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Regime jurídico dos contratos administrativos

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Agenda 19/03/2004 às 00:00

apresenta um panorama do regime jurídico dos contratos administrativos, assim como de conceitos importantes do Direito Administrativo

SUMÁRIOABREVIATURAS; INTRODUÇÃO; 1FUNDAMENTOS JUSPOSITIVOS DO CONTRATO ADMINISTRATIVO; 2DEFINIÇÃO DE CONTRATO ADMINISTRATIVO; 3BREVES CONTORNOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA; 4PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E OS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS, 4.1LEGALIDADE, 4.2IMPESSOALIDADE, 4.3MORALIDADE, 4.4PUBLICIDADE, 4.5EFICIÊNCIA, 4.6SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO, 4.7INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO, 4.8MOTIVAÇÃO, 4.9RAZOABILIDADE, 4.10PROPORCIONALIDADE, 4.11ISONOMIA, 4.12FINALIDADE, 4.13DEVIDO PROCESSO LEGAL E AMPLA DEFESA, 4.14AUTOTUTELA, 4.15CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS, 4.16RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ATOS ADMINISTRATIVOS, 4.17SEGURANÇA JURÍDICA, 4.18CONTINUIDADE; 5REGRAS GERAIS DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS; 6FORMALIZAÇÃO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS; 7ALTERAÇÃO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS, 7.1 TEORIA DA IMPREVISÃO, 7.1.1 FORÇA MAIOR, 7.1.2 CASO FORTUITO, 7.1.3 FATO DO PRÍNCIPE,7.1.4 FATO DA ADMINISTRAÇÃO,7.1.5 INTERFERÊNCIAS IMPREVISTAS,7.2 O RESTABELECIMENTO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO E O REAJUSTE; 8EXECUÇÃO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS; 9DA INEXECUÇÃO E RESCISÃO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS; CONCLUSÃO; BIBLIOGRAFIA


ABREVIATURAS

CRConstituição da República Federativa do Brasil

LLCALei de Licitações e Contratos Administrativos – Lei n.º 8666/93


INTRODUÇÃO

O regime jurídico dos contratos administrativos, ou seja, a forma como estes são tratados pelas normas jurídicas, é identificado por meio da verificação dos princípios que lhe dizem respeito, os quais devem ser extraídos do próprio ordenamento jurídico (SUNDFELD, 1996, p. 135-136).

Indispensável, pois, delimitar, inicialmente, quais as normas básicas do instituto, ou seja, seu fundamento juspositivo.

Feito isso, é possível traçar uma definição de contratos administrativos.

Tendo em vista a presença da Administração nesses contratos, indubitavelmente eles serão atingidos pelos princípios que a regem. Daí a necessidade de analisar os efeitos que referidos princípios tem sobre eles.

Então poderão ser tratadas as normas que regem especificamente a formação, execução, alteração e extinção dos contratos administrativos, e constatar as peculiaridades que lhe dão identidade.


1FUNDAMENTOS JUSPOSITIVOS DO CONTRATO ADMINISTRATIVO

Antes de mencionar as normas que regem os contratos administrativos, vale mencionar, inicialmente, aquelas que tratam da própria competência para criar tal legislação.

À União, compete privativamente a competência para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, nos termos do inciso XXVII do art. 22 da CR:

Art.22 - Compete privativamente à União legislar sobre:

[...]

XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III;

Essa competência "importa o poder de a União veicular regras mínimas, vinculantes para todas as órbitas federativas, inclusive as integrantes da Administração indireta e outras entidades sob controle do Poder Público" (JUSTEN FILHO, 2000, p. 14).

Com fulcro nessa atribuição, a União editou a Lei n.º 8666/93, conhecida como Lei de Licitações e Contratos Administrativos – LLCA, que foi alterada pelas Leis n.º 8883/94, 9032/95, 9648/98, 9854/99 e 10438/02.

Aos Estados-membros, por meio de lei complementar, pode a União autorizar que legislem sobre questões específicas sobre licitações e contratações administrativas (§ único do art. 22 da CR)

O Distrito-Federal, assim como os Municípios, podem legislar para atender seus interesses peculiares, respeitando as normas gerais (art. 30 e 32 da CR).


