Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

O brasileiro nato e a possibilidade de extradição

Agenda 26/05/2016 às 21:08

O presente artigo visa tratar da extradição do brasileiro nato e analisar a recente decisão da Suprema Corte em extraditar uma brasileira que renunciou à sua nacionalidade, trazendo mudanças no entendimento firmado até o presente momento.

1 – INTRODUÇÃO:

A Constituição Federal veda a extradição do brasileiro nato, trazendo em seu texto que apenas o brasileiro naturalizado, em casos específicos e como forma de exceção, pode ser extraditado. A nacionalidade é um dos pilares defendidos pelo Estado, a começar quando o país visa proteger o direito à nacionalidade, até mesmo do apatridia, e a conceder alguns direitos excepcionais aos nacionais, em detrimento dos estrangeiros, sendo essa diferenciação trazida apenas pela Constituição Federal.

2 – BRASILEIRO NATO E NATURALIZADO: CONCEITO E A PERDA DA NACIONALIDADE

A nacionalidade é uma matéria disciplinada pelo direito interno, regulada pela Constituição Federal no art. 12 e pela Lei 818/49, que dispõe sobre a aquisição, perda e reaquisição da nacionalidade. Conforme Paulo Henrique Gonçalves Portela, a nacionalidade “é o vínculo jurídico-político que une uma pessoa física a um Estado, do qual decorrem uma série de direitos e obrigações reciprocas.” [1]

Não pode este conceito ser confundido com cidadania, Portela ensina “cidadania é a possibilidade de exercício dos direitos políticos.”

Existem duas espécies de nacionalidade: a originária e a derivada. De acordo com Emerson Penha Malheiros, citando José Afonso da Silva: [2]

Faz-se uma distinção entre nacionalidade originária ou primária, atribuída no instante do nascimento, e a nacionalidade derivada ou secundária, atribuída em outro momento posterior.

A nacionalidade originária ou primária se demonstra mediante dois critérios incidentes no instante do nascimento do ser humano: ius solis e ius sanguinis. Já a derivada ou secundária observa o ius domicilii, ius labori e o ius communicatio.

As formas de atribuição de nacionalidade variam entre os Estados, mas, em qualquer deles, não depende da vontade do indivíduo a atribuição da nacionalidade primária, que decorre da ligação do fato natural do nascimento com um critério estabelecido pelo Estado. Já a atribuição da nacionalidade secundária depende da manifestação volitiva da pessoa.

Dessa forma, entende-se que a nacionalidade originária, inerente ao brasileiro nato, é aquela adquirida no nascimento, seja pelo critério sanguíneo ou pelo critério territorial e a nacionalidade derivada, adquirida pelo brasileiro naturalizado, adquire-se por vontade da pessoa.

A perda da nacionalidade brasileira encontra-se no artigo 12, § 4.º, da Constituição Federal, estabelecendo que se perde a nacionalidade brasileira ao adquirir outra, salvo nos casos: “a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis.” [3]

Sendo assim, uma vez adquirida nova nacionalidade, exceto nos casos previstos em lei, passa-se a ser estrangeiro, podendo então sofrer as diferenciações trazidas pela Constituição Federal.

3 - EXTRADIÇÃO:

 

Regulada pelo Estatuto do Estrangeiro, Lei 6815/80, sobre o conceito de extradição, leciona PORTELA:

Extradição é o ato pelo qual um Estado entrega a outro Estado um indivíduo acusado de ter violado as leis penais deste outro ente estatal ou que tenha sido condenado por descumpri-las, para que neste seja submetido a julgamento ou cumpra a pena que lhe foi aplicada, respondendo, assim, pelo ilícito que praticou.

