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A eficácia dos tipos penais da Lei nº 10.826/03

Agenda 26/03/2004 às 00:00

1. Introdução

                Com a entrada em vigor da Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003, na data de sua publicação, surgiu a polêmica sobre a eficácia dos crimes capitulados naquela Lei, porque o dispositivo legal insculpido em seu art. 30 estipulou o prazo de 180 dias após sua publicação para que seja realizado o registro das armas de fogo que não possuem a autorização legal.


2. Lei 9.437/97

            Para compreendermos melhor o analisado neste artigo jurídico, faz-se necessário uma breve análise da revogada Lei de Armas. Vejamos.

            A Lei 9.437/97 previa, em seu art. 5º, situação semelhante ao art. 30 da Lei 10.826/03, pois estabelecia um prazo de seis meses, a partir de sua publicação, para que fossem realizados os registros das armas ainda não registradas. Da mesma forma, o art. 20 da revogada Lei de Armas estabelecia que os tipos penais descritos em seu art. 10, só entrariam em vigor após o transcurso do prazo de que trata o já citado art. 5º.

            Verifica-se dessa forma, que a velha Lei de Armas trazia um dispositivo legal (art. 20) expresso sobre a eficácia dos tipos penais incriminadores, a fim de evitar possíveis interpretações divergentes sobre o prazo de registro ali descrito. É certo de que alguns tipos penais da revogada Lei não dependiam, necessariamente, da falta de registro para se consumarem, v.g. o disparo de arma de fogo, a utilização de arma de brinquedo visando cometer crimes e a omissão de cautelas.

            Porém, por uma política legislativa, diga-se de passagem, duvidosa, a doutrina acolheu o disposto pela antiga norma legal, somente tipificando as condutas ali descritas após o transcurso de seis meses de sua publicação.


3. Art. 30 da Lei 10.826/03

            O dispositivo legal previsto no art. 30, da Lei 10.826/03, estabelece que: "Os possuidores e proprietários de armas de fogo não registradas deverão, sob pena de responsabilidade penal, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias após a publicação desta Lei, solicitar o seu registro apresentando nota fiscal de compra ou comprovação da origem lícita da posse, pelos meios de prova em direito admitidos." (sic).

            Logo, verifica-se com clareza franciscana que efetivamente a norma, ora em estudo, possui uma imposição legal ao prescrever "deverão", não sendo uma mera faculdade, pois se os proprietários ou possuidores de arma de fogo sem o devido registro não obedecerem ao comando legal, ficarão sujeitos à responsabilidade penal.

            Assim, essa responsabilidade, como parece óbvio, só irá ocorrer após decorrido o prazo legal, conforme o previsto nos arts. 12 ou 14, da Lei 10.826/03.

            Vale ressaltar, ainda, que a origem da arma tem que ser lícita, devendo a prova ser extraída por qualquer meio admitido em direito.

            Fato interessante de se observar é que a Lei revogada adotou expediente semelhante ao realizar o chamamento da população para o registro, porém, houve falta de interesse, uma vez que pouco mais de 2 % das possíveis armas adquiridas sem o devido registro foram catalogadas.

            Essa realidade é muito fácil de ser explicada: primeiro, porque a maioria das armas sem o registro foram adquiridas de maneira ilegal - por mais que a Lei velha não se preocupasse com a origem da arma, sempre ficou latente a desconfiança daqueles que não possuíssem o competente registro; segundo, o nosso País vive uma realidade econômica de proporções desastrosas. Dessa forma, não poderia jamais o legislador impor um valor tão alto para a maioria da população (R$ 300,00), devendo ser cobrada uma taxa simbólica para justamente estimular aquele que possuísse a arma em desacordo com a legislação em vigor.


4. Os tipos penais da Lei 10.826/03

            Ao contrário do que fizera a revogada Lei de armas, em seu art. 20, que previu quais os tipos penais tiveram suspensa sua eficácia, a nova legislação, em seu art. 30, deixou de especificá-los, cabendo ao interprete da Lei extrair o seu alcance.

            Isto posto, analisaremos de forma sucinta cada tipo penal, para sabermos qual teve sua eficácia suspensa.

            4.1 Posse irregular de arma de fogo de uso permitido

            Art. 12. Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa:

            Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

            O tipo penal descreve a conduta de posse irregular de arma de fogo de uso permitido, tendo por objetividade jurídica a incolumidade pública.

