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Argüição de descumprimento de preceito fundamental

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Agenda 25/04/2004 às 00:00

III-ASPECTOS MATERIAIS DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL

3.1.Instrumentos assemelhados à Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental no direito comparado

O texto da Lei 9.882/99, que regulamentou as possibilidades e o procedimento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, possui algumas características semelhantes às de alguns institutos afins do direito comparado.

Para compreendermos melhor esta topografia do direito comparado, inicialmente teceremos alguns comentários acerca do incidente de inconstitucionalidade, que pode ser entendido como a natureza jurídica dos institutos assemelhados internacionais.

3.1.1.O incidente de constitucionalidade

O incidente de inconstitucionalidade, nas palavras de Mandelli Jr., é

o meio processual que permite ser levada uma questão constitucional, como uma violação a um direito fundamental por parte do Poder Público, diretamente ao Tribunal Constitucional para decidir de imediato o problema constitucional suscitado, pois a demora em qualquer outra instância judicial poderia ocasionar dano irreparável à vítima da violação [18].

Arnoldo Wald [19] ao suscitar seu posicionamento a respeito do incidente de inconstitucionalidade, disse que o dispositivo,

inspirado no direito alemão, permite que seja antecipada a decisão do STF sempre que for suscitado, em qualquer processo, o problema de constitucionalidade, com fundamentos relevantes. No caso, a Corte Suprema se limitaria a decidir a matéria constitucional, prosseguindo, em seguida, normalmente o feito na instância em que se encontrava... Trata-se, no fundo, de uma espécie de tutela antecipada de caráter constitucional, em virtude da qual ocorre, no processo, uma cisão entre a questão constitucional e as demais suscitadas pelas partes.

Apesar de um sistema de controle de constitucionalidade complexo e completo, tentou-se inserir o incidente de inconstitucionalidade à época das Emendas Constitucionais de Revisão de 1994, não tendo, no entanto, sido aprovada nenhuma proposta neste sentido.

Apesar da edição da Lei 9.882/99, por iniciativa do Executivo federal, em 2001, surpreendentemente, o Presidente da república enviou ao Congresso Nacional a PEC 382/01, acrescentando um parágrafo 5º. no art. 103 da CF, autorizando o STF nos casos de incidente de constitucionalidade, para a ação direta de inconstitucionalidade, suspender todos os processos para proferir decisão que verse sobre matéria constitucional, a qual terá eficácia contra todos e efeito vinculante.

Observa-se, no entanto, que mesmo com a rejeição do incidente de constitucionalidade através da Revisão Constitucional, e ainda, que a PEC 382/01 ainda não ter sido votada, a Lei 9.882/99 contempla o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade com algumas características do incidente de inconstitucionalidade, tais como, a proteção de direitos fundamentais e, por conseqüência, da ordem constitucional, e a presença do princípio da subsidiariedade, como possibilidade da sua utilização quando houver o exaurimento prévio da jurisdição ordinária ou inexistência de um meio eficaz para sanar a lesão.

3.1.2.A Verfassungsbeschwerde do direito alemão

A tradução mais aproximada para o termo em alemão seria "recurso constitucional" ou "queixa constitucional", tendo sido instituído na Alemanha com status constitucional em 1951.

Através da Verfassungsbeschwerde, qualquer pessoa física ou jurídica que tenha sofrido lesões de seus direitos constitucionais fundamentais poderá recorrer ao Tribunal Constitucional para que este decida diretamente a questão. Os prazos, regra geral, são de um mês, havendo a exceção quando a lesão tenha sido causada por ato do Poder Público o qual não seja permitido o controle judicial.

Os direitos fundamentais resguardados pelo recurso constitucional alemão não são taxativos. Contudo, admite-se que sejam interpelados atos relacionados com o direito de resistência, o direito de igualdade e cidadania, direito de voto, proibição dos tribunais de exceção e o princípio do juiz natural, além dos direitos fundamentais do réu e as garantias na privação de liberdade.

Luís Afonso Heck apresenta sua opinião a respeito da Verfassungsbeschwerde:

O recurso constitucional é um remédio jurídico extraordinário para a proteção e para a realização dos direitos fundamentais que somente é admissível quando a violação de direitos fundamentais censurada não pôde ser suprimida de outra forma. O fundamento dessa restrição à admissibilidade está em que, por motivo de certeza jurídica, só excepcionalmente decisões de outros tribunais, formalmente transitadas em julgado ou não impugnáveis, ou de autoridades, podem ser postas em dúvida [20].

Presente também neste instrumento, o princípio da subsidiariedade, ou seja, o exaurimento de todas as possibilidades judiciais para a concessão da tutela jurisdicional pretendida pelo interessado. Paralelamente a isso, verifica-se também no recurso constitucional alemão sua função objetiva, na proteção não apenas do direito individual lesado, mas também da própria ordem jurídica constitucional.

O recurso constitucional germânico pode ser interposto com vistas a impugnar atos do Poder Público, dentre eles: a) por parte do Poder Legislativo: leis em sentido formal, sejam federais ou estaduais, ou, ainda, pré-constitucionais ou pós-constitucionais, como, também, as normas jurídicas materiais e as omissões, sejam absolutas ou relativas; b) por parte do Poder Executivo: os atos administrativos federais, estaduais e municipais e as omissões relacionadas a este poder; e c) por parte do Poder Judiciário: as decisões dos Tribunais da Federação (exceto as do Tribunal Constitucional Federal) e dos Estados (incluindo os Constitucionais estaduais), bem como as omissões relacionadas a este poder [21].

Observa-se, com isso, que na Alemanha, quando um tribunal ordinário, ao analisar uma questão concreta incorrer em dúvida acerca da constitucionalidade de um ato do Poder Público, deve remeter o processo ao Tribunal Constitucional, suspendendo o curso da lide, para que este decida sobre a constitucionalidade do ato questionado. Este procedimento funciona como um verdadeiro incidente de constitucionalidade, ou seja, uma questão acessória que deve ser resolvida antes do processo principal, para que, somente após, possa este ser decidido.

3.1.3.A Beschewerde do direito austríaco

O recurso constitucional austríaco é mais antigo que o similar alemão, tendo sido instituído no regime imperial de 1867. Porém, após 1920, recebeu status constitucional. Nesta oportunidade, a Constituição austríaca adotou o sistema de controle de constitucionalidade concentrado, a ser realizado por um Tribunal Constitucional.

O mecanismo da Beschewerde austríaca tem como natureza jurídica um dispositivo de incidente de inconstitucionalidade, na qual é suspenso um processo ou em primeira inst6ancia ou em um tribunal, submetendo-se a questão constitucional à apreciação do Tribunal Constitucional. Exige-se o prazo de seis meses a partir da data do ato inconstitucional para a propositura do recurso.

