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O Ministério Público na persecução criminal e as teorias justificadoras da pena

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Agenda 25/05/2016 às 15:37

4 – Por que punir? Uma análise das teorias justificadoras das penas

Em análise a teoria das penas, numa breve explanação pode-se dizer que a Teoria Absoluta (Retributiva) tem como ponto principal a retribuição, é um castigo pelo mal imposto diante do delito. Numa visão histórica, estabelecem limites ao poder punitivo estatal, permitindo apenas os meios necessários de castigo, não sendo então eficiente a prevenção de delitos futuros, sua imposição estaria justificada então pelo valor de punir o fato passado realizando-se justiça com base no fundamento do livre-arbítrio. Entre seus defensores destacam-se Kant e Hegel. Para o último a justificação da pena é de ordem jurídica, restabelecendo a normal violada através de um mal, já dizia: “a pena é a negação da negação do Direito”. Assim, a irracionalidade do delinquente na prática do delito deve ser negada com o sofrimento diante da pena, restabelecendo então a ordem jurídica violada atribuindo, como Kant, o conteúdo talional à pena. Para Kant é a justificação é de ordem ética, se guiando pelo valor moral diante da ilicitude penal cometida, sustentando o “ius talionis” para a espécie e medida da pena, isto é, “o mal que fazes a teu semelhante, o fazes a ti mesmo”, devendo então ser punido unicamente por haver delinquido.

Já na Teoria Relativa (Preventiva), a pena não se justifica em retribuir o dano, mas para prevenir a sua prática futura pelo agente. Como leciona Bitencourt5, tanto as absolutas quanto as relativas consideram a pena como um mal necessário. No entanto, diferem-se que para as relativas, não se baseia na finalidade propriamente de justiça, mas em inibir, ao máximo, a prática dos novos delitos. Divide-se em Prevenção Geral e Prevenção Especial. Na primeira, sua finalidade diz respeito ao controle da violência, tendo como destinatário a coletividade social e subdividindo-se em prevenção geral negativa, a qual intimida de forma coercitiva ou até “coativa psicológica” através da ameaça de pena, e a prevenção geral positiva que reforça a vigência da norma e a ordem social ao mostrar sua incidência nos casos concretos. Já a Prevenção Especial destina-se diretamente ao condenado com o objetivo que ele não volte a delinquir, procurando impedir a reincidência por meio da ressocialização. Sustenta Ferrajoli6 a classificação em prevenção especial positiva, que se dirigem a reeducação, e a prevenção especial negativa, a neutralização ou eliminação do delinquente perigoso da coletividade social.

Buscando unificá-las diante de uma mediação, surge a chamada Teoria Unitária que busca como finalidade que ao mesmo momento a pena contenha as três antes apresentadas: retribuição, prevenção e ressocialização. Para Roxin, a pena somente pode ser de tipo preventivo, atendendo ao fim de ressocialização e ao mesmo tempo projetando seus efeitos sobre a sociedade diante do seu poder coercitivo mostrando sua eficácia e consequentemente motivando os indivíduos a não infringi-las. Renunciando ainda a ideia de retribuição, Roxin defende que a pena não é unicamente um mal, mas a desaprovação de tal conduta procura evitar sua repetição diante de sua influência ressocializadora. Assim, a pena adequada à culpabilidade do agente nunca poderá ser aumentada, mas apenas reduzida de acordo com os fins preventivos, prevenção especial e geral.

Diante de uma moderna teoria de justificação da pena, Hassemer parte do pressuposto que a reação estatal diante do fato protege também a consciência social da norma, significando então a ressocialização e retribuição instrumentos necessários ao fim de uma prevenção geral positiva. Cezar Roberto Bitencourt sustenta que a visão integradora formulada pela teoria da prevenção geral positiva limitadora é a mais adequada à realidade do ordenamento jurídico brasileiro. Leciona que, apesar de ser uma teoria preventiva de base relativista, assume a ideia da retribuição da culpabilidade como pressuposto lógico da finalidade preventiva de delitos devendo manter-se dentro dos limites do Direito Penal do fato e da proporcionalidade, materializando-se também através dos princípios limitadores do poder punitivo estatal, sem ainda esquecer-se das necessidades de prevenção especial em finalidade a ressocialização. Para que esta tenha eficácia, é sabido o quão necessário é um processo de interação entre o indivíduo e a sociedade. Por esta razão se pode justificar a redução da pena diante dos limites máximos exigidos pela proporcionalidade e a diversificação do tipo de pena aplicável, haja vista que não é característica de um Estado Democrático de Direito o aumento total da repressão e punições, transformando-o de Estado-Providência em Estado-Penitencia, sem o ideal da reabilitação a partir de um discurso ideológico altamente conservador que já fora inserido no mundo em outras décadas, como relatado por Loic Wacquant na sua obra “Prisões da Miséria”.

