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Argüição de descumprimento de preceito fundamental

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Agenda 25/04/2004 às 00:00

IV-ASPECTOS PROCESSUAIS DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL

Desde sua criação na Constituição Federal, a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, embora não regulamentada, já possuía alguns traços característicos. Pela posição ocupada no texto constitucional, constituía mecanismo de controle de constitucionalidade. A previsão, na Lei 9.882/99, confirmou sua natureza de ação, instrumento especial de provocação da jurisdição constitucional.

4.1.Competência jurisdicional em defesa da ordem constitucional

A ADPF, da mesma forma que a ADIn e a ADCon, proporciona um "processo objetivo", constituindo meio adequado para a solução de uma questão constitucional, provocando a chamada jurisdição constitucional.

A possibilidade de criação de um controle abstrato de constitucionalidade por meio de tal processo objetivo não destinado, essencialmente, à defesa de um direito subjetivo havia sido considerada pela doutrina constitucional alemã, em 1879. Mais especificamente por Rudolf von Gneist, para quem

a idéia de que, como pressuposto de qualquer pronunciamento jurisdicional, devessem existir dois sujeitos, que discutissem sobre direitos subjetivos, isto é, que qualquer pronunciamento jurisdicional somente pudesse ser visto como proteção a direitos subjetivos, continha uma petição de princípio civilista (civilistische petitio principi) [45].

A finalidade desses instrumentos de fiscalização concentrada de constitucionalidade não é diretamente a defesa de um direito subjetivo, mas a defesa da ordem constitucional objetiva, a proteção da Constituição. No entanto, não deixam de ser verdadeiras ações, porque assumem papel relevante na verificada evolução da jurisdição individual para a jurisdição coletiva.

Mesmo a argüição incidental, que se propõe, primeiramente, à defesa dos direitos fundamentais, acaba também proporcionando a defesa do conteúdo essencial à Constituição por meio de uma fiscalização de constitucionalidade que permite extrair do STF as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito constitucional.

Aliás, embora seja tradicional a distinção entre processo constitucional objetivo (proteção da ordem jurídico-constitucional) e processo constitucional subjetivo (proteção de interesses individuais juridicamente protegidos), tem-se que, neste caso, não está ausente o propósito de uma defesa objetiva do direito constitucional, enquanto naquele, não está ausente a idéia de proteção de direitos e interesses juridicamente protegidos [46]

Por se tratar de instituto que proporciona a jurisdição constitucional, a própria Carta Magna [47] estabelece que o STF será competente para processar e julgar a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

É possível admitir a existência de argüição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição Estadual. A ausência de previsão constitucional não pode ser considerada uma negativa implícita. O federalismo supõe diversidade entre as unidades federadas e não há impossibilidade de um Estado-membro apresentar um preceito constitucional estadual próprio que lhe seja fundamental. A competência jurisdicional, neste caso, seguindo parâmetro estabelecido pelo art. 125, § 2º., da CF 1988, seria do Tribunal de Justiça estadual.

4.2.Legitimados para propor a ADPF

Segundo previsão expressa no art. 2º. da Lei 9.882/99, os co-legitimados para a propositura da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental são os mesmos co-legitimados para a propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade previstos no art. 103 da CF 1988. Vejamos o dispositivo ordinário:

Art. 2º Podem propor argüição de descumprimento de preceito fundamental:

I - os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade;

II - (VETADO)

§ 1º Na hipótese do inciso II, faculta-se ao interessado, mediante representação, solicitar a propositura de argüição de descumprimento de preceito fundamental ao Procurador-Geral da República, que, examinando os fundamentos jurídicos do pedido, decidirá do cabimento do seu ingresso em juízo.

§ 2º (VETADO)

Segundo o texto constitucional, são legitimados para a propositura da ADPF, o Presidente da República, a Mesa da Câmara dos Deputados, a Mesa do Senado Federal, as Mesas das Assembléias Legislativas, os Governadores de Estado, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da OAB, partidos políticos com representação no Congresso Nacional e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

O Presidente da República vetou o inciso II, do parágrafo único, do art. 1º., da Lei 9.882/99, que permitia a propositura ampla da argüição por qualquer prejudicado, nos termos do recurso de amparo previsto nas legislações espanhola e argentina. Trataremos deste aspecto em tópico específico, a seguir.

A regulamentação do art. 102, § 1º., da CF distanciou, portanto, a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental de seus modelos correlatos austríaco e alemão, pois não permitiu acesso direto ao STF a qualquer pessoa que afirme ter sido diretamente lesionada em face do descumprimento de preceitos fundamentais previstos constitucionalmente, havendo a previsão taxativa dos mesmos co-legitimados para o ajuizamento da ADIn [48].

4.2.1.Legitimação para utilizar a via incidental da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental

A ADPF não é mais um recurso, em meio a um sistema que se pode considerar bastante vasto nesta seara. Trata-se, antes, de um instrumento apto a provocar o conhecimento imediato do STF, e isso ocorre tanto na ADPF por via de ação direta quanto na argüição incidental. A provocação imediata do STF é traço característico de qualquer modalidade de argüição de descumprimento.

Mesmo no caso da argüição incidental, tem-se que não há mera mudança de nome quanto ao Recurso Extraordinário. A distinção existe exatamente na possibilidade de impugnação imediata para o STF, presente na argüição, e, ainda, na necessária superação de várias instâncias judiciais, exigível apenas no caso do recurso extraordinário. Ademais, a argüição só será cabível para a tutela dos preceitos fundamentais constitucionais.

A solução apresentada por André Ramos Tavares em sua tese de doutorado, intitulada Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental [49], indicando a existência de duas modalidades de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, uma autônoma, proposta diretamente à Suprema Corte e outra incidental, amplia a restrita legitimidade prevista na lei orgânica da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Assim, ao se atribuir à primeira hipótese a regra da legitimidade do art. 103 da CF (como determina o art 2º., I da Lei), afasta, contudo o dispositivo em se tratando da modalidade incidental. Para o caso desta argüição, já que se trata de modalidade que surge necessariamente no curso de uma demanda judicial qualquer (consoante o § único do art 1º.), tem-se que a legitimidade será de qualquer pessoa, desde que seja parte desta demanda originária. Assim, embora com o veto presidencial, a tese sustenta que permaneceu a possibilidade de qualquer interessado apresentar perante o STF a questão constitucional discutida em seu processo, desde que envolva preceito fundamental, desde que seja relevante (para a nação) a sua apreciação pela Corte Máxima e, finalmente, desde que apareça no curso de uma demanda judicial já instaurada.