Uma particularidade do recurso austríaco, é que o próprio Tribunal Constitucional reconhece sua exclusiva faculdade, a de verificar a constitucionalidade de uma lei, podendo promover de ofício a sua inconstitucionalidade. Assim, tem-se que a própria Corte pode escolher os casos em que deseja atuar como Tribunal Constitucional.

Da mesma forma que o recurso germânico, o austríaco poderá ser interposto por qualquer cidadão cujos direitos tenham sido lesados por atos normativos ou administrativos emanados do Poder Público.

Os requisitos para a propositura do recurso constitucional austríaco são: a) a alegação de lesão a um direito constitucional; b) existência de um ato ou de uma medida supostamente inconstitucional; c) na existência de um caso concreto, a prova de que o próprio demandante é vítima dessa pretendida violação; e d) prazo de seis meses a contar da prática do ato inconstitucional do Poder Público [22].

Comparativamente, a Beschewerde austríaca é semelhante ao recurso constitucional alemão, com características semelhantes, dentre as mais importantes, a defesa contra lesão a um direito constitucional, a legitimação ativa a qualquer pessoa que se sinta lesada e, fundamentalmente, a existência de um ato do Poder Público que seja o causador do dano.

3.1.4.O Recurso de Amparo espanhol

Foi incluído no ordenamento jurídico espanhol a partir da Constituição de 1978, havendo sido utilizadas características semelhantes aos recursos germânico e austríaco da mesma natureza.

Dentre as semelhanças aos mecanismos acima, verifica-se a possibilidade de ingresso diretamente pela pessoa lesada, aplicando-se o princípio da subsidiariedade, ou seja, o esgotamento da via judicial na busca da reparação da lesão. O prazo para o ingresso do recurso é de vinte dias contra atos dos juízos ou tribunais ou ainda do Poder Executivo, e três meses para os atos do Poder Legislativo. Além da pessoa física lesada, poderão propor o recurso as pessoas jurídicas, o Defensor do Povo e o Ministério Fiscal (Ministério Público espanhol).

Dentre os direitos resguardados pelo Amparo, podemos citar os fundamentais e as liberdades públicas reconhecidas pela Constituição (princípio da igualdade, direito à vida, integridade física e moral, liberdade ideológica, religiosa e ao culto, liberdade, segurança, honra, intimidade e própria imagem, inviolabilidade de domicílio, entre outros).

Eduardo García de Enterría ensina que a justificação do Recurso de Amparo é a própria posição central que os direitos fundamentais e as liberdades públicas conquistam no sistema constitucional; são valores superiores, fundamentos do ordenamento político e da paz social, que recebem uma proteção especial. Para o autor, "a proteção deles é a proteção dos valores superiores do ordenamento e correlativamente da própria Constituição" [23].

Tem-se no Recurso de Amparo, a exemplo demais dos mecanismos estudados, o caráter de proteção não só dos direitos individuais fundamentais, mas também da guarda da Constituição, tendo o Tribunal Constitucional como realizador deste feito.

Comparativamente à Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, o recurso de Amparo espanhol possui a característica de realizar o controle de constitucionalidade concreto concentrado através do Tribunal Constitucional. No entanto, no dispositivo pátrio, existe a limitação em relação aos legitimados para propor a argüição de descumprimento, permitindo apenas aos arrolados no art. 103 da Constituição Federal a realização de tal exercício.

3.2.Da criação da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o controle de constitucionalidade na órbita jurídica nacional dava apenas alguns sinais de que poderia se transformar no eficiente mecanismo de defesa da Constituição que hoje conhecemos.

Na edição da Carta Magna, a previsão da aplicação do controle de constitucionalidade se restringia apenas à menção da existência da Ação Direta de Inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual [24]. Em relação à Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF, o parágrafo único do art. 102 da Carta Fundamental previa a possibilidade de regulamentação deste novel instituto de controle de constitucionalidade que teria o STF como o órgão competente do Poder Judiciário para apreciar o pedido, carecendo a edição de uma lei que viesse a regulamentar a possibilidade e o procedimento para o processamento da verificação da constitucionalidade do ato impugnado.

3.2.1.A inserção da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental no ordenamento jurídico pátrio

Como destacado no intróito acima, a CF 88 previu, inicialmente no parágrafo único do art. 102, que trata das competências do STF, que:

A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma da lei.

Em 1993, com a edição da Emenda Constitucional nº 3, que em matéria de controle de constitucionalidade trouxe ao bojo da legislação brasileira a Ação Declaratória de Constitucionalidade, renumerou os parágrafos do art. 102, sendo que o § 1º. passou a ser destinado a previsão da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, e o § 2º. tratou da eficácia erga omnes e dos efeitos vinculantes da Ação Declaratória de Constitucionalidade.

Carecia a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, no entanto, de regulamentação, visto que por determinação expressa da própria CF, esta seria regulamentada na forma da lei. Isso dava ao instituto a característica de norma de eficácia limitada, ou seja, aquela que, apesar de sua previsão constitucional, não tinha força para, de per si, causar impacto suficiente na órbita jurídica para impor à sociedade o seu conteúdo.

De acordo com os ensinamentos do mestre José Afonso da Silva, as normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que apresentam

aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente sobre esses interesses, após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a aplicabilidade [25].

Ainda, segundo o professor,

o legislador constituinte traça esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos, entidades ou institutos, para que o legislador ordinários estruture em definitivo, mediante lei [26].

Ficava clara e manifesta a intenção do constituinte em deixar ao encargo do legislador ordinário a atribuição de criar uma lei capaz de regulamentar o instituto, com o atendimento das limitações básicas indicadas no texto constitucional, sob pena de violação do princípio da legalidade [27].

3.2.2.Considerações sobre o processo legislativo da Lei 9.882/99, regulamentadora da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental

Em meados de 1997, Gilmar Ferreira Mendes e Celso Ribeiro Bastos iniciam discussões para tratar da introdução no sistema jurídico brasileiro de um mecanismo que visasse acabar com a chamada ‘guerra de liminares’. Pois bem, nesse ínterim, chegaram a conclusão que a própria Constituição já previra um meio adequado a atingir as finalidades previstas pelos ilustres professores: a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Ato contínuo, foi instituída pelo Poder Executivo uma comissão de estudos destinada a desenvolver o anteprojeto que viria a regulamentar a ADPF. Para formar esta comissão, foram designados os dois criadores da concepção inicial, sendo Celso Bastos conduzido à sua presidência, e mais os professores Arnoldo Wald, Ives Gandra Martins e Oscar Dias Corrêa.

Gilmar Ferreira Mendes, ao relatar as atividades desenvolvidas pela comissão, afirma que a proposta do anteprojeto teve por objetivo desenvolver os principais aspectos processuais e de julgamento do instituto, estabelecendo o seu rito, os legitimados ativos para propor a argüição, os pressupostos para suscitar o questionamento e os efeitos da decisão proferida e sua irrecorribilidade.

