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Fragmentos do processo civil: contestação à luz da doutrina

Agenda 11/11/2016 às 12:25

Modalidade processual de resposta mais comum à citação, a contestação é tema obrigatório no estudo do direito processual civil. Investiga-se sua fundamentação legal, bem como os princípios que a norteiam, sua importância para a defesa, prazos e requisitos.

RESUMO:Modalidade processual de resposta mais comum à citação, a contestação é tema obrigatório no estudo do direito processual civil. O presente, embasado em pesquisa bibliográfica, apresenta de forma didática sua fundamentação legal, bem como os princípios que a norteiam, sua importância para a defesa, prazos legais estipulados, requisitos e conclusões. Longe da pretensão de esgotar o assunto, tenciona-se abordar a análise do citado instrumento jurídico sob a perspectiva de quatro doutrinadores contemporâneos, relacionando interpretações doutrinárias com o previsto na lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). 

Palavras-chave: Direito processual civil; contestação; doutrina.


1 – INTRODUÇÃO 

Se há questão bem estabelecida no direito processual civil brasileiro é o direito de resposta do réu por meio da contestação. Esta, como preleciona o jurista Humberto Theodoro Júnior (2014), é a principal peça de defesa a ser manejada para opor-se, formal ou materialmente, à pretensão deduzida em juízo pelo autor. Consagrada pela Constituição Federal por meio do princípio do contraditório (art. 5º, LV), trata-se de porto seguro, instituto solidamente estabelecido, por assim dizer.

Didier Júnior (2015, p.637), por exemplo, ensina que “a contestação está para o réu como a petição inicial está para o autor. Trata-se do instrumento da exceção exercida (exercício do direito de defesa), assim como a petição inicial é o instrumento da demanda (ação exercida).” Em palavras mais simples, proferidas pelo próprio jurista, “é pela contestação que o réu apresenta a sua defesa”.

Essa noção basilar norteia todas as interpretações legais sobre o tema. No entanto, apesar de tratar-se de preceito pacificado, torna-se válido atentar para observação proposta por Marinoni ante ao Código de Processo Civil em vigência.

A contestação corresponde ao campo mais amplo para a arguição da defesa do réu. Se comparado com o direito anterior, o Código vigente aumentou o número de questões que ela pode veicular (art. 337), além de introduzir em determinadas hipóteses novos marcos como termo inicial de seu prazo (art. 335) e de permitir em um caso específico a sua apresentação perante foro diverso daquele em que foi proposta a ação (art. 340) (MARINONI, 2015, p.178)

Para se entender, portanto, a natureza deste importante instrumento processual, faz-se apropriado observar os princípios que o fundamentam, parâmetro obrigatório no estudo mais aprofundado sobre o tema.  


2 – PRINCÍPIOS

A Carta Magna brasileira no inciso LV de seu artigo quinto determina expressamente que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

O “princípio do contraditório e da ampla defesa”, emanado do texto constitucional, assegura, como se sabe, o direito de expor defesa (réplica) em um devido tempo/hora. Na lei nº 13.105 (Código de Processo Civil) o supracitado encontra regulamentação por meio do art. 350.

Este fragmento do diploma processual vigente determina que “se o réu alegar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, este será ouvido no prazo de 15 (quinze) dias, permitindo-lhe o juiz a produção de prova”.

Sem entrar no mérito do prazo previsto, assunto detalhado mais adiante, cabe dizer que o contraditório destaca-se pela sua efetividade para garantir um processo justo e igualitário entre as partes.

Para fins de estudo da contestação, contudo, compete assinalar que esta está sujeita a dois princípios: o “princípio da eventualidade” e o “princípio da impugnação específica dos fatos”.  

O primeiro é também conhecido como “regra da concentração da defesa”, como explica Didier Júnior.

A regra da eventualidade (Eventual maxime) ou da concentração da defesa na contestação significa que cabe ao réu formular toda sua defesa na contestação (art.336, CPC). Toda defesa deve ser formulada de uma só vez como medida de previsão ad eventum, sob pena de preclusão. O réu tem o ônus de alegar tudo o quanto puder, pois, caso contrário, perderá a oportunidade de fazê-lo. (DIDIER JÚNIOR, 2015, p.638).

Depreende-se então que, pelo princípio da eventualidade, a parte deve praticar o ato no momento oportuno, tendo como consequencia por não fazê-lo a ameaça de não mais poder agir.

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Destarte, importa lembrar que este princípio não se aplica em três hipóteses, previstas pelos incisos do art. 342, do CPC. Informa o citado que “depois da contestação, só é licito ao réu deduzir novas alegações quando”: I - relativas a direito ou a fato superveniente; II - competir ao juiz conhecer delas de ofício; III - por expressa autorização legal, puderem ser formuladas em qualquer tempo e grau de jurisdição.

Por fim, no que tange ao princípio da impugnação específica dos fatos, “trata-se do ônus de impugnar os fatos especificadamente, sob pena de serem considerados verdadeiros” (PEREIRA; GARCIA, 2015).