2DEFINIÇÃO DE CONTRATO ADMINISTRATIVO

Envolve grande controvérsia a definição de contrato administrativo, ora se defendendo que somente alguns contratos celebrados pela Administração seriam desta espécie, ora sustentando que qualquer contrato da Administração seria administrativo, ou ainda, que não haveria referido contrato (DI PIETRO, 2001, p. 240; GASPARINI, 2002, p. 523).

O problema todo parece girar em torno de consenso terminológico sobre determinado fenômeno.

A LLCA oferece uma definição, na combinação do caput do art. 1.º com o parágrafo único do art. 2.º, verbis:

Art. 1.º Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

[...]

Art. 2.º [...]

Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.

Contratos administrativos, como uma subespécie de contratos de direito público interno, nas palavras de MARCELLO CAETANO (2001, p. 579), são aqueles "celebrados entre a Administração e outras pessoas, singulares ou coletivas, para fins administrativos".

No direito nacional, costuma-se enquadrar os contratos administrativos com espécie do gênero contratos da administração.

A interpretação sistemática demonstra que, sem embargo das opiniões em contrário, o direito positivo considera todos contratos firmados pela Administração Pública como administrativos. Mesmo os chamados "contratos de direito privado" são tratados pela LLCA, por exemplo, no inciso I do § 3.º do art. 62, o que, combinado com o art. 1.º e parágrafo único do art. 2.º, também da LLCA, corrobora a asserção feita.

Justamente nesse dispositivo, há determinação expressa para a aplicação dos artigos 55 e 58 a 61, os quais estipulam prerrogativas nitidamente de direito público.

Nada obstante a controvérsia apresentada, um fato é inegável: a Administração deve figurar no contrato (art. 2.º, Par. Único, LLCA), ainda que por quem lhe faça as vezes (GASPARINI, 2002, p. 526).

Por essa razão, necessário fixar a noção do que seria exatamente a Administração Pública.


3BREVES CONTORNOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

LUCIA VALLE FIGUEIREDO (2001, p. 34) a identifica como função administrativa, assim definida:

A função administrativa consiste no dever de o Estado, ou de quem aja em seu nome, dar cumprimento fiel, no caso concreto, aos comandos normativos, de maneira geral ou individual, para a realização dos fins públicos, sob regime prevalecente de direito público, por meio de atos e comportamentos controláveis internamente, bem como externamente pelo Legislativo (com o auxílio dos Tribunais de Constas), atos, estes, revisíveis pelo Judiciário.

MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (2003, p. 54), aponta os seguintes sentidos utilizados para a expressão Administração Pública:

a) em sentido subjetivo, formal ou orgânico, ela designa os entes que exercem a atividade administrativa; compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal: a função administrativa;

b) em sentido objetivo, material ou funcional, ela designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a Administração Pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente, ao Poder Executivo.

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Com efeito, a Administração Pública não pode ser identificada com a atividade exercida pelo Poder Executivo, seja porque este não realiza apenas Administração, seja porque os demais poderes também administram (DI PIETRO, 2003, p. 49).

Delineados os contornos da Administração, necessário que se analise os princípios a que está adstrita sua atuação, ante os reflexos que terão nos contratos administrativos.


4PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E OS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Tendo ficado assente a imprescindível presença da Administração nos contratos administrativos, é inegável que os princípios que a regem irradiarão seus efeitos aos atos por ela praticados, justificando seu estudo.

Nas palavras de CARLOS ARI SUNDFELD (1996, p. 137), "os princípios são as idéias centrais de um sistema, ao qual dão sentido lógico, harmonioso, racional, permitindo a compreensão de seu modo de organizar-se".

Partindo-se da Constituição da República, inicialmente, verifica-se, no art. 37, caput, o que segue, verbis:

Art.37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (grifou-se)

Além desses princípios expressos na Constituição da República, a doutrina aponta ainda a supremacia do interesse público sobre o privado (MELLO, 2003, p. 87; MELLO FIGUEIREDO, 2001, p. 65; DI PIETRO, 2003, p. 68; MEDAUAR, 1998, p. 141), a indisponibilidade do interesse público (MEDAUAR, 1998, p.141; FIGUEIREDO, 2001, p. 66), motivação (FIGUEIREDO, 2001, p. 51, DI PIETRO, 2003, p. 82, MELLO, 2003, p. 102), razoabilidade (FIGUEIREDO, 2001, p. 50; DI PIETRO, 2003, p. 80, MELLO, 2003, p.99), proporcionalidade (MELLO, 2003, p. 101), isonomia (FIGUEIREDO, 2001, p. 47), finalidade (MELLO, 2003, p. 97; GASPARINI, 2002, p.13), devido processo legal e ampla defesa (MELLO, 2003, p.105), controle judicial dos atos administrativos (MELLO, 2003, p. 110), responsabilidade do Estado por atos administrativos (MELLO, 2003, p.110), segurança jurídica (MELLO, 2003, p.112).