4.3Motivos que levaram ao veto presidencial ao inciso II do art. 2º. da Lei 9.882/99

Se o extenso rol dos legitimados para propor a Ação Direta de Inconstitucionalidade faz com que o sistema brasileiro de constitucionalidade das leis seja tido como um dos mais benevolentes do mundo, o mesmo não se pode dizer em relação à Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, haja vista que foi vetado pelo Presidente da República o inciso II do art. 2º. da Lei 9.882/99, que facultava a qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público manejar o novel instrumento.

A expectativa da doutrina, que via na ADPF um instituto semelhante ao recurso constitucional alemão, precipuamente pelo fato de que qualquer um poderia utiliza-lo, sobretudo para salvaguardar os preceitos constitucionais fundamentais, certamente foi por água abaixo diante da Mensagem de Veto nº 1.807, publicada no Diário Oficial da União em 6 de dezembro de 1999.

Não há dúvidas de que a possibilidade de qualquer pessoa manusear um instrumento tão valioso perante a Corte Suprema, faria com que houvesse uma sobrecarga do número de processos na Corte e, possivelmente, muitos deles não teriam a correlata relevância jurídica e consistência nas argüições propostas, tal como explicita o veto.

A despeito do exagero na interposição dos recursos constitucionais perante a Corte alemã, o correto é que melhor solução teria o dispositivo vetado se porventura existisse uma delimitação dos requisitos para o conhecimento da argüição proposta por qualquer pessoa e fosse modificada a competência do Supremo Tribunal Federal, de forma a permitir a sua viabilidade funcional.

O sistema difuso de controle de constitucionalidade das leis revela, por um lado, a preocupação da garantia aos juízes e tribunais da independência de seus julgados, e também, por outro, o livre acesso do cidadão à justiça constitucional. Todavia, a possibilidade de qualquer brasileiro levantar a ADPF junto ao STF representaria uma ponte entre o sistema difuso e o concentrado [50].

O que sobrou, nesse caso, para qualquer pessoa que se sinta lesada, ou que tenha receio de se sentir lesada, por lei ou ato do Poder Público que contrarie, ou venha a contrariar preceito constitucional fundamental, é a representação ao Procurador-Geral da República, que, examinando os fundamentos jurídicos do pleito, decidirá do cabimento de seu ingresso em juízo, segundo lhe faculta o § 1º., do art. 2º., da Lei 9.882/99. [51]

4.4.Requisitos da petição inicial

A petição inicial, não existindo prazo para ajuizamento, deve conter os requisitos descritos na Lei 9.882/99, quais sejam:

Art. 3º A petição inicial deverá conter:

I - a indicação do preceito fundamental que se considera violado;

II - a indicação do ato questionado;

III - a prova da violação do preceito fundamental;

IV - o pedido, com suas especificações;

V - se for o caso, a comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado.

Parágrafo único. A petição inicial, acompanhada de instrumento de mandato, se for o caso, será apresentada em duas vias, devendo conter cópias do ato questionado e dos documentos necessários para comprovar a impugnação.

Percebe-se a constante presença, entre os requisitos da petição inicial, do parâmetro de sindicabilidade da ADPF, qual seja, o preceito constitucional fundamental supostamente violado. É necessário indicá-lo – embora o STF não esteja limitado, no desempenho de sua função jurisdicional, às razões deduzidas na inicial –, bem como provar sua violação, a fim de preservá-lo.

Também, nota-se como um dos requisitos da petição inicial, a necessidade de "comprovação da existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado".

Como já observado, a relevância da controvérsia judicial está diretamente associada ao descumprimento de preceito fundamental, pois sempre será relevante a controvérsia em que se discute o descumprimento de preceito constitucional fundamental.

A eventualidade trazida pela expressão "se for o caso" tem razão de ser apenas em virtude da possibilidade de existência de uma argüição incidental, que pressupõe um processo anterior, tramitando pela jurisdição ordinária.

A petição inicial, conforme o § único do art. 3º., da Lei 9.882/99, deverá ser apresentada em duas vias, devendo conter cópias do ato questionado e dos documentos necessários à comprovar a impugnação. Se for o caso, deverá estar acompanhada de instrumento de mandato.

A capacidade processual, estabelecida no art. 2º., inc. I, da Lei 9.882/99, não se confunde com a capacidade postulatória. A primeira diz respeito à aptidão para ser parte (no caso, parte meramente em sentido formal), enquanto a segunda vem a ser a aptidão para realizar, com eficácia, atos do processo.

Os legitimados para propor a ADPF devem se fazer representar judicialmente por advogado, conforme entendimento do mestre Clèmerson Merlin Clève [52], que desempenha função indispensável à administração da justiça, conforme dispositivo contido no art 133 da CF 1988.

A expressão "se for o caso", do art. 3º. § único, refere-se, especificamente ao Procurador-Geral da República, o qual, por motivos óbvios não apresentará instrumento de mandato. Todos os demais legitimados para propor a argüição necessitam estar representados judicialmente por advogado.

Se houver indeferimento da petição inicial, caberá agravo (conforme art. 4º., § 2º., da Lei 9.882/99), no prazo de cinco dias, e de acordo com as disposições regimentais do STF. O indeferimento liminar da petição inicial, pelo próprio relator (em decisão monocrática), poderá se dar quando não for o caso de argüição, quando faltar alguns dos requisitos exigidos pelo art. 3º. da Lei, ou quando for inepta, de acordo com o art. 4º., caput, do mesmo diploma legal.

4.5.Desistência da ação

O processo objetivo em que se verifica a constitucionalidade de um ato normativo ou de um comportamento do Poder Público está sujeito ao princípio da indisponibilidade de instância, não admitindo a desistência da ação proposta.

De acordo com o art. 169 do Regimento Interno do STF, na proposta a representação, não se admitirá desistência, ainda que ao final o Procurador-Geral se manifeste pela sua improcedência.

Esse preceito foi elaborado na vigência da Constituição Federal anterior, por isso se refere à "Representação de Inconstitucionalidade", e estabelece a impossibilidade de desistência somente quando intentada pelo Procurador-Geral da República.

Assim, é perfeitamente adequado à sistemática atual de fiscalização de constitucionalidade, a fim de possibilitar que seja estendido não só a ADIn, mas também a ADIn por Omissão e, finalmente à Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Nesta mesma esteira, está o art. 5º. da Lei 9.868/99 – Lei Orgânica das ações de inconstitucionalidade: "Proposta a ação direta, não se admitirá desistência".

4.6.Instrução probatória

O art. 6º da Lei 9.882/99 dispõe que o relator "solicitará as informações às autoridades responsáveis pela prática do ato questionado, no prazo de dez dias".