Este princípio está previsto no art. 341, CPC. Diz o dispositivo que “incumbe também ao réu manifestar-se precisamente sobre as alegações de fato constantes da petição inicial, presumindo-se verdadeiras as não impugnadas, salvo se: I - não for admissível, a seu respeito, a confissão; II - a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considerar da substância do ato; III - estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto. Parágrafo único. O ônus da impugnação especificada dos fatos não se aplica ao defensor público, ao advogado dativo e ao curador especial”.

Nesse sentido ensinam Pereira e Garcia:

O não cumprimento desse princípio torna o fato alegado incontroverso, portanto dispensado de prova [...]. Caso o réu não apresente regularmente sua contestação, produzirá uma situação processual denominada REVELIA [...], gerando em decorrência deste fato, como regra geral, os efeitos de presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor e não impugnados especificadamente pelo réu (PEREIRA; GARCIA, 2015).

Como reforçam os autores, “em decorrência desses dois princípios, o réu tem na contestação o momento de alegar toda a matéria de defesa e impugnar todos os fatos aduzidos pela parte requerente, sendo certo que, sobre os fatos não impugnados, incidirão os efeitos da revelia”. Trata-se, por óbvio, de observação pertinente.


3 – DEFESA, PRAZOS E REQUISITOS

Como exposto em momento anterior, por se tratar de matéria incomplexa e de interpretação bem delimitada pela doutrina, torna-se tarefa relativamente simples discorrer sobre os principais pontos de estudo da contestação.

 A respeito do prazo, por exemplo, ensina o professor Daniel Amorim Assumpção Neves:

A contestação é a resposta defensiva do réu, representando a forma processual pela qual o réu se insurge contra a pretensão do autor. O prazo de contestação é de quinze dias, tendo como termo inicial a juntada do mandado de citação ou do aviso de recebimento (AR) aos autos. Havendo litisconsórcio passivo, independentemente da espécie, o termo inicial da contagem do prazo será o da última juntada do mandado de citação ou do aviso de recebimento (AR) [...}. O termo inicial do prazo de quinze dias da contestação é o tema do art. 335 do novo CPC. (NEVES, 2015, p. 312)

Nos termos do inciso I, segundo o autor, “o prazo tem início a partir da audiência de conciliação ou de mediação, ou da última sessão de conciliação, quando qualquer parte não comparecer ou, comparecendo, não houver autocomposição”.

Digno de nota também, como cita o procurador federal Dorgival Viana Júnior, que a lei nº 13.105 dispõe que se houver mais de um réu e estes tiverem procuradores de escritórios de advocacia distintos (requisito novo), o prazo será contado em dobro para processos físicos, ou seja, a regra não é aplicável a processos eletrônicos, uma vez que há disponibilidade dos autos indistintamente a todas as partes.

Oportuno acrescentar ainda que, no que tange a defesa, esta admite algumas possibilidades nominadas como “defesas de admissibilidade”. São, por definição, as matérias suscetíveis de impedir a apreciação do mérito processual.

Didier Júnior (2015, p. 640-649) as classifica em:

Inexistência ou nulidade de citação: trata-se de defesa dilatória, pois o máximo que o réu poderá conseguir com o acolhimento da sua alegação é a renovação do prazo para a apresentação da sua resposta.

Incompetência do juízo, o direito de o réu alegar incompetência no foro do seu domicílio: a incompetência, absoluta ou relativa, será alegada na contestação. Não há mais a diferença que existia ao tempo do CPC/1973, quando a incompetência relativa teria de ser alegada em um instrumento distinto da contestação. O art. 340 determina que, "havendo alegação de incompetência relativa ou absoluta, a contestação poderá ser protocolada no foro de dom icílio do réu, fato que será imediatamente comunicado ao juiz da causa, preferencialmente por meio eletrônico".

Incorreção do valor da causa: na contestação, o réu apresenta a sua impugnação ao valor atribuído à causa pelo autor.

Inépcia da petição inicial: os casos de inépcia da petição inicial devem ser apontados pelo réu, em sua defesa. Como a inépcia se relaciona ao pedido ou à causa de pedir, o silêncio do réu, na defesa, pode levar ao entendimento de que ele conseguiu defender-se do que foi pedido e, assim, não seria mais caso de rejeitar a petição inicial por esse defeito.

Perempção, litispendência e coisa julgada: trata-se [...] de requisitos processuais negativos, pois são fatos que não podem ter ocorrido para que o processo se instaure regularmente.

Conexão e continência: o inciso VIII do art. 337 do CPC determina que cabe ao réu, em sua defesa, alegar conexão. O dispositivo também se aplica à continência, que é espécie de conexão.

Incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização: são todos defeitos relacionados à capacidade processual (capacidade para estar em juízo).

