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A devolução de quantias pagas diante de concessão de liminar

Agenda 08/07/2016 às 10:26

O artigo põe em discussão o problema atinente ao pagamento de quantias por força de liminar e a possibilidade de sua devolução posterior.

Discute-se o problema da concessão de liminar satisfativa, que era prevista no artigo 273 do CPC,  de natureza pecuniária e a possibilidade futura de cassação. A matéria é hoje regida pelo artigo 303 do novo CPC. 

Discute-se se pode haver devolução das quantias pagas diante da cassação dessa medida provisória.

Dir-se-ia que houve um enriquecimento sem causa.

A esse propósito tem-se da redação do Código Civil de 2002: 

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.

Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.

Art. 886. Não caberá a restituição por enriquecimento, se a lei conferir ao lesado outros meios para se ressarcir do prejuízo sofrido (grifos nossos).

Em sendo concedida tutela antecipada, de natureza eminentemente satisfativa, pode se entender que, diante da natureza objetiva, a restituição dar-se-á uma vez que ela independe de culpa.

A maioria dos doutrinadores perfilha o entendimento de que há responsabilidade objetiva pelos eventuais danos causados no cumprimento das medidas antecipatórias de tutela em caso de posterior cassação.

Para Humberto Theodoro Jr (Responsabilidade civil objetiva derivada de execução de medida cautelar ou medida de antecipação de tutela) todos os atos executivos provisórios admitidos pelo CPC sujeitam o promovente à responsabilidade objetiva, sejam elas medidas cautelares (art. 811), medidas de antecipação de tutela (art. 273), ou medidas promovidas no processo de execução provisória de sentença (antigo art. 588 e atual 475-O).

 Para Humberto Theodoro Júnior, “as medidas de antecipação de tutela hão de receber igual tratamento das medidas cautelares não só porque pertencem ao mesmo gênero das medidas cautelares - tutela provisória de urgência - como porque o legislador, ao regulá-las, fez expressa referência ao art. 588”.

Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (Curso de processo civil, volume IV, processo cautelar, 2010, pág. 192) afirma que a responsabilidade do requerente da tutela sumária é objetiva, não havendo necessidade de perquirir culpa ou dolo do promovente, sendo que a tutela sumária faz surgir uma obrigação de reparar, mesmo que derive de ato jurídico lícito.

João Batista Lopes (Tutela antecipada no processo civil, 2º edição, 2003, pág. 14) lecionando sobre o tema entende que “em casos tais não há cogitar do elemento culpa, devendo o autor responder  objetivamente pelo só fato de, ao manejar a medida antecipatória, haver causado danos ao réu”.

Anote-se  que a antecipação da tutela e a execução provisória da sentença são instrumentos que vão requerer do aplicador do direito uma cautela diferenciada, especialmente nos casos de reversão do provimento jurisdicional. Fica claro que, nos casos de reversão da decisão/sentença, caberá ao beneficiado da medida restituir as partes ao estado anterior e indenizar eventuais prejuízos causados à parte contrária.

Ocorre que, com base no princípio da irrepetibilidade das prestações de caráter alimentar, a jurisprudência tem afastado a necessidade de devolução de valores pagos aos segurados ou beneficiários do INSS, mesmo nas hipóteses de reversão da medida judicial.

Somente para citar algumas decisões do Superior Tribunal de Justiça:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. PARCELAS RECEBIDAS POR FORÇA DE TUTELA ANTECIPADA, POSTERIORMENTE MODIFICADA. DEVOLUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. CARÁTER ALIMENTAR. 1. A controvérsia estabelecida em tela está em saber se os valores percebidos pelo segurado, por força de tutela antecipada posteriormente revogada, deveria ou não serem devolvidos aos cofres públicos. 2. "Esta Corte, de fato, perfilha entendimento no sentido da possibilidade de repetição de valores pagos pela Administração, por força de tutela judicial provisória, posteriormente reformada, em homenagem ao princípio jurídico basilar da vedação ao enriquecimento ilícito. Entretanto, tal posicionamento é mitigado nas hipóteses em que a discussão envolva benefícios previdenciários, como no caso em apreço, tendo em vista o seu caráter de verba alimentar, o que inviabiliza a sua restituição." (REsp 1.255.921/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 15.8.2011.) Agravo regimental improvido. (STJ; AgRg no Ag 1342369 / RS, AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO, 2010/0155653-8; GILSON DIPP; T5 - QUINTA TURMA; DJe 26/03/2012) (grifos nossos).

