Vez por outra, nós advogados somos surpreendidos com decisões, no mínimo, inusitadas. Há pouco dias aconteceu uma dessas em recurso de apelação: muito embora houvesse necessidade de se reanalisar toda a prova, a fim de verificar se determinada situação de fato teria sido autorizada, permitida ou tolerada por sucessivas diretorias de associação privada, em contrariedade ao estatuto da entidade, o Senhor Desembargador Relator achou por bem julgar, monocraticamente, os apelos de ambas as partes, analisando o mérito para negar seguimento aos recursos. Agora, o inusitado se repetiu, só que em julgamento de agravo.
Em ação de dissolução parcial de sociedade empresária, a parte autora requereu tutela provisória de urgência, pedindo ao juiz que expedisse ofício à Junta Comercial para excluí-la de pronto do contrato social. À mingua de prova do eventual prejuízo alegado, o juiz indeferiu a tutela. A ré se antecipou em apresentar resposta, concordando com a saída imediata da sócia. Antes que o juiz pudesse se manifestar sobre tutela idêntica requerida pela ré, a autora da ação interpôs agravo de instrumento. Daí veio a surpresa.
Dizendo-se amparado pelo artigo 356 do Novo CPC, o Senhor Desembargador Relator resolveu julgar antecipadamente o mérito da própria ação de dissolução parcial, a fim de fixar desde logo a data que deverá marcar a efetiva saída da agravante da sociedade, que servirá também de marco temporal para o levantamento do balanço especial que irá apurar os haveres da sócia retirante.
A não ser que eu esteja enganado ou desconheça algum dispositivo do Código atual que autorize o Relator de agravo a agir assim, creio que houve aqui um flagrante atropelo do devido processo legal, na medida em que o Senhor Desembargador Relator avocou para si a decisão sobre parte do mérito, resolvendo questão ainda não enfrentada pelo juiz de primeiro grau. Isso é evidente já em face do que determina o parágrafo 2º do artigo 356, quando diz que a parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão que julgar parcialmente o mérito, ainda que haja recurso interposto contra tal julgamento.
Aliás, o parágrafo 5º do próprio artigo 356 diz textualmente que “A decisão proferida com base neste artigo é impugnável por agravo de instrumento”. É evidente que, quando o texto diz “agravo de instrumento”, está se referindo a recurso a ser interposto perante o segundo grau.
Adiante, quando trata da nova técnica de julgamento a ser aplicada quando a decisão da Câmara não for unânime, novamente o Código se refere, no artigo 942, § 3º, II, ao agravo interposto contra a decisão que julgar parcialmente o mérito, mais uma vez deixando claro que a atribuição de julgar o mérito de forma antecipada é do juiz de primeiro grau.
Afora a novidade contida no próprio parágrafo segundo, que possibilita a execução provisória mesmo sem caução (situação que vai ensejar muita discussão nos Tribunais), se virar prática corrente o Relator, no agravo de instrumento, substituir-se ao juiz de primeiro grau, avocando para si o julgamento antecipado parcial de mérito com lastro no artigo 356 do Código atual, vai ser um verdadeiro “Deus nos acuda”. Portanto, caríssimos jusnavegantes, por aqui, já é possível antever o que nos aguarda a partir de agora. Muita água ainda vai rolar até que o lago fique sereno...
Gostaria de obter opiniões dos Colegas a respeito da situação narrada nesse artigo.