            É crime de perigo presumido, exigindo-se o dolo do agente em possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

            Crime afiançável e suscetível de liberdade provisória.

            Acessório da arma de fogo é todo material utilizado para facilitar o seu uso ou aumentar sua eficiência, v.g. prolongador do carregador de uma arma, visando aumentar a sua capacidade de armazenamento de cartuchos, um punho modificado para uma melhor empunhadura ao realizar um tiro ou uma luneta de um rifle para melhorar a pontaria a longas distâncias.

            Vale ressaltar que, a arma sem o acessório, funciona perfeitamente.

            As peças componentes da arma de fogo oriundas da fábrica (cano, punho, carregador, percussor, ferrolho, gatilho, alça e maça de mira etc) não são consideradas acessórios da mesma, e sim, sua parte integrante, ou melhor dizendo, a arma em seu original. Logo, se um agente for surpreendido pela polícia em seu escritório com um ferrolho de uma arma de fogo de uso permitido, o fato será atípico, por falta de previsão legal, devendo ser respeitado o princípio da reserva legal.

            O acessório, por si só, não apresenta lesividade jurídica, porém, a legislação visou coibir qualquer objeto que desenvolvesse uma facilidade para a utilização da arma de fogo, desestimulando, dessa forma, o seu uso.

            Cartucho é formado pelo estojo, espoleta, pólvora e projétil, unidos em um único objeto. Se esses componentes forem apreendidos separadamente, o fato será atípico, por falta de previsão legal.

            Vale ressaltar que o acessório e a munição estão efetivamente ligados ao registro da arma de fogo, porque para adquiri-los, necessariamente o agente necessita mostrar o seu registro, conforme normas a serem esclarecidas por ato normativo futuro do Executivo, regulado atualmente pelo art. 11, da Portaria Ministerial 1.261, de 17 de outubro de 1980.

            Por mais que se trate de um tipo penal de perigo presumido, é imprescindível o Exame de Eficiência em arma de fogo para verificar sua aptidão para o fim a que se destina, ou seja, realizar disparos, uma vez que uma arma de fogo inapta é um mero pedaço de metal sem nenhuma potencialidade lesiva, uma arma obsoleta, que não exige, sequer registro (Decreto 2.222/97, art. 3º, § 1º).

            Seu tipo só passará a ter eficácia a partir de 180 dias da data da publicação da Lei 10.826/03, conforme esclarece o seu art. 30, porque não pode o legislador impor a todos que não possuem o registro da arma de fogo um prazo legal para efetivá-lo e, ao mesmo tempo, incriminar essa conduta.

            A nova Lei (art. 5º), não exige o porte para o agente que mantém arma de fogo, acessório ou munição em sua residência ou local de trabalho, se contentando apenas com o registro.

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            Ademais, quem possuir ou manter uma arma de fogo nos locais alhures, não comete nenhuma infração, pelo menos até a entrada em vigor desse dispositivo legal (180 dias).

            4.2 Omissão de cautela

            Art. 13. Deixar de observar as cautelas necessárias para impedir que menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa portadora de deficiência mental se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse ou que seja de sua propriedade:

            Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.

            Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrem o proprietário ou diretor responsável de empresa de segurança e transporte de valores que deixarem de registrar ocorrência policial e de comunicar à Polícia Federal perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de arma de fogo, acessório ou munição que estejam sob sua guarda, nas primeiras 24 (vinte quatro) horas depois de ocorrido o fato.

            Crime omissivo, material, tendo por objeto a incolumidade pública. No caput visa também à segurança do próprio menor ou da pessoa portadora de deficiência mental.

            O perigo é presumido não necessitando ser demonstrado se alguém ficou exposto a alguma lesão.

            Delito culposo, composto por duas partes que deverão se integrar perfeitamente: a primeira consiste em uma conduta voluntária, comissiva (imprudência – prática de um ato perigoso, sem os cuidados que o caso requer) ou omissiva (negligência – fato de omissão, um atuar negativo, um não fazer), no qual faltou o cuidado necessário para que o menor ou deficiente mental não se apoderasse da arma de fogo; a segunda, necessita do apoderamento da arma de fogo pelo menor ou deficiente mental, ou seja, o resultado involuntário, já que se trata de crime culposo.