Essa mudança de objetivo e de resultado traduz o abandono do ideal da reabilitação, depois das críticas cruzadas da direita e da esquerda na década de 70 e de sua substituição por uma “nova penalogia”, cujo objetivo não é mais nem prevenir o crime, nem tratar os delinquentes visando o seu eventual retorno à sociedade uma vez sua pena cumprida, mas isolar grupos considerados perigosos e neutralizar seus membros mais disruptivos mediante uma série padronizada de comportamentos e uma gestão aleatória dos riscos, que se parecem mais com uma investigação operacional ou reciclagem de “detritos sociais” que com trabalho social.7

Alguns autores, principalmente Zaffaroni8, hoje sustentam uma chamada teoria agnóstica ou negativa da pena, pois partindo de uma reflexão sobre suas funções declaradas, mas não realizadas, opera-se a punição que é inexoravelmente um fazer sofrer precisamente caracterizada por infligir sofrimento ao condenado através da perda ou restrição de direitos a qual já fora concebida também como “medicina da maldade” por Platão9, logo, os problemas sociais nunca foram e nem podem ser resolvidos pela pena de prisão. Deve-se relatar que, apesar das críticas, não se tem a ideia que a finalidade da ressocialização e reintegração devem ser abandonadas, mas sim que sejam revistas, analisadas e estruturadas de outra forma no intuito de se ter eficiência e efetividade dos seus meios. Desta forma, diante da crise do sistema penal, a teoria agnóstica se mostra inversa à atual tendência punitivista das políticas criminais, mostrando tendências ao gradativo desuso da prisão chegando ao abolicionismo da mesma. Há de se relatar que a teoria abolicionista que vem ganhando adeptos e se mostra para alguns como meio, baseia-se também na retirada de determinadas condutas do Código Penal deixando-as sem tipicidade e, sobretudo defendendo o princípio da dignidade humana estritamente violada, meio em que se ameniza o caos penitenciário, ou até mesmo a abolição por completa do sistema.

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Analisando as teorias da pena e suas consequências, não se pode deixar de mencionar a respeito do garantismo penal e sua aplicação no Estado Democrático de Direito.

O garantismo penal é um esquema tipológico baseado no máximo grau de tutela dos direitos e na fiabilidade do juízo e da legislação, limitando o poder punitivo e garantindo a(s) pessoa(s) contra qualquer tipo de violência arbitrária, pública ou privada. Por se tratar de modelo ideal (e ideológico), apresenta inúmeros pressupostos e consequências lógicas e teóricas.10

Salo e Amilton Bueno de Carvalho nos apresenta a teoria desenvolvida por Ferrajoli, na qual o poder punitivo do Estado deve ser diminuído, limitado ao máximo, enquanto que a liberdade do indivíduo deve sem ampliado. O garantismo é, então, um modelo político criminal minimalista que afasta teses radicais a partir de preceitos que fazem prevalecer os direitos e garantias das pessoas frente à redução ao máximo do poder estatal arbitrário e ilimitado exigindo, assim, maior racionalidade na aplicação e execução da pena.

Frente ao demasiado crescimento da criminalização a partir do século XX, num seminário intitulado como “Depois do Grande Encarceramento”11 feito em 2008, especialistas das mais diversas áreas se reuniram para discussão dos métodos de aprisionamento em massa e ao insucesso das políticas de repressão implantadas como forma de conter índices criminais e resposta do Estado a própria sociedade. Diante a total ineficácia da pena privativa de liberdade como meio de ressocialização, defendem a implementação de dispositivos legais desencarceradores em consonância com um modelo criminal minimalista que afaste as teses radicais de constante repressão e tolerância zero. Assim, a ampliação das possibilidades de aplicação de penas alternativas a prisão se apresentaria como melhor forma imediata de diminuir os efeitos estigmatizantes do encarceramento e a superlotação do sistema carcerário, garantindo, desta forma, um menor índice de reincidência que hoje supera os incríveis 70%.