Alegação de convenção de arbitragem: Na contestação, cabe ao réu o ônus de alegar a existência de convenção de arbitragem (art. 337, X, CPC). A existência de convenção de arbitragem (cláusula compromissória ou compromisso arbitral) é fato jurídico que o ó rgão jurisdicional não pode conhecer de ofício (art.337, §5º, CPC). A ausência de alegação de convenção de arbitragem pelo réu, na contestação, será considerada como aceitação da jurisdição estatal e consequente renúncia ao juízo arbitral.

Ausência de legitimidade ou de interesse processual: o inciso XII do art.337 do CPC permite que o réu alegue ilegitimidade ou falta de interesse processual.

Falta de caução ou de outra prestação que a lei exige como preliminar: o inciso XII do art. 337 autoriza que o réu alegue, na contestação, a falta de caução ou de outra prestação que a lei exigir como preliminar. São exemplos de deste tipo de defesa: não pagamento de honorários advocatícios de processo extinto sem resolução do mérito, quando o autor intente a mesma ação (art. 486, §2º, CPC); e não pagamento das custas processuais (art. 290, CPC).

Indevida concessão do benefício da gratuidade concedido ao autor: diferentemente do que acontecia ao tempo do CPC/1973, o requerimento de revogação da justiça gratuita concedida ao autor tem de ser apresentado pelo réu na própria contestação, e não em peça avulsa - inciso XIII do art. 337.

Necessário salientar que existem defesas que têm de ser alegadas fora da contestação e que podem ser alegadas depois da contestação. Sobre tal tema o próprio Didier Júnior preleciona que “há, no entanto, defesas que a própria lei impõe sejam alegadas em peça distinta da contestação”, a exemplo da arguição de impedimento ou suspeição do juiz, membro do Ministério Público ou auxiliar da justiça (DIDIER JR., 2015, pág. 649).

Há também defesas que, segundo o jurista, podem ser alegadas após a apresentação da contestação, com base no art. 342 do CPC. São estas as que se refiram a direito ou a fato superveniente; as objeções (se se trata de matéria que o magistrado possa conhecer ex officio, não haverá preclusão decorrente da não dedução dela na peça principal de defesa); e as matérias que, por força de lei, podem ser deduzidas a qualquer tempo (art. 342, III, CPC).

Por fim faz-se necessário lembrar que os requisitos da contestação são semelhantes aos da petição inicial.

Os requisitos da contestação são semelhantes aos da petição inicial: nome e prenome das partes (qualificação não é necessária, se corretamente já feita na inicial); o endereçamento ao juízo da causa; documentos indispensáveis; requerimento de provas; dedução dos fatos e fundamentos jurídicos da defesa. A contestação deve vir em forma escrita, excepcionada as hipóteses da contestação nos Juizados Especiais Cíveis, que pode ser feita pela forma oral. (DIDIER JR, 2015, p. 655).


4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao esboçar algumas considerações sobre a contestação, o objetivo do artigo hora exposto foi convidar o leitor à reflexão sobre os aspectos que envolvem seu estudo. Em vez de tão somente descrever, de modo simplista, passagens da doutrina sobre o instrumento processual objeto do presente, tencionou-se retratar de forma didática elementos que ajudam a compreender com maior clareza tal instituto.

Para bem da verdade, observa-se no estudo do direito processual civil que há diversas modalidades de resposta do réu, mas, como demonstrado, a mais importante é a contestação. Esta, como esclarecido, permite impugnar os fatos narrados pelo autor na petição inicial; quer seja diretamente ao direito material do autor, quer de maneira indireta, demonstrando os fatos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do autor.         


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 17 maio 2016.

__________. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015. Dispõe sobre Código de Processo Civil. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em 17 maio 2016.

DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 17ª edição. Salvador: JusPodvm, 2015.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil. 2015.

NEVES, Daniel Amorim Assumpcão. Novo CPC - Código de Processo Civil - Lei 13.105/2015, São Paulo: Método, 2015.

PEREIRA, Wander; GARCIA, Laice Alves. Os meios de defesa no processo civil à luz dos princípios do contraditório e ampla defesa. Disponivel em: < https://jus.com.br/artigos/36226/os-meios-de-defesa-no-processo-civil-a-luz-dos-principios-do-contraditorio-e-ampla-defesa >. Acesso em: 17 maio 2016.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 2014.

VIANA JR, Dorgival. Resposta do réu (Contestação) no Novo CPC. Disponível em:< http://www.novocpcbrasileiro.com.br/resposta-reu-contestacao-novo-cpc/>. Acesso em: 17 de maio 2016. 

Sobre o autor
Wellington Cacemiro

Advogado, jornalista e pesquisador jurídico com publicações em revistas nacionais e internacionais. Graduado em Direito pela faculdade Multivix Cachoeiro Ensino, Pesquisa e Extensão Ltda., pós-graduado em Direito Processual Penal pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade Ibmec-SP, pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela mesma instituição e pós-graduando em Direito Penal pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade Ibmec-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CACEMIRO, Wellington. Fragmentos do processo civil: contestação à luz da doutrina. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4881, 11 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49163. Acesso em: 23 nov. 2024.

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