Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Guerra fiscal:

ataque ao pacto federativo brasileiro

Exibindo página 2 de 2
Agenda 14/04/2004 às 00:00

3. COMO A GUERRA FISCAL PREJUDICA O PACTO FEDERATIVO

A guerra fiscal é uma disputa entre os jogadores que se dá de forma horizontal (entre estados), ou seja, os entes federados ficam disputando entre si quem dá mais incentivos fiscais para a atração de indústrias para seus parques locais, com o intuito de dar novo impulso à economia estadual. O Problema é que esses ganhos, quando há ganhos, são a curto prazo e logo vê-se que apenas os estados mais desenvolvidos tem condições de renunciar a esses recursos. Ao longo da redemocratização, os estados foram recuperando as prerrogativas tributárias perdidas durante o período autoritário.

A Constituição de 1988 foi a consolidação dessas conquistas, garantindo uma ampla liberdade tributária às unidades estaduais. Acrescenta-se a isso o aumento das receitas estaduais obtidas através das transferências constitucionais vinculadas a impostos federais. As finanças públicas estaduais contudo, entram em colapso nos anos 90, por 5 fatores: primeiro, a recessão iniciada no governo Collor; segundo, o engessamento do Orçamento público estadual, ocasionado pelo crescimento exorbitante da folha salarial do funcionalismo público; terceiro, a paralisação dos investimentos estaduais por parte do governo federal; quarto, esgotamento das fontes internacionais e nacionais de financiamento; quinto, a saída de empresas dos seus estados de origem, motivadas por incentivos fiscais oferecidos por outros estados.

Essa conjuntura só foi possível devido aos investimentos federais do II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), especialmente na área de infra-estrutura que havia beneficiado um conjunto de estados periféricos tornando-os competitivos perante os estados mais ricos. A partir daí os estados menos abastados podem competir para angariar recursos do setor privado. É a chamada guerra fiscal. Nas condições extremamente desfavoráveis em que se encontravam, e com a impossibilidade financeira da União em ajudá-los, só restava aos estados duas alternativas: se aliarem para realizarem programas conjuntos de gastos e atração de investimentos (opção cooperativa), ou cada um procurar por si só armar uma estratégia para conquistar novas empresas para o parque produtivo do estado (opção não-cooperativa). Esta última foi escolhida, exatamente porque os incentivos atuais sinalizam para comportamentos individualistas e não-cooperativos dos estados. (ABRUCIO: 1999).

. Os governadores ignoram os efeitos positivos e negativos. Sendo assim a guerra fiscal do ponto de vista federativo é uma competição não-cooperativa que afeta a federação, pois não segue os critérios estabelecidos na lei complementar nº 24 de 1975 que proíbe os estados de concederem incentivos fiscais sem a aprovação do CONFAZ. Com isso a federação perde, pois não são levados em conta os aspectos futuros da prática não-cooperativa, levando os estados a aumentarem ainda mais as desigualdades econômico-sociais.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Federalismo vem de foedos termo latino que significa amigos. O Federalismo é uma forma de estado que nasceu nos Estados Unidos da América. Em um único território convivem dois ou mais poderes autônomos.

O federalismo é um sistema montado na cooperação, embora Abrúcio afime que no Brasil não há federalismo cooperativo e sim predatório. Daphne Kenion e John Kincaid na obra Competition Among States and Local Governments esclarecem que os estados federados dos Estados Unidos estão em uma forma chamada de "cooperative and competitive federalism". Ou seja, cooperação e competição entre os estados.

Entende-se por guerra fiscal a disputa entre os estados em conceder incentivos fiscais para atrair investimentos.Esses incentivos são dados no âmbito do ICMS, imposto estadual que tributa a circulação de mercadorias e alguns serviços. Esta prática se dá via concessões de benefícios fiscais, financeiros e de infra-estrutura para as empresas interessadas em investir ou transferir seus investimentos para o estado concessor do benefício.

Apesar de supostamente haver um ganho com a guerra fiscal, já foi dito que o estado perde e o país também perde. Para Varsano, só se justifica a concessão de incentivos fiscais se, socialmente, gere melhoramentos à população da Unidade. "Só faz sentido utilizar recursos públicos para estimular empreendimentos que venha, a gerar uma adição – que não existiria na ausência do incentivo – às rendas futuras dos residentes, que seja maior que o valor por eles atribuído ao bem cuja provisão pública se reduziu ou deixou de existir"

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Logo, a Guerra Fiscal ataca o pacto federativo porque gera desequilíbrio entre os entes-federativos forçando uma autonomia confederativa por parte dos estados ou sendo pressionados por uma centralização unitária da União para garantir os interesses nacionais.


BIBLIOGRAFIA

ABRÚCIO, Luiz Fernando, COSTA, Valeriano Mendes Ferreira. Reforma do Estado e o Contexto Federativo Brasileiro. Ed. Konrad Adenawer Stiftung, 1999.

ABRÚCIO, Luiz Fernando. Caos Fiscal Limita Boas Intenções. Valor Econômico, 6 de janeiro de 2000.

AFONSO, José Roberto Rodrigues. Descentralizar e Depois Estabilizar: A Complexa Experiência Brasileira.Brasília: Revista do BNDES, 1996.