            Se o agente age com dolo em sua conduta, e a arma é de uso permitido, deverá responder pelo delito capitulado no art. 14 (ceder, emprestar, etc). Se for de uso restrito, responderá pelo crime do art. 16.

            Quanto ao parágrafo único, trata-se de omissão do proprietário ou diretor responsável de empresa de segurança ou de transporte de valores que efetivamente deixa de registrar ocorrência policial ou deixa de comunicar a polícia federal a perda, furto, roubo ou outras formas de extravio de arma de fogo, acessório ou munição que estejam sob sua guarda, nas primeiras 24 horas da ocorrência do fato.

            Crime de mera conduta, omissivo, culposo, uma vez que o agente não realiza a comunicação do fato criminoso à autoridade competente por negligência, havendo no caso, nítida quebra do dever de cuidado que o proprietário ou diretor deveria ter.

            Se o agente agir com dolo, haverá necessidade de analisar cada caso concreto para uma perfeita adequação ao tipo penal, devendo ser levado em consideração a vontade e a finalidade do agente, v.g. se era fornecer a arma de fogo de uso restrito sem a devida autorização, responde pelo art. 16.

            Em razão da matéria (pena de 1 a 2 anos), a competência para processar, julgar e executar essa infração de menor potencial ofensivo é do Juizado Especial Criminal, conforme determina o art. 61, da Lei 9.099/95, derrogado pela Lei 10.259/01, sendo-lhe aplicado os institutos despenalisadores dos arts. 74,76 e 88 da Lei 9.099/95.

            O disposto neste artigo está em pleno vigor, não sendo jamais alcançado pelo disposto no art. 30, da Lei 10826/03, sendo um tipo penal que não depende do registro da arma de fogo para se concretizar.

            4.3. Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido

            Art. 14 Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

            Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

            Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável, salvo quando a arma de fogo estiver registrada em nome do agente.

            Crime de perigo presumido, de ação múltipla ou conteúdo variado, exigindo-se o dolo do agente em praticar um ou mais dos verbos do tipo.

            Não há o elemento subjetivo do injusto, exigindo-se somente a vontade de portar, deter, adquirir etc. a arma de fogo, acessório ou munição sem o devido porte.

            Delito inafiançável. Se a arma estiver registrada no nome do agente o crime passará a ser afiançável.

            O objeto material é a arma de fogo de uso permitido, sendo aquelas reguladas pelo art. 17, do Decreto 3.665, de 20 de novembro de 2000 (Regulamento para a Fiscalização de Produtos controlados – R/105), que deverá ser substituído por ato do Chefe do Poder Executivo (art. 23).

            Se a arma que o agente estiver portando, tiver a numeração, a marca ou outro sinal identificador raspado, a conduta é a prevista no artigo 16, parágrafo único, inciso IV.

            A pena é aumentada da metade se forem praticados por integrante dos órgãos e empresas referidas nos arts. 6º, 7º e 8º.

            Para compreendermos melhor o tipo, devemos analisar as diferenças existentes entre o porte e registro de arma de fogo. Esse é um documento expedido para adquirir e manter dentro da residência ou local de trabalho uma arma de fogo. Aquele consiste também em uma autorização a determinadas pessoas - em virtude da função que exercem ou de uma situação concreta amparada pela legislação - diferenciando pelo fato da pessoa poder circular fora das dependências acima arroladas.

            A conduta "manter sob guarda" está descrita nos arts. 12 e 14, devendo ser diferenciada pelo local em que a arma é guardada. Caso a arma, sem registro, estiver no domicílio do agente, configura-se o crime do art. 12; já se estiver em outro local e o agente não tiver porte, será o do art. 14, o mesmo vale para a munição ou o acessório da arma de fogo.

            Vale ressaltar que só há porte se a arma for registrada, ou seja, o porte depende necessariamente do registro prévio da arma de fogo, uma vez que no documento de porte deverá conter o número de registro da arma (art. 10, § 1º, inciso III, da Lei 10.826/03). Essa hipótese é cabível somente para as pessoas arroladas no art. 10, da Lei de Armas (exercício de atividade profissional de risco ou de ameaça a sua integridade física).

            No tocante aos militares do exército, polícia federal etc., a Lei de armas garante a esses agentes que estiverem portando arma de fogo da referida corporação ou instituição, mesmo fora do serviço, a desnecessidade da vinculação do porte ao registro, uma vez que o porte é a própria carteira funcional, conforme deixa claro o § 1º, art. 6º, da Lei 10.826/03.