Considerações finais

A Carta Magna coloca a função do Ministério Público como uma das essenciais à efetivação da justiça com a incumbência da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Cumpre papel de extrema relevância no modelo processual acusatório, pois sua criação se deu com a necessidade de um contraditor natural do imputado para que fosse possível a transformação do sistema inquisitório para o acusatório. Desta maneira, visando uma efetivação deste sistema, a figura do Parquet retirou do juiz as funções investigatórias e assumiu a responsabilidade pela promoção da persecução penal para preservar ao máximo a sua imparcialidade. Conforme o mencionado, é o representante titular da ação penal, representa também o interesse estatal em restabelecer a ordem violada pela prática criminosa buscando a efetiva punição dos transgressores e zelando pelo correto cumprimento da lei. No entanto, não é por estar legitimado a acusação que estará obrigado a sempre condenar o réu, logo, pode requerer o arquivamento da investigação, recorrer a favor do acusado, requerer sua absolvição e impetrar habeas corpus ou até mesmo produzir provas da sua inocência.

No que se refere aos crescentes discursos de legitimação do Direito Penal inclinados a implementação da ideologia “lei e ordem” ou até mesmo da política de tolerância zero, diante de um processo penal totalmente estigmatizante que etiqueta e deteriora a imagem do acusado12 impondo consequências altamente danosas a sua imagem, entendemos que o uso do ius puniendi a partir da própria denúncia ou pedido de condenação por parte do Ministério Público não deve ser invocado de forma injusta, necessitando de ampla racionalidade e bom senso a respeito das consequências que a execução de pena pode representar frente à falência do sistema e a ineficácia da pena conforme sua finalidade já demonstrada.

Para evitar eventuais corrupções bem como assegurar o desempenho em sua plenitude das atribuições conferidas pelo ordenamento jurídico, os membros do Parquet não se subordinam a nenhuma outra autoridade, havendo apenas uma hierarquia administrativa ao Chefia da Instituição, mas sem nenhum caráter imperativo como nota-se com a possibilidade do Promotor discordar do Procurador-Geral de Justiça (art. 28 do CPP). Portanto, acumulam diversas funções essenciais à efetivação do Estado Democrático de Direito como defensor principal das garantias coletivas e individuais dos indivíduos, sendo peça importante inclusive na tentativa de conter a aplicação da pena de forma seletiva, direcionada, irracional e excludente num mau uso do direito penal e do poder punitivo do Estado.


REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral 1. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

CARVALHO, Amilton Bueno. CARVALHO, Salo. Aplicação da pena e garantismo. 4º Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008.

Depois do grande encarceramento, seminário. Organizado por Pedro Vieira Abramovay e Vera Malaguti Natista. Rio de Janeiro: Revan, 2010.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer, Frauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 4º ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

GOFFAMAN, Erving. Estigma – notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Tradução de Mathias Lambert. Publicação original em 1891, digitalizado em 2004.

LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 104.

WACQUANT, Loic. As prisões da miséria. Tradução de André Telles, digitalizado em 2004.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. 2º ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007.


Notas

1 ROSA, Alexandre Morais da. Guia compacto do processo penal conforme a teoria dos jogos. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. p. 104.

2 LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 337.

3 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

4 LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

5 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral 1. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

6 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer, Frauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. 4º ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

7 WACQUANT, Loic. As prisões da miséria. Tradução de André Telles, digitalizado em 2004. p. 55.

8 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. 2º ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007.

9 Depois do grande encarceramento, seminário. Organizado por Pedro Vieira Abramovay e Vera Malaguti Natista. Rio de Janeiro: Revan, 2010. p. 145.

10 CARVALHO, Amilton Bueno. CARVALHO, Salo. Aplicação da pena e garantismo. 4º Ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008. p. 21.

11 Depois do grande encarceramento, seminário. Organizado por Pedro Vieira Abramovay e Vera Malaguti Natista. Rio de Janeiro: Revan, 2010.

12 GOFFAMAN, Erving. Estigma – notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Tradução de Mathias Lambert. Publicação original em 1891, digitalizado em 2004.

Sobre o autor
José Lucas Rodrigues de Oliveira

Graduando em Direito pela UniAges.

Informações sobre o texto

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