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A (in)constitucionalidade do crime militar de pederastia.

Princípio da interveção mínima e o preconceito legislativo à homossexualidade no ambiente castrense

Agenda 15/07/2016 às 18:25

Busca-se apresentar as divergências acerca da inconstitucionalidade do delito de pederastia constante no Código Penal Militar e a aplicação do Principio da Intervenção da Intervenção Minima. Busca apresentar a decisão do STF na ADPF nº 291.

O Princípio da intervenção mínima preconiza que o Direito Penal possui caráter subsidiário e fragmentário. Assim, o Estado, ao legislar em matéria penal, deve buscar interferir o mínimo possível na vida do indivíduo, sem demasia e, por conseguinte, não violar autonomia, privacidade, dignidade e liberdade dos indivíduos.

A lei penal deve ser invocada em ultima ratio, somente quando os demais ramos do direito se tornarem insuficientes. A sanção penal é a medida mais drástica e extremada presente no ordenamento jurídico.

Nesta senda, Guilherme de Souza Nucci ensina:  

“o direito penal não deve interferir em demasia na vida do indíviduo, retirando-lhe autonomia e liberdade.” Afinal, a lei penal não deve ser vista como primeira opção (prima ratio) do legislador para compor conflitos existentes na sociedade e que, pelo atual estágio de desenvolvimento moral e ético da humanidade, sempre estarão presentes. (NUCCI, p. 19).

O Estado não pode interferir com normas penais, na liberdade e autonomia dos indivíduos demasiadamente, principalmente, na liberdade e opção sexual do indivíduo.

O art. 235 do Código Penal Militar menciona acerca do crime de pederastia ou outro ato de libidinagem:

 “Pederastia ou outro ato de libidinagem

Art. 235. Praticar, ou permitir o militar que com ele se pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito a administração militar.” (grifo nosso)

 Pena - detenção, de seis meses a um ano.

O tipo penal versa sobre o delito propriamente militar denominado pederastia ou outro ato de libidinagem. O delito visa tutelar a moral sexual no cenário da caserna. Assim, o militar que pratica ou permite que com ele se pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito à administração militar, incorre nas penas do preceito secundário do artigo supramencionado.

Neste contexto, Guilherme de Sousa Nucci menciona que:

“tratando-se de direito penal militar, poder-se-ia argumentar ser incabível a intervenção mínima, justamente em prol da disciplina rígida existente na caserna. Na realidade, em qualquer ramo do ordenamento jurídico deve-se ponderar não constituir a sanção penal a mais indicada para a aplicação aos ilícitos em geral, como primeira opção. O mesmo se dá no âmbito militar, havendo infrações e sanções puramente disciplinares, que são suficientes para a garantir a ordem e a hierarquia. Enfim, o direito penal, mesmo o militar, deve ser visto como subsidiário aos demais ramos do direito. Fracassando outras formas de punição e de composição de conflitos, lança-se mão da lei penal para coibir comportamentos desregrados, que possam lesionar bens jurídicos tutelados” (NUCCI, p.19).

Ainda, o renomado autor defende a aplicação do princípio da intervenção mínima no art. 235 do CPM.

“O crime desrespeita, nitidamente, o princípio da intervenção mínima, pois o bem jurídico focado não possui nenhuma relevância penal. Em época de liberdade sexual, cada vez mais avançada, não se pode acolher a idéia de um tipo penal incriminador tutelando as relações intimas de terceiros. Por certo, é inquestionável que, em lugar sujeito à administração militar, onde deve prosperar a disciplina rigorosa, não há cabimento para qualquer tipo de relacionamento sexual. Porém, tal infração deve ser punida, quando for o caso, na órbita administrativa; jamais na esfera penal” (NUCCI, p. 319).

Ainda, o mencionado artigo utilizou de expressões preconceituosas que violam a dignidade da pessoa humana, pois, a opção sexual do sujeito ativo do delito militar de pederastia ficou propositalmente destacada como clara demonstração insidiosa do legislador castrense.  

Segundo Nucci “a inserção do termo homossexual é descabida e preconceituosa. Se a punição se volta a qualquer ato libidinoso, por obvio ele pode ser homossexual ou heterossexual. A menção é proposital, com o fito de destacar a repulsa na unidade militar, possivelmente o que mais assombra o quartel (NUCCI, p. 319).