AGRAVO REGIMENTAL. PENSÃO POR MORTE. MAJORAÇÃO DO COEFICIENTE DE CÁLCULO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. VALORES RECEBIDOS EM VIRTUDE DE LIMINAR POSTERIORMENTE CASSADA. RESTITUIÇÃO. NÃO CABIMENTO. 1. É firme a compreensão segundo a qual valores pagos pela Administração Pública em virtude de decisão judicial provisória, posteriormente cassada, devem ser restituídos, sob pena de enriquecimento ilícito. 2. Contudo, a Terceira Seção desta Corte, no julgamento do REsp nº 991.030/RS, Relatora a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, acórdão pendente de publicação, decidiu que esse entendimento comporta temperamentos quando a controvérsia envolver benefício previdenciário, notadamente em razão de seu caráter nitidamente alimentar, incidindo, na hipótese, o princípio da irrepetibilidade. (...) (STJ; AGA 201000484693, AGA - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – 1287397; HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE), SEXTA TURMA, DJE DATA: 02/08/2010) (grifos nossos).

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Veja-se na matéria:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇAO NO RECURSO ESPECIAL. POSTULAÇAO DE EFEITOS INFRINGENTES. PENSAO POR MORTE. VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇAO. IMPOSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO DA TERCEIRA SEÇAO. DISPOSITIVOS DA LEI DE BENEFÍCIOS QUE REGEM HIPÓTESES DIVERSAS. PRECEDENTES DA QUINTA E SEXTA TURMAS. ALEGADA OFENSA À CLÁSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO (CF, ART. 97). NAO-OCORRÊNCIA. PRECEDENTES DO STF E STJ. EMBARGOSACOLHIDOS.

1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, à unanimidade, sedimentou o entendimento sobre o tema para assentar que, em se tratando de verba alimentar percebida por força de tutela antecipada, posteriormente revogada, aplicável ajurisprudência consagrada por este Tribunal, pautado pelo princípio da irrepetibilidade dos alimentos.

2. O "art. 115 da Lei nº 8.213/91 regulamenta a hipótese de desconto administrativo, sem necessária autorização judicial, nos casos em que a concessão a maior se deu por ato administrativo do Instituto agravante, não agraciando os casos majorados por força de decisão judicial" (AgRg no REsp 1.054.163/RS, Sexta Turma, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe 30/6/08).

3. Não caracteriza ofensa à reserva de plenário a interpretação dispensada por órgão fracionário de Tribunal a dispositivo de lei que, mediante legítimo processohermenêutico, tem sua incidência limitada a determinadas hipóteses.

4. Embargos de declaração acolhidos, com excepcionais efeitos infringentes, para negar provimento ao recurso especial. (EDcl no REsp 996850 / RS, Quinta Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 24/11/2008).

Entendimento diverso desse implicaria afronta ao princípio da irrepetibilidade dos alimentos, que não agasalha a hipótese do credor dos alimentos vir a ser compelido a devolver as parcelas percebidas por força de decisão judicial.

Máxime ainda diante de verbas pagas a funcionário público aposentado, pensionistas, diante do desacerto com relação a entendimento na matéria. A jurisprudência pátria tem entendido que o servidor público que, de boa-fé, venha receber vantagem financeira, que venha a ser considerada indevida, em decorrência de errada interpretação ou aplicação da norma legal, por parte da Administração, não será compelido a devolvê-la em respeito ao princípio da boa-fé, aliado à natureza alimentar da verba percebida. É o que se lê de precedentes inúmeros, dentre outros do e. Tribunal Regional Federal da 5ª Região, no julgamento do AC 404942/AL, Relator Desembargador Federal Francisco Barros Dias, julgado em 9 de dezembro de 2008, publicado em 6 de novembro de 2009, pág. 31, em decisão unânime. Acresça-se o teor do julgamento do AC 519003, ainda do e. Tribunal Regional Federal da 5ª Região, DJe de5 de maio de 2011, pág. 293, no mesmo sentido. Tal verba alimentar é irrepetível.

De toda sorte, é muito importante que o advogado informe e oriente ao cliente com relação a eventual discussão e pagamento de reposição ao erário caso haja cassação de liminar concedida.  

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A devolução de quantias pagas diante de concessão de liminar . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4755, 8 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50156. Acesso em: 23 dez. 2024.

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