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Procedimento criminal nas leis de tóxicos:

reflexões críticas sobre as Leis nº 6.368/76 e 10.409/02

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1. Intróito

Talvez em virtude das várias interrupções na história democrática do nosso país e a ingerência quase sempre perturbadora do Poder Executivo na atividade legiferante, a produção legislativa no Brasil careça de melhor técnica.

As casas legislativas, compostas por membros heterogêneos e de formações sociais completamente dispares, acabam por vezes produzindo verdadeiras pérolas. Leis que senão representam a incompetência da classe política são merecedoras de serem compiladas em um anedotário.

Nesse diapasão, o advento da nova Lei de Tóxicos apresentou tamanhas controvérsias e problemas práticos de aplicação, que suscitou um veto presidencial substancial e a severa crítica dos órgãos do Ministério Público, que sistematicamente têm a preterido em favor da Lei n.º 6.368/76.

Nas palavras de Damásio Evangelista de Jesus, "mais confusão legislativa".

Assim, com a entrada em vigor da Lei n.º 10.409/02 [1], que pretendia uma nova sistemática na regulamentação penal e processual penal dos crimes que envolvem substâncias entorpecentes, tornou-se premente um estudo comparado entre o novel instituto e a já vetusta Lei de Tóxicos, além de outras leis que também incidem sobre o procedimento. [2]

A tarefa, antes doutrinária, em sede sumaríssima ganha cunho crítico e reflexivo, remetendo-nos principalmente a uma análise do modelo procedimental trazido pela nova lei e as dificuldades enfrentadas pelos operadores na sua aplicação [3].

As inovações trazidas pela nova lei, ainda no processo legislativo, sofreram pesadas críticas, ensejando a intervenção do Poder Executivo em seu texto e tornando sua aplicabilidade repleta de incidentes indesejáveis.

Com efeito, a nova Lei antitóxicos foi completamente desfigurada pelo veto presidencial que alcançou a totalidade do capitulo referente aos delitos e das penas, bem assim, parte considerável dos artigos que regulavam o procedimento criminal na sua apuração.

Na prática instalou-se uma indefinição generalizada, porquanto não se tem bem certo se o rito foi modificado ou continua sendo aquele dos arts.20 ss da Lei n.º 6.368/76. À propósito da discussão surge a oportunidade, neste colóquio, de pontuarmos os aspectos controversos da velha e da nova lei de rito.


2. Aspectos do Procedimento da Lei n.º 6.368/76

À propósito da entrada em vigor da Lei n.º 6.368/76, muito festejou-se pela estruturação do modelo do procedimento criminal para a apuração dos crimes que tipificava.

O legislador, inspirado pelos princípios da celeridade e oralidade, imprimiu ao rito procedimental caráter extremamente expedito, fundado na concentração de atos e exiguidade dos prazos processuais. [4]

Na fase inquisitorial, exigiu-se o rigor da imediaticidade da comunicação da prisão em flagrante [5] e, em contrapartida, dispensou-se maior informalidade na realização dos termos e atos administrativo-informativos. [6]

Não se restringiram, os princípios antes mencionados, a fase inquisitorial, antes alcançaram a fase judicial do procedimento, impondo ao órgão do Ministério Público e ao Magistrado a celeridade que caracterizavam o instituto. [7]

Recebidos os autos em juízo a denúncia era ofertada em apenas três dias. Recebida essa o despacho citatório se dava em 24 horas e o interrogatório nos seguintes 5 dias. Após o saneador, audiência de instrução e prolação de sentença. O iter processual limitava-se a breves 38 dias, cuja inobservância caracterizava excesso de prazo e constrangimento ilegal ao réu preso. [8]

Embora na vanguarda, à sua época, a Lei de Tóxicos sofreu influxos das modificações dos costumes sociais e da maximização da utilização de substâncias entorpecentes, o que há muito ganhou em nosso país status de problema de saúde pública [9], verdadeira indemia.