AFONSO, José Roberto Rodrigues, RAMUNDO, Júlio César Maciel, ARAÚJO, Érika Amorim. Breves Notas Sobre o Federalismo Fiscal no Brasil. Brasília: Revista do BNDES.

BORDIN, Luís Carlos Vitali, LAGEMANN, Eugênio. Guerra Fiscal Entre os Estados Brasileiros. O Que é e Quem Ganha com Ela?. http://federativo.bndes.gov.br/bf%5Fbancos/estudos/e0001115.doc. 2002

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Ed. Livraria Almedina. Coimbra, 1993

CARDOSO, Fernando Henrique. Em entrevista à Revista Conjuntura Econômica, de maio de 2002.

COSTA, Gustavo de Freitas Cavalcanti. Federalismo & ICMS: reflexos tributários. Ed. Juruá, Curitiba. 1999.

DUTRA, Olívio. A Quem Serve a Guerra Fiscal?. O Estado de São Paulo, 12 de março de 2001.

FERREIRA, Sérgio Guimarães. Guerra Fiscal: Competição Tributária ou Corrida ao Fundo do Tacho?. INORME-SE nº4, Informativo do BNDES, 2002.

KENYON, Daphne A., KINCAID, John. Competition Among States and Local Governments: Efficiency and Equity in American Federalism. Washington, DC, 1991.

LOPREATO, Francisco Luiz C. Um Novo Caminho para o Federalismo no Brasil?. Campinas, 1997.

MEDINA, Marcelo Borges de Mattos, RABELLO, Marley Fernanda Araújo. Pelo Equilíbrio Federativo. jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=1288">http://jus.com.br/revista/doutrina/texto.asp?id=1288 2002

NASCIMENTO, Sidnei Pereira do. Guerra Fiscal: Causas, Conseqüências e Perspectivas Futuras. Uma Análise para o Estado do Paraná. Dissertação (mestrado em Economia) UnB. Brasília, 2002.

SAFATLE, Cláudia, OLIVEIRA, Ribamar. Lei Regula Verba de Privatização e Inibe Guerra Fiscal. Valor Econômico, 4 de maio de 2000.

SALOMÃO, Miguel. Guerra Fiscal: O Teatro de Operações. Gazeta Mercantil, 12 de outubro de 1997.

SOUZA, Celina. Federalismo e Intermediação de Interesses Regionais nas Políticas Públicas Brasileiras. São Paulo, 1998.

VARSANO, Ricardo. A Guerra Fiscal do ICMS: Quem Ganha e Quem Perde. 1996

LEGISLAÇÃO

Lei nº 5.172 de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional)

Decreto-lei nº 406 de 31 de dezembro de 1968

Lei Complementar nº 24 de 7 de janeiro de 1975

Convênio CONFAZ ICM nº 66 de 1988

Lei Complementar nº 65 de 15 de abril de 1991

Lei Complementar nº 87 de 13 de setembro de 1996

Lei Complementar nº 92 de 23 de dezembro de 1997

Lei Complementar nº 99 de 20 de dezembro de 1999

Lei Complementar nº 102 de 11 de julho de 2000

Constituição da República Federativa do Brasil, 1988


NOTAS

1 Coordenador Geral de estudos setoriais da Diretoria de Pesquisa do IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.


ANEXOS

Tabela 12

Evolução da Repartição da Receita Tributária Nacional

Por Nível de Governo – 1960/1997/e (conceito contas nacionais)

1960

1980

1988 (*)

1997/e

%

%

%

%

Arrecadação Direta

Carga - % do PIB

17,42

24,63

22,43

29,34

Central

11,14

18,50

15,82

19,63

Estadual

5,45

5,41

5,95

8,26

Local

0,83

0,71

0,66

1,46

Composição - % Total

100,00

100,00

100,00

100,0

Central

63,95

75,12

70,54

66,9

Estadual

31,31

21,98

26,53

28,1

Local

4,75

2,90

2,93

5,0

Transferências

Fluxo em % do PIB

Central

-0.79

-1,47

-1,84

-3,09

Estadual

0,47

0,05

0,09

-0,70

Local

0,31

1,42

1,76

3,79

Receita Disponível

Carga - % do PIB

17,42

24,63

22,43

29,34

Central

10,35

17,04

13,98

16,54

Estadual

5,92

5,46

6,04

8,07

Local

1,14

2,13

2,41

4,73

Composição - % Total

100,00

100,00

100,00

100,0

Central

59,44

69,17

62,32

56,4

Estadual

34,01

22,18

26,92

27,5

Local

6,55

8,64

10,77

16,1

Elaboração própria, a partir de IBGE, FGV, Min.Fazenda, INSS, ABRASF, e IESP.

(e) Estimativas preliminares. Inclui todas contribuições para seguridade social.

2 Tabela extraída do texto Breves Notas Sobre Federalismo

Sobre o autor
Leon Victor de Queiroz Barbosa

Mestre e Doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco, Pesquisador do Centro de Estudos Legislativos da Universidade Federal de Minas Gerais e Pesquisador do PRAETOR – Grupo de Estudos sobre Poder Judiciário, Política e Sociedade da Universidade Federal de Pernambuco, Supervisor Parlamentar na Câmara Municipal do Recife e Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Leon Victor Queiroz. Guerra fiscal:: ataque ao pacto federativo brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 281, 14 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5090. Acesso em: 22 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!