Sobre o processamento do pedido de extradição, Carlos Eduardo Rios do Amaral: [4]

O pedido é recebido pelo Ministério das Relações Exteriores, que o remeterá ao Ministério da Justiça, que ordenará a prisão do extraditando e, uma vez este efetivamente preso, será colocado à disposição do Supremo Tribunal Federal. Não terá andamento o pedido de extradição sem que o extraditando seja preso e colocado à disposição do STF. Essa prisão provisória, em razão do pedido extradicional, perdurará até decisão final do STF, não se admitindo liberdade vigiada, prisão domiciliar, e nem a prisão albergue, salvo casos excepcionalíssimos.

O julgamento da extradição passiva se dará pelo Plenário desta excelsa corte constitucional, que se limitará a analisar a legalidade e procedência do pedido extradicional. Dessa decisão colegiada não caberá recurso, apenas embargos de declaração, para os fins de aclaramento do acórdão proferido. Se julgado improcedente o pleito extradicional, novo pedido só poderá ser formulado se fundado em outro fato.”

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

 O Supremo Tribunal Federal é o órgão competente para verificar a legalidade do pedido de extradição feito por outro país e o Presidente da República é quem decide se deve ou não acontecer a extradição.

4 - A EXTRADIÇÃO DE BRASILEIRO NATO

 

A regra é que o brasileiro nato nunca será extraditado. De acordo com a Constituição Federal, art. 5º, LI, que dispõe que “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei.”

Em vista da vedação da extradição do brasileiro nato, o STF recentemente admitiu a extradição de uma mulher que deixou de ser brasileira nata ao adquirir voluntariamente outra nacionalidade. O caso concreto é sobre Cristina Cláudia Sobral, que era brasileira, nascida no Rio de Janeiro e tornou-se americana voluntariamente – pois já possuía o green card - onde passou a residir nos Estados Unidos da América.  Cristina é suspeita de ter assassinado seu marido e sob essas acusações, retornou ao Brasil. Os Estados Unidos pediu sua extradição, ela, por sua vez, impetrou o mandado de segurança 33.864 alegando que nenhum brasileiro nato seria extraditado. Entretanto, foi decidido por 3 votos a 2 que ao renunciar voluntariamente a sua nacionalidade, ela deixou de ser brasileira, tornando-se uma estrangeira de nacionalidade americana. Os votos a favor foram dos Ministros Roberto Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber. [5]

A decisão é inédita e foi tomada no dia 19 de abril de 2016, mudando anterior entendimento do Supremo Tribunal, qual seja, o brasileiro nato não podia ser extraditado. Neste sentido, veja o informativo de jurisprudência 309 do STF, onde traz a decisão monocrática do Ministro Celso de Mello nos autos do habeas corpus 83113/DF, decidindo que o brasileiro nato não pode ser extraditado em hipótese nenhuma: [6]

E M E N T A: EXTRADIÇÃO. CONFLITO POSITIVO DE NACIONALIDADES. DUPLA NACIONALIDADE. POSSE CONCOMITANTE DA NACIONALIDADE BRASILEIRA PRIMÁRIA OU ORIGINÁRIA. CRITÉRIOS CONSTITUCIONAIS DO JUS SOLI E DO JUS SANGUINIS. EXTRADIÇÃO REQUERIDA AO GOVERNO DO BRASIL. INADMISSIBILIDADE. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL ABSOLUTA, TRATANDO-SE DE BRASILEIRO NATO (CF, art. 5º, LI). POSSIBILIDADE, NO ENTANTO, DE APLICAÇÃO EXTRATERRITORIAL DA LEI PENAL BRASILEIRA. HIPÓTESE DE EXTRATERRITORIALIDADE CONDICIONADA. CONSIDERAÇÕES DE ORDEM DOUTRINÁRIA E DE CARÁTER JURISPRUDENCIAL.

- O brasileiro nato, quaisquer que sejam as circunstâncias e a natureza do delito, não pode ser extraditado, pelo Brasil, a pedido de Governo estrangeiro, pois a Constituição da República, em cláusula que não comporta exceção, impede, em caráter absoluto, a efetivação da entrega extradicional daquele que é titular, seja pelo critério do "jus soli", seja pelo critério do "jus sanguinis", de nacionalidade brasileira primária ou originária.