O procedimento criminal antes consentâneo com a realidade social brasileira tornou-se anacrônico dado o número incontável de processos para a apuração dos crimes de tóxicos. Os exíguos prazos processuais, antes distintivos de celeridade e compromisso com a repressão, ganharam a classificação de impróprios, passíveis de inobservância, emblemáticos do anacronismo do aparelho estatal.

É bem verdade que o legislador, quase que a conta-gotas, produziu leis que tentaram imprimir ao rito sumário da Lei de Tóxicos a efetividade que originalmente tinha. Com efeito, a Lei n.º 8.072/90, duplicou os prazos [10] nos processos para a apuração dos crimes previstos nos arts. 12, 13 e 14, acrescentando um parágrafo único ao art.35 da Lei n.º 6.368/76. [11]

Com isso permitiu que o processo para a sua apuração pudesse se estender pelo prazo de 76 dias, desde a prisão até o encerramento da fase instrutória.

Além disso, por questões de política criminal, a Lei de Crimes Hediondos vedou benefícios processuais aos acusados pelos crimes em destaque, tais como liberdade provisória [12] e progressão no regime de cumprimento de pena [13], não obstante respeitáveis opiniões em sentido contrário. [14] Vejamos as principais repercussões no rito procedimental:

2.1. Lei dos Crimes Hediondos e Vedação à Anistia, Graça e Indulto.

A Lei n.º 8.072/90, reprisando, em linhas gerais, o preceito inserto no art.5º, inciso XLIII da CF/88, impossibilita a extinção da punibilidade do agente quer por anistia, graça ou indulto. [15]

No que tange às duas primeiras figuras, fora de dúvida sua compatibilidade vertical de eficácia, porquanto o legislador ordinário limitou-se a repetir o conteúdo da norma constitucional em destaque.

Quanto ao indulto, em que pese a corrente majoritária, esposada por Damásio Evangelista de Jesus [16] e pelo Min. Vicente Cernicchiaro [17], que asseveram estar incluído no preceito constitucional, melhor exegese seria aquela no sentido de que o indulto é benesse não vedada ao condenado pelo crime de tráfico. [18]

Contudo, os tribunais superiores preferiram a primeira corrente, firmando posição no sentido de que proibindo, o texto constitucional, a concessão de graça, em sentido amplo, estaria abarcando também o indulto.

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2.2. Lei dos Crimes Hediondos e Vedação à Fiança e Liberdade Provisória

A Constituição Federal no inciso XLIII vedou a concessão de fiança aos crimes de tráfico de entorpecentes e outros, tais como hediondos, terrorismo e tortura [19]. Com essa disposição não visou a restrição do benefício da liberdade provisória, também garantia no Texto Maior. [20]

O legislador ordinário, entretanto, no art.2º, inciso II, da Lei n.º 8.072/90 o fez. Nesse sentido o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a aplicabilidade do dispositivo em destaque, afastando qualquer alegação de inconstitucionalidade ( JSTF 170/350 ), no que é acompanhado pela maioria absoluta dos tribunais.

Entretanto, recentemente o Superior Tribunal de Justiça contrariou esse entendimento, admitindo a liberdade provisória, não obstante a hediondez do crime, ante a falta de comprovação do periculum in mora (HC 5.247-RJ).

No que tange ao crime de tortura, a Lei 9.455/97 não proibiu a concessão da liberdade provisória, o que criou o entendimento da revogação tácita do art.2º, inciso II, da Lei n.º 8.072/90, pelo menos no que tange à tortura.

2.3. Direito de Apelar em Liberdade e Art.35 da Lei de Tóxicos

O texto do art.35, caput, da Lei n.º 6.368/76 determina que o réu, condenado por infração dos artigos 12 ou 13 da Lei não poderá apelar sem se recolher à prisão. Com essa disposição veda-se a liberdade provisória após sentença condenatória, devendo o juiz revogá-la se anteriormente concedida.