Estas informações são justificáveis pela procura objetiva da defesa da Constituição. A falta de informações não gera a produção dos efeitos atinentes à revelia, pois estes são inaplicáveis no caso do controle de constitucionalidade objetivo. Ainda, esclarecemos que a autoridade responsável não contesta no sentido técnico da expressão, embora possa refutar os argumentos da inicial.

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Há uma notável diretriz, apontada pela lei, permitindo ao relator, se entender necessário, ouvir as partes que ensejaram o processo de argüição, requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que seja emitido parecer sobre a questão, ou ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria. Por vezes, para que seja proferida a decisão, é necessário o enfrentamento de questões técnicas, cujo conhecimento pode estar além dos adquiridos pelo magistrado.

Essas possibilidades dadas ao STF na fase de instrução da argüição, visam a "busca objetiva da garantia do preceito constitucional fundamental, supostamente violado" [53]. A Lei 9.882/99 amplia o direito de manifestação de diferentes órgãos ou entidades no controle concentrado, quando também à instrução probatória, sempre que necessária.

Outra possibilidade dada ao STF é a solicitação de pareceres de peritos ou personalidades que disponham de conhecimentos específicos sobre determinada área, caso se revelem imprescindíveis para o esclarecimento de uma dada questão (art. 6º, § 1º, da Lei 9.882/99).

Ainda, também, a critério do relator, poderão ser autorizadas a sustentação oral e a juntada de memoriais, por requerimento dos interessados no processo. É conveniente, devendo o STF praticar esta conduta, possibilitar a sustentação oral ou a apresentação de memoriais, sempre que forem produzidas provas no decorrer do processo, abrindo aos interessados a possibilidade de manifestarem-se sobre elas.

Na argüição incidental, existirá a discussão acerca de um direito fundamental que se pretende preservar. A argüição incidental tem origem em um processo envolvendo interesses subjetivos; apesar de provocar um controle concentrado de constitucionalidade, este também é um controle concreto, devendo, portanto, a sustentação oral ou a juntada de memoriais fazerem-se presentes, não ficando meramente a juízo do relator, mas dependente simplesmente de requerimento dos interessados. Decorrido o prazo das informações, o relator lançará o relatório, com cópia a todos os Ministros, e pedirá dia para inclusão na pauta de julgamentos. O Ministério Público, nas argüições que não houver formulado, terá vista do processo por cinco dias, após o decurso do prazo para informações [54]. Aliás, a manifestação do Procurador-Geral da República, em processos de competência do STF, encontra-se estabelecida constitucionalmente, no art. 103, § 1º.

4.7.Decisões cautelar e final na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental

O grande desafio de caracterizar-se a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental como um instrumento de proteção não só da Constituição Federal, mas, principalmente, dos chamados preceitos constitucionais fundamentais, encontra-se nos efeitos que proporcionam suas decisões.

Para uma exata e merecida delimitação dos efeitos da argüição, é necessário entendê-la como instrumento de proteção da Carta Constitucional e dos direitos e preceitos fundamentais nela contidos. Essa afirmação, sem dúvidas, traz conseqüências aos efeitos proporcionados por esse instrumento de fiscalização de constitucionalidade.

Precede a análise dos aspectos legais dos efeitos das decisões cautelar e final na argüição, necessariamente, o estudo de seus parâmetros constitucionais que delimitam a atividade do legislador ordinário, sob pena de sua inconstitucionalidade.

Primeiramente, cabe lembrar que a argüição é instrumento de verificação de descumprimento, e não de cumprimento de preceito fundamental. Dessa forma, a produção de efeitos da decisão nessa ação justifica-se, na medida em que, com sua procedência, declara-se o descumprimento (ou inconstitucionalidade) de um ato do Poder Público contrário a preceito constitucional fundamental. A ADPF não proporciona a confirmação de presunção de constitucionalidade dos atos do Poder Público, sua improcedência não produz efeitos.

A verificação do descumprimento (e tão-somente deste) é característica constitucional do instituto, expressa no art. 102, § 1º., da CF. Em um Estado instituído como Estado Social Democrático de Direito, não poderia ser outra a interpretação dada ao instituto, sob pena de pretender criar e implementar um instrumento de proteção e ratificação dos atos do Poder Público; sendo que a própria idéia de Constituição tem por origem a defesa e a preservação de direitos fundamentais contra abusos e arbitrariedades cometidas pelo Estado.

Pretender transformar o STF em instância única, e não última, de fiscalização e confirmação dos atos do Poder Público seria transformá-lo em um órgão autoritário e ilegítimo de poder, hipótese essa contrária ao Estado Social Democrático de Direito.

Segundo Mandelli, o compromisso constitucional a que está submetido o STF é a guarda da Constituição, traduzida na proteção dos direitos fundamentais e não na defesa da governabilidade [55].

Essas considerações iniciais devem nortear a interpretação da ADPF, bem como delimitar todos os efeitos das decisões nela proferidas.

4.8.A decisão cautelar

A possibilidade de medida cautelar tem fundamento no amplo poder geral de cautela que é dado ao Poder Judiciário no exercício da atividade jurisdicional.

A previsão constitucional expressa de pedido de medida cautelar no controle concentrado de constitucionalidade coube à EC 07/77, que também estabeleceu a possibilidade de o STF, originariamente, processar e julgar a anteriormente denominada representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual.

A tutela cautelar fundamenta-se na segurança e garantia do eficaz desenvolvimento das demais atividades jurisdicionais (cognição e execução), criando condições para que seja atingido o escopo geral da jurisdição, assegurando o resultado do processo principal e eliminando situações de perigo.

Nos ensinamentos de Clèmerson Merlin Clève, a concessão de medida cautelar, pelo STF, condiciona-se a certos requisitos, quais sejam,

(a) na plausibilidade jurídica da tese exposta (fumus boni iuris), (b) na possibilidade de prejuízo decorrente do retardamento da decisão postulada (periculum in mora), (c) na irreparabilidade ou insuportabilidade dos danos emergentes dos próprios atos impugnados; e (d) na necessidade de garantir a ulterior eficácia da decisão. [56]

A possibilidade de concessão de cautelar na ADPF encontra-se prevista de forma expressa no art. 5º. da Lei 9.882/99, que estabelece que

O Supremo Tribunal Federal, por decisão da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir pedido de medida liminar na argüição de descumprimento de preceito fundamental.

Atualmente, a previsão normativa de pedido de medida cautelar, além da Lei 9.882/99, encontra-se expressa no texto constitucional no art. 102, I, p, quanto às ADIn’s, e na Lei 9.868/99, para estas, nos arts. 10 a 12, e para as ADCon’s, no art. 21.

4.8.1.Competência para a concessão de liminar

Verifica-se que, no art. 5º. da Lei 9.882/99 acima citado, a competência para conceder o pedido de medida cautelar corresponde ao quorum de maioria absoluta dos Ministros do STF.

