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O papel do poder judiciário na defesa e proteção dos direitos humanos

Agenda 29/06/2016 às 10:49

O texto tem a intenção de analisar a atual participação do Poder Judiciário na defesa dos Direitos Humanos, bem como apontar como essa participação pode se tornar mais efetiva.

Analisando-se o contexto histórico, sabe-se que os direitos humanos somente começaram a ser internacionalizados após o final da Segunda Guerra Mundial, e o problema quanto aos seus fundamentos foi superado após a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948. No Brasil, embora os Direitos Humanos tenham sido incorporados de maneira gradativa pelas Constituições, somente após a redemocratização do país, com a Constituição Federal de 1988, que os direitos humanos voltaram a ser constitucionalizados e consequentemente a questão de sua proteção voltou a debate.

O presente trabalho tem como objetivo geral explorar o papel do Poder Judiciário na proteção dos Direitos Humanos no Brasil, vez que, com o advento da Constituição Federal de 1988 e a constitucionalização dos Direitos Humanos, surgiu uma grande ânsia na sociedade quanto à proteção e efetivação destes direitos e que, ainda hoje, há várias barreiras e dificuldades para a realização destes.

A metodologia adotada parte da pesquisa bibliográfica em conjunto com estudos descritivos e pesquisa documental, vez que, além da análise doutrinária sobre o tema, demonstra-se alguns dados obtidos em relatórios e comissões que  colaboram para exemplificar melhor o tema estudado.

Resta claro que nos dias atuais não há o que se discutir no tocante a afirmação dos direitos humanos e sua importância para a democracia, entretanto, a promulgação da Emenda Constitucional n.º 45/2004, que conferiu o status de constitucional aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros e a decisão do Supremo Tribunal Federal que conferiu o status de supralegal aos tratados ratificados antes da referida emenda constitucional, vão em discordância com a senda internacional, pois, a tendência atual é de “considerar que as normas internacionais de direitos humanos, pelo fato de exprimirem de certa forma a consciência ética universal, estão acima do ordenamento jurídico de cada Estado” (COMPARATO, 2015, p. 74).

Não havendo mais o que se falar em carência de fundamentação dos direito humanos, desponta a questão de que estes precisam ser protegidos de maneira efetiva, a partir daí surgem instrumentos internacionais para a proteção destes, destacando-se os padrões mínimos de proteção, estabelecidos pelo consenso internacional, onde está o direito à proteção judicial e ao livre acesso à justiça.

O direito ao livre acesso à justiça, está positivado na CF/88 em seu art. 5º, XXXV, no entender de Maria Tereza Aina Sadek (2009, p.173), este direito é requisito para a efetivação dos demais direitos humanos e fundamentais, pois, os direitos só estão realmente protegidos, se for possível pleitear, perante juízes e tribunais imparciais e independes, sua efetivação.

Embora, reste claro a importância do direito à proteção judicial e ao acesso à justiça para a proteção aos direitos humanos, a simples análise de alguns dados mostra que o Brasil está longe de ser um país onde a busca real pela efetivação dos direitos e consequentemente redução das desigualdades sociais pela via judicial.

Sadek (2009, p. 178), reflete que quando há obstáculos ao acesso à justiça e à proteção dos direitos humanos, a distância entre o legal e o real se intensifica. Nesse contexto, o poder judiciário figura como principal garantidor dos direitos humanos, visto que é ao Judiciário que se recorre quando algum direito é violado, independente de quem seja o responsável por esta violação.

Cabe transcrever o pensamento de Dalmo de Abreu Dallari (2004, p. 96):

Não basta afirmar, formalmente a existência dos Direitos, sem que as pessoas possam gozar desses direitos na prática. A par disso, é indispensável também a existência de instrumentos de garantia, para que os direitos não possam ser ofendidos ou anulados por ações arbitrárias de quem detiver o poder […]

           

Embora hajam instrumentos de proteção aos direitos humanos, e o direito à proteção judicial esteja amparado pelo direito fundamental ao livre acesso à justiça, analisando-se os números apresentados pelo IBGE[1], no ano de 2009, dentre as pessoas que estavam em situação de conflito e buscaram solução para este, apenas 57,8% recorreram ao Poder Judiciário. Da análise dos números do IBGE constata-se que quanto maior a escolaridade das pessoas, mais elas se declararam como estando em situação de conflito nos últimos cinco anos, já no tocante à renda per capita, percebe-se que os maiores percentuais de pessoas que estiveram em situação de conflito no período concentram-se nas faixas de renda mais alta.