            Mesmo que a arma de fogo desses agentes for particular não haverá vinculação, pois seu porte, como dito alhures, é sua carteira funcional (o disposto nesse parágrafo irá ser regulado por decreto).

            Posto isso, a Lei estabelece critérios distintos para o porte de arma. Para a hipótese do art. 10 necessita da vinculação do registro ao porte, sendo esse sempre precário. Já para o art. 6º, a carteira funcional supre a vinculação, ou seja, o agente poderá ter a arma de fogo com o necessário registro.

            O que se quer afirmar é que com o chamamento legal para realizarem o registro (art. 30), a pessoa (art. 10), necessita de autorização para renovar o seu porte. No entanto, senão estiver enquadrada nas situações elencadas no art. 10, não terá seu porte renovado. Situação diversa ocorrerá com os agentes do art. 6º, pois ao efetivarem a renovação de seu registro de armas particulares, permanecerão com o porte, até que seja regulada tal situação por decreto do Poder Executivo.

            Forçoso concluir que esse tipo penal teve também sua eficácia suspensa pelo art. 30, uma vez que o porte está como acima explicado, ligado umbilicalmente ao registro, portanto, só pode ter porte o agente que possui a autorização legal, e só poderá ter essa, aquele agente que, provando a origem lícita da arma de fogo, a fizer registrar dentro do prazo legal (180 dias).

            4.4 Disparo de arma de fogo

            Art. 15. Disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como finalidade a prática de outro crime:

            Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

            Parágrafo único. O crime previsto neste artigo é inafiançável.

            Crime de perigo presumido, pois não há que indagar se alguém ficou exposto ao risco de lesão.

            O elemento subjetivo é o dolo, que é a vontade aliada à finalidade de disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, salvo se esta conduta não tiver como objetivo a prática de outro crime mais grave, hipótese em que ficará absorvida pelo seu caráter subsidiário.

            Não se tipifica a conduta no caso de disparo acidental, porque não é punível a título de culpa, por falta de previsão legal (art. 18, parágrafo único, do CP).

            O agente não tem direito a fiança.

            O porte ou registro de arma de fogo tornam-se crime-meio do delito de disparo de arma de fogo, porque o agente que dispara ou aciona munição em lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou em direção a ela, necessariamente teria que estar na posse da arma ou da munição.

            Quanto ao disparo de arma de fogo nenhuma problemática há, pois somente as armas aptas a efetuar o disparo é que se enquadram nesse tipo, não sendo necessário o Exame de Eficiência.

            A Lei não faz qualquer distinção se a arma que foi disparada é de uso restrito ou permitido. Para corroborar nas investigações, interessante realizar o Exame de Rescindibilidade de disparo de arma de fogo.

            Munição para esse tipo penal, não deve ser confundida com cartucho, que é o objeto formado pela junção de estojo, pólvora, espoleta e projétil, tendo por função à propulsão de projéteis, por meio da expansão de gases resultantes deflagração da pólvora. Se chegássemos ao cúmulo de afirmar que seria a mesma coisa, estaríamos, na realidade, repetido a primeira elementar do tipo, que é disparar arma de fogo.

            Dessa forma, devemos interpretar esse dispositivo como sendo um artefato explosivo acionado por meio manual ou elétrico, que gera uma grande quantidade de energia, sendo capaz de causar danos à integridade física de uma pessoa, v.g. uma granada de mão ou um petardo de TNT.

            A pena é aumentada da metade se forem praticados por integrante dos órgãos e empresas referidas nos arts. 6º, 7º e 8º desta Lei.

            Quanto a sua eficácia, entendemos que esse dispositivo não foi alcançado pela norma esculpida no art. 30 da Lei 10.826/03, uma vez que tanto faz o agente ter ou não o registro/porte da arma de fogo para a configuração do crime, ficando este absorvido pelo delito ora em estudo.

            4.5 Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito

            Art. 16 Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

            Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

            Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem:

            I – suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato;

            II – modificar as características de arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito ou para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz;

            III – possuir, detiver, fabricar ou empregar artefato explosivo ou incendiário, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;

            IV – portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado;

            V – vender, entregar ou fornecer, ainda que gratuitamente, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo a criança ou adolescente; e

            VI – produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização legal, ou adulterar, de qualquer forma, munição ou explosivo.

