Responsabilidade por atos legislativos e judiciais
Parte da doutrina defende a responsabilidade civil do Estado por atos legislativos, quando se tratar de leis inconstitucionais. Seria indenizável o dano causado por lei inconstitucional, porque, na realidade, o Estado não teria agido no exercício de sua função legislativa(8). Outros doutrinadores não admitem a responsabilidade do Estado por atos legislativos, porque a lei é uma norma geral e abstrata que atua sobre toda a coletividade. Na hipótese excepcional de a lei inconstitucional atingir o particular uti singuli causando-lhe dano injusto e reparável impõe-se a demonstração de culpa do Estado, através da atuação de seus agentes políticos, o que, no dizer de Hely Lopes Meirelles, seria indemonstrável no regime democrático, em que o próprio povo escolhe os representantes para o Legislativo(9). Na verdade o texto constitucional refere-se a danos causados por agentes do Poder Público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadores de serviços públicos, fato que envolve os atos dos legisladores que, como membros de Poder, não deixam de ser agentes políticos. Não se deve esquecer que o texto constitucional emprega a palavra agente como gênero de que são espécies os agentes administrativos e os agentes políticos. Aliás, a jurisprudência do STF é no sentido da responsabilização civil do Estado por atos legislativos(10).
Quanto a responsabilidade do Estado em decorrência de atos do Poder Judiciário nenhuma dúvida pode pairar a respeito. É de se repelir a doutrina que defende a tese da irresponsabilidade do Poder Público, baseada no fato de que os juízes não são prepostos do Estado, mas atuam como órgão da soberania nacional. O que se impõe, no caso, é o afastamento da res judicata através da revisão ou da rescisão do julgado. O direito à indenização por erro judiciário está expresso no art. 5º, inciso LXXV da CF. A regra do art. 133 do CPC, segundo a qual, o juiz responderá por perdas e danos em casos de culpa, dolo ou fraude, não pode ser entendida como excludente da responsabilidade civil objetiva do Estado, Aquela regra deve ser interpretada no sentido da responsabilização individual do magistrado em ação de regresso visando o ressarcimento, pelo Estado, daquilo de despendeu com a indenização da pessoa vitimada pela atuação jurisdicional anormal.
A reparação do dano
A responsabilidade pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros a que alude o texto constitucional é a de natureza civil, contrapondo-se à responsabilidade criminal.
O Poder Público e suas concessionárias, permissionárias e autorizatárias respondem por perdas e danos por ação ou omissão de seus agentes, de conformidade com a teoria do risco administrativo, isto é, sem indagação de culpa.
Assim, não se encontra totalmente recepcionado pelo Texto Magno o art. 15 do Código Civil que assim prescreve:
Art.15 As pessoas jurídicas de Direito Público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao Direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores de dano.
A expressão civilmente responsáveis empregada no texto do art.15 é indicativa da indenização por perdas e danos para bem separar da responsabilidade penal, que só pode ser pessoal do agente Esse artigo 15, no início, suscitou acirradas discussões doutrinárias e jurisprudenciais quanto ao acolhimento da teoria subjetivista ou da teoria objetivista. Entretanto, mais tarde, prevaleceu o entendimento no sentido de que o citado dispositivo ter perfilhado a teoria da culpa, até que a Constituição Federal de 1946, em seu artigo 194, veio acolher, expressamente, a teoria objetiva do risco administrativo. O conteúdo da indenização é matéria regulada pelo Código Civil.
Logo, essa responsabilização civil deve abranger o dano emergente e os lucros cessantes, conforme artigos 1059 a 1061 do Código Civil. Indeniza-se o credor do dano efetivamente verificado, isto é, a diminuição do patrimônio sofrido pelo credor, bem como, a privação de um ganho que deixou de auferir ou de que foi privado o referido credor, em razão do comportamento comissivo ou omissivo do agente público ou daquele que faz as suas vezes.