Ainda, dispõe art. 8º. da mesma Lei, que

A decisão sobre a argüição de descumprimento de preceito fundamental somente será tomada se presentes na sessão pelo menos dois terços dos Ministros.

Necessário, portanto, diferenciar um quorum de instalação e julgamento da decisão da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, que corresponde a, pelo menos, oito Ministros, conforme o dispositivo acima, e o quorum de concessão (deferimento) de liminar, de maioria absoluta, ou seja, pelo menos seis Ministros, disposto no referido art. 5º. da Lei 9.882/99, acima transcrito.

Excepcionalmente, conforme o art. 5º., § 1º., do diploma legal que regulamenta a ADPF,

Em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave, ou ainda, em período de recesso, poderá o relator conceder a liminar, ad referendum do Tribunal Pleno.

De acordo com o professor Michel Temer, a concessão de cautelar é exceção ao princípio de presunção de constitucionalidade das leis e atos do Poder Público; portanto, essa possibilidade de concessão deve ser interpretada restritivamente, pois a regra é a da não-invalidação do ato. [57] No mesmo sentido, o mestre Clèmerson Merlin Clève descreve que

O STF define a medida cautelar como providência excepcional, devendo a excepcionalidade da medida ser considerada como um expressivo fator limitativo de sua concessão. Afinal, os atos estatais gozam de presunção juris tantum de legitimidade. [58]

Se a concessão de medida cautelar já se reveste de caráter excepcional, o seu deferimento tão só pelo Ministro Relator, embora ad referendum do Pleno, deve ser medida excepcionalíssima, exigindo necessariamente os requisitos de extrema urgência ou perigo de lesão grave, advindos da não suspensão do ato emanado do Poder Público.

Ainda, dispõe o § 2º. do citado art 5º. da Lei 9.882/99, que

O relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades responsáveis pelo ato questionado, bem como o Advogado-Geral da União ou o Procurador-Geral da República, no prazo comum de cinco dias.

4.8.2.Efeitos da decisão cautelar

Como já assinalado, a previsão de uma modalidade incidental de ADPF decorre de dispositivo assimetricamente colocado na Lei 9.882/99, entre eles o § 3º. do art. 5º., que estabelece os possíveis efeitos da decisão cautelar. [59]

A possibilidade de suspensão do andamento de processo ou dos efeitos das decisões judiciais foi muito criticada por parte da doutrina que entendia se tratar de uma espécie de avocatória [60].

A fim de tirar do dispositivo essa pecha de avocatória, preservando sua constitucionalidade, é necessário estabelecer-se uma interpretação conforme, com o objetivo de proporcionar à medida uma condição de incidente de inconstitucionalidade nos moldes daqueles instituídos no direito europeu, em defesa dos direitos fundamentais, e não de um verdadeiro "incidente de inconstitucionalidade às avessas, em defesa de medidas governamentais".

Marco Aurélio de Mello, em entrevista para o jornal Folha de São Paulo, em 22/04/2001, na posição de Presidente do STF, indagado sobre a possibilidade de apreciar individualmente pedidos do governo de suspensão das decisões judiciais, respondeu que "existe uma espécie de medida em uso, que não está contemplada na Carta (Constitucional). Está apenas na legislação ordinária. Então deve ser encarada pelo menos com alguma reserva. Se há o processo tramitando em outro tribunal, o certo é aguardar o julgamento".

O sistema complexo de controle de constitucionalidade adotado pela Constituição de 1988 contempla tanto o controle concentrado quanto o controle difuso, permitindo que se retire do seu texto um direito constitucional implícito à jurisprudência, no sentido de que uma posição final do Poder Judiciário acerca de uma matéria de relevância constitucional seja tomada após um determinado período, observando tendências apontadas por juízes e tribunais.

O STF, atuando no controle concentrado de constitucionalidade, deve agir, com moderação, comedimento e parcimônia, com o objetivo de não sufocar, de forma prematura, a formação livre e espontânea da convicção de juízes e tribunais na jurisdição ordinária.

A concessão de medida cautelar, com seus efeitos, apenas estaria de acordo com a Constituição se tivesse por objetivo evitar ou reparar lesão a outro direito fundamental. Isso porque uma das características dos direitos fundamentais é a limitabilidade, ou seja, possíveis espaços de tensão entre os direitos fundamentais que devem ser resolvidos adotando-se um regime de cedência recíproca, utilizando tanto o princípio da unidade da Constituição como o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais.

A defesa de uma política governamental, refletida em atos do Poder Público, por meio de decisões, inclusive a cautelar, nas argüições de descumprimento deve ser descartada, sob pena de desvirtuar-se o controle de constitucionalidade.

Na ADPF 10-AL, o relator, Min. Maurício Corrêa, em decisão monocrática, após conturbada suspensão de julgamento, deferiu a primeira liminar em sede de ADPF, suspendendo a vigência de dispositivos do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Alagoas, que estabelecia uma ação de reclamação para a preservação da competência do mesmo Tribunal e a garantia de suas decisões, apresentando os seguintes argumentos:

Resta evidente, contudo, o risco de dano irreparável ou de difícil reparação e o fundado receio de que, antes do julgamento deste processo, ocorra grave lesão ao direito do requerente, em virtude das ordens de pagamento e de seqüestro de verbas públicas, desestabilizando-se as finanças do Estado de Alagoas. Ante tais circunstâncias, com base no artigo 5º, § 1º, da Lei nº 9.882/99, defiro, "ad referendum" do Tribunal Pleno, o pedido cautelar e determino a suspensão da vigência dos artigos 353 a 360 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas, de 30 de abril de 1981, e, em conseqüência, ordeno seja sustado o andamento de todas as reclamações ora em tramitação naquela Corte e demais decisões que envolvam a aplicação dos preceitos ora suspensos e que não tenham ainda transitado em julgado, até o julgamento final desta argüição. Comunique-se, com urgência, ao Governador do Estado de Alagoas e ao Presidente do Tribunal de Justiça estadual.

Ainda, verifica-se que o dispositivo em apreço (art. 5º., § 3º., da Lei 9.882/99) ressalva, dos efeitos da cautelar concedida, a coisa julgada. Esta é garantia constitucional fundamental, de acordo com o art. 5º., XXXVI da Carta Magna, não podendo ser atacada, mesmo que não houvesse previsão de exceção expressa. Na coisa julgada, o direito incorpora-se ao patrimônio de seu titular por força da proteção que recebe da imutabilidade da decisão judicial [61].

4.9.A decisão final

A decisão final está submetida ao pedido, que na argüição encontra-se delimitado constitucionalmente pela verificação do descumprimento de preceito constitucional fundamental – jamais no cumprimento – pelo ato sindicável do Poder Público.