Par e passo, tramitava no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2.872, de autoria da Deputada Sandra Starling, que denominava o instituto de Reclamação. Porém, tal medida serviria também para a interpretação dos Regimentos Internos da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, e, ainda, do Regimento Comum, exclusivamente aplicados no processo legislativo previsto na Constituição Federal.

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O Projeto de Lei da deputada Sandra Starling teve reconhecimento através do parecer favorável do Relator, Deputado Prisco Viana, que apresentou substitutivo de sua autoria, que muita coisa em comum tinha com o anteprojeto da Comissão formada pelo Executivo.

Após votação na CCJ da Câmara, foi aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, ficando sujeito à sanção do Presidente da República. Este, ao analisar o Projeto, exerceu suas prerrogativas presidenciais e vetou alguns dispositivos: inc. II, do § ún. do art. 1º.; inc. II, do art. 2º.; § 2º., do art. 2o.; § 4º., do art. 5; § 1º. e 2º., do art. 8º.; e o art. 9º.

Na obra Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, o autor gaúcho Hélio Márcio Campo mostra sucintamente as razões do Veto presidencial aos dispositivos acima citados. São eles:

a)Em relação ao inc. II, do § ún. do art. 1º., orienta o autor: Não se pode dar ao Supremo Tribunal Federal a ingerência ilimitada e genérica acerca da interpretação e aplicação dos Regimentos Internos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, bem como do regimento comum, uma vez que tais questões constituem matéria ‘interna corporis’, de modo que a única intervenção poderia dar-se nas disposições que produziriam normas constitucionais;

b)O veto ao § 4º. do art. 5º., assim como o do inc. II do § ún, do art. 1º. e também do art. 9º., funda-se na excessiva intervenção da jurisdição constitucional no processo legislativo;

c)A disposição introduzida no inc. II, do art. 2º., relativa à possibilidade de ingresso de qualquer cidadão no Supremo Tribunal Federal, mediante a argüição de descumprimento de preceito fundamental, é incompatível com o controle concentrado dos atos estatais, presumindo-se, ademais, com o dispositivo, que haveria uma sobrecarga do número de processos na Corte sem a correlata relevância jurídica e consistência nas argüições propostas, de modo que os legitimados no art. 103 da Constituição Federal, que atuam como verdadeiros agentes de representação social e de assistência à cidadania, saberão melhor veicular e selecionar as questões relevantes;

d)A exigência de um juízo favorável do Procurador-Geral da República, quanto à relevância e a consistência da fundamentação da representação, constitui um mecanismo adequado para assegurar a legitimidade da argüição de descumprimento de preceito fundamental, de sorte que eventual recurso, na hipótese de indeferimento da representação, desqualificaria o exame feito por aquele e criaria um procedimento adicional e desnecessário, o que justificaria o veto ao § 2º. do art. 2º.;

e)O ‘quorum’ previsto nos § § 1º. e 2º. do art. 8º. constitui restrição desproporcional à celeridade, à capacidade decisória e à eficiência que demanda a argüição de descumprimento de preceito fundamental, sem se falar, ainda, que é excessivo e desproporcional, haja vista ser superior ao previsto para a ação direta de inconstitucionalidade, o que leva a impor-se o veto aos § § 1º. e 2º., do art. 8º., em razão do interesse público [28]

Por fim, em 03 de dezembro de 1999, com publicação no DOU no dia 06, seguinte, finalmente foi editada a lei 9.882, regulamentando, tardiamente, o instituto da ADPF.

3.3.Teoria geral da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental

Neste item, realizaremos um estudo mais detalhado dos principais aspectos da ADPF.

Trataremos, inicialmente, da definição jurídica do termo argüição e das possíveis espécies encontradas na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, previstas na legislação regulamentadora do instituto – Lei 9.882/99, e dos principais reflexos dos atos que resultam em descumprimento do texto constitucional.

Avançaremos por aquele que é um dos principais pontos de discussão doutrinária acerca da ADPF, que é o que trata da não enumeração de quais princípios constitucionais são considerados fundamentais.

Em seguida, estudaremos com profundidade quais atos do Poder Público podem ser objeto da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, sem nos olvidarmos, por certo, do Princípio da Subsidiariedade da ADPF, característica marcante do dispositivo.

Sobre os aspectos processuais, da ADPF, discursaremos acerca da competência da Corte Suprema atuando como verdadeiro Tribunal Constitucional em defesa da Carta Fundamental, dos legitimados constitucionalmente a ingressar perante o STF em busca da declaração de inconstitucionalidade de atos do poder público via ADPF, além de discutirmos os efeitos das decisões em relação à argüição proposta, dentre outros.

3.3.1.As espécies de ADPF

A Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental é uma medida de natureza eminentemente judicial, que tem como meta principal o controle de constitucionalidade de leis ou atos normativos (e também não normativos), desde que emanados do Poder Público, com a sua conseqüente declaração de inconstitucionalidade.

Observando-se por uma visão macroscópica do sistema de controle de constitucionalidade pátrio, a ADPF veio complementar o rol de mecanismos de defesa da Ordem Constitucional, mostrando possibilidades especialmente abertas à correção das injustiças praticadas contra a sociedade, causadas pela ocorrência de atos do Poder Público tendentes a violar o Texto Constitucional.

Celso Ribeiro Bastos afirma que a medida veio lançar o direito pátrio na vanguarda absoluta, sobranceiro no resguardo à Constituição e, especialmente, de seus valores principais para proteger-se o Documento Magno [29]

O instituto da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental pode ter duas classificações, em relação ao momento de sua propositura face à ocorrência do ato do Poder Público – preventiva ou repressiva, ou ainda, de acordo com a sua natureza de mecanismo de controle de constitucionalidade – incidental ou por via de ação direta.

1.ADPF em relação ao momento de sua propositura

Para buscarmos o significado da primeira forma de classificação, remetamo-nos ao art. 1º. da Lei 9.882/99:

Art. 1º A argüição prevista no § 1º do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. (grifo nosso)

Como se depreende da leitura do dispositivo acima, o legislador ordinário colocou à disposição dos interessados em ingressarem no STF com a ADPF a possibilidade de dois momentos para tal. Quando o art. 1º. fala em evitar lesão a preceito fundamental, está se referindo à possibilidade de se buscar a declaração de inconstitucionalidade ao ato do Poder Público, antes mesmo que este faça parte da ordem jurídica interna.