Entretanto, com a edição da Lei n.º 8.072/90, determinou-se que o juiz, em caso de sentença condenatória por tráfico de entorpecentes, decidirá, fundamentadamente, se o réu poderá apelar em liberdade. [21]

A norma em comento, em que pese interpretação no sentido de ter revogado o art.35 da Lei de Tóxicos, vige, porém, somente é aplicável em situações excepcionais em que o juiz, fundamentadamente, poderá deixar de decretar a prisão.


3. Medidas Despenalizadoras e o Rito das Leis de Tóxicos

Enquanto novas e mais severas leis eram editadas, no afã de reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e figuras assemelhadas, inclusive limitando direitos e garantias processuais dos acusados, assistiu-se o crescimento das manifestações sociais pela descriminalização da maconha e a edição, sob certo aspecto reprovável, de leis despenalizadoras, algumas delas inclusive com repercussão no rito procedimental previsto pela Lei n.º 6.368/76.

Exemplo emblemático é a Lei n.º 9.099/95, que regula os Juizados Especiais Criminais, que permitiu que nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a 1(um ) ano, abrangidas ou não pela lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, pudesse propor suspensão condicional do processo. [22]

Com essa disposição, contida no art.89 daquela Lei [23], o legislador acabou por modificar o procedimento judicial dos crimes previstos nos arts. 15 [24], 16 [25] e 17 [26] da Lei n.º 6.368/76, processados pela Justiça Comum.

Outro exemplo dessa tendência é a Lei n.º 9.714/98 que modificou a redação dos artigos 43 e 44 do Código Penal, permitindo a aplicação pelo juiz de pena restritiva de direitos, substitutiva à privativa de liberdade, nos crimes culposos, seja qual for a pena e, nos crimes dolosos, com pena não superior a 4 anos.

À época chegou-se a cogitar a sua aplicabilidade aos crimes mais graves da Lei de Tóxicos, o que posteriormente foi afastado. Contudo, o benefício é aplicável aos crimes de menos graves - ( arts.15, 16 e 17 da Lei de Tóxicos ) - quando impossível a concessão da suspensão condicional do processo. [27]

Recentemente, com a edição da Lei n.º 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, novamente o legislador acabou por alterar, por via reflexa, o procedimento na Lei de Tóxicos.

Com efeito, ao estabelecer uma nova conceituação para o crime de menor potencial ofensivo [28], como aquele que a lei comina pena máxima não superior a dois anos, submeteu os crimes do art.15, 16 e 17 à competência dos Juizados Especiais Criminais, cujo procedimento trata a referida lei, com aplicação subsidiária da Lei n.º 9.099/95.

Assim dispondo, permitiu que igual benefício fosse aplicado aos acusados, pela prática dos mesmos crimes, quando chamados frente ao Juizados Especiais Estaduais, não obstante aquela norma se restringisse aos J.E.F.s.

Em outras palavras, os crimes em destaque, desde então, passaram a ser apurados mediante rito sumaríssimo, seja na esfera federal ou estaduais.

Não é só, com isso a Lei n.º 10.259/01 estendeu aos acusados pelos crimes em destaque a possibilidade de gozo do benefício processual da transação penal, prevista no art.76 da Lei n.º 9.099/95. [29]


4. Leis de Tóxicos e Juizados Especiais Federais - Lei n.º 10.259/01

Com a edição da Lei n.º 10.259/01, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal os crimes previstos no art.15, 16 e 17 da Lei n.º 6.368, de 21 de outubro de 1976, sofreram substancial alteração quanto ao procedimento utilizado para a sua apuração.

Com efeito, os crimes em destaque, antes processados sob o rito previsto no art.20 ss, da Lei de Tóxicos - ( com a possibilidade de aplicação do sursis processual - art.89 da Lei n.º 9.099/95 ) - foram reclassificados como sendo "de menor potencial ofensivo", porquanto os preceitos secundários nos tipos prevêem penas inferiores a 2 anos de prisão.