4.9.1.Competência para a decisão final

Da mesma forma que em relação às decisões de pedido cautelar, torna-se necessário verificar-se a exigência de um quorum de instalação da sessão de julgamento e um quorum de decisão ou julgamento, responsável em declarar o descumprimento de preceito constitucional fundamental.

O quorum de instalação encontra-se previsto no art. 8º. da Lei 9.882/99, e é o mesmo utilizado para os pedidos cautelares, qual seja, a presença mínima de dois terços dos Ministros. Sendo o STF composto por onze ministros, torna-se necessária a presença de, pelo menos, oito Ministros para iniciar o julgamento definitivo.

Já o quorum de decisão ou julgamento estava previsto no mesmo artigo, § 1º., que estabelecia quorum idêntico ao da instalação, qual seja, pelo menos dois terços dos Ministros para considerar a argüição procedente ou improcedente. No entanto, tal dispositivo foi vetado no momento da deliberação executiva. Na motivação deste ato presidencial, o chefe do Executivo assim se manifestou, em sua Mensagem de Veto nº 1.807, de 03 de dezembro de 1999, acerca do dispositivo em comento:

O § 1º do art. 8º exige, para o exame da argüição de descumprimento de preceito fundamental, quorum superior inclusive àquele necessário para o exame do mérito de ação direta de inconstitucionalidade. Tal disposição constituirá, portanto, restrição desproporcional à celeridade, à capacidade decisória e a eficiência na prestação jurisdicional pelo Supremo Tribunal Federal. A isso, acrescente-se a consideração de que o escopo fundamental do projeto de lei sob exame reside em ampliar a eficácia e o alcance do sistema de controle de constitucionalidade, o que certamente resta frustrado diante do excessivo quorum exigido pelo dispositivo ora vetado. A fidelidade à Constituição Federal impõe o veto da disposição por interesse público, resguardando-se, ainda uma vez, a viabilidade funcional do Supremo Tribunal Federal e a presteza nas suas decisões.

Opõe-se ao § 2º do art. 8º veto decorrente do veto oposto ao § 1º do art. 8º, de cujo conteúdo normativo o § 2º encontra-se inequivocamente dependente e de cujos vícios comunga.

Com o veto, impõe-se a aplicação do art. 97 da CF, tendo como quorum para a decisão ou julgamento o voto da maioria absoluta dos Ministros do STF.

4.9.2.Interpretação e aplicação do preceito fundamental

Após julgada a ação, conforme dispõe o art. 10 da Lei 9.882/99, o STF comunicará às autoridades ou órgãos responsáveis pelo ato impugnado, fixando as "condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental".

O legislador ordinário, no caput do art. 10, pretendeu inserir no julgamento da ADPF, técnicas de decisão, que já vinham sendo admitidas pelo STF no controle concentrado de constitucionalidade, a fim de preservar um ato normativo editado pelo Poder Público, como a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de nulidade sem redução de texto.

A aplicação destas técnicas conduz à preservação da norma e a uma restrição das possibilidades de interpretação, excluindo alternativas inconstitucionais. Como se verifica da jurisprudência do STF é difícil identificar uma identidade própria na utilização de cada uma das duas técnicas.

Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior distinguem a interpretação conforme a Constituição e a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto. Atribuem à primeira técnica o "aproveitamento de um dos sentidos possíveis de interpretação de uma lei, desde que compatível com o texto constitucional, desprezando outras possibilidades interpretativas que levariam à inconstitucionalidade da norma". Já quanto à segunda técnica, entendem que com o seu uso, "o órgão jurisdicional não indica qual a interpretação adequada, mas só exclui uma ou algumas possibilidades interpretativas existentes, deixando a critério do intérprete a aplicação das diversas outras existentes". [62]

Essas técnicas, contudo, encontram restrições, pois só são legitimamente aplicadas quando existe um espaço de decisão na norma que admite a possibilidade de mais de uma interpretação. O STF não pode distorcer o sentido da norma nem adulterar a clara intenção do legislador para salvar a lei, pois estaria agindo como legislador positivo.

Na argüição de descumprimento, outros limites, ainda, devem ser colocados, pois esta ação pode ter como objeto sindicável ato concreto do Poder Público, não normativo, que não admita um espaço de decisão necessário para a aplicação das referidas técnicas de interpretação.

Outras técnicas de decisão, sobretudo na jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão, são observadas, como a "declaração de norma ainda constitucional, mas em trânsito para a inconstitucionalidade" [63], e o "apelo ao legislador" [64].

No entanto, todas essas técnicas, inclusive as anteriormente citadas, suscitam problemas de aplicação no direito brasileiro. Os efeitos da decisão alcançam apenas sua parte dispositiva, que declara ou não o descumprimento da Constituição; os fundamentos ou a motivação da decisão não são alcançados pela coisa julgada, o que obriga o STF a incorporá-los na parte dispositiva, a fim de superar o problema.

O uso dessas técnicas, nunca é demais lembrar, está vinculado à proteção dos direitos fundamentais, dos objetivos fundamentais e dos fundamentos do Estados brasileiro, que condicionam a interpretação de todas as normas jurídicas, sejam elas constitucionais ou infraconstitucionais, bem como, evidentemente, norteiam as decisões jurisdicionais.

4.9.3.Efeitos da decisão final

Os efeitos da decisão final passam a ser tratados a partir do art. 10 da Lei 9.882/99.

Os dois primeiros parágrafos do art. 10 determinam a publicação da parte dispositiva em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União, bem como seu imediato cumprimento, antes mesmo de lavrado o acórdão.

A informação e a exigência do cumprimento da decisão, antes de sua publicação na imprensa oficial, é faculdade concedida ao Presidente do STF, que verificará a razoabilidade e a necessidade prévia dessa determinação, ante o descumprimento de preceito constitucional fundamental. Essa possibilidade revela a importância da argüição como instrumento de proteção da Constituição e dos direitos fundamentais.

Determina, ainda, o art. 12 da Lei 9.882/99 que:

A decisão que julgar procedente ou improcedente o pedido em argüição de descumprimento de preceito fundamental é irrecorrível, não podendo ser objeto de ação rescisória.

O rigor da irrecorribilidade estabelecido no dispositivo não deve alcançar o cabimento dos embargos de declaração, em caso de obscuridade, dúvida, contradição ou omissão, na forma estabelecida pelo art. 337 do RISTF, pois com estes não se busca uma nova decisão, mas apenas aclarar a anterior, que será mantida.

Aliás, se o STF verificar a utilização do recurso como medida manifestamente protelatória poderá condenar o embargante em uma multa, nos termos do art. 339, § 2.º, do mesmo regimento.