Nota-se a divergência entre os princípios apontados. Mesmo o sentido que a eles é atribuído varia de autor para autor.

Buscar-se-á, por isso, abranger os pontos de maior consenso.

4.1LEGALIDADE

A legalidade exige que toda e qualquer atuação da Administração esteja previamente autorizada por lei (MELLO, 2003, p.95).

A vontade da Administração decorre da lei, que a orienta, dirige-a e fixa os limites de suas condutas.

A Administração só faz o que a lei lhe manda fazer.

Note-se a semelhança em relação ao princípio da inércia, que vige no Poder Judiciário. Entretanto, enquanto esse Poder é provocado por um sujeito de direito, a Administração é provocada pela lei.

Nesse passo, todos os contratos administrativos devem estar fundados em prévia autorização legal. Esta se encontra basicamente no plano plurianual, nas diretrizes orçamentárias e nos orçamentos anuais (CR, art. 165), que, por sua vez, devem buscar seu lastro nas competências constitucionalmente atribuídas.

Faço um alerta nesse ponto: ainda que para a defesa do cidadão contra a ação estatal tenha todo sentido a ideia de que a Administração somente pode fazer o que a Lei lhe determina, quando se pensa no Estado prestando serviço público ou, em outros termos, implementando políticas públicas, a legalidade aparece mais como diretriz, que concede certa margem para o Administrador Público poder concretizar a satisfação do interesse público. Essa questão, contudo, fica para outro artigo.

4.2IMPESSOALIDADE

A impessoalidade está intimamente ligada ao princípio da igualdade (MELLO, 2003, p. 104), uma vez que, para haver tratamento igual, esse não pode ser guiado por interesses subjetivos e pessoais, mas sim pelo interesse público. Mesmo internamente, na relação entre os agentes administrativos, deve haver a impessoalidade (DI PIETRO, 2003, p. 71).

MARCELLO CAETANO (2001, p. 30) apresenta esse entendimento, tratando-o, porém, como inerente à observância da legalidade.

Há ainda outro enfoque acerca da impessoalidade, segundo o qual, os atos administrativos não são imputados à pessoa que os pratica, mas ao cargo, ao órgão e, em última análise, à pessoa política. (SILVA, 1998, p. 645)

Em razão desse princípio, a regra, quando a Administração pretende contratar, é a realização de licitação prévia, conforme art. 2.º da Lei n.º 8666/93, de modo que, por meio de critérios objetivos, se firme o melhor negócio para o erário, ao mesmo passo em que não se escolha o contratante com base em critérios pessoais, como amizade, simpatia etc. (MELLO, 2003, p. 104).

A propósito, o inciso XXI do art. 37 da CR, traz menção expressa nesse sentido.

4.3MORALIDADE

É certo que a lei e a moral não necessariamente coincidem (FERRAZ JUNIOR, 2003, p.356; KELSEN, 1994, p. 67). Entretanto, enquanto o particular que fere tão-somente a moral pode eventualmente vir a sofrer apenas reprimenda social, a Administração fica sujeita à sanção. Isso decorre da positivação da moral no caput do art. 37 da Constituição da República como ditame a ser por ela seguido.

A moral se extrai dos valores sociais em determinado tempo e lugar, e consiste num conjunto de normas que também regem o comportamento (KELSEN, 1994, p.67, 68, 77, 78), distinguindo-se do direito, contudo, pela característica da coercitividade de que este é dotado. Além disso, o direito é o que se encontra positivado, seja de conteúdo moral ou não, ressumando, assim, a independência da esfera jurídica em relação à moral (KELSEN, 1994, p. 78).

No mundo dos fatos é possível uma conduta da Administração estar em conformidade com determinado mandamento legal, sendo, porém, do ponto de vista da moral, indevido.

Se isso ocorrer, o ordenamento lhe negará validade.

