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Da possibilidade de aplicação de multa coercitiva contra agente público: decorrência do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva

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Agenda 01/08/2016 às 14:08

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A imposição de “astreintes” contra a Administração Pública, ente jurídico, inanimado, ficção legal, não tem força coercitiva, pois não trará repercussão patrimonial direta na esfera jurídica do agente público que recusa o cumprimento da ordem judicial. Trará apenas prejuízos ao erário e, por consequência, a toda a coletividade, pois consomem-se recursos públicos para pagamento de multa imputável ao comportamento desidioso do agente público responsável.

A solução para o atual panorama de execução de tutela específica contra o Estado, é a superação do entendimento retrógrado efetuado pelo STJ, que impõe obstáculos desnecessários à efetivação da tutela jurisdicional.

O próprio STJ, em 2009, na ocasião do julgamento do Resp. nº 1.111.562/RN[19], de Relatoria do Ministro Castro Meira, decidiu, por meio da 2ª Turma, por unanimidade, pela manutenção da multa diária imposta concorrentemente ao Secretário de Justiça e Cidadania, Segurança Pública e Defesa Social, o Coordenador da Administração Penitenciária e o Delegado-Geral de Polícia, todos servidores do Estado do Rio Grande do Norte[20]. Merece a transcrição dos seguintes trechos do acórdão[21]:

“A exemplo do art. 461, § 4º, do Código de Processo Civil - CPC -, com as alterações introduzidas pela Lei nº 8.952/94, o art. 11 da Lei nº 7.347/85 autoriza o magistrado a cominar multa no intuito de promover o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer estipulada no bojo de ação civil pública, sendo desnecessário o requerimento da parte adversa para tanto.

(...)

De tal sorte, a aplicação de multa diretamente ao agente administrativo constitui medida que não apenas encontra respaldo no ordenamento pátrio - amoldando-se à perfeição à vontade do legislador inscrita no art. 11 da Lei nº 7.347/85 -, como também repercute de forma extremamente satisfatória na consecução da providência estipulada pelo magistrado em sua decisão. Isso atende ao interesse público manifestado na presente ação civil pública sem recair na insidiosa dupla penalização da coletividade que adviria da cominação de multa tão-somente em desfavor do Estado.

(...)

Em suma: o art. 11 da Lei nº 7.347/85 autoriza o direcionamento da multa cominatória destinada a promover o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer estipulada no bojo de ação civil pública não apenas ao ente estatal, mas também pessoalmente às autoridades ou aos agentes públicos responsáveis pela efetivação das determinações judiciais, superando-se, assim, a deletéria ineficiência que adviria da imposição desta medida exclusivamente à pessoa jurídica de direito público.” (REsp 1.111.562/RN, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, Segunda Turma, j. em 25.08.09, DJe de 18.09.09.)

Deve ser utilizada a cominação de multa coercitiva na pessoa do agente público que, apesar de não ser parte na relação originária, pode ser alvo de astreintes, desde que tenha oportunidade de se manifestar sobre os motivos do descumprimento, pois paralelamente à relação jurídica principal, em que se discute relação de direito material, tem-se uma relação jurídica acessória na qual se discute apenas a aplicação de astreintes, em razão da resistência indevida de terceiro, autorizando a adoção das medidas necessárias, dentro de moldura razoável, à efetividade da decisão.

A interpretação proposta acima materializa o direito fundamental à tutela executiva, o qual é inerente aos princípios constitucionais da inafastabilidade da jurisdição e do devido processo legal (art. 5º, XXXV, LIV e LV, da CF).


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Notas

[1] De acordo com o Código de Processo Civil de 2015.