Analisando-se o relatório do CNJ[2] sobre os números do Poder Judiciário no ano de 2014, verifica-se que o referido ano iniciou com o número de 70,8 milhões de processos em tramitação, sendo que, 81% destes encontram-se em tramitação perante a Justiça Estadual. Um dado importante, que demonstra que o Poder Judiciário vem ocupando a maioria do seu tempo útil em solucionar problemas que não dizem respeito à proteção dos direitos humanos é o de que dentre os 70,8 milhões de processos, 51% destes referem-se a processos de execução em geral, dentre estes, aproximadamente 75% dizem respeito à execuções fiscais de Municípios, Estados e União.

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Em concordância com os números apresentados, Sadek (2014, p. 59-60) exprime que desde 1988 a quantidade de processos em tramitação cresceu mais que a população, entretanto, aduz que toda esta litigiosidade esta concentrada em poucas mãos, principalmente pelo fato de que a Caixa Econômica Federal, a União, o INSS, os bancos, as empresas de telefonia e os Municípios são quem mais figura como parte processual. A autora, ainda menciona que “o setor público é responsável por 51% das demandas em tramitação no país”, logo, resta pouco espaço para que o Poder Judiciário cumpra com “suas atribuições constitucionais relacionadas à garantia dos direitos e à composição de conflitos”.

Corroborando com o tema, Flávia Piovesan (2015, p. 577) ressalta que é necessário “qualificar o universo de demandas” submetidas ao Judiciário, para que, estas sejam, em maioria, referentes à busca por garantias de direitos, já que, o Poder Judiciário está deixando de “ser utilizado para a garantia de direitos e passa a ser procurado principalmente para poder obter vantagens”.

Dentro deste contexto, percebe-se que “o primeiro passo para se chegar à plena proteção dos direitos é informar e conscientizar as pessoas sobre a existência de seus direitos e a necessidade e possibilidade de defendê-los”, pois, quando os cidadãos não conhecem ou conhecem pouco seus direitos a chance de que venham a buscar uma maior proteção para eles é muito pequena, ademais, não basta apenas “dar à pessoa consciência de seus direitos e da necessidade de defendê-los sem lhe dar meios para que os defenda” (DALLARI, 2004, p. 97).

Não é apenas a população em geral que litiga de maneira acanhada na busca de proteção aos direitos humanos, os movimentos sociais, apenas recentemente, passaram a priorizar a via judicial para a defesa dos direitos. Piovesan (2015, p. 580-3) ressalta que os movimentos sociais defensores dos direitos das mulheres e da população afrodescendente, focaram, durante anos, na obtenção de normas protetivas e políticas públicas através dos Poderes Legislativo e Executivo, entretanto, tais conquistas não geraram grande mudança na jurisprudência, principalmente porque esses movimentos não focaram em uma atuação judicial baseada nos mecanismos coletivos de defesa e nos casos paradigmáticos que causam impacto social. No que concerne ao movimento das pessoas portadoras do vírus HIV, Piovesan (2015, p. 587-8) explica que estes, sim, focaram desde o início na litigância de interesse público para proteger os direitos, sendo que, os avanços na legislação só se deram em decorrência de jurisprudência consolidada.

Nota-se que, por diversas razões, como inacessibilidade ao Judiciário de todas as classes sociais, domínio da máquina do Judiciário pelo setor público, pouco uso de instrumentos coletivos asseguradores de direitos e de casos paradigmáticos, o Poder Judiciário não tem sido muito utilizado como instrumento de defesa do interesse público em relação aos Direitos Humanos.

Para esta problemática, Sadek (2014, p. 58) destaca três barreiras que precisam ser superadas, a primeira corresponde à “garantia de assistência jurídica para os pobres”, consistente não apenas na prestação de assistência, mas também na educação quanto aos direitos; a segunda apresenta-se “na representação dos direitos difusos”, vez que os direitos humanos devem ser vistos de maneira coletiva e não individualizada; e a terceira diz respeito a “informalização de procedimentos de resolução de conflitos”, como a valorização da solução por meios extrajudiciais e de composição.