No entendimento do STF, o controle de constitucionalidade vigente no país será, em regra, orientado pela modalidade repressiva. O Pretório Excelso admite o controle preventivo de constitucionalidade apenas nas hipóteses de violação das regras constitucionais pertinentes ao processo legislativo, e ainda, na ofensa das cláusulas pétreas por projeto de Emenda Constitucional. Por orientação da Corte, a modalidade preventiva de controle de constitucionalidade apenas será possível pela via incidental, através de mandado de segurança impetrado por parlamentar que julga impossível sua participação no processo legislativo incompatível com a Carta Magna. Segundo o Supremo, não existe a possibilidade de qualquer cidadão de propor o controle preventivo de constitucionalidade, pela inexistência de previsão legal de aplicação do mesmo em violação a seu direito subjetivo [30].

Com o advento da Lei 9.882/99, aguardava-se uma alteração no quadro do controle de constitucionalidade no Brasil. Esperava-se que a possibilidade de controle preventivo pudesse ser largamente aproveitada pela sociedade como um todo. Porém não foi o que se observou, em função dos vetos presidenciais, por alegada inconstitucionalidade, do inc. II do § único do art. 1º., do § 4º. do art. 5º. e do art. 9º. da Lei 9.882/99, que conferiam explícito amparo ao controle preventivo de constitucionalidade das leis, por via da ADPF.

Na Mensagem de Veto nº 1.807, o Presidente da República utilizou-se dos argumentos de invasão de competência do Poder Judiciário para analisar matérias afetas ao Poder Legislativo, durante o processo de elaboração de leis. Constaram como razões do veto, as seguintes:

Não se faculta ao Egrégio Supremo Tribunal Federal a intervenção ilimitada e genérica em questões afetas à "interpretação ou aplicação dos regimentos internos das respectivas casas, ou regimento comum do Congresso Nacional" prevista no inciso II do parágrafo único do art. 1º. Tais questões constituem antes matéria ‘interna corporis’ do Congresso Nacional. A intervenção autorizada ao Supremo Tribunal Federal no âmbito das normas constantes de regimentos internos do Poder Legislativo restringe-se àquelas em que se reproduzem normas constitucionais. Essa orientação restou assentada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Mandado de Segurança nº 22503-DF, Relator para o Acórdão Ministro Maurício Corrêa, DJ 06.06.97, p. 24872. Do mesmo modo, no julgamento do Mandado de Segurança nº-22183-DF, Relator Ministro Marco Aurélio, o Supremo Tribunal Federal assentou: "3. Decisão fundada, exclusivamente, em norma regimental referente à composição da Mesa e indicação de candidaturas para seus cargos (art. 8º). 3.1 O fundamento regimental, por ser matéria ‘interna corporis’, só pode encontrar solução no âmbito do Poder Legislativo, não ficando sujeito à apreciação do Poder Judiciário. 3.2 Inexistência de fundamento constitucional (art. 58, § 1º), caso em que a questão poderia ser submetida ao Judiciário" (DJ 12-12-97, p. 65569). Dito isso, impõe-se o veto da referida disposição por transcender o âmbito constitucionalmente autorizado de intervenção do Supremo Tribunal Federal em matéria ‘interna corporis’ do Congresso Nacional. No que toca à intervenção constitucionalmente adequada do Supremo Tribunal Federal, seria oportuno considerar a colmatação de eventual lacuna relativa a sua admissão, em se tratando da estrita fiscalização da observância das normas constitucionais relativas a processo legislativo.

A seu turno, impõe-se o veto do § 4º do art. 5º pelas mesmas razões aduzidas para vetar-se o inciso II do parágrafo único do art. 1º, consubstanciadas, fundamentalmente, em intervenção excessiva da jurisdição constitucional no processo legislativo, nos termos da mencionada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

O art. 9º, de modo análogo, confere ao Supremo Tribunal Federal intervenção excessiva em questão ‘interna corporis’ do Poder Legislativo, tal como asseverado no veto oposto ao inciso II do parágrafo único do art. 1º. Com efeito, a disposição encontra-se vinculada à admissão da ampla intervenção do Supremo Tribunal Federal nos processos legislativos ‘in genere’. Assim, opostos vetos às disposições insertas no inciso II do parágrafo único do art. 1º e ao § 4º do art. 5º, torna-se imperativo seja vetado também o art. 9º.

Contudo, a maioria dos doutrinadores que trataram do tema afirma categoricamente que o objetivo do Presidente da República foi o de manter a governabilidade do país, garantindo ao Poder Legislativo ampla possibilidade de realizar sua tarefa legiferante sem que houvesse qualquer risco de serem limitados por quaisquer intervenções do STF.

Além da modalidade de controle preventivo de constitucionalidade, foi regulamentada pela Lei 9.882/99 a possibilidade repressiva de controle constitucional através da ADPF, seguindo-se o texto da norma infraconstitucional, donde consta reparar a lesão causada pelo ato danoso do Poder Público.

Apresentam-se como figuras assemelhadas a ADPF repressiva, a Verfassungsbeshewerde alemã, a Beschewerde austríaca e o Recurso de Amparo espanhol, todas estudadas no capítulo 2 desta obra. Trata-se de uma espécie de controle submetido à apreciação do STF, quando o ato emanado pelo Poder Público for fundamentado em lei ou regulamentação governamental. Poderão assim estar sendo questionados atos que resultem em criação de leis, decretos, regulamentos, portarias ou quaisquer outros de cunho legislativo, além daqueles atos executivos, cuja justificativa seja uma norma que deu origem a este ato, desde que, por certo, sejam violadores a um preceito constitucional fundamental.

Alexandre de Moraes, ao comparar a ADPF com o similar dispositivo argentino de controle de constitucionalidade, aduz que a nossa argüição é bem menos generosa que aquela, sendo que o amparo argentino é admissível contra toda ação ou omissão de autoridades públicas ou particulares, que, de forma atual ou iminente, lesionem, restrinjam, alterem ou ameacem, com arbitrariedade ou manifesta ilegalidade, direitos e garantias reconhecidos pela Constituição, pelos tratados e leis [31].

Por fim, com a ADPF, torna-se viável e efetivo o controle das ilegalidades invariavelmente cometidas pelo Poder Público, e também se chega a uma maior efetividade da concretização dos direitos fundamentais pela sociedade. Com a efetividade da proteção aos princípios basilares da Constituição proporcionado pela ADPF, o Supremo Tribunal Federal poderá desempenhar, sobremaneira, seu papel de Tribunal Constitucional, salvaguardando a Carta Fundamental de atos atentatórios à sua integridade.

2.ADPF em relação a sua natureza

O legislador infraconstitucional imaginou a possibilidade da ocorrência de duas modalidades de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, a primeira por via de ação direta, e a segunda pela via de incidente processual. Essa amplitude dada ao mecanismo de controle constitucional dos atos do Poder Público sem dúvidas veio a complementar o nosso sistema de controle. Essa dedução se faz pela verificação na nossa legislação, de uma reunião dos mecanismos norte-americano (de controle eminentemente difuso, incidental) e europeu (cuja tendência é a da presença de um Tribunal Constitucional que vele pela integridade do Texto Máximo). Nesta hipótese, quando ao STF for submetida uma matéria de inconstitucionalidade pela via incidental, ocorre uma verdadeira cisão do processo, ficando a lide original submetida à resolução do incidente de inconstitucionalidade para, ai sim, poder ser julgada pelo juiz original da causa.