[2] PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. TRATAMENTO DE SAÚDE E FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS A NECESSITADO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. FAZENDA PÚBLICA. INADIMPLEMENTO. COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA. ASTREINTES. INCIDÊNCIA DO MEIO DE COERÇÃO. 1. Ação Ordinária c/c pedido de tutela antecipada ajuizada em face do Estado objetivando o fornecimento de medicamento de uso contínuo e urgente a paciente portadora de cirrose biliar primária. 2. A função das astreintes é vencer a obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação e incide a partir da ciência do obrigado e da sua recalcitrância. 3. In casu, consoante se infere dos autos, trata-se obrigação de fazer, consubstanciada no fornecimento de medicamento a pessoa portadora de cirrose biliar primária, cuja imposição das astreintes objetiva assegurar o cumprimento da decisão judicial e consequentemente resguardar o direito à saúde. 4. "Consoante entendimento consolidado neste Tribunal, em se tratando de obrigação de fazer, é permitido ao juízo da execução, de ofício ou a requerimento da parte, a imposição de multa cominatória ao devedor, mesmo que seja contra a Fazenda Pública." (AGRGRESP 189.108/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ de 02.04.2001). 5. Precedentes jurisprudenciais (...). (STJ - REsp: 715974 RS 2005/0004886-3, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 08/11/2005, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 28/11/2005 p. 217 LEXSTJ vol. 196 p. 138).

[3] EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO DE IBIMIRIM. MANDADO DE SEGURANÇA JULGADO. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. NOMEAÇÃO E POSSE DE CANDIDATO. DESCRUMPRIMENTO DA ORDEM PELO CHEFE DO PODER EXECUTIVO LOCAL. COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA EM DESFAVOR DO PATRIMÔNIO PESSOAL DO ATUAL PREFEITO. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO UNÂNIME.1. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que estipulou multa diária por descumprimento da obrigação contida em sentença proferida nos autos de Mandado de Segurança a incidir sobre o patrimônio pessoal do atual Prefeito do Município de Ibimirim. 2. No mandado de segurança, em que pese figurar no polo passivo a autoridade responsável pelo ato coator, tem-se que a ação é impetrada em desfavor do ente público - pessoa jurídica de direito público - no qual está inserido o impetrado. 3. É incabível a imposição de multa diária por descumprimento de decisão em mandado de segurança ao representante da pessoa jurídica de direito público que figurou no mandamus como autoridade coatora. Posicionamento doutrinário no sentido de que é a pessoa jurídica de direito público envolvida quem suporta os efeitos patrimoniais da lide. Precedentes do STJ e deste Tribunal. 4. Agravo de instrumento provido à unanimidade, em consonância com o parecer ministerial. (TJPE, Agravo de Instrumento nº. 0306870-2, Relator: Erik de Sousa Simões Dantas. 1ª Câmara de Direito Público. Julgamento em: 17/09/2013, Publicação em: 27/09/2013).

[4] PROCESSUAL CIVIL - PREVIDENCIÁRIO - PROCESSO DE EXECUÇÃO - IMPLANTAÇÃO DE REAJUSTE - PEDIDO DO EXCUTIDO DE PRORROGAÇÃO DO PRAZO - INDEFERIMENTO - TRANSCUROS DE MAIS DE DOIS ANOS ENTRE A PRIMEIRA INTIMAÇÃO PARA PAGAMENTO E A DECISÃO ORA AGRAVADA - MAJORAÇÃO DA MULTA DIÁRIA PARA O CASO DE NOVO DESCUMPRIMENTO DA ORDEM - AFASTAMENTO - INCOMPATIBILIDADE COM A ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS - DECISÃO REFORMADA EM PARTE - AGRAVO PROVIDO. 1. Mostrando-se abusiva a conduta do excutido que não atende, transcorridos mais de 02 (dois) anos, à determinação judicial de cumprimento de sentença transitada em julgado, deve ser mantida a decisão de indeferimento do pleito de prorrogação do prazo para implantação de reajuste salarial de servidor público. 2. É incabível a cominação de multa, em execução contra a Fazenda Pública, haja vista a incompatibilidade de tal imposição com a atuação dos órgãos públicos (Precedentes da Primeira Turma). Sendo a decisão agravada, entretanto, a que apenas majora o valor da penalidade, deve ser afastado, apenas, este acréscimo. 3. Agravo de instrumento parcialmente provido apenas para excluir da decisão agravada a ordem de majoração da multa imposta para o caso de novo descumprimento da ordem.(TRF-1 - AG: 3326 DF 2000.01.00.003326-3, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ AMILCAR MACHADO, Data de Julgamento: 30/04/2003, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: 19/05/2003 DJ p.44).

[5] Consubstanciado legalmente no art. 1142 do Código Civil Francês: “Toda obrigação de fazer ou de não fazer se resolve em perdas e danos, no caso de inexecução por parte do devedor”.