Já os embargos infringentes, que objetivam a reforma da decisão não unânime, nos termos do art. 333 do RISTF, não poderão ser interpostos, em virtude da irrecorribilidade expressa do dispositivo legal (art. 12 da Lei 9.882/99).

Também são colocados obstáculos ao ajuizamento de ação rescisória, os quais devem ser observados com certas reservas, diante da possibilidade de mutação constitucional, que acarreta, por meio de uma interpretação constitucional evolutiva, um processo informal de alteração da Constituição, dentro de seus limites (espaço de interpretação da norma e preservação da essência da Constituição).

A lei, ainda, estabelece que a decisão terá eficácia contra todos, efeito vinculante e efeitos retroativos, passíveis de restrição. Esses efeitos demandam uma análise mais profunda, inclusive de sua constitucionalidade, e serão analisados, a seguir, em itens separados.

A)Eficácia erga omnes e efeito vinculante

Estabelece o art. 10, § 3.º, da Lei 9.882/99: "A decisão terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público".

Antes do estudo mais particular da eficácia erga omnes e do efeito vinculante, necessário recordar que apenas a decisão declaratória de descumprimento de preceito fundamental produzirá os efeitos pretendidos pelo legislador porque nenhuma relevância possuem as decisões que rejeitam o descumprimento.

Tratando das decisões que declaram a inconstitucionalidade, ensina Jorge Miranda:

Só esta concepção é compatível com a defesa da Constituição; só ela impede que tais sentenças venham como que a adquirir força constitucional, por não mais poderem ser reformadas; só ela assegura plena liberdade de julgamento do Tribunal Constitucional e dos demais Tribunais; só ela obsta a fraude à Constituição que seria qualquer órgão ou entidade com poder de iniciativa requerer a apreciação de certa norma para, uma vez obtida uma decisão de inconstitucionalidade, impedir que noutro momento, em qualquer tribunal ou no próprio Tribunal Constitucional, com ou sem a mesma composição, essa norma viesse a ser argüida. [65]

A eficácia contra todos ou eficácia oponível erga omnes da coisa julgada estende seus efeitos para além das partes envolvidas no processo.

A eficácia erga omnes confere à decisão uma força obrigatória geral, determinando, por meio de um efeito negativo cassatório do ato declarado inconstitucional (ou descumpridor de preceito constitucional fundamental), a sua não aplicação pelos tribunais e pelos órgãos e agentes do poder político do Estado, sempre que confrontado com uma situação que poderia ensejá-lo.

A força obrigatória geral da declaração de inconstitucionalidade é conseqüência do objeto da declaração. Os atos com características normativas contém uma regulamentação geral e abstrata; portanto declarar inconstitucional o ato deve atingir as mesmas situações e pessoas por ele abrangidas. O mesmo se dá com atos do Poder Público de efeitos concretos, que também são objetos sindicáveis da argüição, porém, em menor extensão, apenas aquela abrangida pelo ato.

Alarga-se, tanto quanto possível, o âmbito subjetivo da coisa julgada, com extensão dos seus limites subjetivos, atribuindo à decisão uma conseqüente vinculação geral, em virtude de lhe ser conferido o mesmo âmbito do ato sindicado, embora não tenha "valor de lei", pois não a substitui na estrutura do ordenamento jurídico.

A parte da decisão que proporciona efeito erga omnes é tão-somente o seu dispositivo, ou seja, a sua conclusão, na qual se declara ou não a inconstitucionalidade do ato impugnado. O próprio art. 10, § 2º. da Lei 9.882/99 determina a publicação apenas da parte dispositiva da decisão, não permitindo estender a vinculação aos motivos da decisão, ou seja, sua fundamentação jurídica.

A decisão que declara o descumprimento de preceito constitucional fundamental deve ser aplicada pelo próprio STF [66], que atua como agente negativo, ao caracterizar o ato do Poder Público como inconstitucional, como também pelos tribunais e juízes integrantes do Poder Judiciário.

Quanto ao efeito vinculante, previsto apenas pelo legislador ordinário, no art. 10, § 3º., da Lei 9.882/99, e não pela Constituição Federal, pelo menos no tocante à ADPF, não se podem dar características de efeito autônomo, mas sim conseqüência da eficácia erga omnes, dentro de limites comportáveis por esta.

O efeito vinculante não alcança os fundamentos ou motivos determinantes da decisão.

A tese da vinculação dos motivos determinantes da decisão encontra respaldo no controle concentrado de constitucionalidade do direito alemão, em virtude do art 94, 2, da Constituição alemã que trata da composição do Tribunal Constitucional Federal, dispondo que "Lei federal regula a sua constituição e o procedimento e determina em que casos as suas decisões têm força de lei [67]".

No entanto, essa tese, segundo Rui Medeiros, vem sendo objeto de crescente contestação na própria Alemanha, porquanto a doutrina e a jurisprudência vêm obtendo consciência de que o alargamento do efeito vinculativo aos fundamentos da decisão envolve o perigo de estagnação do direito constitucional, comprometendo sua inovação e a característica dinâmica do direito.

Ainda, verifica-se que na Alemanha pratica-se um controle puro concentrado de constitucionalidade, o que não ocorre no direito brasileiro, que adotou um sistema misto de controle de constitucionalidade. Também, na Alemanha, a força de lei das decisões do tribunal Constitucional, encontra previsão constitucional, o que não ocorre no sistema brasileiro, quanto ao efeito vinculante para as argüições de descumprimento. A fórmula alemã não deve, portanto, ser simplesmente importada pelo direito brasileiro.

O efeito vinculante estabelecido pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos, por meio da regra do stare decisis, resultado do sistema difuso de constitucionalidade, com um conseqüente debate jurisprudencial, também não deve servir de inspiração para se praticar a tese de vinculação no nosso direito pátrio, por meio das ações que propiciam um controle concentrado de constitucionalidade.

Ensina Rui Medeiros:

O precedente é uma concreta decisão jurisprudencial, vinculada como tal ao caso historicamente concreto que decidiu – trata-se também aqui de uma estrita decisão jurisdicional – que se toma (ou se impõe) como padrão normativo casuístico em decisões análogas ou para casos de aplicação concretamente analógica. Não se ultrapassa, assim, o plano do concreto casuístico – de particular a particular, e não do geral (norma) ao particular (o caso). [68]

Uma vinculação nesses termos, no direito brasileiro, por meio de um controle concentrado de constitucionalidade, ocasionaria uma grave ruptura no diálogo salutar que em matéria constitucional deve existir entre o STF e os demais órgãos jurisdicionais que praticam o controle de constitucionalidade, violando os princípios constitucionais do juiz natural e do livre convencimento do magistrado.