            Crime de ação múltipla ou de conteúdo variado, formal e de perigo presumido.

            Exige-se o dolo do agente, que é a vontade voltada a finalidade de realizar qualquer um dos 14 verbos esculpidos em seu tipo.

            O elemento normativo é arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, conforme esclarece o Decreto 3.665, de 20 de novembro de 2000 (Regulamento para a Fiscalização de Produtos controlados – R/105), que deverá ser substituído por ato do Chefe do Poder Executivo (art. 23).

            O agente não terá direito a liberdade provisória.

            Quanto ao caput, remetemos o leitor ao que já foi exposto nos arts. 12 e 14, com a diferença de que o objeto do crime é arma de fogo, acessório ou munição de uso restrito ou proibido.

            Vale ressaltar que poderá ser concedido registro ou porte de armas de fogo de uso restrito, cabendo ao Comando do Exército sua autorização, em caráter excepcional (art. 27).

            O que se extrai desse contexto é que fica efetivamente proibido o registro ou porte de arma de uso proibido, salvo exceções legais a serem reguladas pelo Chefe do Executivo (porte de um fuzil 7,62 Para-Fal de uso exclusivo das Forças Armadas em ato de serviço).

            O inciso I estabelece condutas incriminadoras de supressão (eliminação total) ou alteração (modificação parcial) de marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato. Esse delito dificulta o controle das armas ou artefatos pelo Sinarm, haja vista que no registro competente delas deverá necessariamente estar presente a marca, numeração e outros sinais característicos (arma automática, semi-automática, carregador para um número exato de munições etc).

            O inciso II, descreve a conduta do agente, que por algum meio, modifica as características da arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma de fogo de uso proibido ou restrito, para fins de dificultar ou de qualquer modo induzir a erro autoridade policial, perito ou juiz, como por exemplo, transformar um revólver calibre 38 em 357 Magnum por meio de modificação do tambor, permitindo sua utilização mais potente.

            Quem guarda, oculta, transporta, etc. a arma modificada, incide no caput e não no inciso II.

            Quanto ao artefato explosivo (granadas, bombas de fabricação caseira etc) e ao incendiário (coquetel molotov), descritos no inciso III, devem ser entendidos como sendo aqueles engenhos que possuem a finalidade de provocar explosões.

            O inciso IV descreve as condutas de portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou sinal identificador raspado, suprimido ou adulterado. Logo, se o agente suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de fogo ou artefato, responderá pelo inciso I. Porém se portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer a referida arma, responde pelo inciso IV, não devendo se falar no crime de receptação.

            Aqui, não importa se a arma é de uso permitido ou restrito, pois o tipo não exige essa elementar.

            O inciso V, que descreve a conduta de vender, entregar ou fornecer, arma de fogo, acessório, munição ou explosivo à criança ou ao adolescente, diversamente do art. 13, exige o dolo específico do agente.

            Se a venda, a entrega ou o fornecimento da arma de fogo, de acessório, de munição ou de explosivo ao menor visa a prática de infração penal, deverá responder, o agente, pelo crime do art. 1º, da Lei 2.252/54, em concurso material com o disposto nesse inciso.

            Aqui vale a mesma ressalva feita acima, ou seja, não importa se a arma é de uso permitido ou restrito.

            O agente que produzir, recarregar ou reciclar, sem autorização, munição ou explosivo ou adulterá-los (deformar, mudar, alterar), de qualquer forma, responde pelo inciso VI.

            O tipo se justifica na medida em que há grande facilidade de se obter informações, v.g. sites de armas de fogo.

            Esse dispositivo visa coibir as fábricas clandestinas, paióis ilegais de munição e de explosivo etc.

            A pena é aumentada da metade se forem praticados por integrantes dos órgãos e empresas referidas nos arts. 6º, 7º e 8º desta Lei.

            O caput deste dispositivo legal está em plena vigência, pois trata-se de registro e porte de armas de uso restrito.

            Dessa forma, conjugando-se os arts. 3º, 30, 31 e 32 da Lei 10.826/03, chega-se a conclusão que o chamamento legal para efetivar-se os registros das armas de fogo, é apenas para as de uso permitido, controlados pela Polícia Federal.