[6] Pricoli, Marcela. Astreintes: considerações sobre a origem e o desenvolvimento do instituto. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/22522/astreintes-consideracoes-sobre-a-origem-e-o-desenvolvimento-do-instituto#ixzz2xO zABCSE. Acesso em 2014.

[7] A mesma solução é preconizada por MARINONI (2001), para quem, "a prevalecer a tese de que o réu deve pagar a multa ainda quando tem razão, chegar-se-ia à solução de que o processo pode prejudicar o réu que tem razão para beneficiar o autor que não tem". (Luiz Guilherme Marinoni. Tutela específica: arts. 461, CPC e 84, CDC. 2001, p. 109-110.)

[8] . Na esteira dessa discussão, a Quarta Turma do STJ recentemente  admitiu (Recurso Especial nº 1.347.726-RS) que a multa diária fixada em sede de tutela antecipada ou medida liminar somente poderá ser exigível nos casos em que a ação a que se vincula tenha sido julgada procedente e esteja sendo atacada por recurso recebido tão somente no efeito devolutivo, momento no qual o título judicial, ao menos dotado de maior segurança jurídica, torna-se líquido, certo e satisfatoriamente exigível. A multa, porém, será devida desde a data do descumprimento.

[9] Neme, Fabiano Godolphim. Métodos Coercitivos e Prestação Jurisdicional. Disponível em http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigosautor.asp?id=104. Acesso em 2014.

[10] Wambier, Tereza Arruda Alvim; Wambier, Luiz Rodrigues. Breves comentários a 2ª fase da Reforma do Código de Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

[11] Braga, Paula Sarno. A aplicação a terceiros da multa administrativa do parágrafo único do art. 14 do CPC: aspectos polêmicos. Disponível em: http://www.didiersodrerosa.com.br/artigos. Acesso em 2014. p. 4.

[12] STJ - REsp: 747371 DF 2005/0073682-7, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 06/04/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/04/2010.

[13] STJ - REsp: 747371 DF 2005/0073682-7, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 06/04/2010, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/04/2010.

[14] STJ - REsp: 1315719 SE 2012/0058150-5, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 27/08/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/09/2013.

[15] STJ - REsp: 855738  , Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Publicação: DJ 30/09/2010.

[16] STJ - REsp: 847907 DF 2006/0109376-7, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 05/05/2011, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/11/2011)

[17] Termo utilizado pelo Des. José Ribamar Oliveira, Relator no acórdão do AI nº. 2010.0001.004241-3 proferido pela Egrégia 2ª Câmara Especializada Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí,

[18] ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APLICAÇÃO DE MULTA PREVISTA NO ART. 461, §§ 4º E 5º, DO CPC. IMPOSSIBILIDADE DE REDIRECIONAMENTO AO GESTOR PÚBLICO POR NÃO SER PARTE NO FEITO. 1. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, em se tratando de obrigação de fazer, é permitido ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, a imposição de multa cominatória ao devedor (astreintes), mesmo contra a Fazenda Pública. 2. Não é possível, contudo, a extensão ao agente político de sanção coercitiva aplicada à Fazenda Pública em decorrência da sua não participação efetiva no processo. Entendimento contrário acabaria por violar os princípios do contraditório e da ampla defesa. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no AREsp: 196946 SE 2012/0135266-6, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 02/05/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/05/2013).

[19]   Julgado em 25.08.2009.

[20] Entre os pedidos formulados na inicial, encontrava-se o arbitramento liminar de "multa diária de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) para o caso de descumprimento (parcial ou total) do provimento jurisdicional, bem assim multa de R$5.000,00 (cinco mil reais) por cada novo preso que seja indevidamente custodiado em delegacias de polícia desta capital".

[21] A decisão foi reformada posteriormente pelo AREsp 196946/SE 2012/0135266-6, que excluiu a multa aos agentes públicos.

Sobre o autor
Antônio Ítalo Ribeiro Oliveira

Advogado inscrito na OAB/PI e Gestor Público do Estado do Piauí. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí, 2014.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Antônio Ítalo Ribeiro. Da possibilidade de aplicação de multa coercitiva contra agente público: decorrência do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4779, 1 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50882. Acesso em: 23 dez. 2024.

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