No entanto, independentemente da vinculação jurídica aos motivos determinantes, nada impede e tudo recomenda o recurso, pelos órgãos do Poder Judiciário, à fundamentação da decisão do STF para captar o verdadeiro sentido da norma quando esta não se apresentar suficientemente clara. Ainda, é insofismável que a jurisprudência constitucional tem um grande valor persuasivo, pois na prática a aplicação do direito é influenciada pelos precedentes.

O efeito vinculante, ainda, não tem o poder de alcançar o Poder Legislativo, vedando a reprodução do ato considerado inconstitucional.

Essa proibição ocasionaria a perda da flexibilidade e abertura da Constituição, que exige para sua interpretação, uma relação dialética entre o legislador e o órgão de controle, principalmente levando em consideração a possibilidade de uma mutação constitucional com a modificação das circunstâncias fáticas.

Novamente, Rui Medeiros leciona:

A impossibilidade de renovação do acto colocaria o legislador numa posição de clara subalternidade em face do Tribunal Constitucional. A aceitação deste limite negativo à actuação do legislador transformaria a relação bilateral Constituição-lei numa relação trilateral – Constituição-sentença-lei – em que o parâmetro positivo da Constituição seria mediado pela declaração judicial da inconstitucionalidade. E, como se isso não bastasse, afastaria o legislador, legitimado democraticamente, do processo de interpretação e actuação da Constituição. Já se vê, por isso, que, se o caso julgado inconstitucional do Tribunal Constitucional significasse uma preclusão da liberdade conformadora do legislador ou, pelo menos, de um determinado sentido concretizador da opção legislativa, assistir-se-ia um perigoso domínio absoluto do Tribunal Constitucional, que assumiria o papel de verdadeiro órgão supraconstitucional. Simultaneamente, reduzir-se-ia o espaço democrático-representativo da legitimidade política subjacente aos órgãos legislativos, rompendo-se o equilíbrio constitucional de legitimidades". [69]

A vedação ao legislador, que poderia ser sugerida pela expressão "efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público", do art. 10, § 3.°, da Lei 9.882/99, violaria o princípio da liberdade de conformação do legislador como órgão participante do processo de concretização da Constituição, não dispondo o Poder Judiciário de monopólio na interpretação e atualização do texto constitucional.

Ademais, quando previsto o efeito vinculante para as ações declaratórias de constitucionalidade, pela EC 03/93, acrescentando o § 2.° ao art. 102 da CF, estendeu-o tão-somente "relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo".

As limitações ao efeito vinculante no direito brasileiro, previsto para as argüições de descumprimento (e também para as ações diretas de inconstitucionalidade) tão-somente pelo legislador ordinário, acarretam uma conseqüente falta de utilidade na distinção entre este e a eficácia erga omnes. Ainda mais porque o STF, mesmo anteriormente às Leis 9.868/99 e 9.882/99, já vinha paulatinamente admitindo a reclamação, prevista no art. 102, I, l, da CF, em casos de descumprimento de suas decisões em controle de constitucionalidade.

A reclamação constitucional, instrumento previsto constitucionalmente para a preservação da competência do STF e garantia da autoridade de suas decisões, é cabível, na forma de seu regimento interno, conforme o art. 12 da Lei 9.882/99, contra a desobediência, pelos demais órgãos, da decisão pelo órgão de cúpula do Poder Judiciário, se declarado o descumprimento de preceito constitucional fundamental.

a)Efeito retroativo e a declaração de inconstitucionalidade

O ato do Poder Público que descumpre preceito constitucional fundamental deve ser declarado inconstitucional, implicando esta declaração nulidade do ato impugnado, que produz efeitos ex tunc, ou seja, retroativos ao momento da edição ou realização do ato, posto que não são admitidos como válidos os efeitos produzidos por ato nulo, contrário à Constituição.

Algumas questões, principalmente (mas não exclusivamente) podem ser levantadas após a edição da Lei 9.868/99 e da Lei 9.882/99, quanto aos efeitos temporais da decisão de inconstitucionalidade no sistema concentrado de constitucionalidade. Em ambos documentos legais, verifica-se um dispositivo semelhante (art. 27 e art. 11, respectivamente) ao tratar da matéria:

Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o STF, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. [70]

O dispositivo é de duvidosa constitucionalidade. Isso porque os efeitos da decisão do controle de constitucionalidade devem ser retirados do próprio texto constitucional e não de lei ordinária que, sem critérios objetivos, concede a um órgão constituído determinar as conseqüências das suas decisões de inconstitucionalidade, mesmo sendo esse órgão o STF.

O próprio dispositivo legal reconhece, de início, que a inconstitucionalidade é declarada, isto é, trata-se de decisão declaratória do descumprimento de um preceito constitucional pelo ato sindicável do Poder Público. O provimento pretendido nas ações que provocam o controle concentrado de constitucionalidade é declaratório e não desconstitutivo (ou constitutivo negativo).

A natureza do provimento vincula os efeitos temporais das decisões. O processo declaratório tem por objetivo a declaração da existência ou inexistência de um estado, no caso, de um descumprimento de preceito fundamental por um ato do Poder Público, o qual é preexistente ao provimento judicial que reconhece o vício. Já o processo desconstitutivo, se fosse o caso, acarretaria a revogação do ato considerado inconstitucional, modificando, a partir do provimento judicial, a relação existente entre lei e Constituição.

Humberto Theodoro Júnior ensina que,

Enquanto na sentença declaratória o juiz atesta a preexistência de relações jurídicas, na sentença constitutiva sua função é essencialmente ´criadora de situações novas’. [71]

Sendo declaratório o provimento judicial, o ato do Poder Público é nulo, pois não retira da Constituição fundamento de validade. Assim, considerando a supremacia da Constituição, o ato é absolutamente inválido. Não há que se falar em anulabilidade, pois o ato é nulo desde seu nascimento. Há uma superioridade hierárquica das normas constitucionais que as fazem preponderar sobre as normas e os atos infraconstitucionais.

Embora a Constituição não seja expressa a respeito da sanção decorrente da declaração de inconstitucionalidade, é reconhecida como princípio constitucional implícito a nulidade (e não a anulabilidade) do ato normativo inconstitucional. [72]

Aliás, a possibilidade de um controle difuso de constitucionalidade, com influência do sistema de fiscalização americano, realizado por qualquer juiz ou tribunal, fundamenta-se justamente na nulidade do ato considerado inconstitucional. Não fosse o ato nulo, mas meramente anulável, seria de observância obrigatória até a decisão do órgão responsável pelo controle concentrado de constitucionalidade.