Por isso o texto do art.1059 do CC refere-se às perdas e danos e ao que razoavelmente deixou de lucrar. Esta última expressão está a exigir bases seguras e fundadas para a indenização dos lucros cessantes. Não são indenizáveis os lucros imaginários, sob pena de propiciar locupletamento ilícito ao credor. Outrossim, a indenização deve abranger os juros moratórios, os honorários advocatícios arbitrados pelo juiz, bem como, a atualização monetária, segundo pronunciamento pacífico de nossos tribunais.
Finalmente, a indenização não se limita aos danos materiais. Por expressa disposição do inciso V do art. 5º da Constituição Federal abrange os danos de natureza moral. A maior dificuldade quanto a estes últimas está na fixação do quantum da indenização à vista de ausências de normas para aferição objetiva desses danos. Entretanto, pouco a pouco , doutrina e jurisprudência estão construindo parâmetros adequados para esse tipo de indenização, levando-se em conta a gravidade do dano moral infringido, a formação da vítima, a quantificação do dano material e a situação patrimonial do ofensor, esta última inaplicável em relação ao Estado.
Uma vez promovida a liquidação da sentença fixadora da indenização na forma do art. 603 e seguintes do Código de Processo Civil, mediante apresentação, pelo credor, da memória de cálculo, é promovida a citação da Fazenda Pública para opor embargos no prazo de dez dias, sob pena de expedição de precatório judicial pelo presidente do Tribunal que proferiu a decisão exeqüenda (art. 730 do CPC). O precatório entregue até o dia 1º de julho terá o seu valor atualizado até essa data para ser incluído no orçamento do exercício seguinte, a fim de ser pago até o final desse exercício, dentro da rigorosa ordem cronológica de sua apresentação (art. 110 e § 1º da CF). O credor preterido em seu direito de preferência pode requer o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito (§ 2º do art. 100 da CF). Como normalmente essas indenizações têm caráter alimentar não se sujeitam a ordem cronoloógica de apresentação de precatórios. De fato, o art. 100 da CF exclui os créditos de natureza alimentícia do procedimento aí previsto. Ocorre que, se houver vários credores de natureza alimentícia e não dispondo a Fazenda Pública de recursos financeiros para pagar a todos de uma só vez, o princípio da moralidade pública impede de favorecer este ou aquele credor. Impõe-se, nessa hipótese, a instituição de ordem cronológica específica para os credores da espécie. A jurisprudência do STF evoluiu exatamente nesse sentido(11).
A não-inclusão no orçamento de verba necessária ao pagamento de débitos tempestivamente apresentados, bem como, a não-satisfação desses débitos, até o final do prazo, em virtude de desvio da respectiva dotação orçamentária, configuram, em tese, crimes de responsabilidade, conforme artigos 12, nº 4, e 10, nº 4, c.c. art. 11, nº 1 da Lei nº 1.079, de 10-4-1950, respectivamente. Finalmente, o não cumprimento do precatório judicial no prazo assinalado na Carta Política pode ensejar a intervenção federal no Estado-membro e intervenção estadual no Município, por desobediência à ordem ou decisão judiciária, conforme prescrevem, respectivamente, os artigos 34, VI e 35, IV da CF.
NOTAS
- Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 20ª ed., 1995, p. 556.
- RDA-187/190; RJTJSP-124/139.
- RTJ-140/636.
- RT-227/273; RT-238/162.
- RTJ99/1155; RTJ-91/377.
- RTJ-55/50.
- RDA-255/328; 259/149; 297/301; RT-54/336; 275/319.
- J. ;M. Carvalho Santos, Código Civil Interpretado, Vol. I; Freitas Bastos, 1963, p. 355
- Ob. Cit., p. 563.
- RDA 189/305; RDA 191/175.
- RE 180.849-7, Rel. Min. Octávio Gallotti, DJU de 26-10-96, p. 41.041.