VI - DÚVIDA REGISTRÁRIA
CONCEITO - É procedimento administrativo, com rito sumaríssimo, em que se discute simplesmente a possibilidade do registro, não se confundido com o procedimento de jurisdição voluntária. É regulado pela Lei dos Registros Públicos, e as normas do Código de Processo Civil a ela se aplicam apenas subsidiariamente. Temos, ainda, na Lei 10.267, em seu art. 8º. – A, um rito especial para o procedimento de dúvida ali previsto. Igualmente na área de protesto de títulos, excepcionalmente, vamos também encontrar o procedimento de dúvida – art. 18, da Lei 9.492/97, regulamentado pelas NSCGJustiça, item 71 e respectivos subitens. Como a dúvida é procedimento próprio da área registral, essa é a única exceção que se conhece na legislação permitindo a utilização desse procedimento na área Notarial, não obstante ter rito próprio e diverso do que conhecemos na LRPúblicos. Sua natureza administrativa impede o deslinde de questões contenciosas de alta indagação.
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E VOLUNTÁRIO - Diferencia-se o procedimento administrativo aplicável à dúvida do que temos na jurisdição voluntária, por ser esta uma espécie do gênero do procedimento administrativo, com rito determinado pelo Código de Processo Civil, e aquela, não obstante também se enquadrar na família dos atos administrativos jurisdicionais, tem rito determinado, em princípio, pela Lei dos Registros Públicos, e em outras normas extravagantes, como se comenta neste trabalho.
DISSENSO REGISTRÁRIO - A Dúvida consiste em dissenso de ato de registro em sentido estrito. Se isso ocorrer quando o ato for de averbação ou de abertura de matrícula, o procedimento a ser adotado não será o da dúvida registraria, mas de mero expediente administrativo. O primeiro – dúvida - tem rito próprio, de acordo com o art. 198 e seguinte, da Lei 6.015/73, e recurso ao Conselho Superior da Magistratura, e o segundo – meramente administrativo – não tem uma norma rígida para se seguir, tendo a Corregedoria Geral como competente para a segunda instância.
HIPÓTESES DE NEGAÇÃO DA PRÁTICA DO ATO - O Oficial só poderá negar a prática do ato pretendido, devolvendo o título ao apresentante, se houver exigência a ser feita, ou como dizia o parágrafo 1º., do art. 215, do Decreto 4.857/39, para que o apresentante ponha o documento em conformidade com a lei, suprindo falhas, lacunas ou obscuridades.
Pode, ainda, ocorrer a devolução do título por absoluta impossibilidade de seu registro, sem que a devolução tenha por alvo preencher lacunas, etc..., e sim devido ao título não estar revestido da forma exigida pela legislação em vigor (ex. – hipoteca comum constituída através de instrumento particular), ou em virtude do ato ser insusceptível de registro (cessão de direitos hereditários), ou, ainda, por ser exigido mero documento e não instrumento (cópia xerográfica de escritura).
EXIGÊNCIAS - deverão ser formuladas de uma só vez, e de forma clara e objetiva, entregando-se cópia ao portador do título.
JUÍZO COMPETENTE – É o Corregedor Permanente da Serventia.
REPRESENTAÇÃO POR ADVOGADO - Não é necessário que o interessado impugne a dúvida representado por advogado. Isto só é requerido em caso de oferecimento de qualquer recurso admitido pelo Instituto da Dúvida.
COMPETÊNCIA PARA REQUERER A INSTAURAÇÃO DO PROCEDIMENTO - O portador do título – mero apresentante - pode requerer a suscitação da Dúvida, o qual irá receber do Oficial Registrador a notificação de suas razões pela recusa do pretendido registro, porém só o interessado poderá impugná-la (art. 198, inciso III, e art. 199, da LRP). Walter Ceneviva leciona que interessado é aquele em cujo nome será feito o registro, tido como interessado de forma direta, ou aquele que poderá ter prejuízos com sua recusa, visto como interessado de forma indireta. Com essas considerações, concluímos que o Tabelião que lavrou eventual escritura que teve seu registro recusado, quando figurar na posição de apresentante do título ao Oficial Registrador, poderá requerer que este suscite a dúvida, devendo, no entanto, a impugnação ser apresentada pelo próprio interessado e não por ele apresentante.
INSTAURAÇÃO DO PROCEDIMENTO DE DÚVIDA – Como regra, o procedimento de dúvida deve ser iniciado através de requerimento do apresentante ou do interessado ao Oficial de Registro para que este a suscite ao Juiz Corregedor Permanente da Serventia. Deve tal requerimento estar acompanhado do original do próprio título e demais papéis que o acompanharam, bem como do memorando relatando as exigências guerreadas. De forma geral, não pode a suscitação ocorrer de ofício. Temos exceções que serão ainda comentadas.