No caso dos delitos em questão, não somente aplicável o benefício da suspensão condicional do processo, mas todo o procedimento previsto nos art.60 e ss da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais Estaduais. Não obstante a reserva de competência inserta no art.2º da Lei n.º 10.259/01.

Assim, se ocorrer flagrante naqueles delitos, a autoridade policial não lavrará auto de prisão em flagrante ou procederá a inquérito policial. Ao revés, afastará a incidência do art.21 da Lei de Tóxicos e lavrará termo circunstanciado. Neste caso, nem mesmo a reincidência do agente obsta a medida. [30]

Lavrado o termo, o autor do fato é colocado em liberdade, independentemente de prestação de fiança, seguindo-se o procedimento em seus ulteriores termos, inclusive com a realização de audiência preliminar com possibilidade de transação penal dos termos do art.76. [31]


5. Reflexões Críticas Sobre a Vigência da Lei n.º 10.409/2002

O que revela-se sobremaneira importante é sabermos se a vigência da Lei n.º 10.409/02 revogou ou não a Lei n.º 6.368/76. Com efeito, muito embora tenha sido aprovada com tal mister, o que se depreende do art.59 [32] da nova Lei Antitóxico, o dispositivo em comento integrou o veto parcial do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso.

Com isso procurou-se, por via indireta, atender os reclamos e críticas apresentadas pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, para quem a nova lei era extremamente benéfica para o traficante, e também impedir a revogação expressa da Lei n.º 6.368/76.

Na prática, por força do veto presidencial que alcançou a totalidade do capitulo dos delitos e das penas - ( vide arts. 14 a 26 da Lei n.º 10.409/02 ) - e parte do capitulo do procedimento criminal.

Sustenta a Procuradoria de Justiça do Estado de São Paulo que o novel procedimento não poderia ser aplicado aos crimes tipificados na Lei n.º 6.368/76, ainda vigentes, porquanto o art.27 da Lei n.º 10.409/02 faz remição aos crimes tipificados naquela Lei que, como dito, estão vetados.

No sentido oposto, a Quarta Câmara do Egrégio Tribunal de Alçada do Paraná, no Habeas Corpus n.º 206.389-4, impetrado por Sandra Regina Rangel Silveira, em que foi relator o Juiz Lauro Augusto Fabrício de Melo ( cf. Diário da Justiça de 13.09.02 ),confirmou a anulação ab initio de um processo criminal onde o juiz não observou o novo procedimento contemplado na Lei n.º 10.409/02. [33]

Arriscamos aqui asseverar, neste particular, a incidência do princípio da aplicação imediata da lei processual penal - ( Art.2º do CPP ) - com a prevalência da Lei n.º 10.409/02, quanto ao procedimento criminal. Com efeito, a nova Lei em questão procurou tratar de forma mais completa o procedimento criminal nos crimes de tóxicos, prevendo benefícios processuais, tais como a defesa preliminar - ( art.38 ) - que não existiam no procedimento antigo e que, em nome do princípio da ampla defesa, deve ser observado sob pena de nulidade passível de enfrentamento pela via do Habeas Corpus. [34]

Na prática, todavia, existe uma enorme indefinição, uma vez que parte dos juizes tem aplicado a novo procedimento judicial, enquanto outra parte, entendendo que o rito da Lei n.º 10.409/02 estava vinculado, ainda que implicitamente, aos crimes que foram vetados, continua a aplicar o procedimento da Lei n.º 6.368/76. [35]

O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, apontou a correção da aplicação do procedimento previsto na Lei n.º 6.368/76 e não aquele da Lei n.º 10.409/02 (HC 27.665, j.8.3.2003, DJ de 23 de abril de 2003).