Contudo, muitos doutrinadores insistem em cingir a ADPF de acordo com a classificação em comento, em função da disposição dos dois dispositivos da Lei 9.882/99. Na opinião destes autores, enquanto o caput do art. 1º. trataria exclusivamente da argüição por via de ação direta, o seu inciso I seria responsável pela modalidade incidental da argüição:

Art. 1º A argüição prevista no § 1º do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público.

Parágrafo único. Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental:

I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição;

Por mais que se afirme que o legislador tenha tido como escopo principal exatamente a fissão das duas modalidades de acordo com a disposição contida nos dispositivos acima, verifica-se imperiosa uma interpretação mais ampla do que simplesmente a contida no texto legal. Explica-se: se aplicada ipsis verbis a norma contida no caput do art. 1º. da Lei 9.882/99, teríamos a situação de um controle de constitucionalidade concentrado – pois sujeito à apreciação do STF – na qual a Suprema Corte decidiria apenas a forma genérica de atos do Poder Público, por assim estar descrito na norma.

Por conseguinte, ao interpretarmos o inc. I do § único do mesmo artigo, haveria somente a apreciação de matérias atinentes a atos do Poder Público das três esferas da federação, inclusive do direito pré-constitucional, pela via difusa do controle de constitucionalidade, visto que se trata de exame de controvérsia constitucional em relação a tais atos, característica desta modalidade de controle de constitucionalidade.

Observa-se, desse modo, a necessidade de uma interpretação mas extensiva do conteúdo da Lei 9.882/99 de modo a revelar a abrangência e as reais possibilidades que ela oferece. Senão vejamos.

No processo de elaboração da referida Lei, o legislador inovou ao lançar mão da possibilidade de exame de lesões a preceitos fundamentais causadas por leis ou atos normativos municipais e anteriores à Constituição. Se nos utilizássemos da regra que conduz à uma separação da argüição por ação direta com fundamento apenas no caput do art 1º., não se vislumbraria a possibilidade de controle concentrado de constitucionalidade das matérias recém incluídas na legislação pátria.

Outro argumento a favor de uma leitura global do texto da Lei 9.882/99 para fins de delimitação das possibilidades de argüição por via de ação direta ou pela via incidenter tantum, é o de que não existe qualquer distinção em relação à legitimação para a propositura da medida principal ou incidental, sendo os legitimados (art. 2º. da Lei 9.882/99) arrolados indistintamente em relação à modalidade.

Também, surge a motivação para uma interpretação unitária, quando se fala nos requisitos da petição inicial (art. 3º. da Lei 9.882/99). O termo petição inicial constante no caput nos faz, à primeira vista, supor a situação de uma ação específica (direta). No entanto, o inc. V deste mesmo artigo expressa a necessidade da

comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado

claramente patenteando a existência da modalidade difusa da ADPF.

É necessário, pois, que se supere definitivamente a interpretação literal do art. 1º. da Lei 9.882/99, para que se tenha uma consistência do conteúdo da referida Lei como um todo.

No ensinamento de Walter Claudius Rothenburg [32]:

Em síntese, oportuna a criação das modalidades assim direta como incidental de argüição de descumprimento de preceito fundamental não deve significar que o art. 1º. da Lei 9.882/99 esteja composto de duas normas distintas a que a leitura se faça em dois blocos. O do ‘caput’ (correspondente à argüição direta) e o do § único, inciso i (correspondente à argüição incidental), mas que uma única norma se extraia, estabelecendo o mesmo requisito e o mesmo objeto a ambas as modalidades de argüição.

3.3.2.Espécies de Descumprimento

Dentre as várias classificações relacionadas a dispositivos constitucionais, temos a apontada por Clèmerson Merlin Clève, que relaciona diretamente o descumprimento como espécie de inconstitucionalidade. Assim, podemos verificar várias formas de inconstitucionalidade, dentre elas, formal e material, total e parcial, por ação ou por omissão, originária ou superveniente, antecedente ou conseqüente e, ainda, direta e indireta.

Quanto a esse vasto arcabouço de modalidades de inconstitucionalidade, tratando do tema que mais nos interessa, o descumprimento, mais importante se fazem tais distinções, quando se tratam estes vícios de afronta a preceitos constitucionais fundamentais.

O descumprimento formal é verificado quando decorre do vício de incompetência em relação à autoridade pública que edita o dispositivo ou norma, ou ainda, quando o procedimento adotado para a formação da medida não seguiu aquele previamente fixado pela Constituição. Fala-se em descumprimento material quanto o conteúdo da norma nascente é incompatível com os ditames constitucionais.

Em relação ao descumprimento total ou parcial, aquele diz respeito ao vício encontrado na totalidade do ato emanado pelo poder público, enquanto este apenas o vicia em parte.

A Constituição poderá ser descumprida por ação quando o ato questionado seja de caráter comissivo. Já por omissão, temos as situações em que a inércia do Poder Público causa danos irremediáveis à sociedade.

O descumprimento poderá ainda ser originário, quando o Ato Público afronta dispositivo constitucional vigente; será superveniente quando a norma ferida, contida na Carta Magna, tenha sua vigência posterior à da prolação do dito ato inconstitucional.

Poderá o descumprimento ser antecedente (ou imediato) ou conseqüente (derivado). O antecedente decorre de violação direta, imediata, enquanto o conseqüente deriva de um efeito reflexo do descumprimento antecedente, em virtude da relação de dependência que pode existir entre os atos do poder público [33].

Por fim, o sistema jurídico pátrio apresenta as formas direta de descumprimento, quando contrário a um preceito fundamental explícito, ou indireto, quando afronta um preceito constitucional fundamental implícito.

3.3.3.O que é Preceito Fundamental?

A definição do conteúdo axiológico da expressão Preceito Fundamental é de fatal importância para o decorrer do entendimento acerca da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Como bem se sabe, a Constituição Federal é o cerne de todo o sistema jurídico nacional. Ela traz consigo um conteúdo mandamental de valor jurídico sempre superior às demais normatizações existentes. A Carta Fundamental traz normas de dever-ser, que tem como objetivo precípuo reger o comportamento de toda uma sociedade, prevendo fatos e atribuindo conseqüências jurídicas quando observado o seu descumprimento.

Preceito, conforme contido no dicionário Aurélio, tem como significado "regra de proceder, norma, ensinamento, doutrina, ordem, determinação, prescrição". Preceitos constitucionais, por dedução, são todos os mandamentos contidos na Constituição, que tem por razão de existência regular o sistema jurídico-social da nação.