Com base em dois relatórios[3], a professora Flávia Piovesan aponta propostas que visam fortalecer a litigância de direitos humanos, que serão elencadas nos próximos parágrafos.

A primeira proposta diz respeito à questão dos direitos humanos no ensino superior, a referida autora (2015, p.594) sugere a inserção, na grade curricular das universidades, de uma disciplina específica de direitos humanos, bem como, de disciplinas afetas e a inclusão dos direitos humanos nas matérias clássicas, vez que a atual estrutura curricular baseada no individualismo do Processo Civil, fomenta a cultura do litígio de interesse individual e deixa de lado os pleitos de cidadania. Caberia também, a inserção dos direitos humanos nas matérias dos concursos para magistratura, Ministério e Defensoria Públicos, a fim  de aproximar os profissionais do Direito dos problemas relativos à efetividade e proteção dos direitos humanos e de que o Judiciário se torne um poder mais próximo da sociedade e mais responsável com a questão dos direitos humanos.

Piovesan (2015, p. 595) propõe “estimular e encorajar organizações não governamentais a redefinir e ampliar estratégias” por meio da reavaliação de sua atuação e inclusão da estratégia da litigância de interesse público, visando judicializar seus pleitos e formar jurisprudência.

A autora (2015, p. 596), ainda, sugere, o estímulo à advocacia pro bono, para que “escritórios privados de advocacia possam promover a defesa de direitos de grupos socialmente vulneráveis”.

Assim sendo, conclui-se que a grande dificuldade referente à utilização do Judiciário na defesa dos direitos humanos está no distanciamento deste Poder com a população, principalmente com os mais necessitados e vulneráveis que não veem seus direitos satisfeitos e não conseguem, sequer, demandar por eles judicialmente, quer por não terem conhecimento, quer por não terem recursos financeiros ou tempo para arcar com a morosidade e burocracia. Nessa perspectiva, a melhor forma do Poder Judiciário cumprir com seu papel de protetor e garantidor dos direitos humanos seria pela ampliação e democratização do acesso ao Judiciário, bem como pela redução da distância entre o Judiciário e a população e a otimização da litigância, atentando mais para a defesa dos direitos coletivos e difusos, na busca de casos paradigmáticos que possam gerar jurisprudência para os casos individuais de proteção dos direitos humanos.        

REFERÊNCIAS

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2015: ano-base 2014. Brasília: CNJ, 2015.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa nacional por amostra de domicílios: Características da vitimação e do acesso à justiça no Brasil em 2009. Rio de Janeiro: IBGE, 2010.

PIOVESAN, Flávia. “A Litigância dos Direitos Humanos no Brasil: Desafios e Perspectivas no Uso dos Sistema Nacional e Internacional de Proteção”. In: Direito e mudança social: projetos de promoção e defesa de direitos apoiados pela Fundação Ford no Brasil. Org. Denise Dourado Dora. 1ed. Rio de Janeiro: Renovar e Ford Foundation, 2002, v. 1, p. 165-200.

______. Temas de direitos humanos. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

SADEK, Maria Tereza Aina. “Acesso à Justiça: porta de entrada para a inclusão social”. In: LIVIANU, R., cood. Justiça, cidadania e democracia. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisa Social, p. 170-180, 2009.

______. “Acesso à Justiça: Um direito e seus obstáculos”. Revista USP. São Paulo: USP, n. 101, p. 55-66, 2014.


[1] Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Características da vitimização e do acesso à justiça no Brasil 2009.

[2] Relatório Justiça em números – 2015. Dados Globais do Poder Judiciário.

[3]  Relatórios “O Direito como Instrumento de Transformação Social: A litigância de Interesse Público em defesa dos Direitos Humanos no Brasil” e “Direitos Humanos no Ensino Superior”, ambos resultantes de consultorias realizadas com apoio da Fundação Ford, nos anos de 2000 e 2001, respectivamente.

Sobre a autora
Juliana Gonçalves de Oliveira

Advogada, Conciliadora Criminal, Mestranda em Direito e Justiça Social pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Pós Graduada em Direito e Processo do Trabalho e em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera Uniderp, Bacharel em Direito pela Universidade da Região da Campanha (URCAMP).

Informações sobre o texto

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