A propósito da discussão Fernando Capez afirma que: "se fosse desejo dos órgãos incumbidos do processo legislativo a parte procedimental também não entrar em vigor, certamente teria ocorrido o veto total do projeto, e não somente no que tange à parte penal. Além disso, na dúvida deve prevalecer aquele que melhor atende aos reclamos da ampla defesa, e que, sem dúvida, é o da Lei n.º 10.409/2002, já que assegura, dentre outras novidades a defesa preliminar, antes do recebimento da denúncia". [36]

Fernando da Costa Tourinho Filho, na mesma linha, é contundente ao dizer que: "Sem embargo, como a parte procedimental não foi vetada, em vigor está. Para nós, o procedimento é o da nova lei. Esta, meio capenga, deve prevalecer. Primeiro, porque mais benigna; segundo, porque todos sabem que o legislador quis estabelecer aquele procedimento para os crimes de tóxicos e o Poder Executivo também o aceitou. E tanto é verdade que não o vetou. Pelo contrário: manteve-o integralmente" [37]

O óbvio ululante, nesta lei, diga-se arremedo de lei, é a completa falta de orientação técnico-jurídica e o péssimo produto legislativo que disso resultou. É, nas palavras do mestre Damásio, mais uma das confusões do legislador brasileiro.


6. Rito Procedimental na Lei n.º 10.409/02

Por questões de ordem prática, não ignorando o fato de que parcela dos operadores tem asseverado a aplicabilidade da Lei n.º 10.409/02 no que tange ao procedimento para a apuração dos crimes tipificados na Lei n.º 6.368/76, cabe-nos destacarmos seus pontos principais. Vejamos:

Na fase policial do procedimento de apuração dos crimes de entorpecentes, no caso de indigitado preso, a Autoridade comunicará imediatamente ao Juiz a prisão (CF/88, art.5º, LXII) e terá prazo, improrrogável, de 15 dias, sob pena de constrangimento ilegal por excesso de prazo, para concluir o Inquérito Policial; cabível o habeas corpus.

No caso de indiciado solto, o prazo para a conclusão do Inquérito Policial é de 30 (trinta) dias. Em ambos os casos, ou seja, réu preso ou solto, os prazos podem ser duplicados pela Autoridade Judicial, mediante requerimento justificado da Autoridade Policial que presidir o Inquérito (art.29, caput, da Lei n.º 10.409/02).

Recebido os autos de inquérito policial, o Ministério público, no prazo de 10 dias oferecerá denúncia, requererá novas diligências ou requererá o arquivamento do inquérito policial ( art.37 ).

O prazo para o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público é aquele previsto no art.37 da Lei n.º 10.409/02, não aplicando-se a dobra prevista no art.35, parágrafo único, da Lei n.º 6.368/76, revogado.

Assim, "o prazo para o oferecimento da denúncia, bem como os demais prazos procedimentais, não podem ser duplicados na hipótese de tráfico, pois o parágrafo único do art.35 da Lei n.º 6.368/76, que dispunha nesse sentido, foi revogado junto com a lei, uma vez que esta disciplinou integralmente a questão do prazo, regulando totalmente matéria tratada no diploma anterior." [38]

No caso do Promotor requerer o arquivamento do Inquérito Policial, nos crimes de entorpecentes, o juiz, se discordar, procederá à remessa dos autos ao Procurador Geral de Justiça, à semelhança da previsão do art.28 do CPP (art.37, §§ 1º a 3º do art.37).

No caso de oferecimento da denúncia, ato contínuo o juiz, em 24 horas, nos termos do art.38 da Lei n.º 10.409/02, deverá determinar a citação [39]do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 dias. [40] Nessa fase não há ainda o recebimento da denúncia pelo juiz.

Naquele prazo, 10 dias, o acusado poderá apresentar a defesa preliminar, que se assemelha a uma verdadeira contestação, oferecendo exceções processuais, documentos, arrolando testemunhas e requerendo diligências ( art.38, § § 1º e 2º ).