Essa idéia de comando, ordem, determinação de valores constitucionais, está contemplada no conceito de preceito constitucional, que poderá ser demonstrado tanto na forma de regras como de princípios constitucionais. As regras e princípios constitucionais são espécies das normas constitucionais. O direito não é o somatório destes preceitos, mas uma concatenação ordenada e orientada, implicando em coerência, com funcionamento sistematizado, de forma tal que funcione como uma estrutura organizada.

De acordo com es ensinamentos de J. J. Gomes Canotilho,

a articulação de princípios e regras, de diferentes tipos e características, iluminará a compreensão da constituição como um sistema interno assente em princípios estruturantes fundamentais que, por sua vez, assentam em subprincípios e regras constitucionais concretizadores desses mesmos princípios. Quer dizer: a constituição é formada por regras e princípios de diferente grau de concretização [34]

José Afonso da Silva dá a sua interpretação acerca do significado de preceito fundamental, comentando que

"Preceitos Fundamentais" não é expressão sinônima de "princípios fundamentais". É mais ampla, abrange a este e todas as prescrições que dão o sentido básico do regime constitucional, como são, por exemplo, as que apontam para a autonomia dos Estados, do Distrito Federal e especialmente as designativas de ‘direitos e garantias constitucionais’.

E aí é que aquele dispositivo poderá ser fértil como fonte de alargamento da jurisdição constitucional da liberdade a ser exercida pelo nosso Pretório Excelso [35].

Cumpre, ao final, esclarecer o real significado da expressão Preceito Fundamental, empregada tanto pelo legislador constitucional quanto pelo legislador ordinário.

É sabido que não existe hierarquia entre normas constitucionais no sistema jurídico de nosso país. Porém, é certo que algumas normas constitucionais tem maior importância que outras, desfrutando de primazia na ordem do direito positivo constitucional. Na Revista de Direito Constitucional e Internacional, tratando do tema da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, Celso Bastos e Alexis Galiás de Souza Vargas referem-se a ADPF desta forma:

não se trata de fiscalizar a lesão a qualquer dispositivo da que é, sem dúvida, a maior Constituição do mundo, mas tão-somente aos grandes princípios e regras basilares deste diploma [36].

Daniel Sarmento [37] é um dos poucos doutrinadores que se arriscam a delimitar e enumerar quais preceitos constitucionais devem receber o status de fundamentais. Diz o autor que

Entre os preceitos fundamentais situam-se, sem sombra de dúvidas, os direitos fundamentais, as demais cláusulas pétreas inscritas no art. 60, § 4º., da Constituição da República, bem como os princípios fundamentais da República, previstos nos arts. 1º ao 5º. do Texto Magno.

Em sua opinião, agiu bem o legislador ao não arrolar taxativamente quais normas constitucionais devem ser considerados preceitos fundamentais. Ao tratá-los como preceitos jurídicos indeterminados, a Lei 9.882/99 possibilitou que a própria jurisprudência acomode seu posicionamento em relação à aplicabilidade do mecanismo da ADPF de acordo com a dinâmica imposta pelo Direito, e de interpretações distintas das que hoje temos em relação à Constituição Federal. Ao STF caberá a tarefa de definir tal conceito, sempre se orientando pelo entendimento axiológico dado às normas constitucionais.

Além de Sarmento, Roberto Mandelli Jr. acrescenta que devam ser incluídos na categoria de Preceitos Fundamentais, os princípios constitucionais sensíveis (arts. 34, VII e 35, IV da CF), que são aqueles que, quando desatendidos, dão ensejo à intervenção federal ou estadual.

3.4.Matérias objeto da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental

Um dos assuntos que causa acalorada discussão acerca da ADPF, é o delineamento dado pela Lei ordinária que deu azo ao novel instituto de controle de constitucionalidade.

A Lei 9.882/99, em seu art. 1º. expressa que a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental tem por objeto "evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público".

O mesmo dispositivo, em seu parágrafo único, inciso II, afirma que cabe a medida

Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental:

I - quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição.

Embora pareça tranqüila a resolução desta equação, muito se discute sobre quais atos do Poder Público estariam elencados entre os chamados objetos sindicáveis da argüição.

Inicialmente, cabe a lembrança de que o contido no art. 4º., § 1º. da Lei em muito limitou as possibilidades da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, quando este afirma que

Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.

O ditame acima expresso representa o chamado Caráter Subsidiário da ADPF, que será adiante estudado com maior vagar.

3.4.1.Atos do Poder Público

Pela própria redação dada ao caput do art. 1º. da Lei, observa-se a larga abrangência da expressão ato do Poder Público. Ao buscarmos o significado axiológico da expressão, verificamos que entre estes atos, podem ser enquadrados não somente os atos legislativos, mas também os atos administrativos emanados do Poder Público. Alguns doutrinadores entendem ainda ser possível a argüição fundamentada em atos do poder judiciário, pois, embora sejam atos sistematicamente independentes, em sua essência são atos produzidos por agentes dotados de atribuições públicas.

Ainda, segundo o entendimento de alguns segmentos mais autorizados da doutrina, dentre eles Daniel Sarmento, poderão ser objeto da ADPF os atos emanados por particulares no exercício de atribuições próprias do Poder Público, como, v. g., empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos.

Dentre as diversas classificações dadas ao conceito de atos do Poder Público, encontradas na doutrina que trata do assunto, a de Mandelli Jr. nos parece a mais útil para o desenvolvimento de nosso tema. O autor assim classifica tais procedimentos: a) atos não normativos do Poder Público; b) leis ou atos normativos municipais; e c) leis ou atos normativos anteriores à Constituição de 1988. Não se incluem neste rol, por dedução, as leis ou atos normativos posteriores à CF 88, visto que tais procedimentos são atacáveis através da Ação Direta de Inconstitucionalidade, por efeito da subsidiariedade imposta à Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental por força do dispositivo supra mencionado.

Para complementarmos nossos estudos, incluiremos, além dos atos das categorias acima enumeradas, os chamados atos políticos e os atos realizados por particulares no exercício de atividades clássicas do Estado.

a)Atos políticos

A primeira ADPF proposta perante o STF teve como objetivo impugnar o veto imotivado do Prefeito do Rio de Janeiro contra uma lei referente ao IPTU fluminense. No entanto, a Suprema Corte decidiu pela negativa ao pedido, fundamentando sua decisão no entendimento que o veto do poder executivo foge à apreciação do judiciário.

