ao Código de Proteção do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991.

OTERO, Paulo. A Democracia Totalitária: Do Estado Totalitário à Sociedade Totalitária. A influência do totalitarismo na democracia do século XXI. Cascais: Principia Pub. Universitárias e Cientificas, 2001.

PASQUALOTTO, Adalberto. Os Efeitos Obrigacionais da Publicidade no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.


Notas

01. GARCÍA FERRANDO, IBÁÑEZ ALONSO, FRANCISCO ALVIRA. El análisis de la realidad social, Métodos y técnicas de investigación. 2. ed. Madrid: Alianza, 1989, p. 186.

02. O termo "publicidade" não deve ser confundido como o termo "propaganda", pois aquela "tem sempre objetivo comercial, enquanto a propaganda tem objetivo diverso, qual seja, a divulgação de idéias religiosas, filosóficas, políticas, econômicas ou sociais, além do que a publicidade é paga e tem o seu patrocinador identificado, o que não pode ocorrer na propaganda" (GUIMARÃES, Paulo. A publicidade ilícita e a responsabilidade civil das celebridades que dela participam. São Paulo: RT, 2001, p. 94).

03. "Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado."

04. ANTONIO HERMANN BENJAMIN. In: PELEGRINI GRINOVER et alii. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 6ª ed. São Paulo: Forense, 2000, p. 216.

05. "Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."

06. FÁBIO ULHOA COELHO. In: JUAREZ DE OLIVEIRA (coord.). Comentários ao Código de Proteção do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 165.

07. Art. 36, Parágrafo único: "O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem."

08. Cf. GUIMARÃES, Paulo. A publicidade ilícita e a responsabilidade civil das celebridades que dela participam. São Paulo: RT, 2001, p. 152. Também neste sentido, porém esclarecendo que a relação existente entre a agência e o anunciante não é de consumo, razão pela qual a responsabilidade da agência seria regulada pelo direito comum: LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo. São Paulo: RT, 2001, p. 261.

09. FÁBIO ULHOA COELHO.Comentários ao Código de Proteção do Consumidor. JUAREZ DE OLIVEIRA (coord.)... , p. 162. COELHO admite, porém, que os arts. 67 e 75 do Código de Defesa do Consumidor tipificaram a responsabilidade penal dos profissionais de criação contratados pela agência de publicidade.

10. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 3ª ed., São Paulo: RT, 1999, p. 351.

11. O conceito sociológico clássico de "carisma" foi apresentado por MAX WEBER para caracterizar uma forma peculiar de poder. Este conceito analisa a existência do líderes, cuja autoridade se baseia, não no caráter sagrado de uma tradição nem da legalidade ou racionalidade de uma função, mas num dom, isto é, na capacidade extraordinária que eles possuem. De sorte que "a pessoa carismática aparece como um ser providencial, exemplar ou fora do comum por isso agrupa em torno de si discípulos e partidários" (NUNES, Luiz Antonio. "O poder Carismático da tevê e Max Weber". DI GIORGI, Beatriz et alii. Direito, Cidadania e Justiça: ensaios sobre lógica, interpretação, teoria sociologia e filosofia jurídicas. São Paulo: Ed. RT, 1995, p. 268.

12. Sobre a função persuasiva da publicidade – PASQUALOTTO, Adalberto. Os Efeitos Obrigacionais da Publicidade no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 1997, p. 28-29.

13. OTERO, Paulo. A Democracia Totalitária: Do Estado Totalitário à Sociedade Totalitária. A influência do totalitarismo na democracia do século XXI. Cascais: Principia Pub. Universitárias e Cientificas, 2001, p. 199.

14. GUIMARÃES, Paulo. A publicidade... , p. 157.

15. ROBERTO S. LISBOA. Responsabilidade civil... , p.262.

16. BENJAMIN, Antônio. In: GRINOVER, Ada Pelegrini et alii. Código... , p. 250.

17. BUCCI, Eugênio. Sobre Ética e Imprensa. São Paulo: Cia. das Letras, 2000, p. 12.

18. Por homem médio, consoante a lição de Almeida Costa, "não se entende o puro cidadão comum, mas o modelo de homem que resulta do meio social, cultural e profissional daquele indivíduo concreto. Dito de forma mais explícita: o homem médio que interfere como critério de culpa é determinado a partir do círculo de relações em que está inserido o agente"(Direito das Obrigações. 8ª ed. Coimbra: Almedina, 2000, p. 526).

19. Art. 6º São direitos básicos do consumidor: "VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do Juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências."

Sobre o autor
Álvaro Rodrigues Junior

Juiz de Direito em Londrina - PR e Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade de Lisboa

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES JUNIOR, Álvaro. A responsabilidade civil dos apresentadores de programas de rádio e televisão pela publicidade enganosa ou abusiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 233, 26 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4904. Acesso em: 24 nov. 2024.

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