ODETE MEDAUAR (1998, p. 138) oferece um exemplo esclarecedor de ofensa à moralidade, com obediência da lei:

em momento de crise financeira, numa época de redução de mordomias, num período de agravamento de problemas sociais, configura imoralidade efetuar gastos com aquisição de automóveis de luxo para "servir" autoridades, mesmo que tal aquisição revista-se de legalidade.

Essa aquisição de automóveis não será válida juridicamente, pois, enquanto atende a lei isoladamente considerada, viola-a se ampliado o foco de análise.

Também pode ocorrer violação simultânea da legalidade e da moralidade, em razão de em certos pontos haver situações que são abrangidas tanto pela moral, quanto pela lei. Note-se isso no seguinte exemplo: duas empresas contratadas pela Administração para fornecer gêneros alimentícios estão em situação idêntica. Com o advento de um fato imprevisto e extraordinário que repercute violentamente na relação contratual, ambas pleiteiam revisão do ajuste, de modo a manter o equilíbrio econômico-financeiro (art. 37, XXI, CR e art. 65, II, d, da Lei 8666/93). Em resposta, verificando ser caso de concessão, a Administração atende a um pedido, mas rejeita o outro, porque formulado por empresa pertencente a pessoa inimiga do administrador.

Como se vê, houve, com relação ao pedido rejeitado, em primeiro lugar, ofensa à legalidade. Em segundo, não se nega ser imoral tal conduta.

Por fim, note-se que também foi desrespeitado o princípio da impessoalidade e o da igualdade.

4.4PUBLICIDADE

A publicidade garante a observação dos demais princípios, servindo de eficaz mecanismo de controle. Esse princípio "exige a ampla divulgação dos atos praticados pela Administração Pública, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas em lei." (FIGUEIREDO, 2003, p. 75)

O agente administrativo, tendo ciência de que seu ato é acessível ao público, tem um peso maior em sua atuação.

De outro lado, caso ocorra alguma falha, os administrados, tomando conhecimento dela em razão da publicidade, tem como promover sua correção.

Nos contratos administrativos, nota-se a aplicação desse princípio, tanto previamente, quando se verifica a necessidade de ampla divulgação do edital de licitação (§ 1.º do art. 40 da Lei 8666/93), abertura de envelopes em ato público (§ 1.º do art. 43 da Lei 8666/93), quanto na sua formação e execução (parágrafo único do art. 61 da Lei n.º 8666/93).

Além do caput do art. 37 da CR, CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2003, p. 114) cita ainda, como bases constitucionais do princípio da publicidade o art. 5.º, inc. XXXIII e inc. XXXIV, "b".

4.5EFICIÊNCIA

Leciona MARIA SYLVIA DI PIETRO (2003, p. 83):

O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.

Esse princípio determina que a Administração almeje a otimização de sua produtividade, ou seja, que cumpra seus misteres, no menor tempo possível, com o menor gasto possível, e com a máxima qualidade possível.

Com relação aos custos, a concorrência garante a obtenção da melhor proposta para a Administração quando esta pretende firmar um contrato.

De outro lado, vale lembrar que também pode ser eleito como critério de seleção a melhor técnica, garantindo assim melhor qualidade do produto ou serviço adquirido.

Mesmo em relação ao tempo de execução do contrato, imaginando-se que se trata de uma obra, pode a Administração, em razão da possibilidade de fiscalizar e aplicar sanções ao contratado, obter o adimplemento no prazo acordado.

4.6SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO

Nas palavras de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2003, p. 87), esse princípio é "pressuposto lógico do convívio social".

Ressalta referido autor que, estando a Administração adstrita à legalidade, não pode simplesmente, sob o pretexto de uma genérica e abstrata supremacia, cometer atos arbitrários sem uma base legal (2003, p. 88).

Ou seja, a supremacia do interesse público deve estar na lei que fundamenta o agir da Administração.

É nessa linha que, nos contratos administrativos, a ela é permitido, por exemplo, alterá-los ou rescindi-los unilateralmente e, nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão (art. 58, incisos I, II e V da Lei 8666/93).

4.7INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO

Em decorrência desse princípio, a competência conferida à Administração é intransferível, mas apenas delegável (FIGUEIREDO, 2001, p. 66).