RESTRIÇÕES AO OFICIAL - Suscitada a dúvida, mesmo que inversamente, não mais poderá o Oficial deferir o registro do título em exame, dependendo, agora, de autorização judicial para assim fazer.
ASSISTENTE - Não se admite nesse procedimento, quando em julgamento na 1ª. Instância, a figura de assistente, ou de intervenção, uma vez que inexiste lide, no sentido técnico do termo. Não há conflito de interesses envolvendo o Oficial de Registro e o apresentante do título. Poderá essa figura - assistente ou interveniente -, como terceiro interessado, interpor recurso, contra arrazoar recurso, ou valer-se da via judicial para fazer valer seus direitos.
LITISCONSÓRCIO – Não é admitido no procedimento de dúvida.
DILIGÊNCIA E PERÍCIA - Pode ser requerida diligência (art. 201 - 1ª. parte, da LRP). Não se permite produção de provas, como realização de perícia.
CONFORMIDADE COM AS EXIGÊNCIAS - Instaurado tal procedimento, se o interessado em algum momento vier a se conformar com as exigências ou com parte delas, o julgamento da dúvida restará prejudicado, sendo, automaticamente considerada procedente, momento em que o Oficial cancelará a prenotação. Se assim não ocorrer estaremos a deferir a prorrogação dos 30 dias que o interessado teria na prioridade registrária, prejudicando terceiros que em algum momento posterior ingressaram com título com direitos opostos.
REITERAÇÃO DA DÚVIDA - É permitida a reiteração da dúvida, desde que por motivo diverso.
RECURSOS - Admite-se apenas a Apelação contra decisão de 1ª. instância – prazo 15 dias - (art. 508, do CPC), Embargos de Declaração, tanto em 1ª. como em 2ª. instâncias – prazo de 48 horas - (art. 465, do CPC), e Agravo de Instrumento, tão somente contra decisão que negue seguimento à apelação - prazo de 5 dias - (art. 523, do CPC). Embargos infringentes não são admitidos em nosso Estado, uma vez que a Lei de organização judiciária que aqui temos não previu órgão para seu julgamento. A apelação, no procedimento de dúvida, como regra, deve ser endereçada ao Conselho Superior da Magistratura. Se a discussão for em procedimento meramente administrativo e de dúvida não se tratar, a Corregedoria Geral da Justiça é a competente para apreciar eventual recurso contra decisão de 1ª. Instância.
Em relação à decisão no procedimento de dúvida, por tratar-se de ato meramente administrativo, apóia se ela na coisa julgada formal, não fazendo coisa julgada material. Duas conseqüências de fundamental importância ocorrem em virtude da colocação acima: a primeira delas é que impedimento algum existe para que o título seja reapresentado para registro, após decisão desfavorável. A segunda é que tais decisões estão sujeitas ao controle jurisdicional, nada impedindo o uso da via jurisdicional adequada. A decisão a ser proferida nesse procedimento só tem caráter normativo quando assim ela expressamente determinar, uma vez que cada caso deve ser tratado e decidido isoladamente. Deve, porém, o Registrador e Notário aterem-se ao que nela consta, sustentando-se com respaldo maior, no que tiver que decidir no exercício de suas atividades.
DÚVIDA INVERSA – é aquela em que, na área de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos, Pessoas Jurídicas e Registro Civil das Pessoas Naturais, o apresentante ou interessado, não se conformando com as exigências que negam o registro do que pretende, requer sua instauração diretamente ao Juiz Corregedor Permanente da Serventia. Pode ocorrer, dentre outros casos, naquele em que o Registrador se recusa até mesmo em protocolar o título sob a alegação de não ser o Oficial competente para a execução do registro pretendido, etc.
Em ocorrendo o procedimento da dúvida inversa, o Juiz competente encaminhará o expediente ao Oficial para que imediatamente protocole o título e, no prazo de 15 dias, apresente suas razões para o indeferimento do registro. Esse prazo não encontramos de forma textual na legislação aplicável a espécie, justificando-se porém sua concessão uma vez ser ele também conferido ao interessado no registro para a apresentação da impugnação das aludidas razões (art. 198, inciso III, da Lei 6.015/73).