Esse privilégio constitucional, que beneficia, sem exceção, o brasileiro nato (CF, art. 5º, LI), não se descaracteriza pelo fato de o Estado estrangeiro, por lei própria, haver-lhe reconhecido a condição de titular de nacionalidade originária pertinente a esse mesmo Estado (CF, art. 12, § 4º, II, "a").

- Se a extradição não puder ser concedida, por inadmissível, em face de a pessoa reclamada ostentar a condição de brasileira nata, legitimar-se-á a possibilidade de o Estado brasileiro, mediante aplicação extraterritorial de sua própria lei penal (CP, art. 7º, II, "b", e respectivo § 2º) - e considerando, ainda, o que dispõe o Tratado de Extradição Brasil/Portugal (Artigo IV) -, fazer instaurar, perante órgão judiciário nacional competente (CPP, art. 88), a concernente "persecutio criminis", em ordem a impedir, por razões de caráter ético-jurídico, que práticas delituosas, supostamente cometidas, no exterior, por brasileiros (natos ou naturalizados), fiquem impunes. Doutrina. Jurisprudência.

Vale dizer que o STF faz a avaliação de legalidade do pedido de extradição, sendo que se o essa avaliação é negativa, fica o Presidente da República impedido de autorizar a entrega ao Estado solicitante, do extraditando. Entretanto, se a avaliação pelo STF decide que pode-se conceder a extradição, cabe ao Presidente da República decidir sobre a mesma.

Neste sentido, Alexandre de Moraes: [7]

Findo o procedimento extradicional, se a decisão do STF, após a análise das hipóteses materiais e requisitos formais, for contrária à extradição, vinculará o Presidente da República, fincando vedada a extradição. Se, entretanto, a decisão for favorável, o Presidente da República, discricionariamente, determinará ou não a extradição, pois não pode ser obrigado a concordar com o pedido de extradição, mesmo que lealmente correto e deferido pelo STF, uma vez que o deferimento u recusa do pedido de extradição é direito inerente à soberania.

Dessa forma, necessário se faz aguardar até a manifestação do Chefe do Executivo Federal sobre o caso.

5 - CONCLUSÃO:

O posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal traz uma grande mudança no ordenamento, pois divide os posicionamentos até então já consolidados: brasileiro nato, em hipótese alguma, pode ser extraditado. A divergência de pensamento começa dentro do próprio STF, com a não unanimidade de votos, e declina entre os grandes doutrinadores constitucionalistas e internacionalistas (visto que a matéria é interessante aos dois ramos do Direito). Sendo assim, resta claro que esse posicionamento trará muitos reflexos no Direito, sendo necessário aguardar para saber como ficará o caso concreto.

REFERENCIAS:

[1] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional público e privado. 3.ed. – Salvador: Juspodvm, 2011.

[2] MALHEIROS, Emerson Penha. Manual de Direito Internacional Privado. 2.ed.-São Paulo: Atlas, 2012.

[3] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.

[4] AMARAL, Carlos Eduardo Rios do. Como tramita o processo de extradição do Brasil. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2009-fev-23/tramita-processo-extradição-brasil-ela-acontece>.Acesso em: 23 de mai. 2016.

[5] GOMES, Luiz Orlando. STF decide: brasileiro nato pode perder a nacionalidade e ser extraditado. Disponível em: < http://jota.uol.com.br/stf-decide-brasileiro-nato-pode-perder-nacionalidade-e-ser-extraditado>. Acesso em: 26 de mai. 2016.

[6] Informativo 309 STF. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo309.htm>.Acesso em: 26 de mai. 2016.

[7] MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada legislação constitucional. 7. ed. - São Paulo: Atlas, 2007.

Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!