Acaso o réu não apresente defesa, o juiz nomeará defensor para oferecê-la em 10 dias, concedendo-lhe vistas dos autos no ato de nomeação ( art.38, §3º )

No novo procedimento as exceções (incompetência, suspeição e impedimento) serão processadas em apartado, nos termos dos arts. 95 a 13 do Código de Processo Penal (art.38, §2º).

Outra disposição que causa espécie na Nova Lei Antitóxicos é o art.38, § 6º, que dispõe que: "Aplica-se o disposto na Lei n.º 9.271, de 17 de abril de 1996, ao processo em que o acusado, citado pessoalmente ou por edital, ou intimado para qualquer ato do processual, deixar de comparecer sem motivo justificado."

Com efeito, o legislador previu a possibilidade de aplicação da regra do art.366 do C.P.P, com a suspensão do processo e da prescrição nos casos não só de citação editalicia mas também pessoal, quando o acusado não comparece aos atos processuais.

É de perguntar-se: Como é possível suspender-se o processo se ainda não existe relação processual ? Ora, previu-se a possibilidade de suspender-se o processo antes mesmo do recebimento da denúncia, antes da formação do actum trium personarum !

Não é só. Com o dispositivo aquele que seria considerado revel - ( citado pessoalmente e que não comparece ao processo ) - agora terá o processo suspenso.

Além disso, ao analisar-se o art.38 da Lei n.º 10.249/02 percebe-se que o legislador trouxe para antes do início da ação penal o ato de interrogatório. Porém, no art.41 da mesma lei repetiu-se, prevendo um novo interrogatório, a realizar-se na audiência de instrução e julgamento, antes da oitiva das testemunhas.

Fernando Capez e Vitor Eduardo Rios Gonçalves asseveram não haver imperfeição técnica no duplo interrogatório. Com efeito, dizem os ilustres professores que: "para quem acompanhou o trâmite da lei e os diversos dispositivos vetados, resta claro que a intenção do projeto efetivamente era aumentar a possibilidade de defesa dos acusados(...) Ademais, a interpretação sistemática dos dispositivos da nova lei não pode levar à conclusão de que deve ser realizado apenas o interrogatório na audiência de instrução e julgamento, e que a menção ao primeiro interrogatório seria mera imperfeição do texto." [41]

Em sentido contrário Renato Flávio Marcão aponta sérias imprecisões. Nas palavras do ilustre membro do Ministério Público, há uma incompatibilidade de prazos no art.38 da Lei n.º 10.409/02, que impossibilita sua aplicabilidade, tornando impossível a realização do primeiro interrogatório antes de escoado o prazo de apresentação de defesa preliminar. [42]

Após o interrogatório, não sendo causa de rejeição ( art.39 ) o juiz receberá a denúncia e designará dia e hora para a audiência de instrução e julgamento e ordenará a intimação do acusado, do Ministério Público e, se for o caso, do assistente.

Na audiência de instrução e julgamento, após o "novo" interrogatório do acusado e a inquirição das testemunhas, será dada a palavra, sucessivamente, ao representante do Ministério Público e ao defensor do acusado, pelo prazo de 20(vinte) minutos para cada um, prorrogável por mais 10(dez), a critério do juiz, que, em seguida, proferirá a sentença(art.41 ).

Se não se sentir habilitado a julgar de imediato a causa, o juiz ordenará que os autos lhe sejam conclusos para, no prazo de 10(dez) dias, proferir a sentença.

Sobre os autores
Carlos Barbará

advogado criminalista, com especialização no Tribunal do Júri, pela Academia Paulista do Júri, professor de Direito Penal e Processo Penal na Faculdade de Direito da Universidade Braz Cubas

Fernando Neves Castela

advogado, pós-graduando em Direito Processual na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, professor assistente da Faculdade de Direito da Universidade Braz Cubas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBARÁ, Carlos; CASTELA, Fernando Neves. Procedimento criminal nas leis de tóxicos:: reflexões críticas sobre as Leis nº 6.368/76 e 10.409/02. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 285, 18 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5102. Acesso em: 24 nov. 2024.

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