Segundo Daniel Sarmento, a orientação da Suprema Corte em não apreciar atos típicos do Poder Executivo se deve a uma inspiração da jurisprudência norte-americana, demonstrando sua clara preocupação em qualquer tentativa de intervenção do judiciário na seara do executivo. No entanto, a doutrina da inatacabilidade dos atos políticos não pode ser lembrada em nosso ordenamento quando o ato em apreço contrariar manifestamente a Carta Magna, que é o limite legal para a aferição da validade de todo e qualquer ato proveniente do Poder Público. O autor cita Rui Barbosa, que apesar de não ser recente, está em perfeita sintonia com o contexto que ora se debate, ensina:

Uma questão pode ser distintamente política, altamente política, segundo alguns, até puramente política fora dos domínios da justiça, e, contudo, revestindo a forma de um pleito, estar na competência dos tribunais, desde que o ato, executivo ou legislativo, contra o qual se demanda, fira a Constituição, lesando ou negando direito nela consagrado [38].

Por certo, a própria Constituição muitas vezes remete a solução de alguns problemas envolvendo o Poder Público, entregando aos outros poderes essa atuação corretiva. No entanto, em relação ao exemplo acima ilustrado, na opinião de Sarmento, embora nunca se olvide que o veto pode ser uma ferramenta de cunho eminentemente político, houve flagrante desrespeito aos preceitos constitucionais em relação ao processo legislativo, onde ao veto se impõe a necessidade de motivação, o que não ocorreu no caso da decisão do Prefeito daquela cidade. Assim, negar a possibilidade de apreciação de ato flagrantemente eivado de inconstitucionalidade implica, em sua opinião, enfraquecer o magno princípio da supremacia da Constituição [39].

Prossegue o autor:

Só é ato político judicialmente insindicável aquele cuja prática a Constituição deferir, com exclusividade, à discricionariedade do Executivo ou Legislativo, sem estabelecer parâmetros minimamente objetivos que legitimem seu controle por via jurisdicional [40].

b)Atos realizados por particulares no exercício de atividades públicas

Os atos praticados pelos particulares no livre exercício da iniciativa privada, via de regra são regulados pela legislação cabível (cível, em geral), sem a interveniência do Poder Público, com exceção dos casos em que a demanda judicial é pleiteada pelas partes envolvidas.

No entanto, quando o ato praticado emana de um ente privado revestido de autoridade pública, acredita a doutrina dominante que tais atos podem ser objeto de apreciação do Poder Judiciário, por estarem corrompidos por máculas à Constituição Federal. O exemplo clássico aventado, é o das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos.

Poderia ser realizada uma analogia com o mandado de segurança`albergado pelo art. 5º., inciso LX da Carta Magna, que se refere ao "agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições de Poder Público".

Pelo fato de estarmos vivenciando uma crise do Estado Social e a imposição de uma política neoliberal crescente, onde o particular cada vez mais assume a posição do Estado nas atividades correntes da sociedade, não seria de todo inimaginável a inclusão destes atos originariamente privados no objeto de sindicabilidade da ADPF, realizando-se, desta forma, uma interpretação muito generosa e ampliativa do conteúdo da Lei 9.882/99.

c)Leis ou atos normativos municipais e distritais

Uma das inovações de maior discussão e alcance advindas com a edição da Lei 9.882/99, foi a inclusão da possibilidade de discussão do controle concentrado de constitucionalidade de leis ou atos normativos municipais e distritais via ADPF. Como se sabe, ao STF competia, antes da alteração introduzida pela EC nº 03/93, processar e julgar

a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal (grifo nosso) [41].

Até então, as leis ou atos normativos municipais ficavam sujeitos apenas ao controle difuso ou ao controle sujeito à apreciação dos Tribunais de Justiça em face das Constituições Estaduais, conforme previsão do art. 125, § 2º. da Lei Maior.

Agora, a constitucionalidade de tais atos municipais pode ser apreciada via controle concentrado, desde que se enquadrem no conceito de "preceito fundamental" ou realmente exista e que seja relevante a chamada "controvérsia constitucional".

O mestre Alexandre de Moraes discorda deste posicionamento, ensinando que a inclusão dos atos municipais como possível objeto de discussão da ADPF estaria violando a vontade do constituinte originário, que não os incluiu no art. 102, I, a, da CF. No entanto, trata-se de uma interpretação muito restritiva do dispositivo, visto que apenas ao que se refere à ADIn, o constituinte preferiu não consignar tal possibilidade aos atos municipais. No entanto, não fez qualquer limitação em incluí-los, atribuindo ao legislador infraconstitucional a possibilidade de faze-lo, conforme redação dada ao § 1º. do mesmo art 102 (antigo § único, renumerado por força da EC nº 03/93).

Assim, não se trata de extensão da competência do STF por força de lei ordinária, o que obviamente deveria ser vedado. O que ocorre aqui, é que a competência para a apreciação da ADPF pelo STF já estava prevista desde o início da vigência da CF 88, vindo apenas o legislador ordinário regulamenta-la. Lembre-se, ainda, que uma das razões que levaram à criação da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, foi a possibilidade de que este mecanismo viesse a abarcar situações ainda não agraciadas pelos outros métodos de controle de constitucionalidade existentes.

Em relação ao Distrito Federal, poder-se-á dar o mesmo tratamento em relação aos municípios, em decorrência da competência que lhe foi auferida pela Constituição Federal, quando este legislar tipicamente no âmbito municipal (CF, art. 32, § 1º.).

d)Leis ou atos normativos anteriores à Constituição de 1988

As leis ou atos normativos anteriores à promulgação da CF 1988 não eram admitidos como objetos a serem discutidos pela Ação Direta de Inconstitucionalidade, em virtude da reiterada manifestação jurisprudencial da Suprema Corte. O STF sempre entendeu que em casos como este, a solução seria dada através do fenômeno da recepção da norma pré-constitucional pelo novo texto constitucional, interpretando que deveria haver a revogação de tais normas, em virtude da sua incompatibilidade com o texto constitucional, e não a declaração de sua inconstitucionalidade.

Após o início da vigência da atual Carta Constitucional, o tema foi discutido na ADIn 02-DF, antes mesmo da promulgação da Lei nº 9.882/99, na qual o relator, Ministro Paulo Brossard assim se posicionou:

O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser constitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as [42].

Na oportunidade, foram votos vencidos os Ministros Marco Aurélio e Sepúlveda Pertence. Para eles, não se trata de simples revogação, mas sim de "revogação qualificada", situando-se ambos em favor da inconstitucionalidade superveniente de lei anterior à Constituição.

Assim, com a estratificada orientação do STF, criava-se um vácuo no controle abstrato de constitucionalidade dos atos do Poder Público pretéritos à Constituição vigente, o que reflete em total prejuízo à segurança jurídica, ao ponto que a solução de controvérsias constitucionais envolvendo a recepção de tais normas, que deixaram de ter um instrumento definitivo de solução de controvérsias dessa natureza, com um definitivo instrumento de pacificação, dotado de eficácia erga omnes.