OUTROS CASOS (ESPECIAIS) DE DÚVIDA - temos, ainda, outros 3 casos de dúvida registrária que apresentam particularidades à vista do que até agora foi exposto:
o primeiro vem do bem de família - art. 262, da LRP, que deve ter o mesmo seguimento do art. 198 e seguintes, com a observação apenas de que a solução, quando favorável ao apresentante, não determinará o registro do título, mas sim a publicação do Edital citado no final do art. 262;
o segundo vem do Registro de Torrens (art. 280), onde observa-se que o procedimento se inicia como na dúvida inversa, pois o art. 280 autoriza o interessado a, se não estiver de acordo com a exigência do Oficial, a suscitar dúvida e não requerer sua suscitação ao Oficial Registrador, como no art. 198;
e o terceiro vem da Lei 10.267, de 29 de agosto de 2001, que alterou a de número 6.739, de 5 de dezembro de 1979, nela acrescentando o art. 8º – A e respectivos parágrafos, com a seguinte redação: Art. 8º. – A – A União, o Estado, o Distrito Federal ou o Município prejudicado poderão promover, via administrativa, a retificação da matrícula, do registro ou da averbação feita em desacordo com o art. 225, da Lei 6015/73, quando a alteração da área ou dos limites do imóvel importar em transferência de terras públicas. § 1º. –...... .; § 2º. - Recusando-se a efetuar a retificação requerida, o Oficial Registrador suscitará dúvida, obedecidos os procedimentos estabelecidos em lei; § 3º. – Nos processos de interesse da União e de suas autarquias e fundações, a apelação de que trata o art. 202, da Lei 6015/73, será julgada pelo Tribunal Regional Federal respectivo; § 4º. – A apelação referida no § 3º. poderá ser interposta, também, pelo Ministério Público da União.
Temos, ainda, com aqui já informado, um outro procedimento de dúvida que excepcionalmente foge da área registral, aplicável ao Serviço de Protesto de Títulos, previsto na Lei 9.492/97, e regulamentado pelas NSCGJUstiça, em seu Cap. XV, item 71 e respectivos subitens, recebendo nessa área características diversas das até agora vistas, ou seja: a) deve ser requerida pelo interessado, diretamente ao Juiz Corregedor Permanente da Serventia, ou ao Corregedor Geral da Justiça; b) se apresentada ao primeiro, deverá este informar à Corregedoria Geral de seu ingresso para o devido acompanhamento por parte da mesma; c) sendo a matéria de interesse geral, e antevendo que a questão exigirá tratamento uniforme, o Juízo Corregedor Permanente submeterá a questão à Corregedoria Geral da Justiça, encaminhando o expediente para que, uma vez proferida decisão, tenha esta efeito normativo em todo o Estado.
A dúvida registrária aplicável aos Registros de Títulos e Documentos, Pessoas Jurídicas e Registro Civil das Pessoas Naturais, é a mesma que se volta para o Registro de Imóveis, à vista do que dispõe o art. 296, da Lei 6.015/73.
CANCELAMENTO DA PRENOTAÇÃO – Julgada procedente a dúvida, o Oficial cancelará imediatamente a prenotação. Se considerada improcedente, com conhecimento desse fato, o Oficial aguardará 30 dias para a reapresentação do título e execução do registro pretendido, sem o que, igualmente, fará o cancelamento da prenotação.
FORMALIDADES NA PRENOTAÇÃO - A instauração do procedimento da dúvida deve ser anotada pelo Oficial à margem do Protocolo do respectivo título, e também seu resultado, de acordo com o art. 203, I e II, da LRP, com anotação do registro do título, ou do cancelamento da prenotação.
FÉRIAS FORENSES – Em nosso Estado, à vista da Lei de Organização Judiciária aqui vigente, tem o procedimento de dúvida trâmite normal no período das férias forenses, o que pode não estar a acontecer em outros Estados da Federação.
CUSTAS – Por falta de previsão legal, nenhum valor é devido pelo ingresso desse procedimento, o mesmo acontecendo quando da utilização de qualquer instrumento recursal.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – Como não se trata de lide, e também por falta de dispositivo legal cuidando do assunto, incabível a condenação em honorários de advogado, como ocorre em regra dentro dos procedimentos judiciais.
MANDADO DE SEGURANÇA – Não cabe o uso desse Instituto na recusa ao registro de um título, uma vez que temos na Lei dos Registros Públicos previsão que já trata do assunto, que é o procedimento da Dúvida aqui objeto de estudo. Decisão nesse sentido vemos no acórdão proferido pelo C.S.M., na A.C. 79.717-0/5, da Comarca da Capital, publicado no Diário Oficial de 03 de dezembro de 2001.
BIBLIOGRAFIA:
– Registro de Imóveis - Afrânio de Carvalho – Editora Forense – 3ª. Edição;
- Lei dos Registros Públicos Comentada - Walter Ceneviva – Editora Saraiva – 15ª. Edição;
– Miguel Maria de Serpa Lopes – Tratado dos Registros Públicos – Editora Livraria Freitas Bastos – 3ª. Edição;
– Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo;
– "Site" da Associação de Notários e Registradores do Brasil - ANOREG/BR – anoregbr@anoregbr.org.br;
– "Site" do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil - IRIB – irib@org.br;
– "Site" do Colégio Notarial do Brasil – secção São Paulo – colégionotarialsp@org.br;
– Jornal do Notário número 68 – Colégio Notarial do Brasil – secção São Paulo;
– Boletim Eletrônico IRIB-ANOREG/SP – Sérgio Jacomino