ODETE MEDAUAR (1998, p. 141), por outro lado, afirma que, em conseqüência da indisponibilidade, não pode deixar a autoridade de tomar as providências legais, ou mesmo retardar seu cumprimento. Verifica-se aqui nítida ligação ao princípio da legalidade.

Nessa esteira, numa relação contratual, não pode a Administração deixar de aplicar uma sanção ensejada por uma infração cometida pelo contratado, se essa sanção está cominada pela lei.

A autorização legal, mencionada quando foi tratado do princípio da legalidade (1.2.1), é também dever, chamado por CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO de função (2003, p. 88-89).

4.8MOTIVAÇÃO

Não basta haver previsão legal para que se realize um ato administrativo. Os pressupostos fáticos previstos na lei devem estar presentes.

Assim, quando o Administrador pratica seus atos, deve expor as circunstâncias fáticas para justificar a subsunção à autorização legal (MELLO, 2003, p.102). Com isso, garante-se transparência à Administração Pública, permitindo um melhor controle, inclusive quando de eventual apreciação pelo Poder Judiciário.

Por isso, a título de exemplo, não é suficiente que a Administração apenas aplique a penalidade devida a um descumprimento do contrato, mas deve justificar essa atitude, motivando-a.

4.9RAZOABILIDADE

Se o cumprimento da lei, na prática, fosse simples atividade mecânica, os seres humanos seriam dispensáveis na atividade Administrativa.

Mesmo nos semáforos são necessárias programações, feitas por humanos, para que permaneçam maior tempo permitindo o tráfego nas vias de maior movimento.

A razoabilidade como princípio é a exigência de medidas adequadas e coerentes.

Lembra CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2003, p. 100) que, sem embargo de não se saber, em muitos casos, qual seria a medida ideal, é possível constatar quando certas decisões desbordam o razoável.

Trazendo esses ensinamentos ao campo contratual, note-se o seguinte exemplo: O fato de haver uma previsão legal autorizando a aquisição de 100 toneladas de alimento não significa que deva o Administrador adquiri-las totalmente quando, analisando as circunstâncias fáticas, verifica que apenas 70 já são suficientes e, o restante possa vir a perecer.

A própria Lei 8666/93 autoriza a Administração a fazer acréscimos e supressões do valor inicial do contrato, até 25% em obras, serviços e compras, consoante art. 65, § 1.º.

4.10PROPORCIONALIDADE

Para CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2003, p. 101) a proporcionalidade é faceta da razoabilidade.

ODETE MEDAUAR (1998, 141) engloba esta naquele princípio.

Apesar dessas divergências, concordam no sentido de que a proporcionalidade está relacionada com a intensidade e extensão das medidas tomadas.

Seguindo essa noção, não deve a Administração fazer nem mais nem menos do que o necessário para atingir a finalidade legal. Serve aqui o exemplo dado acima (item 4.9).

4.11ISONOMIA

Também conhecido como princípio da igualdade (GASPARINI, 2002, p. 18), assegura o tratamento dos iguais de maneira igual, e dos desiguais desigualmente.

Essa igualdade deve ser observada tanto na elaboração das leis, quanto na sua aplicação, conforme preceitua o art. 5.º da CR.

Observa-se a incidência desse princípio no instituto da licitação que garante igualdade aos participantes.

4.12FINALIDADE

Considerado inerente ao princípio da legalidade por CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, consiste na "aplicação da lei tal como ela é; ou seja, na conformidade de sua razão de ser, do objetivo em vista do qual foi editada." (2003, 97).

Ferir a finalidade da lei pode gerar abuso de poder (MELLO, 2003, 98), desafiando impetração de mandado de segurança.

Assim, verifica-se não bastar a mera obediência à letra fria da lei, pois a aplicação desta, além de calcada em moralidade, também deve ater-se aos fins a que ela se destina.

Semelhante idéia é prevista no art. 5.º da Lei de Introdução ao Código Civil, que dispõe: "Art. 5.º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum."

Acrescenta DIOGENES GASPARINI (2002, p. 13) que a finalidade buscada deve atingir o interesse público, sem o que se configuraria desvio de finalidade.

Trazendo essas idéias para o âmbito das contratações, verifica-se que a mera autorização legal para a aquisição de certos produtos, por exemplo, não se justifica quando se percebe que não são mais necessários.