Tal possibilidade foi contemplada através da Lei nº 9.882/99, passando assim, a contar o sistema pátrio de controle de constitucionalidade com um mecanismo objetivo de fiscalização da constitucionalidade das normas inseridas no direito precedente. No direito comparado, observa-se essa possibilidade. Na Alemanha, em Portugal, na Itália e na Espanha, é admissível o controle de constitucionalidade do direito anterior à vigência das respectivas Constituições [43].

3.4.2.Princípio da subsidiariedade

A consagração do chamado Princípio da Subsidiariedade da ADPF, se deu com o conteúdo do art. 4º., § 1º. da Lei 9.882/99, que assim determina:

Art. 4º A petição inicial será indeferida liminarmente, pelo relator, quando não for o caso de argüição de descumprimento de preceito fundamental, faltar algum dos requisitos prescritos nesta Lei ou for inepta.

§ 1º Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade. (grifo nosso)

No início, esse princípio foi inspirado em condicionamento semelhante existente nos mecanismos constitucionais germânico e espanhol, cuja possibilidade de utilização se limitam ao esgotamento das demais instâncias judiciais para a tutela do direito fundamental.

O STF, em julgamento à algumas ADPF´s já aplicou tal princípio, em virtude do cabimento de outros meios possíveis para sanar a lesividade de preceito constitucional fundamental. Vejamos:

ADPF 17 AgR / AP – Argüição De Descumprimento De Preceito Fundamental (CF, ART. 102, § 1º) - Ação especial de índole constitucional - Princípio da subsidiariedade (lei nº 9.882/99, art. 4º, § 1º) - Existência de outro meio apto a neutralizar a situação de lesividade que emerge dos atos impugnados - Inviabilidade da presente argüição de descumprimento - Recurso de agravo improvido.

ADPF 18 AgR / CE – Argüição De Descumprimento De Preceito Fundamental. Agravo regimental. 2. Visa a ação desconstituir ato do Governador do Estado do Ceará que, concordando com a conclusão a que chegou a Comissão Processante da Procuradoria de Processo Administrativo-Disciplinar - PROPAD, da Procuradoria-Geral do Estado - PGR, nos autos do Processo Administrativo-Disciplinar n.º 270/97, determinou a lavratura de ato de demissão de policial civil. 3. Negado seguimento por despacho, ao fundamento de que "não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver outro meio eficaz de sanar a lesividade", nos termos da Lei n.º 9.882/99, art. 4º, § 1º. 4. Agravo regimental em que se defende a inexistência de outro meio eficaz para sanar a lesividade que aponta. Aduz suspeição do TJCE. 5. Os vícios do processo disciplinar e a nulidade do ato de demissão estão sendo objeto de ação ordinária em curso na Justiça local cearense, ajuizada com pedido de antecipação de tutela, já deferida. 6. Se ainda não ocorreu o cumprimento da decisão judicial de primeiro grau, não seria a medida judicial ora ajuizada no STF a via adequada a assegurar a imediata execução do decisum. Incabível discutir a alegada parcialidade da Corte de Justiça do Ceará para processar e julgar as medidas judiciais requeridas. 7. Agravo regimental a que se nega provimento.

Não há dúvida que o Princípio da Subsidiariedade exclui a possibilidade da argüição, sempre que outro instrumento de fiscalização abstrata de constitucionalidade for suficiente para sanar a lesão ou ameaça de lesão ao preceito constitucional defendido. Assim, v. g., não cabe a ADPF para a retirada do mundo jurídico de lei ou ato normativo estadual, posterior à Constituição de 1988, pois para isso já existe a ADIn. Do mesmo modo, a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental será inadmissível para a declaração da constitucionalidade de lei ou ato normativo federal superveniente à ordem constitucional, pois para tal finalidade á possível o uso da ADCon.

Contudo, em relação à argüição incidental, a questão torna-se mais complexa. É possível sustentar, com base no teor literal do art. 4º., § 1º. da Lei 9.882/99, que a simples existência de qualquer recurso contra a decisão judicial questionada é suficiente para afastar o cabimento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Tal entendimento reduziria a quase nada tal modalidade de ADPF, pois é praticamente impossível que não exista, em um caso concreto, algum remédio apto para tutelar o direito das partes revestido de dimensão constitucional.

Gilmar Ferreira Mendes, no entanto, defende entendimento diverso, baseando-se na premissa que o objetivo que prevalece na ADPF, mesmo incidental, é a tutela da higidez do ordenamento jurídico, e não a defesa dos interesses concretos do autor. Segundo Mendes, não se pode admitir que a existência de processos ordinários e recursos extraordinários deva excluir, a priori, a utilização da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Até porque, tal como assinalado, o instituto assume, entre nós, feição marcadamente objetiva.

Nessas hipóteses, continua o eminente Ministro, ante a inexistência de processo de índole objetiva apto a solver, de uma vez por todas, a controvérsia constitucional, afigura-se integralmente aplicável a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. É que, em seu entendimento, as ações originárias e o próprio recurso extraordinário não parecem capazes, na maioria das vezes, de resolver a controvérsia constitucional de forma geral, definitiva e imediata. A necessidade de interposição de uma pletora de recursos extraordinários idênticos poderá, em verdade, constituir-se em ameaça ao livre funcionamento do STF [44].

Nas hipóteses de argüição incidental, o STF deverá examinar, caso a caso, se realmente a questão constitucional ventilada ostenta relevante interesse público. O interesse público deve ser entendido aqui não como não como o consistente na resolução da controvérsia que tenha ensejado a argüição, pois, por mais relevante que seja o caso, para dirimi-lo devem ser utilizados os inúmeros recursos próprios do ordenamento processual. Caso contrário, permitir-se-ia o acesso indiscriminado ao STF para resolver conflitos intersubjetivos concretos, com o atropelo das instâncias recursais competentes, o que representaria uma afronta ao devido processo legal e ao princípio do juiz natural. Além disso, acabar-se-ia inviabilizando por completo o Pretório Excelso, pela sobrecarga de trabalho.

Na opinião de Daniel Sarmento, as hipóteses de argüição incidental sem a prévia exaustão das instâncias ordinárias, só podem ser admitidas naqueles casos em que existir um grande número de processos idênticos, gravitando em torno da mesma questão constitucional. Assim, quando não for cabível a resolução da questão constitucional por meio dos instrumentos abstratos de controle de constitucionalidade, será possível o emprego da ADPF. Isso evitará que se estenda desnecessariamente a insegurança jurídica decorrente da dúvida sobre a constitucionalidade de certos atos estatais, e evitará o congestionamento desnecessário do Poder Judiciário, que será poupado do ônus de julgar um sem-número de processos rigorosamente iguais.

Sobre o autor
José Ayres dos Santos Junior

Auditor Fiscal em Cascavel– PR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS JUNIOR, José Ayres. Argüição de descumprimento de preceito fundamental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 292, 25 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5080. Acesso em: 22 nov. 2024.

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