            Conclui-se, assim, porque o órgão responsável pelo controle e fiscalização das armas de uso restrito é o Comando do Exército, conforme esclarece o parágrafo único do art. 3º, ademais em nenhuma hipótese a Lei determinou que o Comando do Exército efetivasse também o chamamento legal, pois o porte das armas de fogo de uso restrito só serão concedidos em caráter excepcional.

            Os demais incisos deste artigo também estão em plena vigência, pois não possuem como elementar o registro ou porte de arma.

            4. 6 Comércio ilegal de arma de fogo

            Art. 17. Adquirir, alugar, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, adulterar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

            Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

            Parágrafo único. Equipara-se à atividade comercial ou industrial, para efeito deste artigo, qualquer forma de prestação de serviços, fabricação ou comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em residência.

            Trata o presente artigo sobre a atividade ilegal de comércio ou indústria de arma de fogo, acessório ou munição.

            Crime de ação múltipla ou de conteúdo variado - em que a prática de mais de uma conduta prevista neste tipo incriminador, pode configurar crime único ou até mesmo concurso material entre as condutas, formal e de perigo presumido.

            São insuscetíveis de liberdade provisória.

            Tem que haver habitualidade no comércio ou indústria, uma vez que se o agente realizar uma ação isolada relacionada a uma única arma não responderá pela conduta prevista no art. 17.

            Se a atividade mercante tiver por objetivo a importação ou exportação, deverá ser enquadrado no disposto do art. 18.

            Conforme esclarece o art. 19, se as condutas realizadas envolvem arma de uso proibido ou restrito, a pena é a aumentada da metade. Da mesma forma, a pena é aumentada da metade se forem praticados por integrante dos órgãos e empresas referidas nos arts. 6º, 7º e 8º.

            Não incide o art. 30, pois o tipo penal não necessita do registro ou do porte para se concretizar.

            4.7 Tráfico internacional de armas

            Art. 18. Importar, exportar, favorecer a entrada ou saída do território nacional, a qualquer título, de arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente:

            Pena – reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

            Crime de ação múltipla ou de conteúdo variado, formal, de perigo abstrato, presumindo-se o dano para os organismos internacionais.

            São crimes insuscetíveis de liberdade provisória (art. 21).

            A pena é aumentada da metade se a arma de fogo, acessório ou munição forem de uso proibido ou restrito (art. 19).

            Da mesma forma, a pena é aumentada da metade se forem praticados por integrante dos órgãos e empresas referidas nos arts. 6º, 7º e 8º (art. 20).

            Possui três verbos, que são importar, exportar ou, de qualquer forma, favorecer a entrada ou saída do país de arma de fogo, munição ou acessório.

            Importar é fazer entrar no território nacional, arma de fogo, acessório ou munição, sem autorização da autoridade competente, por meio aéreo, terrestre ou fluvial só se consumando com a efetiva transposição das fronteiras do país.

            Exportar é fazer o objeto sair do território nacional, visando impedir a difusão da arma de fogo em outros países, de acordo com o estabelecido em tratados internacionais.

            Consuma-se com a efetiva saída do território nacional.

            Favorecer de qualquer forma a entrada ou saída de arma de fogo, munição ou acessório, está ligado às condutas do tráfico internacional, buscando coibir qualquer tipo de participação no delito em estudo.

            O crime de Tráfico Internacional de armas deve absorver as demais condutas preparatórias (transporte, venda etc), desde que haja o devido nexo causal, pois tais condutas são consideradas de maior gravidade.

            O dispositivo não é alcançado pelo art. 30, estando em pleno vigor.


Bibliografia

            CAPEZ, Fernando, Arma de fogo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

            DAMÁSIO, E. de Jesus, Direito Penal, v. I. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

            GUILHERME, Pena, Teoria da Constituição, Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2003.

            MIRABETE, Julio Fabbrini, Código Penal Interpretado, 1ª ed. 1999, 3ª Tiragem, São Paulo: Atlas S.A., 2000.

            CAPEZ, Fernando, Direito Penal, v. II, São Paulo: Saraiva, 2003.

Sobre o autor
Nelson Canedo Motta

acadêmico de Direito da Associação de Ensino Superior da Amazônia (AESA/FARO), em Porto Velho (RO)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOTTA, Nelson Canedo. A eficácia dos tipos penais da Lei nº 10.826/03. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 262, 26 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5005. Acesso em: 24 nov. 2024.

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