4.13DEVIDO PROCESSO LEGAL E AMPLA DEFESA

Dispõe o art. 5.º, incisos LIV e LV da CR, verbis:

Art. 5.º [...]

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Segundo CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO (2003, p. 105), é necessário que referidos princípios sejam atendidos antes de a Administração "tomar decisões gravosas a um dado sujeito".

Nada mais representa do que um freio ao poder extroverso da Administração, equilibrando sua relação com o particular.

Por isso que, nos contratos administrativos, os casos de rescisão contratual devem ser formalmente motivados, "assegurado o contraditório e a ampla defesa", nos termos do parágrafo único do art. 78.

4.14AUTOTUTELA

A adstrição da Administração à legalidade importa seu dever de retirar do mundo jurídico os atos inválidos.

Mesmo aqueles atos que, embora legais, sejam inoportunos ou incovenientes, podem ser extintos, porém mediante revogação.

Esse entendimento está sumulado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL no verbete n.º 473.

Ressalta DIOGENES GASPARINI (2002, p. 17-18) que somente os atos administrativos estão sujeitos à autotutela, de modo que não podem os atos e contratos regidos pelo direito privado serem invalidados ao talante da Administração.

Porém, se a invalidação está restrita aos casos em que haja legalidade, pode, sim, a Administração anular os atos e contratos ilegais, e de ofício.

Terá, entretanto, de se socorrer do Poder Judiciário quando, por exemplo, não houver fundamento legal para rescisão unilateral e de ofício do contrato.

4.15CONTROLE JUDICIAL DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

Corolário da separação constitucional dos poderes, incumbe ao Poder Judiciário o controle da legalidade dos atos do Poder Executivo e do Poder Legislativo.

O princípio do controle judicial é mencionado por CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO (2003, p. 110), que lembra a unidade de jurisdição e sua inafastabilidade no direito brasileiro, consoante o art. 5.º XXXV da CR.

4.16RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ATOS ADMINISTRATIVOS

De acordo com o art. 37, § 6.º, da CR, o Estado responde objetivamente pelos danos causados por seus agentes, nessa qualidade, ou terceiros prestadores de serviço público.

O mesmo dispositivo constitucional, contudo, assegura ao Poder Público o direito de regresso contra o causador do dano, quando este agiu com dolo ou culpa.

Os reflexos desse princípio nas relações contratuais está em que, se o contratado causar dano a terceiros, poderá o próprio Poder Público ser obrigado a ressarcir os prejuízos, e objetivamente.

4.17SEGURANÇA JURÍDICA

Lembrado por CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2003, p. 112-114) como um dos mais importantes entre os princípios gerais do direito, consiste na previsibilidade das conseqüências jurídicas dos comportamentos sociais, garantindo certa paz e estabilidade nas relações.

Justamente porque o particular prevê que a Administração Pública irá cumprir suas obrigações nas relações contratuais, ele se sente motivado a participar dos certames licitatórios. Sabe ainda que, caso haja inadimplemento por parte da Administração, a lesão de seus direitos poderá ser submetida ao crivo do Judiciário (item 4.14 supra).

4.18CONTINUIDADE

Na realidade, a continuidade liga-se mais aos serviços públicos, e não à Administração em toda sua atuação.

De qualquer forma, tendo em vista que muitos serviços públicos são prestados por meio de terceiros contratados pela Administração Pública, a menção a esse princípio torna-se relevante.

Decorre o princípio em tela da inafastável constatação de que certas incumbências do Estado são imprescindíveis ao convívio social e, às vezes, à própria integridade das pessoas.

Cite-se, por exemplo, segurança pública, saúde, transporte, combate a incêndios (GASPARINI, 2002, p.15).

O princípio da continuidade, segundo DIOGENES GASPARINI (2002, p. 16), impede, de certa forma, que aquele que contrata com a Administração se utilize da exceção do contrato não cumprido. Obviamente que a LLCA estabelece limites até os quais deve o particular continuar a cumprir suas obrigações independentemente do adimplemento por parte da Administração.

Somente quando ultrapassados referidos limites, abrir-se-ia ao contratado requerer a rescisão contratual ou eventual indenização.

Sobre o autor
Leandro Sarai

Doutor e Mestre em Direito Político e Econômico e Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SARAI, Leandro. Regime jurídico dos contratos administrativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 255, 19 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4968. Acesso em: 26 dez. 2024.

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