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O autor defende a inconstitucionalidade do art. 235 do CPM.

Nesta senda, a Procuradoria Geral da República ajuizou Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 291, sob a alegação de violação do art. 235 do CPM, aos princípios da isonomia, dignidade da pessoa humana, liberdade, direito à privacidade, entre outros, e, por conseguinte, pediu que declaração de não recepção do art. 235 do CPM pela Constituição Federal de 1988.

Ainda, segundo a ADPF citada, o Procurador Geral da República pediu a declaração de inconstitucionalidade do termo “pederastia” e da expressão “homossexual ou não” do supramencionado artigo.

O STF julgou o pedido do Ministério Público Federal (MPF) parcialmente procedente, assim, declarou como não recepcionados pela Carta Maior os termos “pederastia ou outro” e “homossexual ou não,” constante no preceito primário do tipo penal.

Tal prescrição preconceituosa e autoritária nos remete ao ano de 1969, quando o Código Penal Militar (Decreto-Lei 1.001), fora outorgado em plena vigência do Ato Institucional nº 5, no governo do Presidente Artur da Costa e Silva.

Alguns historiadores entendem, que no mencionado período, foi o ápice das maiores atrocidades contra a sociedade civil, devido à clara supressão de direitos e a tortura foi concebida como prática legal do Estado.

Sem dúvida, o contexto histórico da edição do CPM, fora marcado além do autoritarismo, a intolerância tocante aos militares homossexuais. A caserna até hoje, tem resistência a militares que possuem relações homoafetivas, como ocorre em boa parte da sociedade civil e que se extrai na frase supramencionada por Nucci, como ato “que mais assombra o quartel.”

No Julgamento da ADPF, Luis Roberto Barroso afirmou que “a criminalização das condutas só deve ocorrer quando seja necessário, e quando não seja possível, proteger adequadamente o bem jurídico por outra via. Esse é o princípio da intervenção mínima do direito penal”. O ministro utilizou argumentos correlatos de que a matéria deveria ser tratada em normas administrativas militares, que se apresentam com a rigidez necessária para o fim de punição do ato de pederastia.

A maioria dos ministros entenderam que o artigo 235 do CPM, possui caráter discriminatório aos homossexuais, todavia, a declaração de inconstitucionalidade se limitou nas expressões “pederastia ou outro” e “homossexual ou não.” Por clara ofensa aos princípios e direitos constitucionais.

 Assim, o art. 235 do CPM continua a ter a conduta típica.  Para o ministro Marco Aurélio a norma do artigo citado teleologicamente, protege à administração militar, a hierarquia e a disciplina. Ponderou que o STF tem que ter “temperança” em analisar tais matérias.

Para alguns autores de Direito Penal Militar, a aplicação do princípio da intervenção mínima deve ser afastada quando se tratar de prescrições de condutas que versem sobre a hierarquia e disciplina.

Nesta linha, o Superior Tribunal Militar (STM), decidiu que  “a gravidade e o desvalor da conduta, frente aos princípios preservados pela caserna e pela moral social, justificam a natureza penal da reprimenda, não havendo que cogitar em desclassificação para transgressão disciplinar em virtude de aplicação do principio da intervenção mínima,” conforme Ap. 0000003-90.2010.7.04.0004 – MG, de 23/05/2012. 

Em conclusão, parte da doutrina, como apresentado por Guilherme de Sousa Nucci e pelos votos vencidos (Celso de Melo e Rosa Weber), entende que todo o dispositivo do art. 235 do CPM, deveria ser declarado inconstitucional, em prestigio ao principio da intervenção mínima. Todavia, o STF entendeu que não seria o caso de se declarar a não recepção total da norma citada, contudo, a Corte decidiu apenas afastar as expressões discriminatórias já mencionada, por clara acepção preconceituosa e atentatória a dignidade da pessoa humana e demais princípios constitucionais.

REFERÊNCIAS

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Militar Comentado. São Paulo: Ed. Revistas dos Tribunais, 2013.  

Sobre o autor
Paulo Henrique Ribeiro Gomes

Possui pós-graduação em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pós-graduação em Filosofia e Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (Seção Minas Gerais). Membro do Instituto de Ciências Penais (ICP).

Informações sobre o texto

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