Alfredo Buzaid, na obra Da Ação Direta de Declaração de Inconstitucionalidade no Direito Brasileiro, ensina:

O que afirma, em suma, a doutrina americana e brasileira é que a lei inconstitucional não tem nenhuma eficácia, desde o seu berço e não a adquire jamais com o decurso do tempo. Se toda a doutrina da inconstitucionalidade se funda na antinomia entre a lei e a Constituição, e se a solução adotada se baseia no princípio da supremacia da Constituição sobre a lei ordinária, atribuir a esta uma eficácia transitória, enquanto não fulminada pela sentença judicial, equivale a negar durante esse tempo a autoridade da Constituição.

(...) O fundamento da doutrina americana e brasileira está, pois, em que, no conflito entre a lei ordinária e a Constituição, esta sempre prepondera sobre aquela. Se a lei inconstitucional pudesse adquirir validade, ainda que temporariamente, resultaria daí uma inversão na ordem das coisas, pois, durante o período de vigência da lei, se suspende necessariamente a eficácia da Constituição. Ou, em outras palavras, o respeito à lei ordinária significa desacato à autoridade da Constituição.

(...) Lei inconstitucional é, portanto, lei inválida, lei absolutamente nula. A sentença, que decreta a inconstitucionalidade, é predominantemente declaratória, não predominantemente constitutiva. A nulidade fere-a ab initio. [73]

A declaração de nulidade acompanha a decisão de descumprimento de preceito constitucional fundamental, com pedido procedente, produzindo efeitos retroativos, ex tunc, ao momento do nascimento do ato, porque não são admitidos como válidos os efeitos produzidos pelo ato declarado inconstitucional.

No entanto, o legislador ordinário, dispondo em sentido contrário ao princípio constitucional implícito, pretendeu atribuir ao STF, por intermédio de um quorum qualificado, a possibilidade de "restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado" nos casos de "segurança jurídica ou excepcional interesse social".

Trata-se de dispositivo inconstitucional que só guarda semelhança, na história do direito constitucional brasileiro, com regra do Estado Novo, contudo prevista constitucionalmente.

O art. 96 da Constituição de 1937 estabelecia que:

No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento; se este a confirmar por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal.

Ainda, no direito estrangeiro, a Constituição portuguesa, no art. 282, item 4, estabelece regra semelhante, dispondo que:

Quando a segurança jurídica, por razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado, o exigirem, poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito do que o previsto nos 1 e 2.

Os dispositivos 1 e 2 estabelecem efeitos retroativos.

Porém, tanto a norma brasileira de 1937 como a portuguesa estavam previstas na própria Constituição (a portuguesa ainda em vigor). No atual ordenamento jurídico brasileiro norma com semelhantes características deveria ser prevista constitucionalmente, por meio de Emenda à Constituição.

A limitação dos efeitos temporais da decisão declaratória de inconstitucionalidade não pode ser estabelecida pelo legislador ordinário, seja a eficácia ex nunc (da decisão de inconstitucionalidade em diante, preservando os efeitos até então produzidos), seja a eficácia pro futuro (fixação de um termo para que o ato passe a ser considerado inaplicável), sob pena de inconstitucionalidade.

A eficácia ex tunc decorrente da nulidade do ato declarado inconstitucional atinge todos os possíveis efeitos que aquele seria capaz de gerar, inclusive a revogação da legislação anterior que tratava do mesmo assunto.

No entanto, a reentrada em vigor da norma aparentemente revogada, conseqüência do efeito repristinatório da decisão do STF, pode gerar uma inconstitucionalidade ainda mais grave que o ato nulificado.

A aplicação às cegas do efeito retroativo pode, ainda, gerar situações de inconstitucionalidade, também não admitidas pelo sistema constitucional brasileiro, podendo observar nas decisões do STF alguns temperamentos na aplicação do efeito ex tunc.

São exemplos verificáveis na jurisprudência do STF: a) não invalidação de atos praticados por funcionário investido em cargo público, por força de lei inconstitucional (funcionário de fato), quando inexistir prejuízo, a fim de proteger a aparência de legalidade dos atos em favor da boa-fé de terceiros; b) proteção da coisa julgada, estabelecida como direito fundamental no art. 5.°, XXXVI, da CF, não afetando a norma concreta da sentença ou acórdão (a decisão com trânsito em julgado faz lei entre as partes), pois consiste em limite à retroatividade da lei e à eficácia da decisão declaratória de inconstitucionalidade, salvo as sentenças penais com base em norma penal desfavorável (art. 5.°, XL, da CF).

Clèmerson Merlin Clève aponta, ainda, outras duas situações que não ferem o ato declarado inconstitucional desde o seu nascimento: a) alteração formal (Emenda à Constituição) ou informal (mutação constitucional), quando se alcança o ato impugnado a partir do momento em que a inconstitucionalidade se manifestou (entrada em vigor da norma-parâmetro); b) processo de inconstitucionalização da norma em virtude das alterações fáticas ou nas concepções que presidem a compreensão da Constituição (mutação constitucional), atingindo a norma a partir do período em que passou a ser inconstitucional. [74]

A possibilidade de modulação dos efeitos temporais da decisão do STF, entretanto, não justifica o art. 11 da Lei 9.882/99. Na realidade o que se pode observar dos exemplos fornecidos pela jurisprudência é a presença de dois valores constitucionais, aparentemente contrários, os quais são sopesados, extraindo de cada um a máxima eficácia possível, de acordo com o princípio da unidade da Constituição.

Não é possível simplesmente, como pode ser subentendido da interpretação do art. 11 da Lei 9.882/99, que o STF tenha poderes para, mesmo com um quorum qualificado, considerar aplicável, por um determinado período, um ato que descumpre preceito constitucional fundamental, pois isso importaria na suspensão provisória ou parcial da Constituição.

A consideração de determinados efeitos produzidos pelo ato considerado inconstitucional deve sempre estar acompanhada de valores contemplados na Constituição e, ainda, também considerados fundamentais, ou seja, de mesma hierarquia axiológica se comparada ao preceito violado pelo ato infraconstitucional.

Dessa forma, o STF não estará convalidando ato infraconstitucional contrário à Constituição, mas estará aplicando a própria Constituição.

E para assim fazer não há razão que justifique a necessidade de um quorum qualificado (dois terços dos membros do Tribunal), até mesmo porque o art. 97 da Constituição (cláusula de reserva de plenário) exige tão-somente o voto da maioria absoluta dos membros do Tribunal para a aplicação da Constituição.

Sobre o autor
José Ayres dos Santos Junior

Auditor Fiscal em Cascavel– PR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS JUNIOR, José Ayres. Argüição de descumprimento de preceito fundamental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 292, 25 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5080. Acesso em: 23 nov. 2024.

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